Open-access Processo de doação de leite humano do banco de leite da cidade de Petrolina-PE

Resumo

Objetivos:  analisar a doação de leite humano no Banco de Incentivo e Apoio a Amamentação (BIAMA) no período de 2018 a 2020.

Métodos:  avaliação normativa, de caráter descritivo e exploratório, com abordagem quantitativa e enfoque no Modelo Donabedian. Estudo com lócus no BIAMA do Hospital Dom Malan, na cidade de Petrolina-PE, a partir de registros da plataforma online da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, com dados do BIAMA de 2018 a 2020 e atividades de campo.

Resultados:  em 2020, houve um decréscimo no número de atendimentos em grupo e de consultas médicas, em contrapartida, ao aumento das consultas de enfermagem. A maior parte do abastecimento de leite advém do público externo, e em 2020 foi observado uma redução no número de doadoras e no volume de leite humano coletado.

Conclusões:  a pandemia de COVID-19 repercutiu de forma negativa em atividades do BIAMA e na doação de leite, no entanto, foi observado a utilização de novos meios de comunicação para atendimento dos pacientes. Ainda assim, novas estratégias para recrutamento de doadoras devem ser implementadas. Em relação às principais normas que regulamentam o funcionamento de Bancos de Leite Humano, a maioria dos itens elencados são obedecidos pelo BIAMA.

Palavras-chave: Aleitamento materno; Bancos de leite humano; Avaliação de processos e resultados em cuidados de saúde

Abstract

Objectives:  to analyze the donation of human milk at the Banco de Incentivo e Apoio a Amamentação (BIAMA) (Breastfeeding Incentive and Support Bank) from 2018 to 2020.

Methods:  normative assessment, descriptive and exploratory character, with a quantitative approach and focus on the Donabedian Model. Study with a locus at BIAMA at Dom Malan Hospital, in the city of Petrolina-PE, based on registrations from the online platform of the Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (Brazilian Network of Human Milk Banks), with data from BIAMA from 2018 to 2020 and field activities.

Results:  in 2020, there was a decrease in the number of group assistance and medical consultations, in contrast to the increase in nursing consultations. Most of the milk supply comes from the external public, and in 2020 there was a reduction number of donors and in the volume of human milk collected.

Conclusions:  COVID-19 pandemic had a negative impact on BIAMA activities and on milk donation, however, the use of new means of communication for patient care was observed. Even so, new donor recruitment strategies must be implemented. Regarding the main norms that regulate the operation of Human Milk Banks, most of the items listed are obeyed by BIAMA.

Key words: Breastfeeding; Human milk banks; Evaluation of the processes and results in health care

Introdução

O aleitamento materno exclusivo até os seis meses confere a nutriz e ao lactente muitas vantagens. Desde a primeira hora de vida, os elementos presentes no leite materno, protegem o recém-nascido (RN) contra infecções e reduz o risco de mortalidade neonatal. Esses benefícios se dão por esse leite ser fonte de energia e conter nutrientes de alta qualidade que garantem a segurança alimentar dos bebês.1, 2 Diante disso, a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde recomendam o aleitamento materno exclusivo até seis meses de idade. Dessa forma, a introdução de alimentos complementares antes da idade preconizada pode ser prejudicial à saúde da criança.3, 4

As crianças que são amamentadas apresentam um risco menor de desenvolver doenças como paralisia infantil e infecção urinária, bem como enterocolite, doenças autoimunes, e especialmente doenças respiratórias e gastrintestinais. Além disso, apresentam melhor desempenho escolar e menor chance de apresentar sobrepeso e obesidade. Quanto aos benefícios para a mãe, o aleitamento materno contribui para a saúde física e psíquica assim como o fortalecimento do vínculo mãebebê. Também é possível observar melhor eficiência do retorno ao peso anterior à gestação e redução do risco de desenvolver câncer de ovário e de mama.1, 2

Diante da importância do aleitamento materno, o Brasil se destaca como país fomentador de ações de promoção, proteção e apoio a amamentação. A partir do estabelecimento de Bancos de Leite Humano (BLH) pelo país, com propósito de assistir ao binômio mãe-bebê e fortalecer a amamentação, sucedeu-se a origem da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR). Atualmente, o Brasil apresenta 224 BLHs distribuídos em todas as regiões, sendo responsáveis pelas ações de consolidação do aleitamento materno.5

