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Análise crítica do teste de anticorpos antinúcleo (FAn) na prática clínica

Critical analysis of the antinuclear antibody test as tool in clinical practice

Resumos

A pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares, tradicionalmente denominada FAN (fator antinúcleo) ou FAN-HEp-2, tem apresentado contínua evolução que requer dos profissionais envolvidos uma acurada e constante revisão sobre os paradigmas que norteiam a interpretação dos resultados obtidos. Os avanços metodológicos ocasionaram expressivo aumento na sensibilidade do teste e conseqüente diminuição de sua especificidade. Isto se verifica pelo crescente número de exames positivos em indivíduos aparentemente hígidos. Este fato tem criado situações desconfortáveis e muitas vezes angustiantes, sendo necessário buscar elementos para auxiliar os profissionais envolvidos. Estudos criteriosos e a experiência têm nos ensinado que há características peculiares usualmente associadas aos auto-anticorpos observados em pacientes auto-imunes e em indivíduos não auto-imunes. A presente revisão fornece uma abordagem sobre os pontos importantes para a correta valorização dos achados do teste do FAN-HEp-2 e que possam auxiliar na identificação de pacientes com doenças auto-imunes. Discute-se a importância do título e do padrão de imunofluorescência na valorização de um teste positivo e no desdobramento da pesquisa de auto-anticorpos específicos. Indivíduos não auto-imunes usualmente apresentam FAN-HEp-2 em títulos baixos, enquanto pacientes auto-imunes, geralmente, títulos médios ou altos. Entretanto, observam-se freqüentes exceções em ambos os contextos. Os padrões de fluorescência nucleares pontilhado grosso e homogêneo quase sempre se associam a um contexto de auto-imunidade sistêmica. Por outro lado, o padrão nuclear pontilhado fino denso é um dos mais freqüentemente observados em pessoas não auto-imunes com exame positivo de FAN-HEp-2. O Consenso Nacional para Padronização dos Laudos de FAN-HEp-2 tem desempenhado importante papel na melhoria da interpretação do exame de FAN-HEp-2 em nosso país. Finalmente, há que se considerar os possíveis e diversos significados de um teste positivo de FAN-HEp-2 em um paciente sem evidência objetiva de doença auto-imune.

fator antinúcleo; células HEp-2; doenças auto-imunes; auto-anticorpos


Due to its continuous evolving process the fluorescent antinuclear antibody test (ANA-HEp-2) has required constant update efforts from personal involved in performing and interpreting its results. The methodological advances have brought up a considerable improvement in the test's sensitivity and consequently a decrease in its specificity. This has resulted in an increasing number of positive tests in apparently healthy subjects. This fact contributes to embarrassing situations and implies in the necessity to seek for elements to help the involved professionals. Well-conducted studies and experience have shown that there are some peculiar features associated with the auto-antibodies in patients with autoimmune diseases that are not present in those observed in healthy subjects. The present review brings an approach on the most important points to be considered in the analysis and evaluation of an ANA test that might help the identification of patients with autoimmune disease. Titer and immunofluorescence pattern are important parameters in the evaluation of the significance of a positive ANA-HEp2 test and in the reflex demand for further tests for specific autoantibodies. In general non-autoimmune individuals present low titer ANA-HEp-2 and patients with systemic autoimmune diseases present moder ate or high titer ANA-HEp-2 tests. However, exceptions to this are normally observed in both contexts. The homogeneous and coarse speckled nuclear patterns are almost exclusively observed in patients with systemic autoimmunity. On the other hand, the nuclear dense fine speckled pattern is one of the most frequently observed patterns in non-autoimmune individuals with a positive ANA-HEp-2 test. The basic concepts of the National Consensus on Standardization of ANA-HEp-2 Report have helped Brazilian rheumatologists and pathologists in the correct interpretation of the great diversity of ANA-HEp-2 immunofluorescence patterns. Finally, it is important to consider the possible and alternative significance of a positive ANA test in patients without objective evidence of autoimmune diseases.

antinuclear antibodies; HEp-2 cells; autoimmune diseases; autoantibodies


ARTIGO DE REVISÃO REVIEW ARTICLE

Análise crítica do teste de anticorpos antinúcleo (FAn) na prática clínica

Critical analysis of the antinuclear antibody test as tool in clinical practice

Alessandra DellavanceI; Paulo Guilherme LeserII; Luís Eduardo Coelho AndradeIII

IDoutoranda na Disciplina de Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e assessora científica do Setor de Imunologia - Fleury Medicina Diagnóstica

IIAssessor médico do Setor de Imunologia - Fleury Medicina Diagnóstica

IIIProfessor-associado da Disciplina de Reumatologia da Unifesp e assessor médico do Setor de Imunologia - Fleury Medicina Diagnóstica

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luís Eduardo Coelho Andrade Disciplina de Reumatologia Rua Botucatu, 740, 3º andar CEP 04023-069, São Paulo, SP, Brasil telefone/fax: (11) 5576-4239 e-mail: luis@reumato.epm.br

