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Cardite reumática subclínica

Subclinical rheumatic carditis

ATUALIZAÇÃO EM REUMATOLOGIA UPDATE IN RHEUMATOLOGY

Cardite reumática subclínica

Subclinical rheumatic carditis

Cristina Costa Duarte LannaI; Maria Fernanda Brandão ResendeII; Olívio Brito MalheiroII

IProfessora Adjunta de Reumatologia, Doutora, Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

IIResidente de Reumatologia, Hospital das Clínicas da UFMG

Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a febre reumática ainda é uma doença que causa importante morbidade e mortalidade em escolares, adolescentes e adultos jovens. A cardiopatia reumática crônica, considerada principal causa de doença cardíaca adquirida entre as pessoas de 5 a 24 anos, prejudica a qualidade de vida de muitos jovens, e causa um grande impacto econômico. O progresso nos métodos diagnósticos, particularmente o uso do ecocardiograma Doppler, tem possibilitado uma avaliação mais precisa da doença valvar. A identificação de lesões de regurgitação sem alterações ao exame clínico introduziu o conceito da cardite (valvite) reumática subclínica, condição freqüente e que tem implicações no tratamento e prognóstico dos pacientes com febre reumática. A análise cuidadosa dos critérios ecocardiográficos para o diagnóstico da regurgitação valvar fisiológica, associada à avaliação das demais manifestações clínicas e laboratoriais em um paciente com suspeita de febre reumática são fundamentais para o diagnóstico correto da cardite (valvite) reumática subclínica. São apresentados, a seguir, os resumos dos trabalhos mais interessantes sobre o assunto publicados nos últimos anos.

Hilário MOE, Andrade JL, Gasparian AB, Carvalho AC, Andrade CT, Len CA: The value of echocardiography in the diagnosis and follow up of rheumatic carditis in children and adolescents: a two year prospective study (O valor da ecocardiografia no diagnóstico e seguimento da cardite reumática em crianças e adolescentes: um estudo prospectivo de dois anos). J Rheumatol 27(4): 1082-1086, 2000. Setor de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria e Setor de Cardiologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo/Brasil.

Freqüentemente, observam-se pacientes com diagnóstico de febre reumática com ausculta cardíaca normal e sem queixas cardiorrespiratórias, mas que apresentam sinais ecocardiográficos de cardite assintomática ou alterações valvares subclínicas. Os objetivos deste estudo brasileiro foram correlacionar os achados em radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma Doppler com o exame clínico cardiológico e determinar a freqüência, as características e a evolução das alterações valvares identificadas pelo ecocardiograma Doppler em pacientes com e sem manifestações clínicas de cardite. Vinte e dois pacientes com primeiro surto de febre reumática foram incluídos de forma consecutiva no estudo. Foram avaliados ao diagnóstico e após três e seis meses de doença. Eram 13 meninos e 9 meninas, com idade média de 11 anos. Dezoito pacientes foram reavaliados após 24 meses. A avaliação incluiu exame físico e cardiológico, realizados pelo cardiologista pediátrico, radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocardiograma Doppler realizados pelo mesmo examinador que desconhecia a história clínica. O grupo controle foi formado por 15 crianças saudáveis. Foi observada cardite manifestada clinicamente em oito pacientes (36,4%): Grupo 1, todas com alterações no ecocardiograma. Em 14 pacientes não havia manifestação clínica de cardite (Grupo 2), mas cinco (35,7%) apresentavam alterações ecocardiográficas que persistiram por ao menos seis meses durante o seguimento. As valvas aórtica e mitral foram as mais envolvidas. No Grupo 1, foi observada normalização no ecocardiograma em três pacientes, melhora em dois, nenhuma mudança em dois e piora em um paciente. Doze dos 14 pacientes sem cardite clínica foram reavaliados, incluindo cinco que apresentavam anormalidades no ecocardiograma na avaliação inicial. Foi observada normalização ou melhora em dois pacientes, dois mantiveram as alterações e um apresentou piora. Não houve diferença significativa na avaliação das radiografias de tórax entre os grupos do estudo. Não foram observados distúrbios de condução, nem aumento do intervalo PR no eletrocardiograma de nenhum participante do estudo. De acordo com os resultados deste estudo prospectivo e mascarado, alguns pacientes com febre reumática podem desenvolver cardite assintomática e a análise do ecocardiograma Doppler na detecção do envolvimento cardíaco pode ter um importante papel no diagnóstico e acompanhamento dos pacientes com esta doença. Apesar de os resultados apontarem o ecocardiograma Doppler como meio de detecção de cardite, os autores do estudo consideraram prematura a indicação da ecocardiografia como critério de diagnóstico de febre reumática. A radiografia de tórax e o eletrocardiograma se mostraram de pouco valor, já que não se correlacionaram com o exame clínico.