Faz parte desta rede, o Banco de Incentivo e Apoio a Amamentação (BIAMA), fundado há mais de 25 anos, localizado no Hospital Dom Malan na cidade de Petrolina-PE, unidade materno-infantil que é referência para 53 municípios localizados entre a IV Macrorregião de Saúde em Pernambuco e na Marcorregião Norte na Bahia. Todos os municípios fazem parte da Rede Interestadual de Saúde do Vale do São Francisco (Rede PEBA). O BIAMA foi o primeiro a ser implantado no interior de Pernambuco, e atende a população assistida no hospital por demanda espontânea e encaminhamentos dos demais serviços de saúde. Além de coleta e processamento do leite doado, atendimento individual (ordenha, tratamento de mastites, obstrução mamária e outras intercorrências mamárias) e em grupo (orientações e palestras), o banco oferece apoio primordial aos recém-nascidos internados no hospital.6

Todo o processo de coleta, seleção, classificação, processamento, controle de qualidade e distribuição de leite, devem seguir a normas apresentadas na RDC nº171 de 04 de setembro de 2006, BLH da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que dispõe sobre o regulamento técnico para o funcionamento dos BLH e no Manual intitulado “Banco de leite humano: funcionamento, prevenção e controle de riscos”, elaborado pela Anvisa em 2008. Esse manual oferece aos profissionais as informações a respeito da infraestrutura física, recursos humanos, equipamentos e instrumentos para o funcionamento dos BLH e postos de coleta.7, 8

Perante a relevância do BLH, para o seu adequado funcionamento e suprimento de unidades neonatais, este deve dispor de mecanismos para captação de doadoras que alcancem o engajamento de voluntárias para a doação de leite. Deste modo, de acordo com as normas supracitadas, as nutrizes são consideradas aptas para doação quando se apresentam saudáveis, com produção láctica que exceda a necessidade do lactente e que não façam uso de medicamentos excretáveis no leite que provoquem efeitos colaterais na criança, entre outros critérios.7, 8

Em contexto de pandemia pela COVID-19, em detrimento das dúvidas que sugiram em relação à segurança da amamentação e doação de leite humano, a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano recomendou a manutenção do aleitamento materno mesmo em situação de infecção da nutriz pela COVID-19, contudo, deve-se seguir padrões de higiene e limpeza para diminuir o risco de transmissão do vírus por gotículas respiratórias para o bebê.9 Todavia, em relação à doação de leite, mães sintomáticas compatíveis com síndrome gripal, infecção respiratória ou em caso de exame positivo para SARS-CoV-2, são consideradas inaptas para a doação no período de viremia (período de 14 dias a contar do primeiro dia de sintoma). Além disso, mulheres que entraram em contato domiciliar com pacientes diagnosticados com síndrome gripal de SARS-CoV-2, também estão sujeitas a essa restrição.10

Dessa forma, as ações de captação, a triagem criteriosa das doadoras e a qualidade do leite ofertado imprimem reponsabilidades à gestão, tendo em vista a proteção à saúde dos lactentes e das nutrizes. Em vista disso, a presente pesquisa teve como objetivo analisar a doação de leite humano no período de 2018 a 2020 no BIAMA, na cidade de Petrolina-PE.

Métodos

Este trabalho apresenta-se como uma avaliação normativa, considerando-se o propósito da gestão, com caráter descritivo e exploratório, por meio de abordagem quantitativa.11, 12 O enfoque da avaliação que foi utilizado refere-se ao Modelo Donabedian, focado nos conceitos da administração clássica.13, 14, 15 O estudo realizado teve como lócus o BIAMA do Hospital Dom Malan, da cidade de Petrolina-PE.

O estudo foi desenvolvido a partir de fontes secundárias de registros em relatórios da plataforma online da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR) e atividades de campo. A plataforma online disponibiliza dados sobre: atividade em grupo, atividade individual, coleta, visita domiciliar, leite humano coletado (LHC), leite humano distribuído (LHD), exame microbiológico, crematócrito e acidez de Dornic. Os dados coletados foram referentes ao BIAMA no período de 2018 a 2020, organizados em planilhas e comparados com a produtividade de cada ano.

Em adição, foram realizadas visitas técnicas no BIAMA no período de maio a agosto de 2021, aplicando-se o método de observação sistemática não-participante. As visitas ocorreram em dias aleatórios, escolhidos por meio de sorteio, para observância dos procedimentos realizados por equipes distintas. O pesquisador presenciou o processo de manipulação do leite, avaliou os aspectos organizacionais que envolvem a captação e seleção de doadoras e examinou os dados referentes a doação de leite evidenciando pontos positivos e nós críticos.