RESUMO

A pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares, tradicionalmente denominada FAN (fator antinúcleo) ou FAN-HEp-2, tem apresentado contínua evolução que requer dos profissionais envolvidos uma acurada e constante revisão sobre os paradigmas que norteiam a interpretação dos resultados obtidos. Os avanços metodológicos ocasionaram expressivo aumento na sensibilidade do teste e conseqüente diminuição de sua especificidade. Isto se verifica pelo crescente número de exames positivos em indivíduos aparentemente hígidos. Este fato tem criado situações desconfortáveis e muitas vezes angustiantes, sendo necessário buscar elementos para auxiliar os profissionais envolvidos. Estudos criteriosos e a experiência têm nos ensinado que há características peculiares usualmente associadas aos auto-anticorpos observados em pacientes auto-imunes e em indivíduos não auto-imunes. A presente revisão fornece uma abordagem sobre os pontos importantes para a correta valorização dos achados do teste do FAN-HEp-2 e que possam auxiliar na identificação de pacientes com doenças auto-imunes. Discute-se a importância do título e do padrão de imunofluorescência na valorização de um teste positivo e no desdobramento da pesquisa de auto-anticorpos específicos. Indivíduos não auto-imunes usualmente apresentam FAN-HEp-2 em títulos baixos, enquanto pacientes auto-imunes, geralmente, títulos médios ou altos. Entretanto, observam-se freqüentes exceções em ambos os contextos. Os padrões de fluorescência nucleares pontilhado grosso e homogêneo quase sempre se associam a um contexto de auto-imunidade sistêmica. Por outro lado, o padrão nuclear pontilhado fino denso é um dos mais freqüentemente observados em pessoas não auto-imunes com exame positivo de FAN-HEp-2. O Consenso Nacional para Padronização dos Laudos de FAN-HEp-2 tem desempenhado importante papel na melhoria da interpretação do exame de FAN-HEp-2 em nosso país. Finalmente, há que se considerar os possíveis e diversos significados de um teste positivo de FAN-HEp-2 em um paciente sem evidência objetiva de doença auto-imune.

Palavras-chave: fator antinúcleo, células HEp-2, doenças auto-imunes, auto-anticorpos.

ABSTRACT

Due to its continuous evolving process the fluorescent antinuclear antibody test (ANA-HEp-2) has required constant update efforts from personal involved in performing and interpreting its results. The methodological advances have brought up a considerable improvement in the test's sensitivity and consequently a decrease in its specificity. This has resulted in an increasing number of positive tests in apparently healthy subjects. This fact contributes to embarrassing situations and implies in the necessity to seek for elements to help the involved professionals. Well-conducted studies and experience have shown that there are some peculiar features associated with the auto-antibodies in patients with autoimmune diseases that are not present in those observed in healthy subjects. The present review brings an approach on the most important points to be considered in the analysis and evaluation of an ANA test that might help the identification of patients with autoimmune disease. Titer and immunofluorescence pattern are important parameters in the evaluation of the significance of a positive ANA-HEp2 test and in the reflex demand for further tests for specific autoantibodies. In general non-autoimmune individuals present low titer ANA-HEp-2 and patients with systemic autoimmune diseases present moder ate or high titer ANA-HEp-2 tests. However, exceptions to this are normally observed in both contexts. The homogeneous and coarse speckled nuclear patterns are almost exclusively observed in patients with systemic autoimmunity. On the other hand, the nuclear dense fine speckled pattern is one of the most frequently observed patterns in non-autoimmune individuals with a positive ANA-HEp-2 test. The basic concepts of the National Consensus on Standardization of ANA-HEp-2 Report have helped Brazilian rheumatologists and pathologists in the correct interpretation of the great diversity of ANA-HEp-2 immunofluorescence patterns. Finally, it is important to consider the possible and alternative significance of a positive ANA test in patients without objective evidence of autoimmune diseases.

Keywords: antinuclear antibodies, HEp-2 cells, autoimmune diseases, autoantibodies.

INTRODUÇÃO

Durante a maior parte da história médica, o diagnóstico das doenças em geral era feito exclusivamente pelos dados clínicos, obtidos pela história e exame físico. O laboratório e outros exames subsidiários, tais como radiografias, ultra-som, tomografia, ressonância magnética e biópsias, eram inexistentes ou pouco desenvolvidos. As maiores dificuldades eram vividas pelas especialidades em que as doenças se apresentam de maneira indefinida e com quadros superponíveis, impedindo um diagnóstico preciso. A reumatologia beneficiou-se muito com a evolução das técnicas laboratoriais, especialmente no estudo das doenças auto-imunes. No entanto, o crescente avanço científico-metodológico resultou em alguns ensaios de alta sensibilidade e menor especificidade. Este é, sem dúvida, o cenário atual da pesquisa de anticorpos contra antígenos celulares (FAN) que suscita, hoje, alguns questionamentos de importância singular:

É inegável a necessidade de uma constante reflexão sobre as características intrínsecas do teste, como sensibilidade, especificidade e valores preditivos na prática cotidiana dos clínicos, e não há dúvida de que esta não é uma tarefa simples. Além disso, o resultado simples, preciso e específico, resultante da pesquisa de células LE, deu lugar a laudos complexos com uma vasta miríade de associações antigênicas que podem resultar em interpretações e valorizações inadequadas sempre que o clínico não estiver habituado com as peculiaridades do exame FAN.

