Resumos
OBJETIVO: descrever as características demográficas, sócio-econômicas e clínicas de pacientes com síndrome da fibromialgia (SF) atendidos no Hospital Santo Antônio em Salvador, BA, Brasil. MÉTODOS: cento e vinte pacientes com SF foram avaliados prospectivamente por dois reumatologistas, quanto aos dados clínico-epidemiológicos e manifestações clínicas. RESULTADOS: todos os pacientes eram do sexo feminino, com média de idade igual a 29,8 anos. A dor difusa foi encontrada em todas as pacientes e fadiga em 94,2% (n=113). Ansiedade foi referida por 105 pacientes (87,5%) e depressão por 47 (39,2%). O tender-point mais encontrado foi o suboccipital direito, em 40% (n=48) dos pacientes e o menos encontrado foi o glúteo direito, em 26,7% (n=26). A média do número total de tender points foi 13,6 (limites de 11 a 18), sendo a média e a mediana 14. O grupo de pacientes que tiveram número de tender-points superior ou igual à mediana apresentou, significativamente, menor renda familiar (p<0,01), maior presença de tabagismo (p<0,01) e distúrbios do sono (p<0,05), quando comparados com os demais. Conclusões: os pacientes avaliados apresentaram diversas características em comum com pacientes de estudos anteriores, mas diferiram quanto às freqüências total e específica de tender-points. Foi significativa a associação de renda familiar baixa, distúrbios do sono e tabagismo com maior quantidade de tender-points.
fibromialgia; características clínicas; características demográficas; características sócio-econômicas
OBJECTIVE: to describe the demographic, socioeconomic and clinical characteristics of patients with Fibromyialgia Syndrome (FS) assisted at the Hospital Santo Antônio in Salvador, BA, Brazil. METHODS: a hundred and twenty patients with FS were prospectively evaluated by two rheumatologists in relation to the clinical-epidemic data and clinical manifestations. RESULTS: all the patients were female, with average age of 29.8 years. Diffuse pain was found in all patients and fatigue was found in 94.2% (n = 113). Anxiety was referred by 105 patients (87.5%) and depression by 47 (39.2%) of them. The most common tender point found was the right subocciput, reported by 40% (n = 48) of the patients and the less found was the right gluteal, in 26.7% (n = 26). The mean of the total number of tender points was 13.6 (limits from 11 to 18), being the average and the median 14. The patients' group that had the number of tender points superior or equal to the median presented, significantly, lower family income (p < 0.01), larger smoking habit (p < 0.01) and sleeping disturbances (p < 0.05) when compared to the others. CONCLUSIONS: the appraised patients presented several characteristics in common with patients of previous studies, but they differed in relation to the frequencies of total and specific tender points. We found a significant association of low family income, sleeping disturbances and smoking habit with a larger amount of tender points.
fibromyalgia; clinical characteristics; demographic characteristics; socioeconomic characteristics
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Características de pacientes com síndrome da fibromialgia atendidos em hospital de Salvador-BA, Brasil(*)
Characteristics of patients with fibromyalgia syndrome assisted in a hospital of Salvador, BA, Brazil
Sérgio Ricardo Matos Rodrigues da CostaI; Milton da Silveira Pedreira NetoII; José Tavares-NetoIII; Igor KubiakIV; Marcela da Silva DouradoIV; Aline Correia de AraújoV; Lígia Carvalho de AlbuquerqueV; Paloma Cheab RibeiroV
IMédico reumatologista, mestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
IIMestre em Reumatologia pela UNICAMP
IIILivre-docente em Doenças Infecciosas e Parasitárias
IVAcadêmico de Medicina da Escola de Medicina e Saúde Pública
VAcadêmico de Medicina da UFBA
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Sérgio Ricardo Matos Rodrigues da Costa. R. Professor Aristides Novis, 207, ap. 102, Federação CEP 40210-630. Salvador, BA, Brasil. Tel. (71) 245-1372; e-mail: srcosta@ufba.br
RESUMO
OBJETIVO: descrever as características demográficas, sócio-econômicas e clínicas de pacientes com síndrome da fibromialgia (SF) atendidos no Hospital Santo Antônio em Salvador, BA, Brasil.
MÉTODOS: cento e vinte pacientes com SF foram avaliados prospectivamente por dois reumatologistas, quanto aos dados clínico-epidemiológicos e manifestações clínicas.