Saxena A: Diagnosis of rheumatic fever: current status of Jones criteria and role of echocardiography (Diagnóstico de febre reumática: valor atual dos critérios de Jones e o papel da ecocardiografia). Indian J Pediatr 67(4): 283-286, 2000. Departamento de Cardiologia, All Índia Institute of Medical Sciences, Nova Deli/Índia.

Este é um bom artigo de revisão, apesar de a publicação ser de 2000. A autora assinala conceitos importantes. Há mais de cinco décadas, o Dr. T Duckett Jones, Diretor de pesquisa do House of Good Samaritan, em Boston, propôs critérios que auxiliassem o diagnóstico de febre reumática aguda, baseados na sua grande experiência clínica. Mais tarde, os critérios de Jones se tornaram amplamente utilizados no mundo todo e já foram modificados quatro vezes, a última em 1992. De acordo com esta revisão, os critérios maiores são cardite, poliartrite, coréia, eritema marginado e nódulos subcutâneos. Os critérios menores são febre, artralgia e aumento da proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS) e prolongamento do intervalo PR ao eletrocardiograma. O papel do ecocardiograma não foi definido nesta última revisão, mas pode ser importante, pois vários estudos têm confirmado que o diagnóstico de regurgitação valvar aumenta com o uso deste exame. Além disso, ele auxilia em casos de lesões combinadas, ou seja, mais de uma valva, ao determinar a gravidade de cada lesão. Outras anormalidades detectadas pela ecocardiografia na fase aguda são o prolapso de valva mitral, espessamento nodular focal nos folhetos e derrame pericárdico. Por outro lado, a ecocardiografia é útil em eliminar diagnóstico falso positivo já que algumas crianças com febre reumática aguda podem apresentar sopro relacionado à febre e anemia. A autora descreve que cardite subclínica leve e cardite crônica são de difícil diagnóstico ao exame clínico e que o ecocardiograma Doppler é mais sensível em identificar regurgitação valvar em grau leve. Chama a atenção, entretanto, para a necessidade de diferenciação da regurgitação encontrada em indivíduos normais, cujos critérios ecodopplercardiográficos já estão bem definidos, e a regurgitação encontrada em pacientes com febre reumática.

Figueiroa FE, Fernandez MS, Valdes P, Wilson C, Lanas F, Carrion F, Berrios X, Valdes F: Prospective comparison of clinical and echocardiographic diagnosis of rheumatic carditis: long term follow up of patients with subclinical disease (Estudo comparativo prospectivo do diagnóstico clínico e ecocardiográfico da cardite reumática: seguimento a longo prazo de pacientes com doença subclínica). Heart 85(4): 407-410, 2001. Faculdade de Medicina, Universidade dos Andes, Santiago do Chile/Chile.

