Acessibilidade / Reportar erro

Níveis de vitamina D na espondilite anquilosante: a deficiência corresponde à atividade da doença?

Resumos

A espondilite anquilosante (EA) é um transtorno inflamatório que se apresenta com artrite da coluna vertebral, inclusive das articulações sacroilíacas. A vitamina D é um hormônio secosteroide com papel consagrado na homeostase do cálcio e do fosfato e na regulação da formação e reabsorção óssea. Atualmente, sabe-se que a vitamina D desempenha um papel imunossupressivo no organismo, e ultimamente tem havido interesse no papel dessa vitamina em doenças autoimunes. A inflamação pode ser responsável por parte da perda da densidade mineral óssea observada em pacientes com EA. Revisamos a literatura em busca de estudos que avaliassem os níveis de vitamina D em pacientes com EA, em comparação com controles saudáveis. Quatro dos sete estudos chegaram a uma significativa correlação negativa entre os níveis de vitamina D e o instrumento Bath Ankylosing Spondylitis Index (BASDAI), velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR). Em uma revisão de oito estudos de caso-controle, o nível médio de 25-hidroxivitamina D3 foi 22,8 ± 14,1 ng/mL em 555 pacientes com EA versus 26,6 ± 12,5 ng/mL em 557 controles saudáveis. Quando comparados com um teste t para duas amostras, os níveis de vitamina D estavam significativamente mais altos em controles saudáveis (p <0,01). Concluímos que pacientes com EA parecem ter níveis de vitamina D mais baixos versus controles saudáveis, mas a causa desse achado ainda não foi esclarecida. Os estudos já publicados não demonstram uma ligação consistente entre níveis de vitamina D e atividade da doença em pacientes com EA. Há necessidade de mais estudos que determinem se existe um elo causal entre deficiência de vitamina D e EA.

Espondilite anquilosante; Vitamina D; Autoimune; Inflamação; BASDAI


Ankylosing spondylitis (AS) is an inflammatory disorder that presents with arthritis of the axial skeleton, including sacroiliac joints. Vitamin D is a secosteroid hormone with a long-established role in calcium and phosphate homeostasis, and in the regulation of bone formation and resorption. It is now known that vitamin D plays an immunosuppressive role in the body, and there is interest of late in the role of vitamin D in autoimmune diseases. Inflammation may be responsible for some of the loss of bone mineral density seen in AS. We reviewed the literature for studies assessing vitamin D level as a marker of AS disease activity and those examining vitamin D levels in AS in comparison to healthy controls. Four of 7 studies found a significant negative correlation between vitamin D levels and Bath Ankylosing Spondylitis Index (BASDAI), erythrocyte sedimentation rate (ESR) and C-reactive protein (CRP). In a review of 8 case-control studies, the mean level of 25-hydroxyvitamin D3 was 22.8 ± 14.1 ng/mL in 555 AS patients versus 26.6 ± 12.5 ng/mL in 557 healthy controls. When compared with a 2-sample t test, vitamin D levels were significantly higher in healthy controls (p < 0.01). We conclude that patients with AS appear to have lower vitamin D levels versus healthy controls; however, the cause is unclear. Existing studies do not demonstrate a consistent link between vitamin D levels and disease activity in AS. Further studies are in need to determine if a causative link exists between vitamin D deficiency and AS.

Ankylosing Spondylitis; Vitamin D; Autoimmune; Inflammation; BASDAI


Introdução

Espondilite anquilosante (EA) é um transtorno inflamatório de causa desconhecida, caracterizado por artrite da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas, oligoartrite de articulações periféricas e inflamação de locais de inserção de tendões, ligamentos e cápsulas articulares. Em geral, a doença surge na segunda ou terceira décadas de vida, com uma prevalência entre homens e mulheres de 3:1.1Qubti MA, Flynn JA. Chapter 17. Ankylosing spondylitis & the arthritis of inflammatory bowel disease. In: Imboden JB, Hellmann DB, Stone JH, eds. Current diagnosis & treatment: rheumatology. 3rd ed. Nova York: McGraw-Hill, 2013. Em geral, ocorre aumento gradual de rigidez nas costas e uma dor que se irradia até as nádegas; os sintomas evoluem em uma direção ascendente. A artrite periférica dos quadris, ombros e joelhos pode ser temporária ou permanente. Na doença avançada, pode ocorrer fusão de toda a coluna vertebral. EA está correlacionada com positividade para o antígeno HLA-B27 e os testes para fator reumatoide sérico e anticorpos antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) têm resultado negativo. Em pacientes com EA, a atividade da doença pode ser medida com a ajuda de marcadores séricos inflamatórios inespecíficos, como a proteína C reativa (PCR) e a velocidade de hemossedimentação (VHS), ou por meio de um questionário padronizado, como o Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI).

