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Reumatologia intervencionista: competência dos reumatologistas brasileiros

Resumo

Objetivos:

Descrever a competência dos reumatologistas brasileiros na reumatologia intervencionista (RI); avaliar a associação entre essa capacidade e variáveis demográficas e de treinamento.

Métodos:

Fez-se um estudo transversal com 500 reumatologistas brasileiros. Os participantes foram avaliados por questionário autoadministrado, constituído por dados demográficos, treinamento, prática em consultório e conhecimento em dados de RI.

Resultados:

Analisaram-se os dados de 463 participantes. A média foi de 40,2 anos (± 11,2). Desses, 70% fizeram injeções periarticulares (IPA) e 78% intra-articulares (IIA). A amostra foi dividida em três grupos: não intervencionista, pouco intervencionista e muito intervencionista. O grupo não intervencionista apresentou (p < 0,001 - 0,04) maior média de idade, menor proporção de vínculo universitário, menor história de treinamento, maior proporção de graduados na Região Sudeste do país e maior proporção de graduados nas décadas de 1980 a 1989. O grupo muito intervencionista apresentou (p < 0,001 - 0,018) maior proporção de reumatologias que atendem pacientes adultos, maior proporção de vínculo universitário, maior tempo de treinamento de prática de procedimentos complexos, maior proporção de graduados no sul do país, treinados e com consultório particular nessa região. As variáveis mais frequentemente associadas ao subgrupo muito intervencionista foram realização de IIA axial (OR: 7,4, p < 0,001), biópsia sinovial (OR: 5,75, p = 0,043), IIA guiada por imagem (OR: 4,16, p < 0,001), viscossuplementação (OR = 3,41, p < 0,001), lavagem articular (OR = 3,22, p = 0,019), biópsia da glândula salivar (OR = 2,16, p = 0,034) e mais de seis meses de treinamento (OR: 2,16; p = 0,008).

Conclusões:

Fazer procedimentos invasivos mais complexos e ter mais de seis meses de treinamento em RI foram as variáveis associadas a um maior perfil intervencionista.

Palavras-chave:
Infiltração articular; Competência; Reumatologista; Treinamento

Abstract

Objectives:

Describe Brazilian rheumatologists's competence in interventional rheumatology; assess the association between this ability and demographic and training variables.

Methods:

A cross-sectional study with 500 Brazilian rheumatologists. Participants were assessed by self-administered questionnaire consisting of demographics, training, practice in office and knowledge in interventional rheumatology data.

Results:

463 participants had their data analyzed. The mean age was 40.2 years (±11.2). 70% had performed periarticular injections and 78% had performed intra-articular injections. The sample was divided into three groups: non-interventionist, little interventionist and very interventionist. The non-interventionist group showed (p < 0.001-0.04) higher mean age, lower proportion of university bond, lower training history, higher proportion of graduates in the Southeast country, and higher proportion of graduates in the 1980s to 1989. The very interventionist group showed higher (p < 0.001-0.018) proportion of adult rheumatologists, higher proportion of university bond, longer training time with greater practice of complex procedures, and higher proportion of graduates, trained and with private practice in the South country. Variables most associated with the very interventionist subgroup are performing axial intra-articular injections (OR: 7.4, p < 0.001), synovial biopsy (OR: 5.75, p = 0.043), image-guided IAI (OR: 4.16, p < 0.001), viscosupplementation (OR = 3.41, p < 0.001), joint lavage (OR = 3.22, p = 0.019), salivary gland biopsy (OR = 2.16, p = 0.034) and over 6-month training (OR: 2.16, p = 0.008).

Conclusions:

Performing more complex invasive procedures and over 6-month training in interventional rheumatology were variables associated with enhanced interventional profile.

