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Índice de cifose obtido em radiografia e com o flexicurva na avaliação de crianças e jovens

Resumo

Objetivos:

avaliar a validade concorrente do índice de cifose mensurado no flexicurva a partir da correlação com exames de Raios-X, identificando sua acurácia, para avaliação da coluna torácica de crianças e jovens.

Métodos:

31 jovens com idade média de 11,1±3,4 anos foram avaliados em radiografias digitais: (1) ângulo Cobb (ÂngCobb), (2) índice de cifose (KIX), e (3) ângulo do KIX (ÂngKIX). Foram mensurados a partir do desenho do flexicurva no papel milimetrado: (1) índice de cifose (KIFint), obtido de C7 à intersecção cifose-lordose, (2) índice de cifose (KIFT12), obtido entre C7 e T12, e (3) ângulo dos índices de cifose (ÂngKIFint e ÂngKIFT12). Análise estatística: Correlação Produto-Momento de Pearson e Teste t (α<0,05).

Resultados:

os valores angulares (ÂngKIFint, ÂngKIFT12, ÂngKIX) foram subestimados em relação ao ÂngCobb (p<0,05), sendo correlacionados apenas o ÂngKIX e ÂngCobb [r=0,698; p<0,001]. Os valores lineares (KIFint, KIFT12, KIX) foram semelhantes (p>0,05) entre si, sendo correlacionados apenas KIX e ÂngCobb [r=0,698; p<0,001] e ÂngKIX e KIX [r=1; p <0,001].

Conclusões:

o KIX e ÂngKIX apresentaram-se como um método acurado e válido para ser utilizado na avaliação da cifose torácica, embora os KIFint, KIFT12, ÂngKIFint e ÂngKIFT12 não apresentaram correlação com o padrão ouro, não sendo indicados para a avaliação da cifose torácica de crianças e jovens.

Palavras-chave
Cifose; Postura; Validade dos testes; Raios X

Abstract

Objectives:

to assess the concurrent validity of kyphosis index measured in the flexicurve from the correlation of X-rays exams, identifying its accuracy and to assess the thoracic spine in children and young people.

Methods:

31 young people at an average age of 11.1±3.4 years were evaluated by digital x-rays: (1) Cobb angle (ÂngCobb), (2) Kyphosis index (KIX), and (3) KIX angle (ÂngKIX). These were measured from the flexicurve design on the millimetric graph paper: (1) Kyphosis index (KIFint), obtained from C7 the intersection of kyphosis-lordosis, (2) Kyphosis index (KIFT12), obtained between C7 and T12, and (3) Kyphosis angle (ÂngKIFint and ÂngKIFT12). Statistical analysis: Correlation to Pearson Moment-Product and t test (α<0.05).

Results:

the angular values (ÂngKIFint, ÂngKIFT12, ÂngKIX) were underestimated in relation to Cobb angle (p<0.05), correlating only to KIX angle and Cobb angle [r=0.698, p<0.001]. The linear values (KIFint, KIFT12, KIX) were similar ( p>0.05) among themselves, correlating only to KIX and Cobb angle [r=0.698, p<0.001] and KIX angle and KIX [r=1; p<0.001].

Conclusions:

the KIX and KIX angle presented as an accurate method and valid to be used in the thoracic kyphosis assessment, although KIFint, KIFT12, KIFint angle and KIFT12 angle showed no correlation to the gold standard and not being indicated to assess the thoracic kyphosis in children and young people.

Key words
Kyphosis; Posture; Validity of tests; X-rays

Introdução

O ângulo de Cobb (ÂngCobb) é considerado o método padrão para avaliação da coluna vertebral através dos exames de raios-X.11 Voutsinas S, MacEwen G. Sagittal profiles of the spine. Clin Orthop Relat Res. 1986; 210: 235-42.

2 Harrison DE, Harrison DD, Cailliet R, Troyanovich SJ, Janik TJ, Holland B. Cobb method or Harrison posterior tangent method: which to choose for lateral cervical radiographic analysis. Spine. 2000; 25: 2072-8.