Esse conjunto foi observado em concordância com aspectos estabelecidos pelo manual de funcionamento de BLH da Anvisa, Normas Técnicas 09.21 e 10.21 (PCF-BLH-SUS)16,17 e RDC 171/2006, alcançando todos os ambientes envolvidos no processamento do leite e atendimento da população, através de um instrumento de coleta elaborado pelos próprios pesquisadores. Este instrumento apresenta critérios com base nos documentos citados, classificando características em acordo, em parte ou desacordo com as normas.

Esta pesquisa faz parte de um projeto maior intitulado “Estrutura e processos de banco de leite humano: referência para o Sertão do São Francisco–Pernambuco e Macrorregião Norte-Bahia” aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira CEP-IMIP, parecer número 4.583.708 e CAAE 44104721.4.0000.5201.

Resultados

Captação e seleção de doadoras de leite

As estratégias de captação de doadoras de leite dos BLHs envolvem atendimentos individual e em grupo. Nesse sentido, o BIAMA obteve um total de 1.577 doadoras nos três anos analisados, e para isso realizou 1.640 atendimentos em grupo e 3.370 atendimentos individuais divididos entre consulta médica e de enfermagem (Figura 1). Considerando o impacto da pandemia pela COVID-19 em 2020, observou-se um decréscimo em relação ao ano 2018 de 9,75% nos atendimentos em grupo e 42,1% nas consultas médicas. No entanto, em relação às consultas de enfermagem, constatou-se um aumento de 62,7% nos atendimentos (Figura 2).

Figura 1
Número de atendimentos divididos entre atendimento em grupo e individual nos anos de 2018, 2019 e 2020 no BIAMA, Petrolina, Pernambuco.

Figura 2
Número de atendimentos individuais divididos entre consulta médica e consulta de enfermagem nos anos de 2018, 2019 e 2020 no BIAMA, Petrolina, Pernambuco.

As ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e a execução de atividades para captação de doadoras realizadas pelo BIAMA contemplam em grande parte os itens elencados nos documentos regulatórios, dentre eles, as orientações pré e pós-natal realizadas em ambulatório e em setores do serviço com gestantes e puérperas, o acompanhamento pós-natal das patologias relacionadas à amamentação e os atendimentos na rede de saúde como unidades básicas de saúde, estratégia de saúde da família, casa de parto, maternidades, que são realizados quando solicitado. A divulgação das atividades efetuadas e demandas do Banco de Leite Humano são divulgadas através de rádio, televisão, jornais e eventos, entretanto, não alcança escolas como disposto no manual.

Quanto ao atendimento individual ofertado no BIAMA, este confere a assistência ao público externo, as puérperas e bebês internados e as mães que estão na casa de apoio do hospital. Esse atendimento é feito por médico, enfermeiro ou pela equipe técnica de enfermagem. No que se refere ao público externo, a demanda pode ser espontânea ou por consulta marcada, e o atendimento visa tratar de queixas no aleitamento materno e/ou para acompanhar o crescimento e desenvolvimento de crianças que procurem o serviço por não apresentar ganho de peso adequado. Para as mães e bebês internados no hospital, o Banco de Leite funciona 24 horas para assistir integralmente esse público.

Por conseguinte, a atividade em grupo é o momento diário em que as gestantes, puérperas internadas, recém-nascidos e acompanhantes, são reunidos em uma sala de palestra, em diferentes ocasiões, para tratar sobre os principais desafios e benefícios da amamentação. Além disso, são identificadas as mães que precisam de atendimento individual no Banco de Leite, seja por ingurgitamento, esvaziamento da mama, mastites, fissuras, entre outros. Com a pandemia do COVID-19, estas reuniões em grupos foram paralisadas e as informações e esclarecimentos de dúvidas sobre aleitamento materno passaram a ser passadas no leito de cada paciente, em três setores do hospital, a saber: Alto Risco, Ginecologia e Alojamento Conjunto.

Nesse processo, o enfoque dessas ações realizadas pelo BIAMA tem o intuito de incentivar as gestantes e as puérperas se tornem doadoras voluntárias de leite humano. Ao captar uma doadora, é realizado o preenchimento da ficha de cadastro no momento da triagem. Contudo, observou-se no BIAMA a falta de informações consideradas obrigatórias, como: local onde realizou pré-natal, número de consultas, peso no início e final da gestação, intercorrências no pré-natal e tratamento.