RESULTADOS: todos os pacientes eram do sexo feminino, com média de idade igual a 29,8 anos. A dor difusa foi encontrada em todas as pacientes e fadiga em 94,2% (n=113). Ansiedade foi referida por 105 pacientes (87,5%) e depressão por 47 (39,2%). O tender-point mais encontrado foi o suboccipital direito, em 40% (n=48) dos pacientes e o menos encontrado foi o glúteo direito, em 26,7% (n=26). A média do número total de tender points foi 13,6 (limites de 11 a 18), sendo a média e a mediana 14. O grupo de pacientes que tiveram número de tender-points superior ou igual à mediana apresentou, significativamente, menor renda familiar (p<0,01), maior presença de tabagismo (p<0,01) e distúrbios do sono (p<0,05), quando comparados com os demais. Conclusões: os pacientes avaliados apresentaram diversas características em comum com pacientes de estudos anteriores, mas diferiram quanto às freqüências total e específica de tender-points. Foi significativa a associação de renda familiar baixa, distúrbios do sono e tabagismo com maior quantidade de tender-points.
Palavras-chave: fibromialgia, características clínicas, características demográficas, características sócio-econômicas.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to describe the demographic, socioeconomic and clinical characteristics of patients with Fibromyialgia Syndrome (FS) assisted at the Hospital Santo Antônio in Salvador, BA, Brazil.
METHODS: a hundred and twenty patients with FS were prospectively evaluated by two rheumatologists in relation to the clinical-epidemic data and clinical manifestations.
RESULTS: all the patients were female, with average age of 29.8 years. Diffuse pain was found in all patients and fatigue was found in 94.2% (n = 113). Anxiety was referred by 105 patients (87.5%) and depression by 47 (39.2%) of them. The most common tender point found was the right subocciput, reported by 40% (n = 48) of the patients and the less found was the right gluteal, in 26.7% (n = 26). The mean of the total number of tender points was 13.6 (limits from 11 to 18), being the average and the median 14. The patients' group that had the number of tender points superior or equal to the median presented, significantly, lower family income (p < 0.01), larger smoking habit (p < 0.01) and sleeping disturbances (p < 0.05) when compared to the others.
CONCLUSIONS: the appraised patients presented several characteristics in common with patients of previous studies, but they differed in relation to the frequencies of total and specific tender points. We found a significant association of low family income, sleeping disturbances and smoking habit with a larger amount of tender points.
Keywords: fibromyalgia, clinical characteristics, demographic characteristics, socioeconomic characteristics.
INTRODUÇÃO
A fibromialgia é uma síndrome não-inflamatória muito freqüente, caracterizada por dor muscular difusa (associada à pressão de pontos superficiais específicos tender-points) e fadiga, comumente associada a outros sintomas. Não é consensual, contudo, ser a síndrome de fibromialgia uma entidade clínica definida(1,2).
Na população geral de alguns países industrializados, os estudos de prevalência da fibromialgia mostram freqüências entre 1% e 4% e indicam ser o segundo distúrbio reumatológico mais comum, superado apenas pela osteoartrite(3).
A dor musculoesquelética difusa é associada a algumas entidades clínicas e, talvez por isso, há na literatura extensa sinonímia. Em 1990, o comitê do American College of Rheumatology (ACR) definiu como critérios diagnósticos de síndrome da fibromialgia (SF) a história de dor difusa crônica, que envolve todos os quatro quadrantes do corpo e o esqueleto axial, além da presença de 11 de 18 pontos dolorosos, ou tender points, à dígito pressão aproximada de 4 kgf no exame físico(2). Este conjunto de critérios apresentou sensibilidade de 88,4% e especificidade de 81,1% em relação a outras doenças reumatológicas(2), havendo ainda, entretanto, questionamentos sobre esses indicadores de validade(4,5). Apesar dessa discordância sobre os critérios diagnósticos da síndrome da fibromialgia, os critérios de classificação do ACR foram úteis para melhor sistematizar as pesquisas nessa área.