Além de sua aplicabilidade na prática clínica, atualmente a pesquisa de auto-anticorpos pela técnica de imunofluorescência indireta em células HEp-2 (FAN-HEp-2) permite também compreender aspectos minuciosos da fisiologia celular e tem contribuído para a descoberta e caracterização de algumas proteínas e seu comportamento. Essas descobertas e informações, ainda que extremamente importantes para a pesquisa básica, não devem interferir na rotina do clínico que conta com este exame como uma ferramenta para auxiliá-lo no diagnóstico de doenças auto-imunes.

Por essas razões, o objetivo da presente revisão é responder às perguntas propostas anteriormente, oferecendo uma perspectiva evolutiva dos testes para pesquisa de anticorpos antinúcleo, uma análise crítica do seu desempenho diagnóstico e também alguns elementos de importância crítica para a interpretação apropriada dos resultados.

COMO INTERPRETAR ADEQUADAMENTE OS RESULTADOS DA PESQUISA DE ANTICORPOS CONTRA ANTÍGENOS CELULARES (FAN - FATOR ANTINÚCLEO)?

Para responder a essa pergunta é necessário regressar à década de 1940 quando Hargraves et al.(1) documentaram a presença de material nuclear fagocitado em sangue de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). Esse ensaio laboratorial altamente específico e de imensa contribuição aos reumatologistas recebeu o nome de teste das células LE e, ao longo de algumas décadas, foi parte integrante dos critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia (CAR) para a classificação dessa doença(2). Esse exame tinha características marcadas por extrema complexidade na interpretação, dificuldade em treinamento de profissionais para executar o ensaio, falta de reprodutibilidade e baixa sensibilidade.

Em 1997, o Council on Research and the Board of Directors e o Colégio Americano de Reumatologia (CAR)(3) se reuniram e decidiram eliminar a pesquisa de células LE como um dos critérios para o diagnóstico de LES em virtude do desenvolvimento de ensaios laboratoriais de execução metodológica mais simples, mais reprodutiva, de maiores sensibilidade e especificidade em relação às células LE, dando lugar a outros auto-anticorpos considerados marcadores de LES, como anti-Sm e anti-DNA nativo. Na prática laboratorial, a pesquisa de células LE foi completamente abolida e substituída pelo teste de imunofluorescência indireta (IFI) para pesquisa de anticorpos antinúcleo (ANA-IFI)(4).

Em meados da década de 1950(5) quando a IFI passou, então, a ser utilizada na triagem de anticorpos antinúcleo (ANA) no soro de pacientes com suspeita da doença auto-imune, o substrato da reação era corte de tecido de roedores ou imprint de fígado de camundongo. Esta nova plataforma possibilitou a identificação de um universo mais amplo de auto-anticorpos que a pesquisa de células LE. Além disso, ANA-IFI passou também a indicar a possível presença de alguns auto-anticorpos em pacientes com suspeita de algumas outras doenças auto-imunes, como esclerose sistêmica e síndrome de Sjögren, o que não era possível com a pesquisa de células LE restrita a informações aplicadas apenas à suspeita de LES. É importante enfatizar que o teste não mais era específico de LES, mas poderia ser positivo em alguns pacientes com outras doenças reumáticas auto-imunes. Entretanto, com o uso desse substrato, um teste de ANA-IFI positivo, apesar de não mais específico para LES, ainda trazia maior possibilidade diagnóstica de LES que de outras enfermidades. O incremento na sensibilidade, no entanto, resultou em diminuição na especificidade até mesmo para o diagnóstico de doença reumática auto-imune, pois alguns indivíduos aparentemente hígidos (2% a 4%) passaram a apresentar resultados positivos pela técnica de ANA-IFI, o que era extremamente raro com o teste das células LE.

De uma maneira bastante prática, a informação dada pelo ANA-IFI resulta do reconhecimento de antígenos presentes no núcleo do hepatócito reconhecidos por auto-anticorpos presentes no soro de pacientes. A ligação antígeno-anticorpo revelada por anticorpos contra a gamaglobulina humana marcada com fluorocromo traduz-se na forma de padrões morfológicos ao microscópio e que correspondem à distribuição topográfica dos respectivos auto-antígenos. No imprint de fígado de camundongo ou cortes de tecido de roedores, cinco padrões básicos de IFI podem ser visualizados e interpretados como nos mostra o Quadro 1.


