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Função sexual comprometida em pacientes com doença reumática independente da atividade da doença, tratamento e função gonadal

EDITORIAL

Função sexual comprometida em pacientes com doença reumática independente da atividade da doença, tratamento e função gonadal

Monika Østensen

Professora de Reumatologia, Unidade de Pesquisas Gestacionais, Departamento de Reumatologia, Universidade de Bern, Suíça

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Monika Østensen Pregnancy Research Unit. Department of Rheumatology. University of Bern CH-3010 Bern, Switzerland Tel. +33 385 593291 E-mail: monika.ostensen@gmail.com

As doenças reumatológicas afetam todos os aspectos da vida dos pacientes, incluindo sexualidade e reprodução. São muitas as causas dos distúrbios da função sexual e reprodutiva, incluindo fatores relacionados à doença e à terapia. Problemas físicos e emocionais e dificuldades com o parceiro resultantes do estresse da doença contribuem para uma vida sexual menos ativa e frequentemente menos agradável.1 Dor crônica, fadiga e resposta física à doença crônica, como depressão e baixa autoestima, podem diminuir o interesse sexual dos pacientes e, consequentemente, reduzir a frequência e o prazer da relação sexual.

Vários estudos compararam a função sexual entre pacientes com doenças reumáticas e pacientes sem doenças. A influência da artrite na satisfação e atividade sexuais foi investigada por meio de entrevistas com 269 pacientes com artrite e 130 controles. Os pacientes apresentaram uma diminuição da satisfação sexual com o passar do tempo.2

Em outro estudo, metade dos pacientes com artrite reumatoide (AR) perdeu o interesse durante o decorrer de sua doença e 60% estavam insatisfeitos com a qualidade de sua vida sexual.3 A disfunção sexual afetou igualmente homens e mulheres. Deficiência física, dor e depressão estavam relacionadas à alteração na relação sexual em 102 homens e 118 mulheres com AR que moravam com seus parceiros.4 Em contraste, no grupo de pacientes mais novos e nos pacientes com doença menos ativa ou inativa, a atividade e frequência da relação sexual não diferiram em relação aos pacientescontroles saudáveis da mesma idade, como foi demonstrado em um estudo com 126 mulheres e 35 homens com história de artrite juvenil crônica (AJC).5

Neste exemplar da Revista Brasileira de Reumatologia, dois estudos abordaram a função sexual e saúde reprodutiva nos pacientes com doenças reumáticas: "Função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil"6 e "Aspectos da saúde reprodutiva em homens com miopatia inflamatória idiopática. Um estudo multicêntrico"7. O primeiro estudo comparou a função sexual e a saúde reprodutiva de 52 mulheres com LESJ e 52 mulheres saudáveis pareadas pela idade. A função reprodutiva foi examinada em detalhes, incluindo exame ginecológico e citologia cérvico-vaginal. Um aspecto interessante é que esse estudo demonstrou que pacientes com LESJ eram significativamente menos ativas sexualmente e tinham uma vida sexual menos agradável, comparada ao outro grupo. Entretanto, a redução da atividade sexual obviamente não estava relacionada à saúde genital das pacientes, mas sim com o sofrimento provocado pela doença crônica, o LESJ. Exceto por um pequeno atraso na menarca, aumento na incidência de candidíase vaginal e diminuição da lubrificação vaginal, a saúde reprodutiva de mulheres com LESJ é comparável à das adolescentes saudáveis. A comparação entre as pacientes que reclamaram de uma redução na qualidade da vida sexual e as pacientes que não apresentaram esse tipo de reclamação não revelou diferenças na atividade e gravidade da doença nem no tratamento. Portanto, supõe-se que fatores não relacionados à doença, como a maneira como a paciente lida com sua condição, têm um impacto significativo na função e satisfação sexuais.

