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Perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes com COVID -19 no Ceará

Resumo

Objetivos:

descrever o perfil clínico-epidemiológico de crianças e adolescentes notificadas por COVID-19 no Ceará.

Métodos:

estudo epidemiológico descritivo a partir de repositórios de dados abertos do Governo do Estado do Ceará, sobre casos de COVID-19 em crianças e adolescentes, no período de 15/03/2020 a 31/07/2020. Para análise dos dados foram utilizados os testes χ2 Pearson, exato de Fisher e a regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

foram notificados 48.002 casos de crianças e adolescentes suspeitos de COVID-19, dos quais 18.180 (8,9%) foram confirmados. A mediana dos casos confirmados foi de 12 anos, sendo que 10,5% eram recém-nascidos/lactentes, 10,7% eram crianças em idade pré-escolar, 21,2% escolares e 57,7% adolescentes. Evoluíram para óbito 0,3% dos casos, dos quais 15% apresentavam comorbidades. Necessitaram de internação 1,8% dos casos. A maior probabilidade de internação foi encontrada em recém-nascidos/lactentes, sexo masculino e com comorbidades.

Conclusões:

a maioria dos casos confirmados ocorreu em adolescentes, no entanto, a evolução da doença foi mais grave e com maior necessidade de internação no grupo etário de recém-nascidos/lactentes, sendo o sexo masculino e a presença de comorbidades fatores adicionais para a necessidade de internamento.

Palavras-chave
Pandemias; SARS-CoV-2; Perfil de saúde; Pediatria

Abstract

Objectives:

to describe the clinical-epidemiological profile of children and adolescents notified by COVID-19 in Ceará.

Methods:

descriptive epidemiological study from open data repositories of the State Government of Ceará, about cases of OVID-19 in children and adolescents, from 03/15/2020 to 07/31/2020. For data analysis the tests χ2 Pearson, Fisher's exact and Poisson's regression with robust variance were used.

Results:

48,002 cases of children and adolescents suspected of COVID-19 were reported, of which 18,180 (8.9%) were confirmed. The median of confirmed cases was 12 years old, 10.5% were newborns/lactants, 10.7% were pre-school children, 21.2% were school children and 57.7% were adolescents. They evolved to death 0.3% of the cases, of which 15% had comorbidities. They needed hospitalization 1.8% of the cases. The highest probability of hospitalization was found in newborns/lactants, male and with comorbidities.

Conclusions:

most of the confirmed cases occurred in adolescents, however, the evolution of the disease was more severe and with greater need for hospitalization in the age group of newborns/lactants, being the male gender and the presence of comorbidities additional factors for the need for hospitalization.

Key words
Pandemics; SARS-CoV-2; Health profile; Pediatrics

Introdução

A COVID-19 é uma doença infecciosa aguda causada por um coronavírus identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, que recebeu o nome de SARS-CoV-2 (sigla do inglês, Severe acute respiratory syndrome, Coronavirus 2). Este vírus surgiu em Wuhan, na China, com rápida disseminação por todo o mundo e profundo impacto global, com taxas crescentes de hospitalizações e mortalidade.11. Safadi MAP. The intriguing features of COVID-19 in children and its impact on the pandemic. J Pediatr. 2020; 96 (3): 265-8.

A pandemia de COVID-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, fez muitos países adotarem medidas de saúde pública sem precedentes para tentar conter sua propagação.22. WHO (World Health Organization). Surto de doença por coronavírus (COVID-19) [online]. [Acesso em 15 de maio de 2020]. Disponível em:https://wwwwho.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019.
https://wwwwho.int/emergencies/diseases/...
Apesar disso, até o dia 19 de setembro, foram confirmados 30.543.040 casos da doença no mundo.33. Boletim Epidemiológic Especial N32. Doença pelo Coronavírus COVID-19. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020. [acesso 23 set 2020]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/Coronavirus/boletins-epidemiologicos-1/set/boletim-epidemiologico-covid-32-final-23-09_18h30.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/Coronavir...