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-55 CHEN YL. Vertebral centroid measurement of lumbar lordosis compared with the Cobb technique. Spine. 1999; 24: 1786. Não obstante, esses exames são contraindicados em algumas populações, como em pessoas com câncer, mulheres grávidas66 Zabjek KF, Leroux MA, Coillard C, Rivard CH, Prince F. Evaluation of segmental postural characteristics during quiet standing in control and idiopathic scoliosis patients.Clin Biomech. 2005; 20: 483-90. e em crianças em fase de desenvolvimento,77 Turner-Smith AR, Harris JD, Houghton GR, Jefferson RJ. A method for analysis of back shape in scoliosis. Journal of Biomechanics. 1988; 21: 497-509. além de ser um procedimento de alto custo para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.88 de Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, Loss JF. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; 2012: 186156.

Deste modo, técnicas de avaliação não invasiva da coluna vertebral têm sido propostas, já que são considerados de baixa complexidade e baixo custo. Nesse contexto, instrumentos como a fotogrametria associada a softwares99 Furlanetto TS, Candotti CT, Comerlato T, Loss JF. Validating a postural evaluation method developed using a Digital Image-based Postural Assessment (DIPA) software. Comput Methods Programs Biomed. 2012; 108: 203-12. o arcômetro1010 Santos Minossi CE, Candotti CT, Bacchi C, Noll M, Casal MZ. Avaliação da coluna lombar e torácica nas situações com salto alto e com os pés descalços com o instrumento arcômetro. Fisioter Pesq. 2012; 19 (3): 196-203. e o flexicurva88 de Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, Loss JF. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; 2012: 186156. têm impulsionado novas pesquisas de avaliação postural no sentido de fomentar a utilização desses sistemas de baixa complexidade. O flexicurva, já bem documentado na literatura, consiste em uma régua flexível, de metal revestido em plástico, a qual é moldada no dorso do indivíduo a fim de ilustrar o contorno da coluna vertebral, permitindo uma avaliação rápida e barata das curvaturas da coluna vertebral em ambiente clínico, e também em estudos de campo ou com grandes populações.88 de Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, Loss JF. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; 2012: 186156. Portanto, o flexicurva pode se constituir um uma ferramenta útil, principalmente no acompanhamento do tratamento postural de crianças e jovens, que necessitam de avaliações frequentes por estarem em fase de desenvolvimento77 Turner-Smith AR, Harris JD, Houghton GR, Jefferson RJ. A method for analysis of back shape in scoliosis. Journal of Biomechanics. 1988; 21: 497-509. e não devem ser expostas repetidamente aos efeitos deletérios dos exames de raios-X.66 Zabjek KF, Leroux MA, Coillard C, Rivard CH, Prince F. Evaluation of segmental postural characteristics during quiet standing in control and idiopathic scoliosis patients.Clin Biomech. 2005; 20: 483-90.,77 Turner-Smith AR, Harris JD, Houghton GR, Jefferson RJ. A method for analysis of back shape in scoliosis. Journal of Biomechanics. 1988; 21: 497-509.

Considerando a avaliação do contorno da coluna vertebral, o flexicurva pode fornecer medidas angulares e lineares que representam as curvaturas. Quanto à medida angular, o flexicurva já foi validado em relação ao padrão ouro tanto para a coluna torácica quanto lombar.88 de Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, Loss JF. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; 2012: 186156. Não obstante, até onde se tem conhecimento, as medidas lineares têm sido sugeridas apenas para a população de adultos e ainda existe uma lacuna de investigações com a população de crianças. As medidas lineares envolvem a largura e o comprimento da curvatura, sendo que a razão dessas medidas, na coluna torácica, gera um índice, denominado índice de cifose.1111 Hinman MR. Comparison of thoracic kyphosis and postural stiffness in younger and older women. Spine J. 2004; 4 (4): 413-7.

A importância na utilização do índice de cifose (KI) está na simplicidade e praticidade, já que o profissional pode prontamente calculá-lo a partir da moldagem da coluna do indivíduo, obtendo uma avaliação imediata da coluna. No entanto, para que o KI possa de fato se constituir como uma ferramenta de avaliação necessita-se conhecer suas propriedades psicométricas, tais como sua acurácia e precisão. Portanto, o objetivo desse estudo é avaliar a validade concorrente do índice de cifose (KI) mensurado com o flexicurva a partir da concordância com exames de raios-X, identificando sua acurácia, para avaliação da coluna torácica de crianças e jovens.