A seleção da doadora é feita pela equipe de enfermagem, em contraposição a normativa que traz como responsabilidade do médico. Ainda assim, para ser considerada doadora de leite humano, todos os requisitos são obedecidos no BIAMA, são eles: ser saudável, estar amamentando ou ordenhando leite para o próprio filho, apresentar exames (hemograma, VDRL, anti-HIV e demais sorologias usualmente pesquisadas no pré-natal) pré ou pós-natal compatíveis com a doação de leite, não fumar mais que dez cigarros por dia, não usar medicamentos incompatíveis com a amamentação e não usar álcool ou drogas ilícitas.

Todavia, a oficialização do cadastramento e a validação das informações não são executadas pelo médico como determinado na normativa. Devido à demanda do banco, não há médico diariamente no serviço, com cadastramento feito pela equipe técnica de enfermagem e enfermeiro do setor.

Doação de leite humano

Concluído a etapa de cadastramento da lactante, a primeira coleta é acompanhada pelo profissional do BIAMA, e sempre que possível, observa-se a amamentação da criança, corrige-se erros de pega, orienta-se sobre a contraindicação de uso de chupetas, mamadeiras e bicos, além da oferta de água, chás e outros líquidos antes dos seis meses.

Em doações subsequentes, no caso de surgimento de intercorrências à saúde da lactante ou da criança, a enfermeira avalia se o produto doado poderá ser pasteurizado. Em casos simples realiza os devidos encaminhamentos aos serviços de saúde para tratamento, em acordo com o médico, e em situações complexas o médico define as condutas a serem tomadas. Essa rotina vai de encontro ao que diz no manual, que traz como função do médico responsável a análise da doação como adequada ou não para pasteurização e avaliação da necessidade de encaminhamento da doadora a um serviço de saúde.

Quanto à checagem da condição de saúde da lactante a cada doação de leite e a averiguação do acompanhamento do filho da doadora em unidades de saúde, e atualização do calendário vacinal, não são realizadas no BIAMA, como dispõe no Manual de Funcionamento de BLH da Anvisa.

Na Figura 3, é possível observar que em 2020 houve um decréscimo de 17,3% no volume de leite humano coletado em relação a 2019. No que se refere às doadoras, quatrocentos e sessenta e uma mães doaram leite durante o período de 2020, contra seiscentos e trinta e uma doadoras em 2019, o que representa uma redução de 27,3%. Apesar desses resultados, o banco apresentou uma produtividade semelhante em proporção de litros coletado por doadora quando comparado 2020 ao ano de 2018.

Figura 3
Proporção de leite humano coletado (LHC), em litros, por doadora nos anos 2018, 2019 e 2020 no BIAMA, Petrolina, Pernambuco.

As doadoras de leite do BIAMA são agrupadas entre mães externas e mães internas (internadas no hospital, acompanhando o bebê internado ou em casa de apoio, acompanhantes de pacientes ou com filhos internados em demais setores do hospital). O leite doado é coletado no BIAMA ou em domicílio, obedecendo todo o procedimento técnico e higiênico-sanitário. As doadoras recebem o kit para coleta do leite com recipientes, gorro e máscara, e são orientadas quanto a importância da utilização dos mesmos e da higienização das mãos e mamas e esterilização dos materiais.

Os receptores são os recém-nascidos que possuem estoque de leite produzido pela genitora, além de RN pré-termos e baixo peso, ou bebês que tenham alguma indicação de acordo com os critérios, que se encontram hospitalizados no Hospital Dom Malan, nos setores de Sala de Parto, Bloco Cirúrgico, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), Emergência Pediátrica, Berçário Externo, Unidades de Cuidados Intermediários Convencionais (UCINCo) e Unidade de Cuidados Intermediários Canguru (UCINCa).

No período estudado, o número de receptores é sempre maior que o de doadoras (Figura 4). Em 2019, a diferença entre doadoras e receptores foi de apenas 3,35%, já em 2020 essa diferença foi de 33,6%. O decréscimo no número de doadoras entre 2019 e 2020 foi de 27,28%. Diante disso, percebe-se a necessidade da utilização de estratégias para captação de doadoras e a importância do banco de leite para sobrevivência de lactentes internados no hospital.

Figura 4
Quantidade de doadoras e receptores de leite nos anos 2018, 2019 e 2020 no BIAMA, Petrolina, Pernambuco.

Com objetivo de alcançar doadoras que residem em locais distantes, são realizadas as visitas domiciliares que é o momento em que a equipe de enfermagem recolhe o leite que foi ordenhado pela doadora, realiza intervenções sobre queixas das mães referente a amamentação e cuidados na ordenha e armazenamento do leite.