No Brasil, durante o período de fevereiro a 19 de setembro de 2020, foram confirmados 4.582.240 casos e 136.532 óbitos por COVID-19, sendo, no Ceará, 234.551 casos confirmados e 8.867 óbitos pela doença no mesmo período.44. Boletim Epidemiológic N44. Doença pelo Coronavírus COVID-19. Fortaleza, CE: Secretaria de Saúde do Estado do Ceará; 2020. [acesso 23 set 2020]. Disponível em:<https://coronavirus.ceara.gov.br/project/boletimepidemiologico-no-44-de-24-de-setembro-de-2020/>
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Dentre os casos diagnosticados de COVID-19, as crianças e adolescentes correspondem à faixa etária menos acometida. Além disso, cerca de 90% delas são assintomáticas e, entre as que apresentam sintomas, estes são menos graves em relação aos adultos.55. Ludvigsson JF. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1088-95. Entretanto, as crianças e adolescentes com comorbidades associadas, como doenças congênitas cardíacas e pulmonares, apresentam um maior risco de desenvolver formas graves da COVID-19.66. She J, Liu L, Liu W COVID-19 epidemic: Disease characteristics in children. J MedVirol. 2020;92(7):747-54.,77. Dhochak N, Singhal T, Kabra SK, Lodha R. Pathophysiology of COVID-19: Why children fare better than adults? Indian J Pediatr. 2020; 416.

Os sintomas mais comuns na faixa etária pediátrica são semelhantes aos de infecções respiratórias agudas, como febre, tosse, dor de garganta, espirros, mialgia e fadiga. Sintomas do trato gastrointestinal como vômitos também foram observados, diarreia e dor abdominal. Indicativos de gravidade são desconforto respiratório ou insuficiência respiratória, sinais de choque e/ou saturação de oxigênio menor que 95%.88. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi X, Jiang F, Jiang Z, Tong S. Epidemiology of COVID-19 among children in China. Pediatrics. 2020; 145 (6).,99. Brasil. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde — CONASEMS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde — CONASS. Guia orientador para o enfrentamento da pandemia Covid-19 na Rede de Atenção à Saúde. Brasília, DF; 2020. [acesso 23 set 2020]. Disponível em: <https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Instrumento-Orientador-Conass-Conasems-VERS%C3%83O-FINAL-3.pdf>
https://www.conasems.org.br/wp-content/u...

Na literatura,77. Dhochak N, Singhal T, Kabra SK, Lodha R. Pathophysiology of COVID-19: Why children fare better than adults? Indian J Pediatr. 2020; 416.,1010. Zimmermann P, Curtis N. COVID-19 in children, pregnancy and neonates: a review of epidemiologic and clinical features. Pediatr Infect Dis J. 2020; 39 (6): 469-77.,1111. Brodin P. Whyis COVID-19 somild in children? Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1082-3. algumas hipóteses foram levantadas para justificar por que crianças infectadas com SARS-CoV-2 apresentam sintomas menos graves: 1. O sistema imune das crianças é imaturo para infecções por outros vírus do trato respiratório (vírus sincicial respiratório ou influenza), produzindo menos citocinas pró-inflamatórias sendo um fator protetor contra o SARS-CoV-2; 2. Devido ao contato prévio com outros coronavírus comuns, as crianças desenvolvem imunidade pré-existente e anticorpos de reação cruzada ao SARS-CoV-2, podendo desempenhar um papel protetor; 3. As crianças têm maior colonização da mucosa por vírus e bactérias, o que poderia limitar a colonização e o crescimento do SARS-CoV-2 por meio de interações e competição microbianas; 4. As crianças têm menos receptores da Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ECA 2), receptores do SARS-CoV-2, e menor afinidade em comparação aos adultos, podendo, portanto, ser menos afetadas pela COVID-19; 5. É menos prevalente em crianças a presença de comorbidades associadas a doenças graves.