Por se tratar de um exame destinado à triagem de auto-anticorpos, a identificação dos padrões de IFI tem como objetivo direcionar o clínico a testes específicos que identificam o antígeno-alvo reconhecido por um determinado auto-anticorpo e complementam os achados preliminares do teste ANA-IFI, buscando uma associação clínica específica (Quadro 1). Isoladamente, o teste de ANA-IFI não permite pontuar precisamente o antígeno reconhecido nem vincular o resultado encontrado a uma dada doença. Para esse fim, os testes tradicionalmente utilizados que permitem a identificação de auto-anticorpos em doenças reumáticas auto-imunes são a imunodifusão dupla de Outcherlony (IDD)(10), para identificação de diversos antígenos nucleares (SS-A/Ro, SS-B/La, Sm, U1RNP, Jo-1, Scl-70, PM/Scl), e a imunofluorescência indireta com substratos específicos, como Crithidia luciliae(11), para detecção de anticorpos anti-DNA nativo. Mais recentemente têm sido desenvolvidos kits comerciais de ELISA(12,13) e hemaglutinação(14) para a detecção de alguns desses auto-anticorpos. Seu desempenho diagnóstico é altamente dependente da qualidade dos insumos e há possibilidade de resultados falsos-positivos em virtude da excessiva sensibilidade desses dois métodos. Resultados positivos em níveis próximos ao valor de corte do ensaio devem ser valorizados com extrema cautela.

O esforço científico e tecnológico contínuo e crescente na padronização de técnicas laboratoriais mais viáveis e com maior difusão mundial fez que a utilização de tecido animal na técnica de IFI fosse praticamente substituída por células tumorais imortalizadas e mantidas em cultura. Uma das razões está no fato de que as instalações de biotérios apropriados para criação de animais são pouco viáveis de ser mantidas em laboratórios clínicos, o que não acontece com ambientes para cultivo celular. Ainda mais importante é o fato de que o estabelecimento de uma única linhagem celular como substrato para o teste de ANA-IFI traria uma padronização internacional para o teste não passível de ser alcançada com os testes baseados em tecidos animais. Desta forma, na década de 1980, começou-se a utilizar cada vez mais, como substrato para realização do teste de ANA-IFI, as células HEp-2 (American Type Culture Collection CCL-23), uma linhagem de células tumorais derivadas de carcinoma de laringe humana e cultivadas em monocamadas sobre lâminas de vidro. Suas características celulares com vasta gama de antígenos bem expressos nas diversas fases do ciclo celular contribuíram para uma ótima identificação destes quando reconhecidos pelos auto-anticorpos.

As células HEp-2 permitem a identificação de padrões de fluorescência resultantes do reconhecimento de anticorpos presentes no soro de pacientes associados a antígenos presentes nos diferentes compartimentos celulares, como no citoplasma, aparelho mitótico e placa cromossômica metafásica, o que não era possível em tecidos de roedores que evidenciavam quase exclusivamente o núcleo de hepatócitos fixados. Outra característica fundamental é que a célula HEp-2 expressa auto-antígenos relevantes que não são expressos em tecidos de roedores. O exemplo mais eloqüente é o do complexo SS-A/Ro, que invariavelmente está ausente em cortes de roedores(15). Assim, um soro monoespecífico anti-SS-A/Ro dá resultado negativo no ANA-IFI em tecido de roedores e é francamente positivo quando se usa a célula HEp-2. E por se tratar de uma cultura tumoral em constante proliferação, antígenos relevantes, mas restritos a determinadas fases do ciclo celular, podem ser reconhecidos por anticorpos presentes no soro dos pacientes. Este é o caso do anticorpo anti-PCNA(16), marcador de LES e identificado apenas quando o substrato apresenta células em proliferação, como no caso da HEp-2.

O resultado das características do teste de IFI em células HEp-2 (FAN-HEp-2) foi a caracterização de mais de 20 padrões de IFI em vez dos cinco reportados no exame de ANA-IFI em tecido animal. A maior oferta de antígenos levou inexoravelmente a um expressivo aumento na sensibilidade do ensaio. Aumentou-se o rol de auto-anticorpos passíveis de serem detectados e reduziu-se o limiar de concentração sérica a partir do qual estes passam a ser detectados. Portanto, níveis baixos de auto-anticorpos por vezes não detectáveis no teste ANA-IFI com tecidos de roedores passaram a ser detectáveis no FAN-HEp-2. Uma conseqüência direta desse aumento na sensibilidade foi considerável perda de especificidade do teste, o que exige uma interpretação bastante criteriosa dos achados sorológicos(17).

Atualmente, um dos fatos mais intrigantes na pesquisa de FAN-HEp-2 está no número elevado de achados positivos em indivíduos aparentemente hígidos. Na literatura, essa freqüência exibe ampla variação (Quadro 2), provável reflexo das diferenças étnicas, ambientais e metodológicas (substrato utilizado, conjugado, microscópio).


Estas considerações são de valor inestimável para uma adequada interpretação do teste FAN-HEp-2, o que requer uma reflexão cuidadosa sobre o contexto histórico do exame que partiu de um achado de extrema especificidade (células LE em pacientes lúpicos), migrou para o IFI-ANA em tecido animal, um substrato limitado na expressão antigênica, e culminou no FAN-HEp-2 com riqueza extrema em expressão antigênica.