A vitamina D é um hormônio secosteroide com um papel já consagrado na homeostase do cálcio e do fósforo e na regulação da formação e reabsorção óssea. No entanto, atualmente já se sabe que a vitamina D tem uma interferência muito mais ampla. Estudos demonstraram que a vitamina D funciona como imunomodulador endógeno. A vitamina D altera a expressão gênica que afeta funções celulares como a apoptose, diferenciação e proliferação.2Bikle DD. What is new in vitamin D: 2006-2007. Curr Opin Rheumatol. 2007 Jul;19:383-8. Assim, vem crescendo o interesse no estudo dos níveis de vitamina D em pacientes com condições autoimunes.

A osteoporose é uma característica bem conhecida da EA, e estudos sugeriram que a baixa densidade mineral óssea e um turnover ósseo mais acelerado podem estar relacionados à inflamação.4Lange U, Teichmann J, Strunk J, Müller-Ladner U, Schmidt KL. Association of 1.25 vitamin D3 deficiency, disease activity and low bone mass in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2005;16:1999-2004. Assim, torna-se evidente que os níveis de vitamina D podem ter alguma relação com a atividade da doença em pacientes com EA. Ao longo dos últimos 20 anos, foram publicadas algumas investigações clínicas que se debruçaram em estudar qual o possível papel desempenhado pela vitamina D, ou por sua deficiência, na EA. O objetivo desse estudo de revisão é resumir essas pesquisas e responder a duas perguntas. Primeiro, os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D3 correspondem à atividade da doença em pacientes com EA? Segundo, há alguma diferença entre os níveis séricos de 25-hidroxivitamina D3 em pacientes com EA, quando comparados com controles saudáveis?

Métodos

Realizamos uma busca na literatura usando os bancos de dados PubMed e Embase para artigos revisados em idioma inglês que examinassem níveis séricos de vitamina D em pacientes com EA, em comparação com controles saudáveis, ou a correlação entre níveis de vitamina D em pacientes com EA e a atividade da doença. Utilizamos as palavras-chave vitamin D (vitamina D) e ankylosing spondilitis (espondilite anquilosante). Revisamos todas as referências citadas por esses artigos com o objetivo de localizar mais estudos não referenciados nos bancos de dados mencionados. Foram excluídos relatos de casos isolados, artigos de revisão e estudos incluindo pacientes com outras condições autoimunes (exceto EA) em suas análises.

No total, identificamos 11 estudos satisfazendo esses critérios:4Lange U, Teichmann J, Strunk J, Müller-Ladner U, Schmidt KL. Association of 1.25 vitamin D3 deficiency, disease activity and low bone mass in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2005;16:1999-2004.

Lange U, Jung O, Teichmann J, Neeck G. Relationship between disease activity and serum levels of vitamin D metabolites and parathyroid hormone in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2001 Dec;12:1031-5.

Mermerci Başkan B, Pekin Doğan Y, Sivas F, Bodur H, Ozoran K. The relation between osteoporosis and vitamin D levels and disease activity in ankylosing spondylitis. Rheumatol Int. 2010;30:375-81.

Arends S, Spoorenberg A, Bruyn GA, Houtman PM, Leijsma MK, Kallenberg CG et al. The relation between bone mineral density, bone turnover markers, and vitamin D status in ankylosing spondylitis patients with active disease: a crosssectional analysis. Osteoporos Int. 2011;22:1431-9.

Durmus B, Altay Z, Baysal O, Ersoy Y. Does vitamin D affect disease severity in patients with ankylosing spondylitis? Chin Med J (Engl). 2012 Jul;125:2511-5.