Keywords:
Joint injection; Competence; Rheumatologist; Training

Introdução

Muitos consideram a reumatologia uma especialidade meramente clínica. Mas, na verdade, a prática envolve uma série de intervenções que ajudam o médico no diagnóstico e tratamento de doenças reumáticas. A reumatologia intervencionista (RI) é parte da especialidade há mais de meio século, quando começou a prática de infiltração intra-articular (IIA) com corticosteroides (CS).11 Hollander JL, Brown EM, Jessar RA, Brown CY. Hydrocortisone and cortisone injected into arthritic joints; comparative effects of and use of hydrocortisone as a local antiarthritic agent. J Am Med Assoc. 1951;147:1629-35. Esse é o procedimento mais comumente feito pelos reumatologistas da atualidade. As infiltrações periarticulares (IP) com CS podem ser usadas para o tratamento de reumatismos de partes moles como primeira escolha ou mesmo em casos refratários. O uso de técnicas de imagem pode melhorar a efetividade da infiltração articular, tanto intra-articular quanto periarticular. Outros procedimentos relacionados com o diagnóstico do paciente incluem as biópsias sinoviais, ósseas, musculares e da glândula salivar.22 Vordenbaumen S, Joosten LA, Friemann J, Schneider M, Ostendorf B. Utility of synovial biopsy. Arthritis Res Ther. 2009;11:256.

3 Ralston SH. Bone densitometry and bone biopsy. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2005;19:487-501.

4 Harris BT, Mohila CA. Essential muscle pathology for the rheumatologist. Rheum Dis Clin North Am. 2011;37:289-308, vii.
-55 Chisholm DM, Mason DK. Labial salivary gland biopsy in Sjögren's disease. J Clin Pathol. 1968;21:656-60.

Poucos estudos avaliam a competência dos reumatologistas na prática de procedimentos em todo o mundo.66 Centeno LM, Moore ME. Preferred intraarticular corticosteroids and associated practice: a survey of members of the American College of Rheumatology. Arthritis Care Res. 1994;7:151-5.

7 Gormley GJ, Corrigan M, Steele WK, Stevenson M, Taggart AJ. Joint and soft tissue injections in the community: questionnaire survey of general practitioners' experiences and attitudes. Ann Rheum Dis. 2003;62:61-4.
-88 Liddell WG, Carmichael CR, McHugh NJ. Joint and soft tissue injections: a survey of general practitioners. Rheumatology (Oxford). 2005;44:1043-6. Alguns estudos focam na competência do reumatologista em fazer ultrassonografia musculoesquelética (USM) para fins diagnósticos ou para guiar procedimentos.99 Cunnington J, Platt P, Raftery G, Kane D. Attitudes of United Kingdom rheumatologists to musculoskeletal ultrasound practice and training. Ann Rheum Dis. 2007;66:1381-3.

10 Duftner C, Schuller-Weidekamm C, Mandl P, Nothnagl T, Schirmer M, Kainberger F, et al. Clinical implementation of musculoskeletal ultrasound in rheumatology in Austria. Rheumatol Int. 2014;34:1111-5.

11 Mandl P, Naredo E, Conaghan PG, D'Agostino M-A, Wakefield RJ, Bachta A, et al. Practice of ultrasound-guided arthrocentesis and joint injection, including training and implementation in Europe: results of a survey of experts and scientific societies. Rheumatology (Oxford). 2012;51:184-90.

12 Samuels J, Abramson SB, Kaeley GS. The use of musculoskeletal ultrasound by rheumatologists in the United States. Bull NYU Hosp Jt Dis. 2010;68:292-8.
-1313 Takase K, Ohno S, Ideguchi H, Takeno M, Shirai A, Ishigatsubo Y. Use of musculoskeletal ultrasound in Japan: a survey of practicing rheumatologists. Mod Rheumatol. 2010;20:376-80.

Não foi encontrado estudo publicado que avaliasse a competência teórica em reumatologia intervencionista entre reumatologistas brasileiros. Acredita-se que há uma grande heterogeneidade no treinamento para a realização de procedimentos osteoarticulares no Brasil.

Os objetivos deste estudo foram descrever a competência dos reumatologistas brasileiros na RI, avaliar a associação entre suas competências e variáveis demográficas e entre sua formação educacional, para identificar variáveis associadas ao maior perfil intervencionista.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal revisado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo. Quinhentos reumatologistas brasileiros foram selecionados aleatoriamente e designados para participar do estudo. Os participantes foram selecionados durante a mais importante reunião anual da Sociedade Brasileira de Reumatologia, na Região Sudeste do Brasil.

Usaram-se os seguintes critérios de inclusão: ser reumatologista ou aluno do último ano de residência em reumatologia e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão do estudo foi: não ser reumatologista (estudantes de medicina, médicos residentes de outras especialidades, médicos especialistas em outras áreas, sem especialidade médica específica).