Analisando a Figura 5, é possível observar que a maior parte do abastecimento de leite para o BIAMA advém do público externo, seja durante atendimentos individuais no banco ou em coletas realizadas nas visitas domiciliares.

Figura 5
Volume de leite humano coletado (LHC), em litros, dividido entre LHC interno e LHC externo nos anos de 2018, 2019 e 2020 no BIAMA, Petrolina, Pernambuco.

Apesar disso, comparando os anos de 2018 e 2020, esse volume de LHC externo sofreu um decréscimo de 2,7% e de 11,6% em relação ao LHC interno.

Discussão

Estratégias para atendimento no banco de leite em período pandêmico.

Como observado anteriormente, o decréscimo no número de consultas médicas do BIAMA, no ano de 2020 (Figura 1), pode ser justificado pelo avanço da pandemia pela COVID-19, a qual levou a uma restrição na assistência ao público externo, que representa a maior demanda em atendimento médico. Nesse período, buscou-se a alternativa de teleconsultas em tempo real, por videochamadas e ligação, para seguimento nos acompanhamentos de crianças ou resolução de queixas na amamentação. No entanto, embora essas ferramentas tenham sido utilizadas para atendimento, não foram suficientes para recuperar a média de atendimento anual.

Como estratégia para manutenção do aleitamento materno em contexto de pandemia, alguns bancos de leite também adotaram o atendimento à distância, por meio de teleconsultas, afim de seguir as recomendações para evitar aglomerações. No Brasil, o Centro de Referência Estadual de Banco de Leite Humano do Hospital Universitário

Cassiano Antônio Moraes (CRE-BLH/HUCAM) adotou a teleconsulta por meio de videoconferência e observou um resultado positivo na participação das puérperas.18 E no contexto internacional, como na Polônia, as consultas de lactação do Banco Regional de Leite sofreram alterações, que para pacientes externos o contato foi mantido via telefone.19

Em relação à consulta de enfermagem, observou-se um aumento expressivo nos atendimentos no ano de 2020 (Figura 2). Nesse mesmo período, prosseguiu-se com assistência à demanda espontânea, ao público interno do hospital e as visitas domiciliares. Isso destaca o trabalho da enfermagem como fundamental para o funcionamento do BIAMA, em um momento de adequações nas rotinas e implementação de novos protocolos de saúde. O estudo de Marchiori et al.,20 avaliou as ações da enfermagem nos bancos de leite humano em tempos de COVID-19, observou que o planejamento da coordenação de enfermagem minimizou os impactos da pandemia sobre as atividades do BLH e que os meios de comunicação digital foram aliados para manutenção da política de promoção, proteção e apoio a amamentação.

No tocante as ações realizadas pelo BIAMA, a atividade em grupo corresponde ao momento de orientação e esclarecimento de dúvidas sobre aleitamento materno, e de captação de doadoras de leite. Estudos demonstraram que intervenções e treinamentos de apoio à amamentação resultaram em aumento no nível de conhecimento das mães, na duração da amamentação e na taxa de aleitamento materno exclusivo por seis meses.21, 22 Em 2020, essa atividade coletiva do BIAMA passou a ser individual, que representou um fator de dificuldade, quando somado a equipe incompleta por atestados de saúde e demais demandas do BLH. Em contrapartida, mostrou-se também como oportunidade para resolução de queixas e dúvidas particulares. Todavia, apesar das restrições impostas pela pandemia, o BIAMA realizou os devidos ajustes e deu continuidade ao serviço.

Observação das normas e aproximação com a Atenção Primária a Saúde

Como tratado anteriormente, foi visto que algumas informações consideradas obrigatórias nas normas ainda não são registradas no BIAMA, por exemplo, a falta de dados na ficha da doadora como local onde realizou pré-natal, número de consultas, peso no início e final da gestação, intercorrências no pré-natal e tratamento. Também se verificou que, no que tange ao filho da doadora, o BIAMA não observou o acompanhamento em unidades de saúde e a caderneta de vacinação da criança. Em consideração a isso, percebeu-se que esses dados são sensíveis a Atenção Primária a Saúde (APS)23, 24 e demonstra o distanciamento que pode existir entre a APS e o BLH. Além disso, a ausência desses dados da gestação e do acompanhamento na unidade de saúde pode ser justificada pela quantidade de profissionais que atuam no BIAMA e que pode representar uma limitação para o serviço.