A maioria das crianças e adolescentes é infectada por um adulto contactante domiciliar, uma vez que, desde o início da pandemia, as escolas foram fechadas e as crianças permanecem em casa, com sua família, em isolamento social. Segundo estudo realizado na China que avaliou 74 crianças com COVID-19, 95,6% das crianças infectadas eram contactantes domiciliares de adultos com a doença, quase metade apresentava coinfecção por outros patógenos respiratórios e todos receberam alta hospitalar.1212. Wu Q, Xing Y, Shi L, Li W, Gao Y, Pan S, Wang Y, Wang W, Xing Q. Coinfection and other clinical characteristics of COVID-19 in children. Pediatrics. 2020; 146 (1): 1-11.

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo descrever o perfil clínico-epidemiológico das crianças e adolescentes notificadas por COVID-19 no Estado do Ceará.

Métodos

Estudo epidemiológico transversal de caráter descritivo, analisou os cinco primeiros meses de prevalência da COVID-19 no Estado do Ceará, período compreendido entre 15 de março a 31 de julho de 2020. A população estudada foi composta por crianças (<1 ano a 9 anos) e adolescentes (10 a 19 anos) de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).1313. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica. 2 ed. Brasília, DF; 2018. [acesso 26 nov 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/proteger_cuidar_adolescentes_atencao_basica_2ed.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
Os dados de notificação de casos e de resultados de exames foram obtidos de repositórios de dados abertos do Governo do Estado do Ceará.1414. Governo do Estado do Ceará [homepage]. IntegraSUS transparência da saúde do Ceará. [acesso 23 set 2020]. Disponível em: https://integrasus.saude.ce.gov.br/.
https://integrasus.saude.ce.gov.br/...
O identificador dos pacientes foi utilizado para o linkage determinístico entre os registros de notificações com os de resultados dos exames. As notificações que apresentaram resultados de diagnóstico para COVID-19 positivos ou negativos, foram estratificadas segundo as faixas de idade pediátrica (neonatal e lactente - 0 a 1 ano, préescolar - 2 a 4 anos, escolar - 5 a 9 anos, adolescente – 10 a 19 anos), adulto (20 a 59 anos) e idoso (acima 60 anos). Os casos em crianças e adolescentes foram analisados segundo o tipo de confirmação diagnóstica (testes imunológicos, biologia molecular, por critério clínico-imagem e clínico-epidemiológico), sexo, idade, internação, comorbidade, internação em UTI e óbito.

Os dados de contagem foram expressos como casos, porcentagens, e apresentados com os intervalos de confiança para as proporções de suas categorias; o teste χ22. WHO (World Health Organization). Surto de doença por coronavírus (COVID-19) [online]. [Acesso em 15 de maio de 2020]. Disponível em:https://wwwwho.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019.
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de Pearson ou, quando necessário, o exato de Fisher foi utilizado para análise. Os dados numéricos foram expressos como média e desvio padrão (SD) e na ausência da distribuição normal, como mediana e 25°-75° intervalo interquartil; a normalidade da distribuição dos dados foi avaliada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para os casos confirmados de COVID-19 em crianças e adolescentes, foram estimados pela regressão de Poisson com variância robusta,1515. Barros AJD; Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003; 3 (1): 21. a probabilidade de internação segundo as variáveis sexo, idade, óbito e presença de comorbidades, sendo os resultados expressos em razões de prevalências (RP) e seu intervalo de confiança de 95% (IC95%). Em todas as análises, o valor de p<0,05 foi referência para indicar significância estatística. Além disso, todo o estudo foi executado utilizando os recursos do software SPSS versão 25.

