As pesquisas científicas sobre artrite reumatoide (AR) permitiram construir recomendações sobre diagnóstico precoce das manifestações articulares, mensurações adequadas de atividade inflamatória e lesão óssea e tratamento baseado em alvos, que se consolidaram em guias semelhantes de organizações como a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), o Colégio Americano de Reumatologia (ACR) e a Liga Europeia Contra o Reumatismo (Eular).1da Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al. Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia 2011 para o diagnóstico e avaliação inicial da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2011;51:207-19.-4Singh JA, Saag KG, Bridges SL Jr, Akl EA, Bannuru RR, Sullivan MC, et al. 2015 American College of Rheumatology Guideline for the Treatment of Rheumatoid Arthritis. Arthritis Care Res. 2015, http://dx.doi.org/10.1002/acr.22783
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À medida que as estratégias de tratamento das manifestações articulares se ampliaram em opções e efetividade cresceu a preocupação com as enfermidades associadas, em especial as doenças cardiovasculares (DCV), que se tornaram as principais responsáveis pela redução da sobrevida nessa população, a despeito dos significativos avanços na terapêutica medicamentosa.5Solomon DH, Karlson EW, Rimm EB, Cannuscio CC, Mandl LA, Manson JE, et al. Cardiovascular morbidity and mortality in women diagnosed with rheumatoid arthritis. Circulation. 2003;107:1303-7.-7Michaud K, Wolfe F. Comorbidities in rheumatoid arthritis. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2007;21:885-906.
Atualmente recomenda-se a investigação precoce e o monitoramento dos fatores de risco tradicionais para DCV, pois sua presença se associa a maior atividade clínica da AR, pior prognóstico e dobra o risco de DCV.8Chung CP, Oeser A, Solus JF, Avalos I, Gebretsadik T, Shintani A, et al. Prevalence of the metabolic syndrome is increased in rheumatoid arthritis and is associated with coronary atherosclerosis. Atherosclerosis. 2008;196:756-63.-13Choy E, Ganeshalingam K, Semb AG, Szekanecz Z, Nurmohamed M. Cardiovascular risk in rheumatoid arthritis: recent advances in the understanding of the pivotal role of inflammation, risk predictors and the impact of treatment. Rheumatology. 2014;53:2143-54.
O estado inflamatório crônico, aliado a limitações de mobilidade, sedentarismo e uso de anti-inflamatórios não hormonais e corticoides, determina a ativação de mecanismos lesivos à circulação e aumenta a predisposição à síndrome metabólica (SM).7Michaud K, Wolfe F. Comorbidities in rheumatoid arthritis. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2007;21:885-906.,8Chung CP, Oeser A, Solus JF, Avalos I, Gebretsadik T, Shintani A, et al. Prevalence of the metabolic syndrome is increased in rheumatoid arthritis and is associated with coronary atherosclerosis. Atherosclerosis. 2008;196:756-63.,11Cunha VR, Brenol CV, Brenol JC, Xavier RM. Artrite reumatóide e síndrome metabólica. Rev Bras Reumatol. 2011;51:260-8.,14Dessein PH, Joffe BI, Stanwix AE, Christian BF, Veller M. Glucocorticoids and insulin sensitivity in rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 2004;31:867-74.
A AR e a SM compartilham mecanismos patogênicos, como aumento de radicais livres, deficiência dos sistemas antioxidantes, aumento de citocinas pró-inflamatórias, lesão endotelial, formação e instabilização de placas de aterosclerose.8Chung CP, Oeser A, Solus JF, Avalos I, Gebretsadik T, Shintani A, et al. Prevalence of the metabolic syndrome is increased in rheumatoid arthritis and is associated with coronary atherosclerosis. Atherosclerosis. 2008;196:756-63.,9Giles JT, Allison M, Blumenthal RS, Post W, Gelber AC, Petri M, et al. Abdominal adiposity in rheumatoid arthritis: association with cardiometabolic risk factors and disease characteristics. Arthritis Rheum. 2010;62:3173-82.,15del Rincón ID, Williams K, Stern MP, Freeman GL, Escalante A. High incidence of cardiovascular events in a rheumatoid arthritis cohort not explained by traditional cardiac risk factors. Arthritis Rheum. 2001;44:2737-45.