Erten S, Kucuksahin O, Sahin A, Altunoglu A, Akyol M, Koca C. Decreased plasma vitamin D levels in patients with undifferentiated spondyloarthritis and ankylosing spondylitis. Intern Med. 2013;52:339-44.

10 Hmamouchi I, Allali F, El Handaoui B, Amine H, Rostom S, Abouqal R. The relation between disease activity, vitamin D levels and bone mineral density in men patients with ankylosing spondylitis. Rheumatol Rep. 2013;5:7-11.

11 Yazmalar L, Ediz L, Alpayci M, Hiz O, Toprak M, Tekeoglu I. Seasonal disease activity and serum vitamin D levels in rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis and osteoarthritis. Afr Health Sci. 2013 Mar;13:47-55.
-1212 Franck H, Keck E. Serum osteocalcin and vitamin D metabolites in patients with ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 1993;52:343-6. oito estudos de caso-controle e três estudos transversais de casos.

Níveis de Vitamina D e Atividade da Doença

Para a avaliação da relação entre níveis de vitamina D e medidas da atividade da doença, foram revisados tanto estudos transversais como de caso-controle. Dos 11 estudos recuperados, foram localizados sete que examinavam a correlação entre níveis de vitamina D e indicadores da atividade da doença em pacientes com EA. Nesses sete estudos, seis eram estudos de caso-controle apropriados e o sétimo era um estudo transversal de casos. Coletivamente, esse grupo representou 573 pacientes, 82% dos quais eram homens, com idade média de 38,9 anos.

Os indicadores de atividade da doença mais comumente utilizados foram o instrumento Bath Ankylosing Spondylitis Index (BASDAI), velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR). Todos os estudos usaram o coeficiente de correlação de Spearman para o estudo da relação entre variáveis. Para as finalidades dessa análise, consideramos p < 0,05 como sendo estatisticamente significativo. Todos os estudos compararam atividade da doença com níveis séricos de 25-hidroxivitamina D3, exceto nos dois estudos de Lange,4Lange U, Teichmann J, Strunk J, Müller-Ladner U, Schmidt KL. Association of 1.25 vitamin D3 deficiency, disease activity and low bone mass in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2005;16:1999-2004.,5Lange U, Jung O, Teichmann J, Neeck G. Relationship between disease activity and serum levels of vitamin D metabolites and parathyroid hormone in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2001 Dec;12:1031-5. que mediram os níveis séricos de 1,25-diidroxivitamina D3. Os resultados estão resumidos na tabela 1.

Tabela 1
Correlação entre níveis de vitamina D e atividade da doença em pacientes com espondilite anquilosante

Quatro dos sete estudos (abrangendo 52% de todos os pacientes) chegaram a uma significativa correlação negativa entre BASDAI e níveis de vitamina D, enquanto os outros três estudos não observaram associação significativa. Em quatro de sete estudos (envolvendo 48% de todos os pacientes), foram observadas correlações negativas significativas com níveis de vitamina D tanto para VHS como para PCR.

Níveis de Vitamina D na Espondilite Anquilosante

Foram identificados oito estudos de caso-controle comparando níveis de vitamina D em um total de 555 pacientes com EA e em 557 controles saudáveis. A idade média desses pacientes era 39,4 anos, e 78% eram homens. Os resultados estão resumidos na tabela 2. Yazmalar et al. estudaram os níveis de vitamina D ao longo do verão e do inverno no mesmo grupo de pacientes.1111 Yazmalar L, Ediz L, Alpayci M, Hiz O, Toprak M, Tekeoglu I. Seasonal disease activity and serum vitamin D levels in rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis and osteoarthritis. Afr Health Sci. 2013 Mar;13:47-55. Tendo em vista que os níveis de vitamina D não variaram significativamente entre as estações, foi obtida uma média.