Resultados

O Ceará foi o primeiro Estado do Nordeste a notificar casos de COVID-19, em 15 de março, e, até o dia 31 de julho de 2020, havia 531.877 casos notificados da doença, dos quais, 484.025 (91%) referiam conclusão diagnóstica, e destes, 202.751 (41,9%) foram confirmados positivos para COVID-19. Entre os casos notificados com informação de diagnóstico, 48.002 (9,9%) eram crianças e adolescentes com idade entre 0-19 anos, sendo que 18.180 (8,9%) apresentaram resultado positivo para COVID-19 (Tabela 1).

Tabela 1
Casos notificados e confirmados de COVID-19, segundo faixa etária. Ceará, 15 de março a 31 de julho de 2020.

Em relação ao método de diagnóstico utilizado para confirmação dos casos em crianças e adolescentes, 15.683 (86,3%) foi através de testes imunológicos: Teste rápido, ELISA, Eletroquimioluminescência (ECLIA), Quimioluminescência (CLIA); 2.231 (12,3%) por teste de biologia molecular (RT-PCR) e 266 (1,5%) pelo critério clínico-epidemiológico ou clínico-imagem.

A mediana da idade das crianças e adolescentes diagnosticadas com COVID-19 foi de 12 anos (IRQ= 5-17) e, em relação a faixa etária, 1.900 (0,9%) eram recém-nascidos-lactentes, 1.938 (1,0%) eram crianças em idade pré-escolar (2 a 4 anos), 3.853 (1,9%) escolares (5 a 9 anos) e 10.489 (5,2%) adolescentes de 10 a 19 anos. Além disso, verificouse uma maior proporção do sexo feminino 9.536 (52,4%; IC95%= 51,7 – 53,2) com significância estatística (ICmasc: 46,8 – 48,3) (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Características epidemiológicas dos casos de COVID-19 em crianças e adolescentes. Ceará, 15 de março a 31 de julho de 2020.
Tabela 3
Internamento em UTI dos casos confirmados de COVID-19, entre crianças e adolescentes segundo faixa etária. Ceará, 15 de março a 31 julho de 2020.

Foram registradas informações sobre comorbidades em 53 (0,3%) casos, 11 crianças apresentaram mais de uma forma, resultando em 64 comorbidades, conforme descrição: alteração neurológica em 21 (0,12%), asma em 16 (0,08%), imunodeficiência em 6 (0,03%), doença cardiovascular em 5 (0,03%), síndrome de Down em 4 (0,02%), pneumopatia em 4 (0,02%), diabetes em 3 (0,02%), doença renal em 3 (0,02%), doença hematológica em 1 (0,01%) e obesidade em 1 (0,01%).

Evoluíram para óbito 60 (0,3%) crianças e adolescentes, sendo que 30 (0,3%) eram adolescentes, 20 (1,1%) RN/lactentes, 5 (0,3%) pré-escolar e 5 (0,1%) escolar. Em relação à faixa etária adulto, foram 1.770 (1,2%) óbitos e nos idosos 6.530 (15,6%). Foram registrados 8.360 óbitos na população geral, com percentual de mortalidade de 4,1%, sendo 13,7 vezes maior do que a encontrada em crianças e adolescentes.

Foram registradas 319 (1,8%) ocorrências de internamento entre as crianças e adolescentes confirmadas com COVID-19 e dentre estas 58 (18,1%) utilizaram a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), das quais, 10 (17,2%) apresentavam comorbidades e 20 (34,5%) evoluíram para óbito durante a internação em unidade intensiva. A mediana do tempo entre a internação e o início dos sintomas foi 8 dias (IRQ= 4 – 11) (Tabela 3).