OS PADRÕES REPORTADOS NOS LAUDOS DE FAN APRESENTAM ALGUMA RELEVÂNCIA CLÍNICA?

O padrão de IFI reflete a distribuição topográfica dos antígenos reconhecidos pelos auto-anticorpos em um determinado soro. Essa associação é mais refinada no caso das células HEp-2, em função do alto grau de detalhamento citológico destas e porque estas exibem claramente o comportamento dos vários auto-antígenos ao longo das fases do ciclo celular. A identificação apropriada dos padrões de IFI no FAN-HEp-2 fornece uma razoável indicação da possível especificidade do(s) auto-anticorpo(s) detectado(s)(18), assim como no ANA-IFI em tecido de roedores testes complementares são imprescindíveis para verificar se a reatividade encontrada no teste FAN-HEp-2 corresponde ao auto-anticorpo sugerido pelo padrão de IFI.

Auto-anticorpos contra alguns antígenos têm associação bastante estrita a determinadas doenças auto-imunes ou ao estado de auto-imunidade em si, enquanto outros ocorrem indiscriminadamente em indivíduos auto-imunes e não auto-imunes. Desta forma, determinados padrões de fluorescência são mais específicos de doença auto-imune, enquanto outros ocorrem com freqüência em indivíduos sadios ou em pacientes com outras enfermidades não auto-imunes.

Estudos de biologia molecular e celular permitiram estabelecer a associação de diversos padrões de fluorescência, domínios celulares e seus respectivos auto-antígenos. Assim, o padrão nuclear pontilhado grosso (Figura 1-B), por exemplo, representa exatamente o mapa de distribuição das proteínas envolvidas no processamento (splicing) do RNA mensageiro(19), também conhecido como spliceossome. Ocorre que as principais proteínas do spliceossome são exatamente aquelas reconhecidas pelos anticorpos anti-Sm (proteínas B, B', D, D', E, F e G)(20) e anti-U1-RNP (proteínas A, C e 70kDa)(21). Portanto, o padrão nuclear pontilhado grosso é virtualmente específico de anticorpos anti-Sm e/ou anti-U1-RNP. Clinicamente, anticorpos anti-Sm estão fortemente associados ao LES e anti-RNP são mais freqüentemente observados na doença mista do tecido conectivo (DMTC) e no LES. Vale ressaltar que o padrão nuclear pontilhado grosso reticulado (Figura 1-C), muitas vezes confundido com o pontilhado grosso, tem significado imunológico e clínico inteiramente diverso. Da mesma forma, o padrão nuclear homogêneo (Figura 1-A) representa a distribuição da cromatina no núcleo e, portanto, tende a ser ocasionado por anticorpos contra o DNA nativo, nucleossomo ou histonas(6). Clinicamente, anticorpos anti-DNA nativo e antinucleossomo são considerados marcadores de LES.


Outros padrões observados no teste ANA-IFI, também associados especificamente a determinados domínios nucleares e seus respectivos antígenos, não são considerados específicos de uma dada doença. Isto decorre do fato de que os anticorpos contra esses antígenos não são estritamente associados a uma condição auto-imune ou mesmo à auto-imunidade em geral. Alguns exemplos dessa situação são o padrão de raros pontos nucleares isolados, correspondente aos anticorpos anti-p80-coilina(22), e o padrão centriolar(23), correspondente a anticorpos anticentríolo. Quando em baixo título, também são pouco relevantes os padrões citoplasmático polar (Golgi), aparelho mitótico e nuclear pontilhado grosso reticulado. Mesmo o padrão centromérico, considerado marcador de formas limitadas de esclerose sistêmica, tem pouca especificidade quando encontrado em título baixo.

Para comprovar essa afirmativa, há um levantamento de grande impacto realizado por Leser et al.(24) que demonstrou a importância da associação entre o padrão de IFI e o estado clínico. O trabalho baseou-se em uma amostragem aleatória de 394 pacientes com FAN-HEp-2 positivo recrutados da rotina de um laboratório clínico e com informações clínicas obtidas de forma sistemática com os médicos. De acordo com um protocolo preestabelecido, os pacientes foram classificados em dois grupos: um de indivíduos com indícios de enfermidades auto-imunes e outro de indivíduos sem qualquer evidência de auto-imunidade. Como se pode observar na Figura 2, os padrões nuclear pontilhado grosso (PG) e homogêneo (Ho) associaram-se quase exclusivamente a pacientes com enfermidades auto-imunes. Em contrapartida, os padrões nuclear pontilhado fino denso (PFd) e nuclear pontilhado grosso reticulado (PGR) associaram-se predominantemente a indivíduos sem qualquer evidência de auto-imunidade. Outros padrões de fluorescência apresentaram graus de associação intermediária. Ao se conjugarem as informações de padrão de fluorescência e título, observou-se, para alguns padrões, que a associação com ausência de auto-imunidade foi real apenas em títulos baixos. Este foi o caso do padrão nuclear pontilhado fino (PF) e do nuclear pontilhado grosso reticulado (PGR).