Avaliação

Avaliaram-se os participantes por meio de um questionário autoadministrado. O questionário consistiu em duas partes: a primeira relacionava-se com as características demográficas e com a formação em RI e a segunda com a competência em RI.

A primeira parte do questionário consistiu nos seguintes itens: idade; local e ano de graduação; instituição de residência/especialização em reumatologia; título de especialista, mestre ou doutor em reumatologia; vínculo universitário e consultório particular.

A segunda parte do questionário incluiu os seguintes itens relacionados com a prática em RI: treinamento em procedimentos invasivos durante a residência médica/especialização; prática em procedimentos invasivos; prática em IP e estruturas infiltradas; prática em IIA apendicular, articulações infiltradas e indicação para o procedimento; prática em IIA axial e articulações injetadas; CS usados na IP e razão para escolha; CS usados na IIA e razão para escolha; prática em infiltrações guiadas por imagem na IP e IIA e técnicas de imagem usadas para guiar o procedimento; prática em viscossuplementação, lavagem articular, infiltração epidural com CS e biópsias sinovial, da glândula salivar, óssea e muscular.

As questões que abordaram as articulações infiltradas (IP ou IIA apendicular) foram analisadas descritivamente, mas também categorizadas como fáceis ou difíceis de fazer, segundo a opinião de dois reumatologistas com vasta experiência em reumatologia intervencionista, como segue:

IP: Fáceis de fazer: subacromial, epicôndilo lateral, epicôndilo medial, bursa trocantérica, bursa isquiática, bursa anserina e fáscia plantar; difíceis de fazer: tendão extensor curto/abdutor longo do polegar (tendinite de de Quervain), túnel do carpo, tendão flexor dos dedos (tendinite estenosante ou dedo em gatilho), cisto poplíteo, perientesites e/ou bursite do tendão calcâneo, na bainha sinovial dos tendões fibulares e tibial posterior.

IIA: Fáceis de fazer: joelho; punho; tornozelo e metacarpofalângica; difíceis de fazer: temporomandibular; acromioclavicular; glenoumeral; radioumeral; primeira metacarpofalângica, interfalângica proximal e interfalângica distal; quadril; talocalcânea; intertarsal e metatarsofalângica.

Os participantes foram inicialmente divididos em dois grupos: "não intervencionista", formado por reumatologistas que não faziam procedimento; e "intervencionista", formado por reumatologistas que faziam pelo menos um tipo de procedimento. Posteriormente, foram divididos em dois grupos: 1 - "muito intervencionista", que fazia pelo menos 50% das IP consideradas fáceis, 20% das IP consideradas difíceis, 50% das IIA consideradas fáceis e 20% das IIA consideradas difíceis; 2 - "pouco intervencionista", que fazia alguns procedimentos invasivos, mas não alcançou o limite pré-estabelecido para compor o primeiro subgrupo, bem como reumatologistas que não faziam qualquer tipo de procedimento.

Quanto à questão do CS mais eficaz para uso intra-articular, segundo evidências científicas, a melhor opção foi considerada a triancinolona hexacetonida.1414 Furtado R, Natour J. Infiltrações no aparelho locomotor. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 180.

Em relação aos procedimentos mais complexos em reumatologia intervencionista (procedimentos guiados, biópsias, lavagem articular e infiltração epidural com CS), os reumatologistas tiveram que descrever sua competência para fazê-los e onde obtiveram treinamento técnico.

Análise estatística

Foi feita uma análise descritiva (média, desvio padrão [DP], frequência e porcentagem) para a caracterização da amostra.

Depois da descrição da competência dos reumatologistas brasileiros em RI, foram feitas as seguintes análises: avaliação da associação entre a competência e variáveis demográficas e variáveis de treinamento, comparação com os grupos "não intervencionistas"/intervencionistas" e "muito intervencionista/pouco intervencionista". Além disso, foi feita uma análise para identificar fatores preditores dos participantes pertencerem ao grupo "muito intervencionista".

Compararam-se a idade, origem e o local de treinamento. Para essas comparações, usou-se o teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste de qui-quadrado de Pearson.