O objetivo deste estudo foi determinar a freqüência da ocorrência de cardite subclínica, bem como sua evolução a longo prazo, em pacientes com febre reumática. Trata-se de estudo prospectivo, multicêntrico, no qual a incompetência valvar foi detectada através de exame clínico e do ecocardiograma Doppler, durante a fase aguda da doença e até cinco anos após. Os pacientes foram avaliados à admissão no hospital, no momento da alta e após três meses, um ano e cinco anos. A persistência de lesões detectáveis apenas pela ecocardiografia Doppler (cardite subclínica) foi comparada com lesões detectáveis ao exame clínico. Trinta e cinco pacientes receberam diagnóstico de febre reumática, segundo os critérios de Jones e foram incluídos no estudo. Dez (28,6%) deles apresentavam cardite subclínica ao diagnóstico. Durante o episódio agudo de febre reumática, o ecocardiograma Doppler detectou mais lesões valvares (25/35) do que o exame clínico (15/35). Trinta e dois pacientes foram reavaliados pelo exame clínico e o ecocardiograma Doppler 1 ano após o diagnóstico e 17 após 5 anos. Como esperado, a porcentagem de indivíduos com lesões cardíacas subclínicas, bem como aquelas clinicamente evidentes, diminuiu ao longo do tempo. Nenhum paciente com cardite subclínica desenvolveu lesão detectável clinicamente durante o seguimento. Entretanto, metade dos pacientes com cardite subclínica acompanhados por cinco anos (3/6) mantiveram lesões detectáveis pelo ecocardiograma Doppler. Os achados confirmaram que a ecocardiografia Doppler aumenta a detecção de cardite reumática e de doença cardíaca reumática crônica, além de mostrar que as lesões podem persistir. Os resultados reforçaram a idéia de que as alterações ecocardiográficas deveriam constituir critério maior no diagnóstico da febre reumática.

Ozkutlu S, Hallioglu O, Ayabakan C: Evaluation of subclinical valvar disease in patients with rheumatic fever (Avaliação da doença valvar subclínica em pacientes com febre reumática). Cardiol Young 13: 495-499, 2003. Hacattepe University, Faculty of Medicine, Department of Pediatrics, Section of Pediatric Cardiology, Ankara/ Turquia.

Os autores apresentaram os resultados de uma análise consecutiva de 40 pacientes com valvite reumática subclínica, com idade variando de 7 a 16 anos (média de 11,1 ± 2,5 anos), 18 do sexo masculino (45%). Estes pacientes tinham regurgitação mitral e aórtica ao ecocardiograma Doppler, na ausência de sopro cardíaco patológico. Vinte e um pacientes tinham sopro inocente, o raio X de tórax era normal em todos e o intervalo PR ao eletrocardiograma estava aumentado em 5 (16,6%). Os critérios maiores para o diagnóstico de febre reumática foram artrite em 29 pacientes, coréia em 10 pacientes e eritema marginado em 1 paciente. Entre os 40 pacientes, 33 apresentavam regurgitação mitral, seis tinham regurgitação mitral e aórtica e um manifestou regurgitação aórtica. Nenhum deles apresentava espessamento dos folhetos valvares, ou prolapso de valva mitral. Após um período de seguimento de 1 a 41 meses, com média de 18,1 ± 13,9 meses, a regurgitação valvar desapareceu em 23 deles (57,5%). Não houve diferença significativa na resolução da valvite entre aqueles que usaram o ácido acetilsalicílico, corticosteróides ou aqueles que não receberam tratamento. Entretanto, os pacientes que usaram esteróides tiveram uma recuperação mais rápida (p<0,05). Baseado neste estudo, os autores sugerem que a valvite subclínica demonstrada pela ecocardiografia Doppler deveria ser aceita como evidência para o diagnóstico de cardite como um critério maior. Os autores recomendam ainda que a duração da profilaxia secundária deveria ser baseada no exame ecocardiográfico.

Karaaslan SK, Demirören S, Oran B, Baysal T, Baspinar O, Uçar C: Criteria for judging the improvement in subclinical rheumatic valvitis (Critérios para indicar melhora na valvite reumática subclínica). Cardiol Young 13: 500-5005, 2003. Department of Pediatrics, Meran Medicine Faculty, Selçuk University,Turquia.

Neste estudo, foram analisados 104 pacientes com febre reumática aguda para determinar a prevalência e prognóstico da valvite subclínica. Todos os pacientes foram examinados por dois cardiologistas pediátricos experientes, que desconheciam o exame clínico do colega, e que concordaram em suas avaliações. O período de seguimento dos pacientes variou de 2 a 24 meses, com média de 9,91±8,14 meses. Dos 53 pacientes com ausculta cardíaca normal (22 com poliartrite, 29 com coréia e dois com poliartrite e coréia), 23 (43,3%) apresentavam valvite subclínica. Entre estes, a regurgitação mitral isolada foi a lesão valvar mais comum, observada em 19 pacientes (82,6%). Regurgitação aórtica isolada ocorreu em apenas um paciente (4,4%) e regurgitação aórtica e mitral combinadas foi detectada em três (13%). Durante o período de seguimento, o grau de regurgitação mitral melhorou em 13 pacientes (59,1%), sendo que a lesão desapareceu completamente em seis (27,3%). A regurgitação aórtica melhorou em dois e desapareceu completamente nos outros dois. Os autores concluíram que os critérios para indicar melhora da regurgitação valvar em pacientes com valvite reumática subclínica seriam, além do desaparecimento da regurgitação, a melhora dos critérios ecocardiográficos tais como a velocidade e a duração do jato. Vale ressaltar que não foi utilizado grupo controle para análise comparativa com as características da regurgitação fisiológica.