Outra fonte de evidência é o estudo realizado por Goto etal.(25), que estudaram um grupo de 1.306 japoneses hígidos trabalhadores em um hospital. Nessa população, 3,7% dos indivíduos apresentavam anticorpos anti-p80 coilina e estes não apresentavam nenhuma evidência de auto-imunidade. Um outro exemplo está no padrão citoplasmático de pontos isolados, estudado por Laurino et al.(26), e presente em indivíduos sem evidência de auto-imunidade, mas também em indivíduos com acometimento de doenças auto-imunes sistêmicas e órgão-específicas.

Não resta dúvida de que estes achados afetam diretamente a interpretação dos resultados na rotina clínica. Este aspecto pode ser apreciado em um outro levantamento com importante impacto, realizado em um grande laboratório clínico na cidade de São Paulo(27). Entre 30.728 amostras encaminhadas para triagem de auto-anticorpos em FAN-HEp-2, no período de janeiro de 2001 a janeiro de 2003, 13.641 (44%) apresentavam reatividade nuclear. Obviamente, essa fração está bem acima da expectativa de doenças auto-imunes em uma casuística geral de pacientes. Portanto, o padrão de reatividade encontrado poderia refletir parcialmente o perfil de FAN-HEp-2 apresentado por indivíduos não auto-imunes. Entre esses 44%, os padrões mais prevalentes foram pontilhado fino (PF) e pontilhado fino denso (PFd). Os títulos observados foram predominantemente baixos para o padrão nuclear PF, enquanto o padrão nuclear PFd apresentou maior freqüência em títulos mais altos. Ao todo, o padrão PFd representou cerca de um terço das amostras com positividade nuclear.

Curiosamente, o padrão PFd era desconhecido até há pouco tempo, talvez em função de sua baixa representatividade nas casuísticas de pacientes auto-imunes. Entretanto, sua alta freqüência em indivíduos não auto-imunes torna o seu reconhecimento importante para que se possa apreciar adequadamente os achados do teste de FAN-HEp-2. A caracterização do antígeno responsável pela expressão do padrão PFd evidenciou forte associação com a especificidade imunológica anti-LEDGF/p75(28) Na casuística de Della-vance et al.(27), apenas 18,5% dos pacientes com padrão PFd apresentavam algum tipo de doença reumática auto-imune e a maioria não apresentava nenhum indício de auto-imunidade. Neste estudo, havia também informação pregressa sobre dados sorológicos de 40 desses casos com padrão PFd por um período de até 4 anos e observou-se que 37 (93%) mantiveram títulos altos de anticorpos para esse auto-antígeno. Portanto, trata-se de uma resposta sorológica duradoura.

Esses achados corroboram os de Watanabe et al.(29) que estudaram 597 trabalhadores hígidos de um hospital urbano no Japão (142 homens e 455 mulheres) para verificar a freqüência de anti-LEDGF/p75, responsável pelo padrão PFd. Para isso, utilizaram FAN-HEp-2, WB e método imunoenzimático com LEDGF/p75 recombinante. Pela técnica de FAN-HEp-2, verificou-se que 20% dos indivíduos apresentaram reatividade nuclear e, destes, 64 apresentaram o padrão nuclear PFd, representando 11% do grupo estudado e 64% dos testes FAN-HEp-2 positivos.

Assim como no ANA-IFI, a interpretação de um resultado positivo do teste FAN-HEp-2 pode ser auxiliada pela detecção de auto-anticorpos específicos associados ao padrão encontrado, como mencionado anteriormente. Por exemplo, a demonstração de anticorpos anti-DNA nativo ou antinucleossomo é fortemente indicativa de lúpus eritematoso sistêmico. Anticorpos anti-Jo-1(30) e anti-Scl-70(31) são marcadores de polimiosite e esclerose sistêmica, respectivamente. Portanto, o encontro desses ou de outros marcadores específicos contribui para a definição mais acurada da valorização de um resultado positivo de FAN-HEp-2. Em contrapartida, a ausência desses marcadores não exclui, mas tira a força do achado de FAN-HEp-2, especialmente se este for de características pouco específicas e não houver contrapartida clínica nem laboratorial de doença auto-imune sistêmica.

O TÍTULO DA IFI OBSERVADA É RELEVANTE?

Um segundo ponto a ser considerado é o título do FAN-HEp-2, muito embora seu valor seja relativo. Em geral, os pacientes auto-imunes tendem a apresentar títulos moderados (1/160 e 1/320) e elevados (> 1/640), enquanto os indivíduos sadios com FAN-HEp-2 positivo tendem a apresentar baixos títulos (1/80). Entretanto, é importante ter em mente que exceções de ambos os lados não são infreqüentes.

Neste sentido, podemos destacar um estudo multicêntrico de reconhecida importância, realizado por Tan et al.(32) com indivíduos entre 20 e 60 anos. Entre indivíduos hígidos, as seguintes percentagens de testes positivos foram encontradas: 1/40 em 31,7% dos indivíduos, 1/80 em 13,3%, 1/160 em 5,0% e 1/320 em 3,3%.