Métodos

A amostra foi definida por cálculo amostral, utilizando o software Gpower 3.1.7, admitindo um teste unicaudal; uma hipótese nula correspondendo ao valor de correlação, r, de 0,4 (qualquer valor de correlação abaixo de 0,4 é clinicamente inaceitável); uma expectativa de correlação moderada (r=0,6); um tamanho de efeito grande (f=0,5); um erro α=0,05 e um poder de 80%, resultando em uma amostra mínima de 22 participantes. Prevendo-se perdas, foram convidados 31 jovens que tinham realizado exames de raios-X em um hospital de Porto Alegre para participar do estudo. Os critérios de inclusão foram ser criança ou adolescente, ambos os sexos, e idade entre 6 e 16 anos. Os jovens que tinham cirurgia prévia na coluna ou deformidades congênitas foram excluídos. Esse estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da universidade onde foi realizado (nº 675.873), e os responsáveis pelos jovens assinaram um termo de consentimento.

Os jovens foram avaliados em um único dia, sendo que a radiografia e a avaliação com o flexicurva foram realizadas sequencialmente. Todas as avaliações com o flexicurva foram realizadas pelo pesquisador A e as radiografias por um responsável técnico do hospital. No exame radiológico panorâmico da coluna vertebral no plano sagital foi sempre seguindo o mesmo protocolo: (1) posicionamento do jovem em ortostase, na postura normal, (2) membros superiores em flexão de ombro (90º), (3) solicitando que o jovem permanecesse imóvel.

A partir das radiografias, o pesquisador B realizou os cálculos dos ângulos de Cobb (ÂngCobb), utilizando a metodologia de quatro linhas1212 Harrison DE, Cailliet R, Harrison DD, Janik TJ, Holland B. Reliability of centroid, Cobb, and Harrison posterior tangent methods: which to choose for analysis of thoracic kyphosis. Spine. 2001; 26: e227-e234 por meio de uma rotina matemática no software Matlab® 7.9, desenvolvida especialmente para esse estudo. Para os cálculos do ângulo da cifose torácica foram marcados o platô vertebral superior de T1 e o platô vertebral inferior de T12 (Figura 1A). Ainda, a partir das radiografias, também utilizando uma rotina no software Matlab® 7.9, o mesmo pesquisador calculou o índice de cifose nos exames de raios-X (KIX), utilizando o processo espinhoso de C7, o processo espinhoso de T12 e o processo espinhoso da vértebra ápice da curvatura (Figura 1B).

Figura 1
Ângulo Cobb - AC (A); Índice de cifose nos exames de raios-X - KIX (B); Índice de cifose no flexicurva - KIFint (C) e Índice de cifose no flexicurva - KIFT12 (D).

A avaliação com o flexicurva foi realizada logo após as radiografias. Os procedimentos foram realizados de acordo com o estudo de Oliveira et al.,88 de Oliveira TS, Candotti CT, La Torre M, Pelinson PPT, Furlanetto TS, Kutchak FM, Loss JF. Validity and reproducibility of the measurements obtained using the flexicurve instrument to evaluate the angles of thoracic and lumbar curvatures of the spine in the sagittal plane. Rehabil Res Pract. 2012; 2012: 186156. estando as crianças com as costas despidas, sendo palpados e marcados com adesivos os processos espinhosos (PE) das vértebras C7, T1, T12, L1, L5 e S1 e sendo solicitado que a criança ficasse na mesma posição adotada nos exames de raios-X, com os pés na largura do quadril, os ombros e cotovelos flexionados a 90º e apoiados em uma parede para que o flexicurva pudesse ser moldado nas suas costas sobre a coluna vertebral. Na sequência, o flexicurva foi retirado das costas e posicionado sobre um papel milimetrado onde eram desenhadas as curvaturas e os PE demarcados no papel. Utilizando uma rotina no software Matlab® 7.9, o pesquisador C calculou o índice de cifose (KI) a partir do contorno da coluna desenhado no papel milimetrado, utilizando o processo espinhoso de C7, o processo espinhoso de T12 e o processo espinhoso da vértebra ápice da curvatura. Dois índices foram calculados: (1) índice de cifose intersecção (KIFint), onde foram demarcados o processo espinhoso de C7, a intersecção entre curvaturas torácica e lombar e o ápice da curvatura torácica (Figura 1C); (2) Índice de Cifose T12 (KIFT12), onde foram demarcados os processos espinhosos de C7, T12 e do ápice da curvatura torácica (Figura 1d). O cálculo dos três índices de cifose (KIX, KIFint, KIFT12) foi realizado segundo Hinmann,1111 Hinman MR. Comparison of thoracic kyphosis and postural stiffness in younger and older women. Spine J. 2004; 4 (4): 413-7. utilizando a Equação 1.