Lanna CCD, Tonelli E, Barros MVL, Goulart EMA, Mota CCC: Subclinical rheumatic valvitis: a long term follow-up (Valvite reumática subclínica: seguimento a longo prazo). Cardiol Young 13: 431-438, 2003. Serviço de Cardiologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, e Serviço de Reumatologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Este é um trabalho desenvolvido por autores brasileiros, em que foram examinados, de forma consecutiva, 40 crianças e adolescentes durante o primeiro surto de febre reumática, de 1992 a 1994, acompanhados por um período médio de 8,1 ± 0,6 anos. O objetivo foi investigar a freqüência e evolução da cardite subclínica. Um grupo controle pareado foi também avaliado, composto por 37 crianças e adolescentes saudáveis. Os pacientes foram examinados por uma reumatologista e uma cardiologista pediátrica, e submetidos ao ecocardiograma Doppler realizado por um mesmo examinador, que desconhecia o quadro clínico dos pacientes. Entre os 40 pacientes examinados, artrite estava presente em 29 (72,5%), cardite em 28 (70%), coréia em nove (22,5%) e eritema marginado e nódulo subcutâneo em um (2,5%) paciente cada. Entre os 28 pacientes com diagnóstico clínico de cardite, todos tinham sopro de regurgitação mitral, 3 (10,7%) apresentavam sopro de regurgitação aórtica e em 10 (37%) havia sopro de Carey-Coombs. O primeiro exame ecocardiográfico Doppler, realizado na fase aguda, identificou algum tipo de lesão valvar em todos os pacientes com diagnóstico de cardite ao exame clínico e em dois com exame clínico cardiovascular normal (16,7%), caracterizando a freqüência da valvite subclínica. Vale ressaltar informações importantes descritas pelos autores, tais como o cálculo da sensibilidade e especificidade da ausculta cardíaca que não é comum nos estudos sobre cardite reumática subclínica. Estes dados foram, respectivamente, 93,3% e 100%, para o diagnóstico de regurgitação mitral e 16,7% e 100% para a regurgitação aórtica. O espessamento dos folhetos da valva mitral foi o achado mais comum, presente em todos os 30 pacientes com diagnóstico de cardite ao ecocardiograma Doppler. É descrita a importância do exame clínico seriado, com intervalos semanais ou quinzenais, como uma forma de aumentar a sensibilidade da ausculta cardíaca para o diagnóstico da lesão valvar. Os autores concluíram que o ecocardiograma Doppler é um método importante para o diagnóstico e avaliação da evolução das lesões valvares reumáticas subclínicas, que nem sempre são transitórias. Sugeriram que o ecocardiograma Doppler deveria ser realizado em todos os pacientes em fase aguda da febre reumática. Consideraram que a valvite subclínica deveria ser considerada como uma forma leve de cardite, desde que os critérios para diagnóstico diferencial com a regurgitação valvar fisiológica fossem usados e que os achados ecocardiográficos Doppler fossem analisados no contexto de outras manifestações clínicas da doença.

Panamonta M, Chaikitpinyo A, Kaplan EL, Pantongwiriyakul A, Tassiniyom S, Sutra S: The relationship of carditis to the initial attack of Sydenham’s chorea (A relação da cardite e coréia de Sydenham no primeiro surto de febre reumática). Inter J Cardiol 94: 241-248, 2004. Department of Pediatrics, Faculty of Medicine, Thailand, and Department of Pediatrics, Faculty of Medicine, Minneapolis, EUA.