COMO AS ORIENTAÇÕES DADAS PELO CONSENSO NACIONAL PARA PADRONIZAÇÃO DOS LAUDOS DE FAN-HEP-2 DEVEM SER ENTENDIDAS NA PRÁTICA CLÍNICA?

A rápida e crescente difusão do uso das células HEp-2 em todo o mundo, tanto pela simplicidade metodológica como pelo fácil acesso a diferentes fornecedores, rapidamente evidenciou a necessidade de padronização na execução do ensaio e na interpretação dos padrões de IFI. Em nosso país, esta constatação conduziu vários profissionais à realização de um Consenso Nacional para Emissão de Laudos de FAN com a finalidade de padronizar os procedimentos e a nomenclatura referentes ao teste de FAN-HEp-2 nos vários laboratórios em território nacional. Os encontros foram realizados em Goiânia em 2000 e 2002, sob a coordenação do Professor Paulo Luiz Carvalho Francescantonio, da Universidade Católica de Goiás(33). O resultado desses encontros foi a definição da diluição das amostras na triagem, homogeneização das terminologias empregadas nos laudos, padronização da descrição dos padrões observados nos diferentes compartimentos celulares, estabelecimento de possíveis associações clínicas, veiculação de material didático para treinamento de profissionais que realizam a leitura em microscopia, troca contínua de informações entre diferentes centros que realizam o FAN-HEp-2 e a alteração do nome do teste (FAN - fator antinúcleo) para "Pesquisa de Anticorpos contra Antígenos Celulares".

Para o laudo final do exame, a sugestão do Consenso é que o resultado seja subdividido na descrição do padrão de fluorescência em cinco compartimentos celulares: nuclear, nucleolar, citoplasmático, aparelho mitótico e placa cromossômica metafásica (Quadros 3 a 6). O Consenso recomenda também que se acrescente ao laudo uma nota interpretativa, procurando traduzir o possível significado clínico e imunológico dos padrões observados na amostra.


Considerando a relevância do título e do padrão observados na análise da IFI com soro de pacientes com suspeita de doença auto-imune, os laudos que seguem o modelo de organização proposto pelo Consenso auxiliam o clínico na decisão sobre a valorização e interpretação adequadas do resultado obtido. Cabe, no entanto, aos laboratórios de rotina estabelecer critérios extremamente rígidos com relação aos controles de qualidade da reação, manutenção preventiva contínua dos microscópios, titulação criteriosa dos conjugados, atualização continuada dos profissionais que realizam a análise da reação de IFI e definição de padrões e títulos. Torna-se evidente a necessidade de que todos os profissionais envolvidos com a execução e aplicação do FAN-HEp-2 tenham completo conhecimento das características e limitações do teste para que laudos bem avaliados auxiliem de fato o paciente.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES NA VALORIZAÇÃO DE UM TESTE FAN-HEP-2 POSITIVO

Considerando o crescente número de pedidos indiscriminados do teste FAN-HEp-2 e de outros auto-anticorpos na prática clínica, são freqüentes situações conflitantes em que resultados positivos do FAN-HEp-2 são confrontados com dados clínicos inconsistentes. O Quadro 7 sintetiza as possibilidades de interpretação de um teste positivo de FAN-HEp-2 e pode ser extrapolado para vários outros auto-anticorpos.


O impasse ocorre quando não há nenhuma evidência clínica nem/ou laboratorial consistente de doença auto-imune sistêmica. Para a correta interpretação desse achado é importante ter em mente que o fenômeno de auto-imunidade não é exclusivo de estados patológicos. De fato, existe certo grau de auto-imunidade fisiológica que se inicia no período intra-uterino e persiste ao longo de toda a vida. Este fenômeno está sobejamente confirmado pela demonstração dos auto-anticorpos naturais pelo grupo de Avrameas, Kazatchikine, Coutinho et al.(37). Portanto, uma primeira interpretação é de que o achado do auto-anticorpo representa um "incidentaloma"(38), evento cada vez mais freqüente com o advento de recursos diagnósticos extremamente sensíveis. Situação análoga é observada hoje com os exames de imagem ultra-sensíveis, que freqüentemente revelam achados anatômicos sem contrapartida clínica evidente.

Outro ponto a se considerar é que o nível de auto-imunidade fisiológica, ou basal, pode flutuar na dependência de sobrecargas a que o sistema imunológico seja exposto. Está bem demonstrada a presença de auto-anticorpos desencadeada transitoriamente por infecções, medicamentos e neoplasias. Nosso grupo demonstrou claramente alta prevalência de auto-anticorpos em pacientes infectados por HIV e outros vírus linfotrópicos(39). Portanto, outra consideração a ser feita ante um paciente com um achado positivo de FAN-HEp-2 refere-se à possibilidade de infecções virais recentes, uso de medicamentos e processos neoplásicos.