Fez-se também uma regressão logística multivariada utilizando o método backward conditional visando identificar fatores que pudessem predizer a probabilidade de o participante pertencer ao grupo "muito intervencionista".

Usou-se o software SPSS versão 17.0 (Chicago, IL) e o nível de significância estatística foi de 5%.

Resultados

Foram preenchidos 487 questionários, dos quais 463 se adequaram aos critérios de inclusão. Vinte e quatro participantes foram excluídos porque não eram reumatologistas.

As características demográficas da amostra são apresentadas na tabela 1. A maioria dos participantes (81,5%) declarou ter recebido treinamento em RI durante a residência/especialização. Aproximadamente 70% fizeram IP, enquanto 78% fizeram IIA. A Região Sudeste do Brasil foi a que obteve a maior quantidade de participantes do estudo - graduada (58,3%), treinada em reumatologia (77,2%), com mestrado (74,8%) ou doutorado (78,8%) e atuação em consultório particular (62,8%).

Tabela 1
Características demográficas da amostra

A figura 1 mostra a frequência de IP e IIA. A epicondilite lateral, a bursite trocantérica e a epicondilite medial foram as doenças periarticulares que mais levaram a infiltrações. As articulações apendiculares mais infiltradas foram o joelho, o punho e o tornozelo. A principal indicação para IIA foi a presença de sinovite (91,2%), seguida por inchaço articular (64,9%) e dor nas articulações (27,3%). A instabilidade articular foi identificada como uma indicação para IIA em apenas 1,7% dos participantes; 50 (10,9%) participantes fizeram IIA axial. A articulação axial mais comumente infiltrada foi a esternoclavicular, infiltrada por 76,6% dos participantes.

Figura 1
Porcentagem de participantes que fez infiltração periarticular (IP) e infiltração intra-articular (IIA) por articulação ou estrutura.

A figura 2 mostra os CS comumente usados nas IIA e IP. Para ambos os tipos de infiltrações (IIA e IP), a presença de evidência científica foi a principal razão para a escolha do CS, sendo indicada por 53,8% dos participantes para IP e 67,5% para IIA. A maioria dos reumatologistas (67,3%) indicou corretamente a triancinolona hexacetonida como o CS mais eficaz para a IIA.

Figura 2
Escolha de corticosteroides para infiltração periarticulares (IP) e infiltração intra-articulares (IIA).

As IIA guiadas foram feitas por apenas 14% dos participantes, as articulações do tornozelo (75,8%), quadril (54,8%) e glenoumeral (53,2%) foram as mais comumente submetidas à infiltração guiada. O método mais usado para guiar a IIA foi a ultrassonografia, usada por 88,7% dos reumatologistas.

Quanto à prática de viscossuplementação, observou-se que 38,2% dos reumatologistas relataram fazer esse procedimento em sua prática clínica. A articulação mais submetida à viscossuplementação foi o joelho (100% dos casos).

A lavagem articular foi o procedimento invasivo complexo mais comumente feito, sendo realizado por 10,6% dos reumatologistas. O menos feito foi a biópsia óssea (1,3%). Para os procedimentos invasivos menos comuns, a residência foi onde a maior parte dos participantes recebeu treinamento técnico.

A tabela 2 mostra a comparação dos dados demográficos e de formação acadêmica entre os grupos "não intervencionista" e "intervencionista". Observou-se que a idade média do grupo "não intervencionista" foi significativamente maior do que no grupo "intervencionista". No grupo "intervencionista" houve uma maior proporção de reumatologistas ligados a universidade e treinados em RI por mais de seis meses durante a residência/especialização médica. O grupo "não intervencionista" teve uma proporção significativamente maior de indivíduos com treinamento em reumatologia na Região Sudeste do Brasil e graduados entre 1980 e 1989. O grupo "intervencionista" teve uma maior proporção de treinamento em reumatologia na Região Sul do Brasil.