Estudo prospectivo, realizado de janeiro de 1991 até dezembro de 2001, com análise clínica e ecocardiográfica de pacientes na fase aguda do primeiro surto de febre reumática com coréia de Sydenham, com o objetivo de esclarecer a história natural do envolvimento valvar nos pacientes com cardite e sem cardite. Foram estudados 44 pacientes, 19 meninos e 25 meninas, com idade variando de 5 a 15 anos (media de 10,7 ± 2,3 anos). Todos foram examinados por um neurologista pediátrico que confirmou o diagnóstico de coréia de Sydenham, e por dois cardiologistas pediátricos. Todos foram submetidos ao ecocardiograma Doppler com fluxo em cores, além de ampla propedêutica para outras doenças neurológicas. Um grupo controle composto por 88 crianças, sem febre reumática e sem doença cardíaca foi examinado com ecocardiograma Doppler. O tempo médio de acompanhamento foi de 49 ± 33 meses. Os resultados encontrados demonstraram que dos 44 pacientes, 17 (39%) tinham sopro de regurgitação mitral pela ausculta cardíaca à época do primeiro surto, o que foi confirmado pelo ecocardiograma Doppler. Um deles tinha regurgitação aórtica associada e outro apresentava regurgitação pulmonar associada à regurgitação mitral. Três entre os 27 pacientes (11%) sem alteração ao exame clínico tinham regurgitação mitral ao ecocardiograma Doppler, caracterizando a freqüência da valvite subclínica. Um deles apresentava espessamento dos folhetos valvares. As 88 crianças do grupo controle não apresentavam regurgitação com características patológicas ao ecocardiograma Doppler. Quinze dos 17 pacientes (88%) com cardite foram acompanhados regularmente com uso de profilaxia secundária mensal durante 1 ano, mas apenas quatro (24%) tiveram tal acompanhamento por 5 anos. Durante o seguimento, após o primeiro ano, o sopro de regurgitação mitral e as alterações ao ecocardiograma Doppler persistiram em 33% (6/15) e 60% (9/15), respectivamente. Após cinco anos do surto inicial, os achados estavam presentes em 25% (1/4). Os autores concluíram que a ecocardiografia Doppler com fluxo em cores deve ser realizada em todos os pacientes na fase aguda da febre reumática e que é um exame impor-tante no diagnóstico precoce da cardite (valvite) reumática em pacientes com coréia de Sydenham, na fase aguda e no seguimento após 1 ano. Consideraram que o benefício é mínimo após os cinco anos do primeiro surto. Apesar da casuística pequena, valoriza-se, no trabalho, o uso de critérios ecocardiográficos específicos na avaliação da regurgitação pa-tológica comparando-a com a fisiológica do grupo controle, evitando diagnóstico excessivo de cardite.

Vijayalakshimi IB, Mithravinda J, Deva ANP: The role of echocardiography in diagnosing carditis in the setting of acute rheumatic fever (O papel da ecocardiografia para o diagnóstico de cardite na febre reumática aguda). Cardiol Young 15: 583-588, 2005. Department of Pediatric Cardiology, Children’s Heart Care Centre, Índia.

Estudo multicêntrico, prospectivo, duplo-cego. Os autores avaliaram de forma prospectiva 452 crianças, atendidas em dois hospitais pediátricos da Índia, com diagnóstico de febre reumática aguda, segundo os critérios diagnósticos de Jones, revisados em 1992. Os objetivos foram estabelecer o papel do ecocardiograma Doppler para o diagnóstico da febre reumática aguda e determinar as várias manifestações ecocardiográficas Doppler da cardite ou da valvite subclínica, em pacientes com febre reumática aguda. Todos foram examinados pelo mesmo cardiologista e submetidos ao ecocardiograma Doppler, incluindo o exame de fluxo a cores, por um mesmo ecocardiografista que desconhecia os resultados do exame clínico. O grupo de pacientes era composto de 230 do sexo masculino e 222 do sexo feminino, e a média de idade era de 11,7 ± 5,4 anos. Poliartrite ocorreu em 239 (52,8%), do tipo migratório em 213 deles. Entre estes 239, 164 tiveram o diagnóstico clínico de cardite, confirmado pelo ecocardiograma Doppler em apenas 141. Os 23 restantes apresentavam sopro inocente, ou por febre ou anemia ou taquicardia, e dois tinham má-formação congênita. Coréia ocorreu em 40 pacientes, 28 dos quais apresentavam alterações ao ecocardiograma Doppler. Entre 213 pacientes com poliartralgia, 88 (41,3%) apresentavam achados ao ecocardiograma Doppler de cardite ou valvite subclínica. De 40 com coréia, 28 (70%) apresentavam alteração ao valvar ao ecocardiograma Doppler que não havia sido identificado pelo exame clínico. Portanto, no total dos 452 pacientes examinados no estudo, 116 (25,7%) apresentavam a forma subclínica de acometimento cardíaco. Os autores concluíram que a ecocardiografia Doppler tem um importante papel no diagnóstico precoce e preciso da cardite, além de identificar o acometimento subclínico do coração. Recomendaram que deveria ser incluído nos critérios de Jones. Conclusão interessante do estudo é que este exame evita o excesso no diagnóstico da cardite, promovendo o tratamento adequado tanto na fase aguda da febre reumática quanto em relação às recomendações da profilaxia secundária.