Várias evidências demonstram que os auto-anticorpos freqüentemente precedem a eclosão clínica das doenças auto-imunes. Um teste FAN-HEp-2 positivo pode preceder o aparecimento clínico do LES por até 9 anos. Cerca de 80% dos pacientes com LES apresentam FAN-HEp-2 positivo antes do aparecimento dos primeiros sintomas. Tal fato é válido, embora em menor porcentagem, para os vários auto-anticorpos específicos dessa enfermidade(40). Portanto, outra possibilidade a considerar perante um achado clinicamente inconsistente de FAN-HEp-2 positivo é que o paciente poderá vir a desenvolver uma doença auto-imune nos anos seguintes.

Sabe-se que as doenças auto-imunes apresentam um importante componente genético. É comum que os familiares de primeiro grau de pacientes com doenças auto-imunes apresentem a mesma enfermidade ou outras doenças auto-imunes. Por vezes, os familiares apresentam apenas formas frustras que não permitem um diagnóstico definido. Elevou-se a freqüência de auto-anticorpos em familiares de pacientes com doenças auto-imunes. Portanto, outra possibilidade a considerar diante de um achado clinicamente inconsistente de FAN-HEp-2 positivo é que esse achado represente um traço de auto-imunidade familiar.

Finalmente, deve-se ter em mente o caráter espectral das doenças auto-imunes. Há formas completas e graves, formas intermediárias e formas leves e incompletas. Portanto, há possibilidade de que um auto-anticorpo isolado represente a mínima manifestação espectral de uma condição auto-imune não claramente manifesta.

Em suma, diante de um resultado positivo de FAN-HEp-2 é imprescindível que haja verificação da existência de evidência clínica ou laboratorial de doença auto-imune sistêmica. Além do exame clínico apurado, é importante verificar possíveis alterações no hemograma, urina I, proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação. Sintomas vagos, como artralgia e astenia, com exames laboratoriais gerais normais, não são suficientes para oferecer subsídio para um achado laboratorial de FAN-HEp-2 em título baixo e com padrão de fluorescência pouco específico. Por outro lado, sabe-se que algumas vezes as enfermidades auto-imunes manifestam-se inicialmente por sintomas vagos e pouco específicos. Nesse sentido, é bom lembrar que os auto-anticorpos podem preceder por meses ou anos a eclosão clínica de uma doença auto-imune. É importante também considerar a possibilidade de um estímulo imunológico transitório como causa do FAN-HEp-2 positivo. Isto é particularmente verdadeiro no contexto de infecções virais, como Epstein-Barr, cito-megalovírus e parvovírus.

Entre as várias possíveis interpretações de um resultado positivo do teste FAN-HEp-2, inclui-se uma evidente associação com doença auto-imune, traço incompleto de diátese auto-imune familiar, achado precoce de doença auto-imune, distúrbio imunológico transitório (infecção, droga, câncer) e manifestação mínima de uma doença auto-imune espectral. A análise criteriosa de todo o contexto clínico é fundamental para a correta valorização deste achado. Muitas vezes, impõe-se monitoração prospectiva por algum tempo para se detectar uma possível evolução para auto-imunidade clínica. Em todos os cenários, é fundamental tranqüilizar o paciente, muitas vezes ansioso pelo estigma de um resultado positivo do teste FAN-HEp-2.

CONCLUSÃO

O exame FAN-HEp-2 conta com características relacionadas a sensibilidade, especificidade e valores preditivos que exigem obrigatoriamente conhecimento extremamente apurado do clínico para uma interpretação correta dos laudos liberados pelos laboratórios clínicos. Considerando os achados positivos em indivíduos hígidos ou sem evidência de auto-imunidade, que variam de 10% a 15% nas diferentes casuísticas, fica evidente a necessidade de solicitações respaldadas em elementos clínicos ou laboratoriais sugestivos de auto-imunidade. A solicitação indiscriminada de ANA-IFI tem ocasionado situações conflitantes quando resultados positivos são confrontados com dados clínicos inconsistentes. A adequada interpretação dos padrões de IFI exerce um papel primordial na valorização dos resultados encontrados. Características intrínsecas do teste FAN-HEp-2 podem ser úteis nesse sentido. O título do FAN-HEp-2 é um parâmetro de valor relativo, enquanto o padrão de fluorescência pode ter impacto mais decisivo. Isto é especialmente verdadeiro ante alguns padrões como os nucleares pontilhado grosso e nuclear homogêneo, mais frequentemente associados a estados auto-imunes sistêmicos, e os nucleares pontilhado fino denso e pontilhado grosso reticulado, presentes preferencialmente em indivíduos hígidos e em pacientes sem evidências de auto-imunidade. Entre estes, salienta-se o padrão nuclear pontilhado fino denso, por seu reconhecimento relativamente recente e por representar o padrão observado mais freqüentemente e em maiores títulos em indivíduos não auto-imunes.

Recebido em 16/03/07.

Aprovado, após revisão, em 15/05/07.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Endereço para correspondência:
    Luís Eduardo Coelho Andrade
    Disciplina de Reumatologia
    Rua Botucatu, 740, 3º andar
    CEP 04023-069, São Paulo, SP, Brasil
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    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2007
    • Aceito
      15 Maio 2007
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