Tabela 2
Comparação entre os grupos "intervencionista" e "não intervencionista"

A tabela 3 mostra a comparação de dados demográficos, treinamento acadêmico e prática de procedimentos invasivos mais complexos entre os grupos "muito intervencionista" e "pouco intervencionista". Observou-se que o grupo "muito intervencionista" apresentou maior proporção de reumatologistas que atendiam apenas a pacientes adultos, que eram vinculados a universidade, que foram treinados RI por mais de seis meses na residência/especialização em reumatologia, que tinham prática em IIA axial, infiltração guiada por imagem, viscossuplementação, lavagem articular, biópsia sinovial, biópsia de glândula salivar e prática em infiltração peridural com CS. Verificou-se ainda que o grupo "pouco intervencionista" tinha uma maior proporção de atuantes em consultório particular, com formação em medicina e reumatologia na Região Sudeste do Brasil, enquanto o grupo "muito intervencionista" tinha uma maior proporção de reumatologistas que trabalhavam em consultório particular, com formação em medicina e reumatologia na Região Sul do Brasil.

Tabela 3
Comparação entre os grupos "muito intervencionista" e "pouco intervencionista"

Com o método backward conditional, fez-se uma regressão logística multivariada para identificar e calcular a odds ratio (OR) das variáveis mais associadas ao grupo "muito intervencionista". As variáveis encontradas foram: prática em IIA axial, viscossuplementação, lavagem articular, biópsia sinovial, biópsia de glândula salivar, IIA guiada por imagem e treinamento em RI por mais de seis meses.

A variável mais fortemente associada foi a prática de IIA axial, com OR de 7,4 (IC 95% 2,7 a 20,1, p < 0,001), seguida pela prática de biópsia sinovial (OR de 5,7 [IC 95%, 1,05 a 31,32] p < 0,05) e injeções guiadas por imagem (OR de 4,1 [IC 95%, 1,88 a 9,2] p < 0,0010). A tabela 4 mostra os dados para essas e outras variáveis identificadas pela regressão logística multivariada.

Tabela 4
Análise de regressão logística para predizer o pertencimento ao grupo "muito intervencionista"

Discussão

No Brasil, a grande maioria dos reumatologistas tem algum tipo de treinamento específico em RI durante a residência médica ou especialização. No presente estudo, a maioria dos reumatologistas brasileiros avaliados faz procedimentos em reumatologia, sendo as IIA mais comuns do que as IP. Fazer procedimentos invasivos mais complexos, fazer viscossuplementação e ter treinamento em reumatologia intervencionista por mais de seis meses foram as variáveis associadas a um perfil mais intervencionista.

Segundo o Ministério da Educação, a artrocentese, a IIA e a IP são habilidades que devem ser adquiridas ao longo da residência em reumatologia, como parte do programa oficial de formação especializada. Procedimentos como biópsias (osso, pele, glândula salivar menor, músculo e tecido subcutâneo), USM, bloqueio regional de nervos e infiltração peridural são considerados opcionais, ainda que recomendados.1515 TGiorgi RDN, Laurindo IMM. Requisitos mínimos do programa de residência médica em reumatologia (R1 e R2). São Paulo: Sociedade brasileira de reumatologia; 2010. Available from: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=6538&Itemid= [cited 10.07.15].
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
Apesar da existência desse programa teórico, sabe-se que a heterogeneidade entre os programas é grande.

Acreditamos que o questionário usado neste estudo abrangeu a maior parte das variáveis relacionadas com a prática dos reumatologistas brasileiros em reumatologia intervencionista. No momento em que os dados foram coletados, não foi encontrado na literatura outro estudo semelhante que envolvesse reumatologistas brasileiros. Houve, contudo, estudos que avaliaram a prática e a educação dos reumatologistas em USM e a prática e treinamento em IIA e IP de médicos clínicos gerais.77 Gormley GJ, Corrigan M, Steele WK, Stevenson M, Taggart AJ. Joint and soft tissue injections in the community: questionnaire survey of general practitioners' experiences and attitudes. Ann Rheum Dis. 2003;62:61-4.,88 Liddell WG, Carmichael CR, McHugh NJ. Joint and soft tissue injections: a survey of general practitioners. Rheumatology (Oxford). 2005;44:1043-6.

Estudos publicados por Gormley et al. (2003) e Liddell et al. (2005) abordaram a prática de IIA e IP entre clínicos gerais do Reino Unido. Ambos os estudos relataram que as infiltrações no ombro, joelho e para epicondilite lateral eram as mais comumente feitas. Entre os fatores que influenciaram a prática em IIA e IP estão: sexo masculino, atuação em região rural e treinamento formal nesses procedimentos.77 Gormley GJ, Corrigan M, Steele WK, Stevenson M, Taggart AJ. Joint and soft tissue injections in the community: questionnaire survey of general practitioners' experiences and attitudes. Ann Rheum Dis. 2003;62:61-4.,88 Liddell WG, Carmichael CR, McHugh NJ. Joint and soft tissue injections: a survey of general practitioners. Rheumatology (Oxford). 2005;44:1043-6.