Tabela 2
Níveis de Vitamina D, VHS e PCR em pacientes com espondilite anquilosante versus controles saudáveis

Cinco de oito estudos constataram que pacientes com EA exibiam níveis de vitamina D significativamente mais baixos, em comparação com controles, enquanto três estudos não observaram diferença significativa. Considerados todos os estudos, o nível médio de 25-hidroxivitamina D3 foi 22,8 ± 14,1 ng/mL para os pacientes com EA e 26,6 ± 12,5 ng/mL para os controles saudáveis. Quando comparados com um teste t para duas amostras, os níveis de vitamina D estavam significativamente mais elevados nos controles saudáveis (3,8 ± 0,8 ng/ mL, p < 0,01). Apenas seis dos oito estudos compararam VHS e PCR entre indivíduos saudáveis e pacientes com EA, mas foi constatado que os níveis séricos desses dois marcadores estavam significativamente mais elevados em pacientes com EA nos seis estudos.

Discussão

Muitas células imunes expressam o gene para o receptor da vitamina D.1313 Overbergh L, Decallonne B, Valckx D, Verstuyf A, Depovere J, Laureys J et al. Identification and immune regulation of 25-hydroxyvitamin D-1-alpha-hydroxylase in murine macrophages. Clin Exp Immunol. 2000;120:139-46. A vitamina D regula tanto a imunidade inata como a adaptativa, suprimindo a imunidade adaptativa (funções dos linfócitos B e T) e potenciando a resposta inata (monócitos, macrófagos e células apresentadores de antígeno).1414 Cutolo M, Pizzorni C, Sulli A. Vitamin D endocrine system involvement in autoimmune rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2011;11:84-7. Na presente revisão, nosso primeiro objetivo foi examinar os estudos existentes, para que fosse determinado se os níveis de vitamina D em pacientes com EA correspondiam à atividade da doença.

A atividade de muitas doenças reumatológicas, inclusive EA, pode ser medida por meio da PCR e do VHS, que são marcadores inespecíficos, mas que proporcionam alguma indicação objetiva de inflamação. Estão em fase de investigação vários biomarcadores novos, na esperança de oferecer maior especificidade; por exemplo, metaloproteinases da matriz (MMP-3), epitopos do colágeno tipo II e interleucina-6 (IL-6).1515 Chen CH, Yu DT, Chou CT. Biomarkers in spondyloarthropathies. Adv Exp Med Biol. 2009;649:122-32. O Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI) foi desenvolvido em 1994, sendo um método padronizado para avaliação da atividade da doença, no que se relaciona aos sintomas e à qualidade de vida dos pacientes. Embora tenham sido desenvolvidos alguns modelos novos, BASDAI permanece sendo o instrumento mais amplamente utilizado na avaliação da atividade da doença em pacientes com EA.1616 Hakkou J, Rostom S, Aissaoui N, Berrada Ghezioul K, Bahiri R, Abouqal R et al. Comparison of the BASDAI and the miniBASDAI in assessing disease activity in patients with ankylosing spondylitis. Clin Rheumatol. 2012 Mar;31:441-5.

Na presente análise, os estudos exibiam dados conflitantes no que tange à correlação dos níveis de vitamina D com VHS, PCR e escores BASDAI. Também é digno de nota que, em sua maioria, as correlações estatisticamente significativas eram fracas (r2Bikle DD. What is new in vitamin D: 2006-2007. Curr Opin Rheumatol. 2007 Jul;19:383-8. < 0,6). Os estudos existentes não nos permitem concluir se existe ou não alguma correlação significativa entre níveis séricos de vitamina D e inflamação sistêmica ou atividade da doença em pacientes com EA. Isso repercute achados em estudos similares que se debruçaram na atividade de outras doenças reumatológicas.3Gatenby P, Lucas R, Swaminathan A. Vitamin D deficiency and risk for rheumatic diseases: an update. Curr Opin Rheumatol. 2013 Mar;25:184-91. Os resultados na literatura são variáveis; alguns dos estudos chegaram a uma associação entre níveis de vitamina D e atividade da doença em pacientes com LES e AR; já outros estudos não foram capazes de reproduzir esses resultados.

