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Ciclofosfamida: eficaz no tratamento do quadro cutâneo grave da esclerose sistêmica

Resumos

INTRODUÇÃO: A esclerose sistêmica (ES) é uma doença reumatológica caracterizada por inflamação autoimune, vasculopatia e fibrose da pele e de vários órgãos. Poucos tratamentos são considerados eficazes para a doença com intenso envolvimento de pele como a ES na forma difusa. Portanto, avaliamos a eficácia da ciclofosfamida no tratamento de pacientes com ES difusa grave. PACIENTES E MÉTODOS: Nove pacientes com ES difusa (Critérios do Colégio Americano de Reumatologia [ACR]) com escore de Rodnan de pele modificado (ERM) > 30 (0-51) foram submetidos ao tratamento com ciclofosfamida (CFM) EV na dose de 0,5 a 1,0 g/m² mensal por 18 meses, totalizando 18 pulsos. Além da realização do ERM a cada seis meses, exames laboratoriais e avaliação de efeitos adversos foram também analisados. Pacientes com doença pulmonar e envolvimento cardíaco foram excluídos. RESULTADOS: A maioria dos pacientes era do sexo feminino (77%), com média de idade de 41,7 anos e tempo de doença de 2,2 anos. Observou-se redução significativa do ERM de 37,7 ± 4,08 para 29,1 ± 8,13 após 12 meses de tratamento (P = 0,009). Sete pacientes completaram 18 meses de CFM e com redução persistente do ERM (média ERM = 26,4; P = 0,01). Houve também uma redução da proteína C-reativa (PCR) (média inicial PCR = 8,9 mg/dL) quando comparada com valores após 18 meses de tratamento (média PCR = 3,09 mg/dL; P = 0,04). Não foram observadas infecções, alterações urinárias e/ou quadro hematológico importante durante todo o tratamento. CONCLUSÃO: Nesta amostra de pacientes, o tratamento com a CFM foi eficaz e pode ser considerado como terapia alternativa para pacientes com ES e envolvimento cutâneo grave.

esclerose sistêmica; ciclofosfamida; escore de Rodnan modificado; tratamento


INTRODUCTION: Systemic sclerosis (SSc) is a rheumatologic disease characterized by autoimmune inflammation, vasculopathy and tissue fibrosis of skin and various organs. There are few effective treatments available for a severe cutaneous involvement of diffuse SSc. Therefore, we evaluated the efficacy of cyclophosphamide in the treatment of severe diffuse SSc. PATIENTS AND METHODS: Nine diffuse SSc (American College of Rheumatology [ACR] criteria) patients with a modified Rodnan skin score (MRSS) > 30 (0-51) were submitted to treatment with cyclophosphamide (CPM), at a monthly dose of 0.5 to 1.0 g/m² IV for 18 months. MRSS was performed every six months during 18 months. Laboratory evidence of inflammatory activity and adverse events were also retrospectively assessed. Patients with severe pulmonary and cardiac involvement were excluded. RESULTS: Most patients were female (77%) with mean age of 41.7 years and duration of disease of 2.2 years. There was a significant reduction in the MRSS from 37.7 ± 4.08 to 29.1 ± 8.13 after 12 months of treatment (P = 0.009). Seven patients completed 18 months of CPM and had persistent reduction of the MRSS (mean MRSS = 26.4. P = 0.01). There was also a reduction of C-reactive protein (CRP) (initial mean CRP = 8.9 mg/dL) compared with values after 18 months of treatment (mean CRP = 3.09 mg/dL, P = 0.04). There were no infections, urinary disorders and/or important hematological problems throughout the treatment. CONCLUSION: The treatment with cyclophosphamide was effective and should be considered an alternative for the treatment of severe cutaneous involvement of SSc.

Systemic sclerosis; treatment; cyclophosphamide; modified Rodnan skin score; treatment


ARTIGO ORIGINAL

Ciclofosfamida: eficaz no tratamento do quadro cutâneo grave da esclerose sistêmica

Patrícia Andrade de MacedoI; Cláudia Teresa Lobato BorgesII; Romy Beatriz Christmann de SouzaII

IMédica residente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

IIDoutora, médica assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Romy Beatriz Christmann de Souza. Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Av. Dr. Arnaldo, 455 - 3º andar - Reumatologia, sala 3.107 São Paulo, SP, 01246-000 - Brasil. Fone: (11) 3061-7213, (11) 3061-7490. Fax: (11) 3061-7490. E-mail: romy.c@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A esclerose sistêmica (ES) é uma doença reumatológica caracterizada por inflamação autoimune, vasculopatia e fibrose da pele e de vários órgãos. Poucos tratamentos são considerados eficazes para a doença com intenso envolvimento de pele como a ES na forma difusa. Portanto, avaliamos a eficácia da ciclofosfamida no tratamento de pacientes com ES difusa grave.