Além da dor difusa em musculatura esquelética e do achado físico de múltiplos pontos sensíveis, a maior parte dos pacientes com SF também relata fadiga, rigidez muscular, sensibilidade cutânea, dor após esforço físico e anormalidades do sono (como sono intermitente e sensação de cansaço ao acordar). Muitos pacientes também apresentam um quadro confuso ou polimórfico de outros sintomas, como cólon espástico, redução da memória, cefaléia, fenômeno de Raynaud, retenção líquida, vertigens, nervosismo, parestesias, equimoses, bexiga irritável, migrânia, dispnéia, depressão e ansiedade(2). A dor da SF é predominantemente axial em distribuição, porém não é incomum dor em mãos e pés, podendo o diagnóstico ser confundido com formas iniciais de artrite reumatóide, apesar de a dor ter característica difusa; todavia, tipicamente, um ou dois locais são os focos principais(6). As mialgias podem apresentar característica migratória em seus centros de dor, freqüentemente em resposta ao estresse biomecânico ou a traumas(6). Muitos pacientes descrevem sensação de edema em partes moles, comumente localizado nas articulações, reforçando a impressão de artrite em forma inicial(6).
Ainda não há etiopatogenia bem definida para a SF, embora ocorram fenômenos psicossomáticos na maior parte dos pacientes(7-10). Agentes bacterianos e virais podem estar relacionados com a origem dessa síndrome(11), havendo alguma associação entre a doença e a infecção pelo vírus da hepatite C(12,13). Além do possível efeito psicossomático, as áreas de função do sistema nervoso que podem estar representando algum papel na patogênese da SF incluem: alterações na sensibilidade dolorosa(10,14-16), alterações autonômicas(17) e de sistemas neuroendócrinos(18,19).
Uma vez que a SF permaneça como uma entidade de etiopatogenia provavelmente de natureza multifatorial e ainda não suficientemente esclarecida, sem exames complementares consistentes que auxiliem no diagnóstico, o exame físico e anamnese de qualidade tornam-se as únicas e reconhecidas fontes de dados para o diagnóstico da síndrome. Assim, torna-se importante conhecer os dados demográficos, clínico-epidemiológicos e sociais sobre os portadores da síndrome no Brasil, inclusive para fundamentar futuras análises sobre as características da fibromialgia nas diversas regiões do país, tendo em vista sua diversidade étnica, sócio-econômica e cultural.
PACIENTES E MÉTODOS
Nessa série de casos foram incluídos 120 pacientes com fibromialgia atendidos no Ambulatório de Reumatologia do Hospital Santo Antônio (Salvador, BA, Brasil). Os pacientes selecionados deveriam satisfazer aos critérios previamente estabelecidos para o diagnóstico da doença, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 60 anos, e de qualquer grupo racial. Foram excluídos aqueles com evidência de doença mental ou que não concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Também os casos selecionados não deveriam ter feito uso prévio de antidepressivos que pudessem alterar de algum modo o quadro clínico da doença(20,21). Os pacientes com SF e portadores de outra enfermidade reumatológica, ou síndrome dolorosa, também foram admitidos no estudo.
Em carta de informação, e também verbalmente, o paciente incluído obteve informações sobre o estudo, garantindo-lhe explicações sobre os critérios diagnósticos. Posteriormente, cada paciente (e familiar, se necessário) recebeu o termo de consentimento, no qual foi colhida a sua assinatura.
No diagnóstico de fibromialgia foram usados os critérios do American College of Rheumatology(2), definido como o paciente com dor difusa, com duração igual ou superior a três meses, e a presença de dor à palpação em 11 ou mais dos 18 tender points avaliados. Essa palpação foi digital, com uma pressão equivalente àquela exercida por 4 kgf (quantidade de pressão capaz de deixar com a cor branca à unha do primeiro quirodáctilo do examinador). A localização dos 18 tender points, em pares, foi a seguinte (bilateralmente), conforme os critérios: 1 suboccipital, na inserção do músculo suboccipital; 2 cervical baixo, atrás do terço inferior do músculo esternocleidomastóideo, correspondendo ao ligamento intertransverso de C5-C7; 3 no músculo trapézio, ponto médio da borda superior; 4 no músculo supra-espinhal, acima da espinha da escápula e próximo à borda medial, na origem do músculo; 5 segunda junção costocondral, lateralmente à mesma, na origem do músculo grande peitoral; 6 2cm distalmente ao epicôndilo lateral; 7 no quadrante superior externo da nádega, na porção superior do músculo glúteo médio; 8 posterior à proeminência do trocanter; e 9 na linha medial do joelho, no coxim gorduroso.