Em seguida, buscamos resposta para a segunda pergunta: os níveis de vitamina D eram diferentes em pacientes com EA? A insuficiência de vitamina D foi descrita como uma pandemia, com até um bilhão de pessoas em todo o mundo padecendo de insuficiência ou deficiência de vitamina D.1717 Holick MF. Vitamin D deficiency. N Engl J Med. 2007 Jul 19;357:266-81. Não existe consenso universal sobre qual seja o nível sérico ideal de 25-hidroxivitamina D3. Em uma norma de prática clínica publicada em 2011, a Endocrine Society declarou que um nível sérico ideal seria de, no mínimo, 30 ng/mL (75 nmol/L).1818 Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, Gordon CM, Hanley DA, Heaney RP et al. Endocrine Society. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011 Jul;96:1911-30. Níveis séricos entre 21-29 ng/mL são definidos como insuficiência de vitamina D e níveis de 20 ng/mL ou menos são considerados como deficiência de vitamina D.

Depois de reunidos os dados para os oito estudos revisados, descobrimos que os pacientes com EA tinham níveis de vitamina D significativamente mais baixos, em comparação com controles saudáveis. Os níveis médios de vitamina D para os pacientes com EA em todos os oito estudos eram insuficientes ou deficientes. Também é interessante observar que em cinco dos oito estudos, os níveis médios de vitamina D também estavam insuficientes nos controles saudáveis.

No geral, nossos achados correspondem a outros estudos transversais demonstrando a presença de níveis séricos deficientes de vitamina D (< 20 ng/mL) em um percentual significativo de pacientes com doenças autoimunes, como diabete melito tipo 1,1919 Mathieu C, Gysemans C, Giulietti A, Bouillon R. Vitamin D and diabetes. Diabetologia. 2005;48:1247-57. lúpus eritematoso sistêmico (LES) e artrite reumatoide (AR).2020 Cutolo M, Otsa K, Paolino S, Yprus M, Veldi T, Seriolo B. Vitamin D involvement in rheumatoid arthritis and systemic lupus erythaematosus. Ann Rheum Dis. 2009;68:446-7. Como foi observado por Welsh et al. em uma revisão de níveis de vitamina D e AR,2121 Welsh P, Peters MJ, Sattar N. Is vitamin D in rheumatoid arthritis a magic bullet or a mirage? The need to improve the evidence base prior to calls for supplementation. Arthritis Rheum. 2011;63:1763-9. os estudos transversais incluídos nessa análise têm limitações, por não terem sido capazes de excluir a causalidade reversa. Portanto, não é possível - com base nos estudos existentes - afirmar se a deficiência de vitamina D é causa ou consequência da EA.

Acredita-se que o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) desempenhe algum papel na inflamação crônica, e é sabido que essa substância inibe a ligação do receptor de vitamina D ao elemento de resposta à vitamina D (VDRE) do gene da osteocalcina. TNF-α pode sub-regular a atividade da 24-hidroxilase no rim, possivelmente reduzindo os níveis de vitamina D.8Durmus B, Altay Z, Baysal O, Ersoy Y. Does vitamin D affect disease severity in patients with ankylosing spondylitis? Chin Med J (Engl). 2012 Jul;125:2511-5. Na literatura, alguns autores sugeriram que a vitamina D - como de resto ocorre com outras vitaminas na circulação - pode estar sujeita a uma resposta de fase aguda inversa.2222 Reid D, Knox S, Talwar D, O'Reilly DJ, Blackwell S, Kinsella J et al. Acute changes in the systemic inflammatory response is associated with transient decreases in circulating 25-hydroxyvitamin D concentrations following elective knee arthoplasty. Ann Clin Biochem. 2010;47:95-6. Em outras palavras, a inflamação sistêmica pode baixar os níveis de vitamina D.

Por outro lado, foi informado que a vitamina D inibe a expressão de TNF-α;2323 Shany S, Levy Y, Lahav-Cohen M. The effects of 1alpha,24(S)-dihydroxyvitamin D(2) analog on cancer cell proliferation and cytokine expression. Steroids. 2001 Mar-May;66:319-25. segue-se que o estado de deficiência de vitamina D pode acelerar a inflamação. Lange et al. observaram uma correlação negativa entre níveis de vitamina D e TNF-α em pacientes com EA.4Lange U, Teichmann J, Strunk J, Müller-Ladner U, Schmidt KL. Association of 1.25 vitamin D3 deficiency, disease activity and low bone mass in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2005;16:1999-2004. Foram publicados estudos prospectivos sugerindo que a deficiência de vitamina D está associada a maior risco de ocorrência de AR.2424 Song GG, Bae SC, Lee YH. Association between vitamin D intake and the risk of rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Clin Rheumatol. 2012;31:1733-9. Fazem-se necessários estudos prospectivos bem planejados que determinem se a situação da vitamina D tem alguma relação com a ocorrência de EA.