Na análise univariada os fatores associados a internação foram idade, sexo, comorbidades e óbito. As crianças RN/lactentes e pré-escolares apresentaram maior probabilidade de internação quando comparados aos adolescentes RP= 5,1 (IC95%= 3,9-6,6); RP=2,1 (IC95%= 1,5 - 2,9), respectivamente. A probabilidade de internação foi 40% maior para o sexo masculino RP=1,4 (1,1 - 1,8) e apresentar alguma comorbidade aumentou a probabilidade de internamento em 57 vezes (Tabela 4). A mediana da idade dos 60 casos de óbito confirmado por COVID-19 em crianças foi de 10 anos (IRQ menor de 1 ano a 16 anos); 32 (53,3%) deles eram do sexo masculino e 9 (15%) apresentavam comorbidades, sendo 6 (10,0%) casos de doença neurológica, 2 (3,3%) de síndrome de Down e 1 (1,6%) de imunodeficiência.

Tabela 4
Fatores associados à probabilidade de internação em crianças e adolescentes diagnosticadas com COVID-19. Ceará, 15 de março a 31 julho de 2020.

Discussão

Neste estudo, avaliamos o perfil das crianças e adolescentes acometidos por COVID-19, sendo evidenciado que esta população foi menos afetada e teve evolução mais favorável em comparação aos adultos. Três possibilidades podem justificar esse desfecho: 1. Desde o início da pandemia, no Ceará, as aulas das escolas foram suspensas, diminuindo o contato entre as crianças e contactantes com a COVID-19; 2. Segundo a literatura, a maioria das crianças com COVID-19 são assintomáticas, não procuram assistência médica e, portanto, não são diagnosticadas66. She J, Liu L, Liu W COVID-19 epidemic: Disease characteristics in children. J MedVirol. 2020;92(7):747-54.; 3. As crianças apresentam sistema imune protetor à COVID-19, além de apresentarem menos comorbidades em relação aos adultos e idosos.1010. Zimmermann P, Curtis N. COVID-19 in children, pregnancy and neonates: a review of epidemiologic and clinical features. Pediatr Infect Dis J. 2020; 39 (6): 469-77.

Segundo estudo de revisão sistemática publicado em junho de 2020, cerca de 1 a 5% dos casos diagnosticados com COVID-19 ocorreu na faixa etária pediátrica.55. Ludvigsson JF. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1088-95. O Centro Coreano para Controle e Prevenção de Doenças relatou que, até 20 de março de 2020, 6,3% de todos os casos confirmados de COVID-19 eram pacientes menores de 19 anos.1111. Brodin P. Whyis COVID-19 somild in children? Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1082-3. No Ceará, foram confirmados 8,9% de crianças e adolescentes, com idade entre 0 e 20 anos incompletos, com COVID-19, um percentual maior que o encontrado em outras estudos.55. Ludvigsson JF. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1088-95.,1111. Brodin P. Whyis COVID-19 somild in children? Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1082-3. Admite-se, ainda, que o subdiagnóstico nessa faixa etária dificulta a estimativa real do panorama epidemiológico local da doença. Por ser assintomática ou oligossintomática, a maioria não necessita de atendimento médico e, portanto, não realiza o diagnóstico da doença, sendo este reservado apenas para os casos com sintomas mais exuberantes e/ou graves.

Estudo de coorte que avaliou 2.143 pacientes com menos de 19 anos com suspeita ou confirmação de COVID-19 obteve idade média de sete anos, sem diferença entre os sexos, e os casos mais graves ocorreram em crianças recém-nascidas e pré-escolares.88. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi X, Jiang F, Jiang Z, Tong S. Epidemiology of COVID-19 among children in China. Pediatrics. 2020; 145 (6). A mediana da idade encontrada neste estudo, - 12 anos - foi mais elevada quando comparada à de 6,7 anos, em recente revisão sistemática,55. Ludvigsson JF. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatr. 2020; 109 (6): 1088-95. apresentando maior proporção de casos positivos para o sexo feminino; no entanto para os casos com necessidade de internação o sexo masculino apresentou uma probabilidade 40% maior do que o sexo feminino.