Os dados clínico-epidemiológicos foram registrados em questionário-padrão. Os pacientes foram entrevistados e examinados por um único pesquisador, reumatologista (SRMRC), e depois avaliados por outro reumatologista (MSPN), que desconhecia os resultados preliminares ou suspeita diagnóstica. Não houve diferenças nas informações colhidas nos questionários entre os dois pesquisadores. Os casos em que houve discórdia quanto ao exame físico foram novamente examinados em conjunto. Aqueles que não satisfizeram aos critérios de SF após esse segundo exame não foram incluídos no estudo.
A análise estatística dos dados foi realizada pelo software estatístico SPSS (versão 10.0 para Windows). As variáveis contínuas, de distribuição normal, foram avaliadas pelo teste t de Student. As variáveis dicotômicas, em tabela 2x2, foram estudadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson, com ou sem correção de Yates, ou pelo teste exato de Fisher, quando necessário. Nestes testes, o resultado foi considerado significante se a probabilidade do erro tipo I (a) foi < 5% (p < 0,05).
RESULTADOS
Características demográficas e sócio-econômicas
Todos os pacientes eram do sexo feminino. A média de idade foi 29,8 (±8,5) anos, as demais características demográficas encontram-se na Tabela 1. A média da renda familiar foi 2,1 (±1,3) salários mínimos e 51,7% dos pacientes definiram a renda familiar como inapropriada.
Nenhum paciente tinha história de alcoolismo associado, sendo o tabagismo relatado por 14,2% dos casos (17 pacientes). A média de parceiros sexuais durante a vida foi 2,8 (±2,8) parceiros, sendo que no último ano foi 1 (± 0,5) e somente 4 (3,3%) pacientes apresentaram mais de 2 parceiros sexuais durante o último ano. História de uso de drogas endovenosas foi observado em 5 (4,2%) pacientes, sendo a cocaína a droga utilizada em todos os casos. Tatuagens foram observadas em 2 (1,7%) pacientes e transfusões de algum hemoderivado em 4 (3,3%). A morte de parentes consangüíneos anterior ao início dos sintomas atuais foi observada em 21,7% (26 pacientes); problemas de relacionamento com os companheiros em 8,3% (n=10); perda de emprego anterior aos sintomas em 4,2% (n=5) e desemprego em 31,7% (n=38) dos pacientes.
Características clínicas
Os principais sintomas apresentados pelos pacientes estão listados na Tabela 2. A dor difusa foi encontrada em todos os pacientes. A fadiga foi também um sintoma muito freqüente, encontrada em 113 (94,2%) pacientes; 105 (87,5%) pacientes se queixaram de ansiedade e 47 (39,2%) de depressão.
A freqüência dos pontos dolorosos examinados encontra-se na Tabela 3. A média do número total de tender points encontrados nos pacientes foi 13,6 (± 1,8), sendo a média e a mediana iguais a 14. O tender point mais encontrado foi o suboccipital direito, em 48 (40%) pacientes, e o menos observado o glúteo direito, em 26 (21,7%) pacientes. A freqüência do número total de tender points dos pacientes com fibromialgia está representada na Tabela 4.
Para melhor avaliar possíveis associações entre o número de pontos dolorosos e as características estudadas, os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a mediana. Um grupo era constituído pelos pacientes com número de tender points inferior a 14 (59 pacientes) e o outro, pelos pacientes com número de tender points igual ou superior a 14 (61 pacientes). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos no que se refere à idade (p=0,642), grupo racial (p=0,814), estado civil (p=0,811), escolaridade (p=0,320), insuficiência de renda (p=0,562), número de parceiros sexuais durante a vida (p=0,561) e no último ano (p=0,227), passado de abuso sexual (p=0,401), uso de drogas endovenosas (p=0,368), perda recente de parentes (p=0,777), problemas conjugais (p=0,673), perda recente de emprego (p=0,482), desemprego (p=0,309), presença de fadiga (p=1,00) e acordar cansado (p=1,00). Entretanto, os pacientes com número de tender points igual ou superior a 14, apresentaram, mais significativamente, menor renda familiar (p<0,01), com uma média de 1,52±0,99 salário mínimo, contra 2,18±1,52 salários mínimos do outro grupo. As presenças de tabagismo e de distúrbios do sono foram também mais significativas no grupo de pacientes com número de tender points igual ou superior a 14 (p<0,01 e p<0,05, respectivamente). Essas características diferenciais entre esses grupos encontram-se descritas na Tabela 5.