O conceito de SM surgiu da década de 1980 e englobou obesidade central, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e hiperglicemia/resistência à insulina como elementos que se potencializam e, em conjunto, oferecem maior risco de DCV do que a soma dos fatores isolados. A literatura evoluiu com o estudo de SM em diferentes populações, até a proposição dos critérios unificados em 2009.16Reaven GM. Banting lecture 1988. Role of insulin resistence in human disease. Diabetes. 1988;37:1595-607.,17Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, et al. Harmonizing the metabolic syndrome. A joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009:1640-5.
Embora seja muito variável a identificação de SM em pacientes com AR conforme as populações estudadas e os critérios de classificação usados, sua prevalência é aumentada e determina um risco adicional de DCV.5Solomon DH, Karlson EW, Rimm EB, Cannuscio CC, Mandl LA, Manson JE, et al. Cardiovascular morbidity and mortality in women diagnosed with rheumatoid arthritis. Circulation. 2003;107:1303-7.,15del Rincón ID, Williams K, Stern MP, Freeman GL, Escalante A. High incidence of cardiovascular events in a rheumatoid arthritis cohort not explained by traditional cardiac risk factors. Arthritis Rheum. 2001;44:2737-45.,18Zhang J, Fu L, Shi J, Chen X, Li Y, Ma B, et al. The risk of metabolic syndrome in patients with rheumatoid arthritis: a meta-analysis of observational studies. PLOS ONE. 2013;8:e78151. O melhor conhecimento sobre a prevalência da SM e suas associações em diferentes grupos de pacientes fornece subsídios para aprimorar as estratégias preventivas.
Neste número, Oliveira et al. avaliaram a ocorrência de SM em pacientes com AR acompanhados num hospital universitário do Nordeste brasileiro. Nessa amostra de vasto predomínio feminino, mais de metade cumpriu diferentes critérios de SM. Além da obesidade presente em quase todos com SM, houve associação com outros fatores de risco, como idade avançada e tabagismo.19Oliveira BMGB, Medeiros MM, Cerqueira JV, Quixadá RT, Oliveira ÍM. Metabolic syndrome in patients with rheumatoid arthritis followed at a university hospital in Northeastern Brazil. Rev Bras Reumatol. 2016;56:117–25. Esses achados apontam para alto risco de DCV e aumento de mortalidade.
Ainda se discute se a avaliação de risco para DCV deve ser feita por instrumentos usados na população geral ou adaptados para AR que permitam avaliação mais confiável de risco para a redução da morbimortalidade.20Symmons DP. Do we need a disease-specific cardiovascular risk calculator for patients with rheumatoid arthritis?. Arthritis Rheumatol. 2015;67:1990-4.,21Hollan I, Dessein PH, Ronda N, Wasko MC, Svenungsson E, Agewall S, et al. Prevention of cardiovascular disease in rheumatoid arthritis. Autoimmun Rev. 2015;14:952-69.
Com esse objetivo, de Campos et al. testaram um instrumento para predição de evento cardiovascular modificado para aplicação em pacientes com AR, o índice mSCORE. O estudo avaliou 100 mulheres com AR comparadas com controles sem a doença e observou que não havia diferença entre os grupos nos resultados do índice SCORE original. Porém, com o uso da versão mSCORE, que inclui fatores próprios à doença, o número de indivíduos classificados como de alto risco aumentou mais de três vezes, o que tornou claro o maior risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos em pacientes com AR.22de Campos OAM, Nazário NO, de Magalhães Souza Fialho SC, Fialho GL, de Oliveira FJS, de Castro GRW, et al. Assessment of cardiovascular risk in patients with rheumatoid arthritis using the SCORE risk index. Rev Bras Reumatol. 2016;56:138-44
Esse estudo reforça a necessidade da avaliação sistemática de pacientes com AR também para o risco cardiovascular e com instrumentos válidos que identifiquem o risco de DCV e apontem alvos terapêuticos para que as intervenção sejam mais precoces e eficientes.
Dessa maneira, os reconhecidos avanços no tratamento da doença articular poderão ser apreciados nos pacientes com melhor condição de saúde e por mais tempo.
REFERENCES
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2016