A amostra do presente estudo foi composta por 463 participantes com média de 40,2 anos. A grande maioria (95,9%) era de reumatologistas que atendia apenas pacientes adultos. A porcentagem de praticantes de IIA apendicular (78%) foi maior do que a de praticantes de IP (69,9%) e uma porcentagem muito menor relatou ter feito IIA axial (10,9%).

Entre as IP, o local mais infltrado foi o epicôndilo lateral (87,6%), bem como em estudos feitos por Gormley em 2003 e Liddell em 2005. Entre as articulações mais comumente infiltradas, o joelho destacou-se com 99,4%. Esse fato provavelmente é decorrente da grande variedade de doenças reumáticas e ortopédicas que afetam essa articulação. Além disso, essa é a maior articulação do sistema locomotor e é relativamente superficial, o que favorece a possibilidade de fazer com segurança procedimentos cegos.

Entre os CS mais comumente usados nas IP, o mais usado neste estudo foi a betametasona (62,2%). No entanto, observou-se que 23,3% dos participantes relataram usar triancinolona hexacetonida para esse procedimento, o que é uma prática potencialmente perigosa para o paciente, em razão da sua característica atrofiante.1414 Furtado R, Natour J. Infiltrações no aparelho locomotor. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 180.

Para a IIA, o CS mais usado foi a triancinolona hexacetonida (65,4%), também considerado o mais eficaz (67,3%). Na comparação desses dados com aqueles encontrados por Centeno et al. em 1994, observou-se que entre os reumatologistas americanos a metilprednisolona foi o CS mais usado na IIA de joelho, enquanto no Brasil o mais usado foi a triancinolona hexacetonida.66 Centeno LM, Moore ME. Preferred intraarticular corticosteroids and associated practice: a survey of members of the American College of Rheumatology. Arthritis Care Res. 1994;7:151-5. Entretanto, a triancinolona hexacetonida foi considerada o CS efetivo por reumatologistas americanos e brasileiros.

Em relação às infiltrações articulares guiadas por imagem, verificou-se que 14% dos participantes deste estudo fazem esse procedimento, especialmente nas articulações do tornozelo, quadril e glenoumeral. A USM é o método mais usado para guiar infiltrações articulares. Esse resultado é semelhante a dois estudos que mostram que, na maioria dos países que compõem o Eular (84,9% dos países), menos de 10% dos reumatologistas fizeram esse procedimento.1111 Mandl P, Naredo E, Conaghan PG, D'Agostino M-A, Wakefield RJ, Bachta A, et al. Practice of ultrasound-guided arthrocentesis and joint injection, including training and implementation in Europe: results of a survey of experts and scientific societies. Rheumatology (Oxford). 2012;51:184-90. No Japão, 10,8% o fizeram.1313 Takase K, Ohno S, Ideguchi H, Takeno M, Shirai A, Ishigatsubo Y. Use of musculoskeletal ultrasound in Japan: a survey of practicing rheumatologists. Mod Rheumatol. 2010;20:376-80. Países como Reino Unido e os Estados Unidos têm uma maior percentagem de reumatologistas que praticam USM: 33% e 21%, respectivamente.99 Cunnington J, Platt P, Raftery G, Kane D. Attitudes of United Kingdom rheumatologists to musculoskeletal ultrasound practice and training. Ann Rheum Dis. 2007;66:1381-3.,1212 Samuels J, Abramson SB, Kaeley GS. The use of musculoskeletal ultrasound by rheumatologists in the United States. Bull NYU Hosp Jt Dis. 2010;68:292-8.

Na amostra do presente estudo, poucos reumatologistas foram habilitados à prática de procedimentos mais invasivos e complexos (lavagem articular, biópsia sinovial, da glândula salivar, óssea e muscular, e infiltração epidural). Seu treinamento ocorreu na residência em reumatologia.