Há várias explicações possíveis para a heterogeneidade dos resultados. Os estudos considerados na presente análise tinham dimensões e potenciais estatísticos diferentes, e variavam em seu controle dos fatores complicadores. Todos os estudos excluíram pacientes com doenças crônicas e sistêmicas, mas nem todos os estudos controlaram o uso de glicocorticoides, agentes biológicos, bifosfonatos e a própria suplementação com vitamina D. Os estudos selecionados apresentavam diferentes percentuais de pacientes homens e mulheres. A sazonalidade não foi controlada em todos os estudos. Yazmalar et al. verificaram que, embora os níveis circulantes de 25(OH) vitamina D não variassem significativamente ao longo das estações, os escores BASDAI eram mais elevados nos meses de inverno.1111 Yazmalar L, Ediz L, Alpayci M, Hiz O, Toprak M, Tekeoglu I. Seasonal disease activity and serum vitamin D levels in rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis and osteoarthritis. Afr Health Sci. 2013 Mar;13:47-55. Também é sabido que os níveis circulantes de vitamina D são afetados pelo índice de massa corporal, pigmentação da pele, latitude, roupas e uso de filtro solar,2525 Tsiaras WG, Weinstock MA. Factors influencing vitamin D status. Acta Derm Venereol. 2011 Mar;91:115-24. e não ficou bem claro se todos esses estudos controlaram esses fatores complicadores.