PACIENTES E MÉTODOS: Nove pacientes com ES difusa (Critérios do Colégio Americano de Reumatologia [ACR]) com escore de Rodnan de pele modificado (ERM) > 30 (0-51) foram submetidos ao tratamento com ciclofosfamida (CFM) EV na dose de 0,5 a 1,0 g/m2 mensal por 18 meses, totalizando 18 pulsos. Além da realização do ERM a cada seis meses, exames laboratoriais e avaliação de efeitos adversos foram também analisados. Pacientes com doença pulmonar e envolvimento cardíaco foram excluídos.

RESULTADOS: A maioria dos pacientes era do sexo feminino (77%), com média de idade de 41,7 anos e tempo de doença de 2,2 anos. Observou-se redução significativa do ERM de 37,7 ± 4,08 para 29,1 ± 8,13 após 12 meses de tratamento (P = 0,009). Sete pacientes completaram 18 meses de CFM e com redução persistente do ERM (média ERM = 26,4; P = 0,01). Houve também uma redução da proteína C-reativa (PCR) (média inicial PCR = 8,9 mg/dL) quando comparada com valores após 18 meses de tratamento (média PCR = 3,09 mg/dL; P = 0,04). Não foram observadas infecções, alterações urinárias e/ou quadro hematológico importante durante todo o tratamento.

CONCLUSÃO: Nesta amostra de pacientes, o tratamento com a CFM foi eficaz e pode ser considerado como terapia alternativa para pacientes com ES e envolvimento cutâneo grave.

Palavras-chave: esclerose sistêmica, ciclofosfamida, escore de Rodnan modificado, tratamento.

INTRODUÇÃO

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença autoimune de causa ainda desconhecida e de difícil tratamento. Sua patogênese baseia-se em um processo inflamatório autoimune, vasculopatia sistêmica e depósito de colágeno na pele e órgãos internos levando à fibrose tecidual com graves consequências funcionais e aumento importante da mortalidade. Atualmente, a principal causa de morte da ES é o acometimento pulmonar, envolvendo tanto o interstício quanto a vasculatura.

O acometimento cutâneo, principalmente na apresentação difusa da doença (ESd), pode ser extenso e levar a uma grave limitação funcional e à redução da qualidade de vida. Com o objetivo de avaliar a eficácia de novos tratamentos, medidas semiquantitativas de acometimento de pele através do escore de Rodnan modificado (ERM)1 têm sido utilizadas. Esse escore clínico de fácil execução parece refletir bem a gravidade do envolvimento cutâneo já que há correlação direta entre o ERM e o grau de deposição de colágeno avaliado por biópsias cutâneas.2

Além disso, a extensão da fibrose cutânea está diretamente associada ao maior envolvimento de órgãos internos, e isso reflete uma parcela de pacientes de maior gravidade e mortalidade.3-8

O tratamento da esclerose sistêmica, principalmente a forma difusa da doença, permanece como um grande desafio médico. Várias terapias foram avaliadas com o objetivo de reduzir a progressão do escore de pele nesses pacientes. No entanto, até o momento nenhuma droga demonstrou efeitos inequívocos na progressão do acometimento cutâneo. O controle desse processo resulta em maior sobrevida e menor morbidade para os pacientes, como demonstrado por estudos realizados previamente.4,8 Daí a justificativa da excessiva busca de melhoria nesses parâmetros.

A ciclofosfamida é um agente imunossupressor que suprime e modula linfócitos através da alquilinização de componentes celulares. Efeitos benéficos dessa droga em pacientes portadores de ES e fibrose intersticial pulmonar vêm sendo demonstrados com a estabilização ou até melhora de parâmetros avaliados em tomografia de tórax, lavado broncoalveolar e prova de função respiratória. Como desfecho secundário, foi demonstrada melhora nos parâmetros cutâneos analisados.12,13 No entanto, o benefício em pacientes com acometimento cutâneo grave exclusivo, ou seja, em pacientes sem alterações pulmonares, renais ou cardíacas, ainda não foi estudado, tendo sido esse o objetivo que levou os autores à realização deste estudo.

