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SAF no Brasil

EDITORIAL

SAF no Brasil

Roger A. Levy

Professor adjunto de Reumatologia da UERJ, consultor científico da empresa Diagnóticos da América e apoio da Federico Foundation

Em Nova Iorque, em 1990, quando estava prestes a voltar ao Brasil depois de cumprir o meu fellowship em reumatologia, orientado pelos professores Michael D. Lockshin e Azzudin E. Gharavi (o saudoso Aziz, que amava o Brasil e aqui cultivou várias amizades), esse último me fez um pedido: que eu ajudasse a espalhar pelo nosso país, e se possível além das nossas fronteiras, os conhecimentos recentemente adquiridos sobre síndrome dos anticorpos antifosfolipídeos (SAF). Nessa missão estava incumbido, além de dar palestras para reumatologistas e outros especialistas, a publicar em periódicos médicos nacionais e divulgar a experiência brasileira no exterior. Ao voltar, logo encontrei dois expoentes no Brasil que se dedicavam aos estudos sobre SAF: Mittermayer Barreto Santiago, da Bahia; e Henrique Luiz Staub, do Rio Grande do Sul, ambos recentemente chegados de Londres, onde foram orientados pelo professor Graham Hughes, e que estavam na época trabalhando em São Paulo, na USP e no HSE-SP, respectivamente. Além desses, outros serviços começaram na época a se interessar pelo diagnóstico e tratamento da SAF e a realizar projetos de pesquisa. Logo em seguida, testemunhamos a padronização dos testes laboratoriais para o diagnóstico da SAF e a sua implantação nos laboratórios de diagnóstico de rotina. Para nós, tem sido gratificante poder ter colaborado para o enriquecimento do conhecimento sobre a SAF no nosso meio. Testemunhando relatos de casos retrospectivos de colegas mais experientes e a realização de projetos de pesquisa sobre o assunto, vimos o pedido do professor Gharavi se realizar. Mais gratificante ainda é poder permanecer com saúde e no front da reumatologia prática, aliado aos vários outros interessados no tema, e ver a diferença que fazemos nas vidas dos indivíduos com SAF primária/isolada ou associada. Ainda penso que temos muito que alcançar e aprender com a SAF, uma doença reumatológica com impacto em toda medicina interna, que todos devem reconhecer e cuja investigação diagnóstica deve ser conduzida, mas por reumatologistas. Devemos extrapolar ainda mais as fronteiras da reumatologia e estimular os colegas das ciências básicas a contribuírem com projetos multidisciplinares sobre SAF. Esperamos ver resultados desses projetos proliferando e, em 2013, quando iremos sediar o Congresso Internacional de SAF no Rio de Janeiro, novos resultados sendo apresentados pelas próximas gerações de médicos brasileiros.

Neste volume da RBR, temos publicados os resultados de estudos realizados em dois dos mais importantes centros de reumatologia brasileira, a FMUSP e a UNIFESP. O estudo de Jozélio Freire de Carvalho e Maria Teresa Correia Caleiro1 versa sobre a relação dos níveis de lipoproteína(a), que são mais elevados nos indivíduos com SAF do que na população geral, com as características demográficas e clínicas de 46 indivíduos com SAF primária, sendo que 43% desses apresentavam elevação no nível de lipoproteína(a). Não foram encontradas associações significativas entre os níveis de lipoproteína(a) e as características da SAF. No entanto, permanece importante identificarmos fatores que se correlacionam com manifestações clínicas específicas e marcadores de prognóstico na SAF. Já sabemos da importância de se controlar a hipertensão arterial sistêmica, que se relaciona com eventos arteriais na SAF, e os níveis de homocisteína, que podem estar elevados na população com SAF e que aumentam o risco de trombose independentemente.2,3

O estudo orientado por Alexandre Wagner Silva de Souza com o grupo do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos4 demonstra as manifestações clínicas em um estudo retrospectivo envolvendo 106 indivíduos com anticorpos antifosfolipídeos. Seria interessante conhecer o acompanhamento prospectivo desta coorte, e principalmente saber como evoluirão aqueles indivíduos com algum tipo de anticorpo antifosfolipídeo detectado persistentemente e que não têm relato prévio de evento trombótico ou perda fetal. Como evoluirão as mulheres com eventos obstétricos que são tratadas com diferentes esquemas terapêuticos? Qual o valor preditivo dos diferentes tipos de anticorpos (inclusive o antibeta 2 glicoproteína I), assim como das características clínicas não incluídas no critério de classificação (fenômeno de Raynaud, livedo, enxaqueca, zumbido e outros) e diferentes formas evolutivas? Enfim, progredimos muito no conhecimento de uma doença tão importante e que antes de 1986 não era identificada, mas ainda há muito que aprender.

  • 1
    Jozélio FC, Maria Teresa CC, Lipoproteína(a) na síndrome antifosfolípide primária. Rev Bras Reumatol 2009;49(3):246-253.
  • 2
    Souza AW, Silva NP, Carvalho JF, D'Almeida V, Noguti MA, Sato EI. Impact of hypertension and hyperhomocysteinemia on arterial thrombosis in primary antiphospholipid syndrome. Lupus 2007;16(10):782-7.
  • 3
    Martínez-Berriotxoa A, Ruiz-Irastorza G, Egurbide MV, Rueda M, Aguirre C. Homocysteine, antiphospholipid antibodies and risk of thrombosis in patients with systemic lupus erythematosus. Lupus 2004;13(12):927-33.
  • 4
    Alexandre Wagner SS, Paula GP, Daniela PD, Andreia LG, Augusta MR, Felipe MT et al Avaliação da pesquisa de anticorpos antifosfolipídios para o diagnóstico da síndrome antifosfolípide. Rev Bras Reumatol 2009;49(3):236-245.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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