A alteração na função sexual também foi observada em um estudo com pacientes com AJC, o qual verificou a influência negativa da doença na imagem corporal.8

O estudo apresentado aqui também aponta outro fator importante: a maioria das adolescentes sexualmente ativas tinha entre 15 e 16 anos de idade. Os profissionais de saúde devem estar cientes desse fato e aconselhar os pacientes de ambos os sexos sobre sexualidade, anticoncepção e reprodução.

As doenças reumáticas também podem diminuir a fertilidade masculina pelo envolvimento direto das gônadas, distúrbios no equilíbrio hormonal hipofisário-gonadal e pela presença de autoanticorpos contra as células testiculares. Pacientes com doenças reumáticas também apresentam períodos de impotência. Hipoandrogenicidade, com baixos níveis de testosterona, foi observada em pacientes com AR, especialmente naqueles cuja doença apresentava um alto grau de atividade.8 A incidência de disfunção gonadal e sexual está aumentada em homens com LES.9 Redução da libido, disfunção erétil e ausência de ejaculação foram relatadas em 19-35% dos homens com LES.10 A saúde reprodutiva em homens com miopatias inflamatórias (MII) ainda não havia sido estudada, portanto, o artigo publicado neste exemplar da RBR é extremamente importante, por abordar detalhadamente morfologia e função testiculares, assim como a função sexual de homens com MII.7 A comparação da saúde reprodutiva entre 25 homens com MII e 25 homens saudáveis, avaliados pelos mesmos métodos, mostrou uma incidência significativa de disfunção sexual e alteração da fertilidade no pacientes com MII. É preocupante a incidência significativa de atrofia testicular e morfologia anormal do sêmen em homens com MII, em quem danos ao tecido gonadal foram responsáveis pela infertilidade. Doença de longa duração e idade mais avançada estavam associadas à disfunção erétil nos pacientes com MII; por outro lado, a atividade e o tratamento da doença ou o hipogonadismo não tiveram qualquer influência. Esses achados indicam a presença de problemas psicológicos relacionados à doença crônica.

CONCLUSÃO

O impacto das doenças reumáticas na função sexual não é abordada rotineiramente por médicos ou profissionais de saúde, nem está presente nos questionários frequentemente utilizados para avaliar a função física ou qualidade de vida. Negligenciar essa área importante impede o aconselhamento e intervenção adequados. Portanto, os dois estudos publicados neste exemplar representam duas importantes contribuições para os pacientes e os profissionais de saúde. Eles aumentam o conhecimento sobre a saúde reprodutiva nas doenças reumáticas e ajudam a melhorar o aconselhamento, o que é particularmente importante para os adolescentes, pois informações adequadas podem ajudar a prevenir a disfunção sexual, doença urogenital e gravidez indesejável. Os dois estudos apresentaram um achado muito interessante: ao contrário do que se poderia esperar, a função sexual não depende da função gonadal nem da atividade ou tratamento da doença, mas de fatores psicológicos que não foram avaliados pelos estudos existentes. Ambos os estudos apontam que problemas psicológicos, como incapacidade de lidar com a doença crônica, podem resultar em depressão e baixa autoestima e, consequentemente, possíveis causas da alteração na função sexual. Para melhorar a qualidade da função sexual, primeiramente é preciso conseguir lidar com a doença crônica. O primeiro passo seria a inclusão de questões sobre a sexualidade na rotina do atendimento ao paciente. Um questionário sobre a sexualidade masculina já foi desenvolvido pelo grupo que publicou os dois artigos sobre o assunto presentes nesta edição.6,7 Outros questionários para avaliar como o paciente lida com a doença e a presença de baixa autoestima e depressão também devem ser utilizados ao estudar a função sexual. O esclarecimento do impacto de fatores físicos e psicológicos ajudará a melhorar a qualidade de vida até mesmo para aqueles que vivem com doenças reumáticas crônicas.

A autora declara a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Endereço para correspondência:
    Monika Østensen
    Pregnancy Research Unit. Department of Rheumatology. University of Bern
    CH-3010 Bern, Switzerland
    Tel. +33 385 593291
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
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