Portanto, com o objetivo de preencher essa lacuna da literatura, o intuito deste trabalho é avaliar a eficácia da ciclofosfamida utilizada especificamente no tratamento do quadro cutâneo grave de pacientes com esclerose sistêmica.

PACIENTES E MÉTODOS

Retrospectivamente, selecionamos todos os pacientes com ES na forma difusa, sem acometimento pulmonar, com escore de Rodnan modificado maior que 30 (0-51), e que tiveram indicação do uso de ciclofosfamida para o controle exclusivo da fibrose cutânea. O período de seleção foi realizado entre 2002 e 2007, durante o atendimento ambulatorial no serviço de Reumatologia da Universidade de São Paulo.

Todos os pacientes preenchiam os critérios de classificação de ES do ACR na forma difusa15, tinham entre 18 e 70 anos de idade e não apresentavam histórico de envolvimento pulmonar grave ou sintomático, descartados por exame de Tomografia de Tórax de Alta Resolução (TCAR) e Prova de Função Pulmonar (CVF > 80%). Além disso, foram excluídos pacientes com uso prévio de ciclofosfamida, metotrexato, azatioprina e/ou corticosteroides na dose superior a 30 mg/dia de prednisona ou equivalente.

Conforme protocolo do serviço, a dose inicial de CFM utilizada para os pacientes foi de 0,5g/m2, com aumento progressivo até 1g/m2 de superfície corporal, mensal e via intravenosa, com as modificações da dose baseadas no monitoramento mensal do hemograma completo. O aumento progressivo da dose de ciclofosfamida é realizado de acordo com o protocolo clínico do serviço, sendo que a dose inicial é reduzida com posterior aumento para a melhor segurança dos pacientes, evitando efeitos colaterais indesejados no início do tratamento, como leucopenia grave, o que poderia levar à suspensão da droga em questão. Além disso, mensalmente todos os pacientes em uso dessa terapia realizaram exames laboratoriais, como velocidade de hemossedimentação, eletroforese de proteínas, função renal, função hepática e urinálise. Os autoanticorpos FAN, anticentrômero e anti-Scl70 foram analisados na fase de diagnóstico da doença. A avaliação da pele baseada no ERM foi realizada a cada seis meses até o final da terapia de 12 meses e, em alguns pacientes que permaneceram sob o tratamento mensal com ciclofosfamida, até 18 meses. O início da doença foi considerado como o primeiro sintoma clínico percebido pelo paciente, sendo em todos os casos relatado o fenômeno de Raynaud.

Os desfechos primários foram redução no ERM comparando valores no início do tratamento, aos seis meses, aos 12 meses e, em alguns pacientes, aos 18 meses de tratamento com CFM na dose já detalhada.

Os desfechos secundários foram avaliação de efeitos colaterais, como infecção, cistite hemorrágica e mielossupressão. A prevenção de náuseas com o uso da ciclofosfamida é feita, de acordo com protocolo do serviço, com uso de ondansentran 4 a 8 mg durante a infusão e dimenindrato no período de 24 a 48 horas seguintes, conforme a necessidade individual de cada paciente. Já a prevenção de cistite hemorrágica é feita através da infusão de 500mL de solução salina fisiológica durante a infusão mensal de ciclofosfamida aliada à hidratação oral, em média 2.000mL/dia, por 48 horas após a infusão, para todos os pacientes. A mielossupressão é controlada através da realização de hemogramas mensais cinco dias antes da próxima infusão para ajuste da dose da medicação aplicada. Para controle infeccioso, todos os pacientes são orientados a procurar nosso serviço, caso apareçam sinais indicativos como febre, calafrios, dispneia, disúria, entre outros.

Análise estatística. A análise estatística foi realizada através do método descritivo de probabilidade do teste não-paramétrico de Friedman. Considerado significativo P < 0,05.

RESULTADOS

Durante o período de 2002 a 2007, 21 pacientes com ESd tiveram indicação de CFM para tratamento exclusivo do acometimento cutâneo com ERM (0-51 pontos) maior que 30 pontos. Desses 21 pacientes, 12 foram excluídos do estudo - seis por terem feito uso de drogas imunossupressoras previamente ao estudo e seis devido à presença de fibrose pulmonar evidenciada na TCAR. Restaram, portanto, nove pacientes para análise.

A maioria era do sexo feminino (77%), com idade atual variando de 19 a 62 anos (média de 41,7 anos). Quatro eram brancos (45%), três negros (33%) e dois pardos (22%). A média do tempo de doença ao início da terapêutica foi de 2,22 ± 1,09 anos (Tabela 1).