Meira ZMA, Goulart EMA, Mota CCC: Estudo comparativo das avaliações clínica e ecocardiográfica Doppler na evolução das lesões valvares em crianças e adolescentes portadores de febre reumática. Arq Bras Cardiol 86 (1):32-38, 2006. Serviço de Cardiologia, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Tendo em vista a diferença entre o exame clínico e o ecocardiográfico Doppler na definição da presença e do grau de acometimento valvar, este estudo teve como objetivos comparar os exames clínico e ecocardiográfico Doppler na avaliação das lesões valvares em crianças e adolescentes com febre reumática, além de investigar a evolução da doença segundo essas avaliações. Um estudo observacional longitudinal foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros, realizando-se levantamento de dados retrospectivos de 258 crianças e adolescentes com diagnóstico de febre reumática, segundo os critérios de Jones, acompanhados durante um período que variou de 2 a 15 anos. Dos 109 pacientes submetidos à ecocardiografia Doppler na fase aguda, 31 não apresentavam quadro clínico de cardite, com raio X de tórax e eletrocardiograma normais. Entretanto, 17 deles mostravam lesão valvar ao ecocardiograma Doppler, caracterizando uma freqüência de 54,8% da cardite subclínica. As lesões valvares mais freqüentemente encontradas foram regurgitação mitral isolada em 42 pacientes (38,5%), regurgitação aórtica isolada em 3 (2,7%) e regurgitação mitral e aórtica em 50% (45,9%). Na fase crônica, considerada após pelo menos dois anos de doença, 153 dos 258 tinham exame cardiovascular normal, mas 85 (55,5%) deles mostravam lesão valvar ao ecocardiograma Doppler, representando a freqüência da valvopatia crônica subclínica. A involução das lesões valvares ocorreu em 10 (25%) dos pacientes com lesão leve, em apenas um daqueles com valvite moderada (2,5%) e em nenhum com valvite grave. Os autores concluíram que o estudo ecocardiográfico Doppler é importante exame complementar na identificação e na classificação das lesões valvares da febre reumática, tanto na fase aguda quanto na fase crônica. A freqüência da identificação das lesões valvares é maior quando se utiliza o ecocardiograma Doppler do que quando se faz apenas avaliação clínica. Além disso, a involução das lesões valvares segundo este exame foi menos freqüente em relação ao exame clínico. Chama ainda a atenção o fato de que a identificação de lesões valvares subclínicas tem implicação no tratamento da fase aguda com relação ao repouso e acompanhamento mais próximo do paciente. E, na fase crônica, é importante na definição da suspensão da profilaxia secundária e indicação da profilaxia da endocardite bacteriana.

COMENTÁRIO FINAL

Após análise da literatura, fica a certeza de que é hora de uma nova revisão dos critérios de Jones, incluindo o ecoDopplercardiograma como um dos critérios para cardite. Cabe aos clínicos e pesquisadores dos países em desenvolvimento cumprirem esta função, pois a febre reumática - doença grave - continua sendo muito prevalente e causa de morbidade e mortalidade em população jovem. Quem sabe seremos nós, brasileiros, a propor e executar de forma definitiva esta mudança.

Responsável: Boris Afonso Cruz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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