Quando comparado com o grupo "intervencionista", o grupo "não intervencionista" apresentou menor proporção de vínculo universitário e menor tempo de treinamento (inferior a seis meses) em RI. Esses achados corroboram mais uma vez a grande importância do treinamento adequado em reumatologia intervencionista. Encontrou-se no grupo "intervencionista" uma maior proporção de graduados na Região Sul do Brasil. Curiosamente, a Região Sudeste do Brasil apresentou a maior proporção de participantes no grupo "pouco intervencionista". Esse foi um achado surpreendente em razão da maior concentração de reumatologistas na Região Sudeste brasileira.

De maneira semelhante, em estudos feitos por Gormley e Liddell, verificou-se também que os clínicos gerais que trabalhavam em áreas com baixa concentração de especialistas, citados no estudo como região rural ou mista, tinham maior propensão a fazer infiltrações do sistema locomotor.77 Gormley GJ, Corrigan M, Steele WK, Stevenson M, Taggart AJ. Joint and soft tissue injections in the community: questionnaire survey of general practitioners' experiences and attitudes. Ann Rheum Dis. 2003;62:61-4.,88 Liddell WG, Carmichael CR, McHugh NJ. Joint and soft tissue injections: a survey of general practitioners. Rheumatology (Oxford). 2005;44:1043-6. Encontrou-se também que o grupo "não intervencionista" tinha uma maior proporção de graduados na década de 1980 a 1989 em comparação com o grupo "intervencionista". O último resultado pode inferir que os médicos graduados após 1990 ou médicos mais jovens são mais intervencionistas, atualmente.

Quanto à comparação entre os grupos "muito intervencionista" e "pouco intervencionista', verificou-se que o grupo "muito intervencionista" teve uma maior proporção de reumatologistas que atendem pacientes adultos, profissionais ligados a universidade e com tempo de treinamento em RI superior a seis meses. O grupo "muito intervencionista" também teve uma maior proporção de praticantes de IIA axial, infiltrações guiadas por imagens, viscossuplementação e procedimentos invasivos mais complexos. Esses achados mais provavelmente estão relacionados com o treinamento mais longo e também revelam o perfil mais intervencionista desse grupo.

Quando se realizou uma regressão logística multivariada para predizer a probabilidade de pertencer ao grupo "muito intervencionista", verificou-se que as variáveis mais associadas a esse grupo foram a prática de procedimentos invasivos mais complexos. Revelou-se, ainda, que a única variável de treinamento preditiva de pertencer ao grupo "muito intervencionista" foi o "tempo de treinamento em RI superior a seis meses". Isso reafirma mais uma vez a necessidade de treinamento formal e adequado em reumatologia intervencionista, especialmente durante a residência, para a maior empregabilidade dos vários tipos de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, inclusive aqueles considerados mais complexos, na prática da reumatologia. Esse achado é semelhante ao estudo de Gormley et al. (2003), que também descobriu que os médicos que receberam treinamento formal eram mais propensos a fazer infiltração articular.77 Gormley GJ, Corrigan M, Steele WK, Stevenson M, Taggart AJ. Joint and soft tissue injections in the community: questionnaire survey of general practitioners' experiences and attitudes. Ann Rheum Dis. 2003;62:61-4.

A ausência da variável "gênero" entre os dados demográficos abrangidos pode ser considerada uma limitação deste estudo. Outras limitações são o fato de que o questionário foi autoadministrado, o que facilitaria o fornecimento de informações inadequadas. A população do estudo foi recrutada em um evento feito na Região Sudeste do Brasil. Isso pode ter aumentado a porcentagem de participantes dessa região em detrimento de outras.

A grande aplicabilidade prática deste estudo é reafirmar a importância do treinamento sistemático em RI por períodos prolongados durante a formação do reumatologista, preferencialmente durante a residência médica.

Conclusão

Este estudo identificou que as variáveis relacionadas com um perfil mais intervencionista entre os reumatologistas brasileiros foram: atender pacientes adultos e ter vínculo com uma universidade; fazer graduação e ter um consultório particular na Região Sul do Brasil; e, principalmente, ter um tempo de treinamento em reumatologia intervencionista superior a seis meses e realizar procedimentos osteoarticulares mais complexos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2016
  • Aceito
    11 Abr 2017
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