Com relação aos anticorpos, observamos que apenas dois pacientes foram positivos para antitopoisomerase I e nenhum apresentou o anticentrômero.

Quanto ao tratamento, sete dos nove pacientes realizaram 18 meses de tratamento com CFM mensal na dose estabelecida nos métodos porque, apesar da melhora cutânea inicial, o espessamento ainda permanecia extenso, acarretando limitações funcionais aos pacientes. A avaliação do ERM foi realizada em todos os pacientes durante o período de tratamento e os valores iniciais apresentavam média de 37,7 ± 4,08 pontos (variação de 32-47 pontos).

Após seis meses de tratamento, não observamos redução significativa do ERM quando comparado aos valores iniciais (ERM ± DP: 37,77 ± 4,08 versus 32,88 ± 7,81; P = 0,58). Ao contrário, após 12 meses de tratamento, houve relevante redução do ERM quando comparado ao baseline (ERM ± DP: 37,77 ± 4,08 versus 29,22 ± 8,13; P = 0,009). Analisando apenas o grupo de pacientes (n = 7) que completou 18 meses de tratamento, observamos que a redução do ERM já verificada aos 12 meses do uso da droga permaneceu significativa até o final (média ERM 18 meses 26,42 ± 10,08; P = 0,01) (Tabela 2).

A avaliação de provas de atividade inflamatória, como gamaglobulina sérica, velocidade de hemossedimentação ou albumina sérica, não mostrou redução significativa durante todo o tratamento. Contudo, a dosagem de proteína C-reativa apresentou redução significativa quando comparados os valores iniciais (média mg/dL 8,9 ± 10,51) com o final de 18 meses de tratamento (média 18 meses 3,09 ± 3,48; P = 0,04). Entretanto, essa diferença não foi observada ao final de 12 meses de estudo (média mg/dL 12 meses 4,61 ± 6,02; P = 0,8).

Durante o período analisado não foram observadas infecções, cistite hemorrágica, hematúria microscópica ou mielossupressão que justificasse interrupção do tratamento.

DISCUSSÃO

Nosso estudo comprova, pela primeira vez, que a ciclofosfamida tem efeito benéfico especificamente na pele de pacientes com ES na forma difusa e grave da doença. Observamos que o efeito da droga começa ao final de um ano de tratamento com estabilização da redução do espessamento cutâneo em até 18 meses de uso. Além disso, houve diminuição de um parâmetro inflamatório e nenhum evento adverso grave, o que evidencia a segurança do uso da droga nesses pacientes.

Sabe-se que o adequado controle da manifestação cutânea da doença está associado à redução de morbidade e mortalidade, como demonstrado por Steen e Medsger.4 Eles concluíram, em sua série de 278 doentes, que pacientes com redução em pelo menos 25% dos escores de pele na comparação com o valor inicial apresentavam uma sobrevida em cinco anos em 90% dos casos, enquanto os que não respondiam à terapia tinham taxa similar de sobrevida de 77%. Esses dados foram confirmados através do estudo de Shand et al.,8 segundo o qual pacientes portadores de maior valor de ERM com pouca redução no decorrer do tratamento formavam um grupo de pacientes de maior mortalidade.8

Várias terapias foram avaliadas com o objetivo de reduzir a progressão do escore de pele nesses pacientes. No entanto, até o momento nenhuma droga demonstrou efeitos inequívocos na progressão do acometimento cutâneo. Krishna Sumanth et al.9 mostraram que metotrexato em dose de 15 mg semanais não é eficaz no tratamento dos escores de pele e das alterações pulmonares na avaliação após seis meses de terapia, tendo sido relatada, porém, melhora dos escores de pele após um ano de seguimento. Já Pope et al.10 não demonstrou melhora significativa do ERM mesmo após um ano de terapia com metotrexato. Azatioprina foi avaliada em comparação com ciclofosfamida no tratamento da ESd precoce, e resultados demonstraram melhora dos parâmetros cutâneos e pulmonares somente no grupo tratado com CFM.11 No entanto, nenhum desses estudos teve como enfoque primário a avaliação dos escores de pele na ESd.

O efeito terapêutico da ciclofosfamida no tratamento da ES vem sendo muito analisado nas últimas décadas, principalmente na doença intersticial pulmonar. Entretanto, apenas recentemente foram realizados estudos prospectivos, randomizados e controlados que mostraram melhora ou estabilização da função pulmonar ao longo de um ano de tratamento.12, 13 O efeito da droga no espessamento cutâneo dos pacientes foi analisado, porém apenas como desfecho secundário desses estudos.