Das crianças internadas, 18,1% necessitou de internamento em UTI, das quais 17,2% apresentavam alguma comorbidade. A faixa etária RN/lactentes apresentou maior percentual de internamento (5,6%). Estudo de coorte pediátrico multicêntrico da Europa que envolveu 82 instituições encontrou 8% de taxa de internamento em UTI apresentando cinco vezes mais chances de ser uma criança menor de um mês, com uma mortalidade de 8,3%, dos quais 50% apresentavam doenças preexistentes. Além disso, 25% das crianças diagnosticadas com COVID-19 tinham comorbidades, sendo as mais comuns: doença pulmonar crônica (asma e displasia broncopulmonar), seguida de malignidade (leucemia ou linfoma e tumores sólidos), distúrbios neurológicos (epilepsia e paralisia cerebral), doença cardíaca congênita, anormalidades cromossômicas (trissomia do cromossomo 21) e doença renal crônica.1616. Götzinger F, Santiago-García B, Noguera-Julián A, Lanaspa M, Lancella L, Carducci FIC, et al. COVID-19 in children and adolescents in Europe: a multinational, multicentre cohort study. Lancet. 2020; 4: 653-61.

A taxa de óbito das crianças diagnosticadas com COVID-19 que necessitaram de internamento em UTI foi de 34,5%, maior que a relatada na literatura mundial. Segundo estudo realizado em Paris, em 27 crianças que apresentavam formas graves da COVID-19, este percentual foi de 18,5%.1717. Oualha M, Bendavid M, Berteloot L, Corsia A, Lesage F, Vedrenne M. Severeand fatal forms of COVID-19 in children. Arch Pédiatrie. 2020; 27: 235-8. A maior taxa de mortalidade encontrada no Ceará, além de estar intimamente relacionada à subnotificação de casos da doença, também pode indicar uma consequência do atraso à procura de assistência à saúde, retardando as medidas intensivas iniciais, o que diminuiria a chance da evolução fatal.

A mortalidade estimada em estudo que avaliou 72.314 pacientes chineses foi de 0% na faixa etária de 0 a 9 anos e de 0,18% entre 10 a 19 anos, enquanto a mortalidade geral foi de 2,3% e de 8% na faixa etária de 70 a 79 anos.1818. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons from the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summaryof a Reportof 72314 Cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA — J Am Med Assoc. 2020; 323 (13): 1239-42. Neste estudo, a mortalidade encontrada em pacientes de 0 a 19 anos foi de 0,3% e a geral foi de 4,1% no Ceará, porém, sendo necessário sempre considerar o subdiagnóstico, causando uma superestimação das taxas epidemiológicas em questão.

Como as informações para este estudo foram obtidas de um banco de dados para controle epidemiológico, sanitário e planejamento estratégicos da saúde, algumas das variáveis analisadas apresentavam-se ignoradas, dificultando a confiabilidade da interpretação dos dados.

A maioria dos casos confirmados ocorreu em adolescentes. No entanto, a evolução da doença foi mais grave e com maior necessidade de internação no grupo etário de RN/lactentes, sendo o sexo masculino e a presença de comorbidades fatores adicionais para a necessidade de internamento. Neste estudo, o curso clínico da COVID-19 no Ceará em crianças e adolescentes foi mais leve do que em adultos, em concordância com a literatura mundial. A proporção de óbitos das crianças internadas em UTI foi maior que o descrito na literatura. Poucos são os estudos sobre achados clínicos, laboratoriais e terapêuticos na faixa etária pediátrica, os quais são necessários para melhor conhecimento da doença e, consequentemente, para o manejo adequado nessa faixa etária.

Contribuição dos autores

Cavalcante ANM trabalhou na concepção, revisão crítica do conteúdo, análise estatística. Tavares LVS contribuiu na investigação dos dados. Bastos MLA contribuiu na discussão dos achados. Almeida RLF foi responsável pela concepção e definição do tema, organização dos dados, delineamento metodológico e análise estatística. Todos os autores contribuíram com o planejamento, a análise dos dados e escrita do manuscrito e aprovaram a versão final do artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Maio 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2020
  • Aceito
    30 Nov 2020
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