DISCUSSÃO
Apesar de não haver qualquer critério de seleção quanto ao sexo ou gênero, todos os pacientes eram do sexo feminino. Efeitos gênero-relacionados são importantes na dor da SF. Estudo de Wolfe et al.(1990)(3) observou prevalência da fibromialgia de 3,5% em mulheres e de 0,5% em homens. Por sua vez, há diferenças entre homens e mulheres com relação a muitos aspectos da experiência de dor(10), porque essencialmente todos os tipos de dor clínica são mais comuns em mulheres(10). Assim, não é surpreendente que tanto o diagnóstico da SF quanto o número maior de tender points seja mais prevalente em mulheres do que em homens. Em estudos experimentais, a sensibilidade de dor, especialmente em mulheres, parece envolver sensações de dor tônica profunda induzidas por pressão, espasmo vascular e isquemia muscular, como aquelas experimentadas em enxaquecas, cãibras e contraturas de músculos(10).
Não obstante, a exigência de apresentar 11 de 18 pontos dolorosos para cumprir o critério diagnóstico de SF, é muito responsável pela doença ser sumamente mais prevalente em pacientes do sexo feminino. O outro componente da definição da SF, a dor crônica em todos os quatro quadrantes do corpo mais o esqueleto axial, ocorreu, na população, em mais de 50% do gênero feminino, mas não do masculino(3). Entretanto, as mulheres têm aproximadamente nove vezes mais chances de apresentar 11 de 18 tender points do que os homens(3). Em estudo de Croft et al.(1994)(6) cerca de 81,5% dos pacientes com dor difusa apresentavam 11 ou mais tender points, enquanto 14,7% não apresentavam nenhum. As mulheres apresentavam mais tender points do que homens, sendo que 90% dos pacientes que tinham 11 ou mais tender points eram mulheres(6).
Além do gênero feminino, tempo do ciclo menstrual, idade crescente, pobre aptidão aeróbica e humor inconstante, também aumentam a sensibilidade dolorosa cutânea à pressão(3).
Não é possível inferir conclusões quanto à distribuição racial da SF. A maioria dos pacientes era de mulatos claros, mas a maior parte da população de Salvador é miscigenada, além do que a maior parte dos pacientes apresentava baixa renda familiar, o que é mais comum em pessoas afro-descendentes por razões históricas perfeitamente conhecidas. A baixa renda familiar da grande maioria dos pacientes selecionados pode ser explicada, também, por sua seleção ter sido feita em um hospital de natureza filantrópica.
A suposição que a SF era basicamente uma desordem de sono dominou a prática clínica durante um certo tempo(22). Não obstante, problemas associados ao sono, ou pelo menos a sensação de apresentar alterações no sono, são quase universais em casos de SF. A queixa freqüente de que uma noite insone é seguida por um dia com mais sintomas de dor tem apoio no trabalho de Affleck et al.(23) Na presente casuística, 88,3% dos pacientes apresentaram distúrbios do sono, em especial insônia (66,7%) e sono interrompido (36,7%). "Acordar cansado" foi queixa muito comum nas pacientes com fibromialgia (92,5%).
Dos 120 pacientes avaliados, 105 (87,5%) se queixaram de ansiedade e 47 (39,2%) de depressão. A SF é usualmente associada a estresse psicológico, vários graus de depressão, ansiedade e crises de pânico(9,24-31). Haun et al.(1990)(5) encontraram depressão em 38% dos pacientes com SF e ansiedade em 64%. Em outros estudos, cerca de 20% dos pacientes com SF apresentavam depressão, enquanto que cerca de 50% tinham história de depressão durante algum período da vida(2,32). É também freqüente na SF os pacientes relatarem insatisfação com a qualidade de vida e estresse(33,34). Desordens pessoais graves freqüentemente foram relatadas em alguns estudos(35), como: passado de abuso sexual na infância, morte de entes queridos, desilusões amorosas, problemas financeiros ou ocupacionais/funcionais. Nessa série de pacientes, a insuficiência de renda familiar, encontrada em 51,7% dos casos, e o desemprego, em 31,7% dos casos, parece ter sido elementos de impacto psicossocial importantes; perda de parentes imediatamente anterior aos sintomas foi encontrada em uma quantidade considerável dos casos (21,7%), enquanto somente uma paciente queixou-se de ter sido molestada sexualmente na infância.