Conclusão

Em conclusão, pacientes com EA - como ocorre em outras doenças autoimunes - parecem ter níveis mais baixos de vitamina D, em comparação com controles saudáveis; entretanto, a causa para tal fenômeno é obscura. Nos estudos publicados até agora, não ficou definida uma ligação consistente entre níveis de vitamina D e atividade da doença em pacientes com EA, e a essa altura não contamos ainda com evidências que justifiquem o uso dos níveis séricos de 25-hidroxivitamina D3 como marcador de atividade da doença. Ainda está por ser descoberto se a deficiência de vitamina D é fator predisponente para a ocorrência de EA, e se a manutenção de níveis satisfatórios de vitamina D pode melhorar os desfechos em pacientes com EA.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Qubti MA, Flynn JA. Chapter 17. Ankylosing spondylitis & the arthritis of inflammatory bowel disease. In: Imboden JB, Hellmann DB, Stone JH, eds. Current diagnosis & treatment: rheumatology. 3rd ed. Nova York: McGraw-Hill, 2013.
  • 2
    Bikle DD. What is new in vitamin D: 2006-2007. Curr Opin Rheumatol. 2007 Jul;19:383-8.
  • 3
    Gatenby P, Lucas R, Swaminathan A. Vitamin D deficiency and risk for rheumatic diseases: an update. Curr Opin Rheumatol. 2013 Mar;25:184-91.
  • 4
    Lange U, Teichmann J, Strunk J, Müller-Ladner U, Schmidt KL. Association of 1.25 vitamin D3 deficiency, disease activity and low bone mass in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2005;16:1999-2004.
  • 5
    Lange U, Jung O, Teichmann J, Neeck G. Relationship between disease activity and serum levels of vitamin D metabolites and parathyroid hormone in ankylosing spondylitis. Osteoporos Int. 2001 Dec;12:1031-5.
  • 6
    Mermerci Başkan B, Pekin Doğan Y, Sivas F, Bodur H, Ozoran K. The relation between osteoporosis and vitamin D levels and disease activity in ankylosing spondylitis. Rheumatol Int. 2010;30:375-81.
  • 7
    Arends S, Spoorenberg A, Bruyn GA, Houtman PM, Leijsma MK, Kallenberg CG et al. The relation between bone mineral density, bone turnover markers, and vitamin D status in ankylosing spondylitis patients with active disease: a crosssectional analysis. Osteoporos Int. 2011;22:1431-9.
  • 8
    Durmus B, Altay Z, Baysal O, Ersoy Y. Does vitamin D affect disease severity in patients with ankylosing spondylitis? Chin Med J (Engl). 2012 Jul;125:2511-5.
  • 9
    Erten S, Kucuksahin O, Sahin A, Altunoglu A, Akyol M, Koca C. Decreased plasma vitamin D levels in patients with undifferentiated spondyloarthritis and ankylosing spondylitis. Intern Med. 2013;52:339-44.
  • 10
    Hmamouchi I, Allali F, El Handaoui B, Amine H, Rostom S, Abouqal R. The relation between disease activity, vitamin D levels and bone mineral density in men patients with ankylosing spondylitis. Rheumatol Rep. 2013;5:7-11.
  • 11
    Yazmalar L, Ediz L, Alpayci M, Hiz O, Toprak M, Tekeoglu I. Seasonal disease activity and serum vitamin D levels in rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis and osteoarthritis. Afr Health Sci. 2013 Mar;13:47-55.
  • 12
    Franck H, Keck E. Serum osteocalcin and vitamin D metabolites in patients with ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 1993;52:343-6.
  • 13
    Overbergh L, Decallonne B, Valckx D, Verstuyf A, Depovere J, Laureys J et al. Identification and immune regulation of 25-hydroxyvitamin D-1-alpha-hydroxylase in murine macrophages. Clin Exp Immunol. 2000;120:139-46.
  • 14
    Cutolo M, Pizzorni C, Sulli A. Vitamin D endocrine system involvement in autoimmune rheumatic diseases. Autoimmun Rev. 2011;11:84-7.
  • 15
    Chen CH, Yu DT, Chou CT. Biomarkers in spondyloarthropathies. Adv Exp Med Biol. 2009;649:122-32.
  • 16
    Hakkou J, Rostom S, Aissaoui N, Berrada Ghezioul K, Bahiri R, Abouqal R et al. Comparison of the BASDAI and the miniBASDAI in assessing disease activity in patients with ankylosing spondylitis. Clin Rheumatol. 2012 Mar;31:441-5.
  • 17
    Holick MF. Vitamin D deficiency. N Engl J Med. 2007 Jul 19;357:266-81.
  • 18
    Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA, Gordon CM, Hanley DA, Heaney RP et al. Endocrine Society. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011 Jul;96:1911-30.
  • 19
    Mathieu C, Gysemans C, Giulietti A, Bouillon R. Vitamin D and diabetes. Diabetologia. 2005;48:1247-57.
  • 20
    Cutolo M, Otsa K, Paolino S, Yprus M, Veldi T, Seriolo B. Vitamin D involvement in rheumatoid arthritis and systemic lupus erythaematosus. Ann Rheum Dis. 2009;68:446-7.
  • 21
    Welsh P, Peters MJ, Sattar N. Is vitamin D in rheumatoid arthritis a magic bullet or a mirage? The need to improve the evidence base prior to calls for supplementation. Arthritis Rheum. 2011;63:1763-9.
  • 22
    Reid D, Knox S, Talwar D, O'Reilly DJ, Blackwell S, Kinsella J et al. Acute changes in the systemic inflammatory response is associated with transient decreases in circulating 25-hydroxyvitamin D concentrations following elective knee arthoplasty. Ann Clin Biochem. 2010;47:95-6.
  • 23
    Shany S, Levy Y, Lahav-Cohen M. The effects of 1alpha,24(S)-dihydroxyvitamin D(2) analog on cancer cell proliferation and cytokine expression. Steroids. 2001 Mar-May;66:319-25.
  • 24
    Song GG, Bae SC, Lee YH. Association between vitamin D intake and the risk of rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Clin Rheumatol. 2012;31:1733-9.
  • 25
    Tsiaras WG, Weinstock MA. Factors influencing vitamin D status. Acta Derm Venereol. 2011 Mar;91:115-24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2013
  • Aceito
    19 Mar 2014
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br