Com o objetivo de reduzir a interferência do quadro pulmonar no estudo da eficácia da ciclofosfamida no espessamento da pele dos pacientes com ES, M. Calguneri et al.16 analisaram parâmetros cutâneos de pacientes com doença precoce na forma difusa após o uso da CFM associado a corticosteroides. O grupo observou uma melhora da pele apenas tardiamente, após 24 meses, porém não avaliou o espessamento de forma objetiva utilizando o ERM. Tashkin DP et al.12 também avaliaram a eficácia da CFM no tratamento da fibrose pulmonar da ES e, como desfecho secundário, analisaram a eficácia da droga na lesão cutânea. Sua população estudada, no entanto, incluía pacientes com ES na forma limitada e difusa com valores de ERM muito variáveis e média inferior a 30, ponto de corte por nós estipulado para selecionar, empiricamente, pacientes com maior gravidade do acometimento cutâneo. Os autores constataram um efeito benéfico na pele desses pacientes ao final de 12 meses de tratamento, com persistência deste efeito por até dois anos após o uso da droga. De maneira semelhante, a análise realizada em sua série por Valentini et al.13 demonstrou o efeito benéfico da ciclofosfamida no acometimento cutâneo de pacientes portadores de ESd precoce, com redução aproximada de 30% no ERM. Assim como no estudo realizado por Tashkin DP et al.12 a média inicial do ERM foi inferior ao nosso ponto de corte estipulado, com variação entre 17 e 34, ou seja, incluindo pacientes com menor gravidade cutânea.

Adicionalmente, Valentini et al.,13 através de avaliação pelo HAQ-DI (health assessment questionnaire - Disability Index), confirmaram os benefícios da ciclofosfamida na melhoria da qualidade de vida e na redução de incapacidades desse grupo de pacientes, fato este que pode estar associado à melhoria cutânea e pulmonar observadas. Dados extraídos do "Scleroderma Lung Study" também demonstraram melhora de índices funcionais, mentais e de qualidade de vida em pacientes portadores de ESd após uso de ciclofosfamida oral, resultado que os autores associam à melhoria inicial dos acometimentos pulmonar, músculo-esquelético e cutâneo.17

Sabemos, até o presente momento, que a gravidade de pele de pacientes com ES reflete uma maior morbidade e mortalidade,4 mas que este acometimento não tem relação linear com os acometimentos de órgãos internos.8 A comprovação da eficácia terapêutica de um tratamento especificamente para o quadro cutâneo da doença poderá auxiliar o reumatologista e, consequentemente, resultará na redução de morbidade e, quem sabe, da mortalidade de pacientes com ES.

Portanto, ao contrário dos estudos previamente publicados, nosso grupo analisou a pele dos pacientes com ES na forma difusa e grave (ERM elevado) de maneira objetiva e constante durante um período mínimo de 12 meses, sem a interferência de fatores como doença grave pulmonar ou cardíaca. A visão retrospectiva deste estudo não reduz sua relevância, porém estudos prospectivos e controlados poderão auxiliar na confirmação dos nossos resultados. Deve-se ressaltar que a melhora do escore cutâneo, em nossa população estudada, ocorreu também em pacientes com doença já estabelecida e não somente em pacientes com doença precoce, dado que justificaria a tentativa de tratamento de pacientes cuja doença seja descoberta tardiamente.

Como objetivos secundários, observamos também que houve redução de um dos parâmetros inflamatórios ao final de 18 meses de tratamento, a proteína C reativa, o que pode sinalizar uma resposta benéfica e sistêmica à droga. Outra importante observação foi a quase inexistência de eventos adversos. Isso comprova que a utilização da CFM na forma intravenosa e mensal é muito segura, dado encontrado em nosso estudo e de acordo com a literatura vigente.18

Nossa principal limitação foi o escasso número de pacientes com quadro cutâneo grave, porém sem acometimento de outros órgãos como pulmão e/ou coração. Por isso, ressaltamos mais uma vez que esses dados devem ser confirmados por estudos prospectivos e com a inclusão de vários centros clínicos.

Dessa maneira, concluímos que a CFM reduziu o espessamento cutâneo grave de pacientes com ES na forma difusa e poderá mostrar efeitos benéficos no combate à morbidade e à mortalidade da doença.

Recebido em 08/11/2008.

Aprovado, após revisão, em 04/03/2009.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Endereço para correspondência:
    Romy Beatriz Christmann de Souza.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2009
    • Recebido
      08 Nov 2008
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