O papel potencial de infecções na etiopatogenia da fibromialgia e da síndrome da fadiga crônica, em especial as virais, vem sendo recentemente investigado. O agente infeccioso que parece mais estar associado aos casos de fibromialgia parece ser o vírus da hepatite C(13,36). Por isso, nessa investigação clínica, possíveis fatores de exposição à infecção pelo vírus da hepatite C foram pesquisados(37-40), como: transfusões sangüíneas ou de hemoderivados, uso de drogas ilícitas (parenteral e/ou percutâneo), exposição a métodos diagnósticos invasivos, tatuagens, hemodiálise, transplantes, trabalho na área de saúde, acupuntura (com agulhas não esterilizadas), acidentes ocasionais, relações sexuais e promiscuidade, uso constante de cocaína intra-nasal, entre outros. No entanto, o modelo de estudo não permite conclusões, exceto que esses fatores não estão mais associados aos pacientes portadores de 14 ou mais tender points.
Todas as pacientes avaliadas apresentaram dor difusa e 94,2% queixaram-se de fadiga. Destacou-se a baixa sensibilidade de cada ponto doloroso nessa série de pacientes, muito embora o critério adotado para o diagnóstico de SF seja o número total de pontos dolorosos (11 ou mais) encontrados. O mais encontrado foi o occipital direito, em apenas 40% dos casos. O menos encontrado foi o glúteo direito, em 21,7% dos pacientes. De modo diferente, Haun et al. (1999)(5) encontraram maior freqüência dos pontos cervicais baixos (94%), salientando-se, entretanto, que eles foram avaliados em conjunto, sendo os distais aos epicôndilos laterais os menos freqüentes (54,9%). Em ambos os estudos, contudo, pode-se notar que os pontos dolorosos mais freqüentes são aqueles encontrados na parte superior do corpo, principalmente nas regiões suboccipital, cervical e da cintura escapular e na segunda junção costocondral.
O grupo de pacientes que possuíam 14 ou mais tender points, apresentou, significativamente, menor renda familiar (p<0,01), maior presença de tabagismo (p<0,01) e distúrbios do sono (p<0,05), do que o outro grupo, com menos de 14 tender points. É possível que a menor renda familiar esteja associada à maior expressão clínica da doença em número de pontos dolorosos, ao piorar a qualidade de vida, muito embora não houvesse diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos quanto à insatisfação com a renda familiar. Distúrbios do sono associados à fibromialgia possivelmente provocam o aumento do número de pontos dolorosos, muito provavelmente ao se associarem a estresse e a alterações no eixo hipotálamo-hipofisário(4,8) . Apesar de muito freqüente, não houve diferença nos dois grupos quanto à queixa de acordar cansado. Destacou-se, no presente trabalho, o tabagismo estar significativamente associado ao grupo de pacientes com 14 ou mais tender points. Todos os pacientes avaliados que referiram tabagismo (17 pacientes) pertenciam a esse grupo. Salienta-se o fato de que estes pacientes já eram tabagistas previamente ao desenvolvimento dos sintomas relacionados à fibromialgia. O tabagismo pode ser um fator agravante ou mesmo predisponente da fibromialgia. No entanto, essa possível associação direta entre tabagismo e SF carece de mais estudos e com metodologia mais apropriada, do tipo caso-controle em outras populações que venham a confirmar esta relação.
Os pacientes avaliados neste estudo apresentam diversas características em comum com pacientes de estudos anteriores(5,25,28,32,33). O perfil sócio-econômico, porém, difere bastante do de outras populações estudadas. De certo modo, este estudo preenche uma lacuna no conhecimento da fibromialgia no Brasil. Poderá ser um comparativo de estudos clínicos que venham a ser desenvolvidos sobre a SF nas demais regiões do país, para maior esclarecimento da etiopatogenia dessa síndrome e para melhor fundamentação de critérios diagnósticos.
Recebido em 11/11/2004. Aprovado, após revisão, em 28/04/2005.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jan 2006 -
Data do Fascículo
Abr 2005
Histórico
-
Recebido
11 Nov 2004 -
Aceito
28 Abr 2004