Em uma revisão integrativa, foi visto que na Estratégia Saúde da Família, as consultas de pré-natal se constituem um momento importante para tratar de assuntos como aleitamento materno e doação de leite humano para o BLH e, além disso, a gestante que foi bem orientada, compreende melhor a importância da doação de leite materno. No entanto, o estudo constatou que muitos profissionais desconhecem o papel principal do BLH na promoção do aleitamento materno, reportando-se ao banco apenas como instituição para captação e distribuição de leite humano.25 Assim, é necessário que sejam realizadas ações intersetoriais para promover o fortalecimento e a comunicação efetiva entre esses setores.

Impacto da pandemia na produtividade do banco de leite

Como já exposto, o avanço da pandemia pela COVID-19 repercutiu de forma negativa na produtividade do BIAMA. Nos três anos analisados, a quantidade de receptores é superior quando comparado ao número de doadoras (Figura 4), esse déficit evidencia a necessidade do engajamento em estratégias para recrutamento de lactantes para doação de leite, considerando o leite humano como elemento vital para crianças hospitalizadas.

Em relação a redução no número de doadoras e no volume de leite humano coletado em 2020 (Figura 3), estudos também relataram um desfecho semelhante em outros bancos de leite. Dessa forma, o desconhecimento sobre a transmissão do vírus pelo leite humano, as limitações no deslocamento e a insegurança na ida ao hospital ou na recepção de profissionais de saúde no domicílio, podem ter influenciado nesse resultado negativo.26, 27, 28

Alguns bancos fora do Brasil utilizaram estratégias para manutenção da coleta de leite durante a pandemia. Dentre elas, a implementação de um sistema de coleta domiciliar de leite doado e campanhas para doação de leite direcionadas às mães de crianças internadas e ao público externo, através de redes sociais e outros meios de comunicação.26 Além disso, foram fornecidas informações sobre a segurança do leite do leite doado, às doadoras e potenciais doadoras, através de telefonemas, de folhetos informativos via e-mail, de postagens em Facebook e em site sobre a importância do aleitamento em meio a pandemia.29 Estas ações proporcionaram a manutenção das atividades, o abastecimento dos bancos de leite e a garantia do suprimento das unidades neonatais.

Essas estratégias já são praticadas pelo BIAMA e não pararam no período de pandemia, entretanto, em função das restrições como redução dos atendimentos presenciais ao público externo e cancelamento dos atendimentos em grupo, houve diminuição de doadoras e consequentemente de LHC.

Conclui-se nesse estudo, que as limitações impostas pela pandemia de COVID-19 repercutiram de forma negativa em grande parte das atividades do BIAMA e nos seus resultados relacionados a doação de leite. Ainda assim, apesar dos desafios operacionais vivenciados nesse contexto, a enfermagem sobressaiu-se no número de atendimentos e mostrou-se como equipe participante de todas as etapas relacionadas a seleção e a captação de doadoras e a doação de leite. Além disso, observou-se a utilização de novos meios de comunicação para gerenciamento remoto de pacientes e para realização de consultas médicas.

Os resultados observados mostram que novas estratégias para recrutamento de doadoras devem ser implementadas no BIAMA. Sugere-se a aproximação do banco e a rede básica de saúde do município, por meio de visitas, cursos e treinamentos das equipes. Além disso, o uso de redes sociais que, atualmente, estão em ascensão no alcance de pessoas, quando comparadas com televisão, rádio e jornal. Esse engajamento na criação de estratégias para captação de doadoras, justifica-se pelo fato de o banco de leite ser vital à sobrevivência de recém-nascidos e lactentes hospitalizados.

Mesmo diante das informações trazidas nesse estudo, algumas limitações podem ser apontadas, como a carência de pesquisas que discorram sobre a rotina e a produtividade de BLH. Ainda é possível ressaltar que a avaliação de apenas um BLH apresenta-se como uma barreira na comparação com demais cenários. Dessa forma, sugere-se que mais pesquisas, com análise semelhante ao presente estudo, sejam realizadas em outros BLHs, para criação de estratégias de captação de doadoras, através do uso de metodologias ativas.

A maioria dos itens elencados, em ambas normativas, são obedecidos pelo BIAMA. Dessa forma, sugere-se que esse estudo seja utilizado como ferramenta de ajuste para os aspectos observados no banco.

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  • Editor Associado: Luciana Dubeux

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Revisado
    19 Maio 2023
  • Aceito
    22 Maio 2023
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