Equação 1 KI = largura comprimento × 100

De posse dos três índices de cifose (KIX, KIFint e KIFT12), os mesmos foram inseridos na Equação 2, proposta por Greendale et al.1313 Greendale GA, Nili NS, Huang MH, Seeger L, Karlamangla AS. The reliability and validity of three non-radiological measures of thoracic kyphosis and their relations to the standing radiological Cobb angle. Osteoporosis international. 2011; 22: 1897-1905. Assim, foi possível obter um valor angular para a cifose (AngKI), a partir do KI, ou seja, os valores de AngKIX (ângulo predito a partir do KIX), AngKIFint (ângulo predito a partir do KIFint) e AngKIFT12 (ângulo predito a partir do KIFT12).

Equação 2 AngKI = 314 , 61 × KI + 5 , 11

Os dados foram analisados utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.00. Inicialmente foi verificada a normalidade dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk. Para todas as variáveis lineares e angulares foram utilizados os seguintes testes: Correlação Produto-Momento de Pearson e Teste t independente. Ainda, foi calculado o erro RMS (Root Mean Square) para estimar a acurácia das medidas, pois corresponde a uma medida da correlação entre a estimativa e o valor real do parâmetro, ou seja, o Erro RMS reflete o quanto o valor estimado está próximo do real. O Coeficiente Pearson (r) foi classificado em nulo (0), fraco (entre 0 e 0,3), regular (entre 0,30 e 0,6), forte (entre 0,6 e 0,9), muito forte (entre 0,9 e 1) e perfeita (1), segundo Callegari-Jacques.1414 Callegari-Jacques SM. Bioestatística: princípios e aplicações. Porto Alegre: Artmed; 2007. O nível de significância foi de 0,05.

Resultados

A amostra foi composta por 31 crianças e jovens, com idade média de 11,1+3,4 anos, em que 58% (n=18) eram do sexo feminino e 42% (n=13) do sexo masculino. Os valores do AngKI (AngKIX, AngKIFint, AngKIFT12) foram subestimados em relação aos valores do AngCobb, com diferenças significativas entre essas medidas (Tabela 1). Já os valores de KIFint e KIFT12 foram semelhantes em relação ao KIX (Tabela 1). O Erro RMS calculado para o ÂngKIX, o ÂngKIFint e o ÂngKIFT2 em relação ao ângulo Cobb foi de 10,7º, 12,7º e 15,5º, respectivamente.

Tabela 1
Média e desvio padrão (DP) dos índices de cifose (KIFint, KIFT12, KIX) e dos ângulos da curvatura torácica (AngCobb, AngKIFint, AngKIFT12, AngKIX).

Na análise dos testes de correlação encontramos uma correlação forte (Figura 2A) entre KIX e ÂngCobb (r=0,698; p<0,001) e entre ÂngKIX e ÂngCobb (r=0,698; p<0,001) e uma correlação perfeita (Figura 3A) entre ÂngKIX e KIX (r=1,00; p<0,001). Todos as variáveis oriundas do flexicurva (KIFint, KIFT12, ÂngKIFint, ÂngKIFT12) não apresentaram correlação significativa com o ÂngCobb (Figura 2B e 2C) e com o KIX (Figura 3B e 3C).

Figura 2
Correlações entre o Ângulo Cobb e: (A) os Ângulos obtidos a partir dos Índices de Cifose (ÂngKIX, ÂngKIFint, ÂngKIFT12); (B) os Índices de Cifose (KIX, KIFint); e (C) e o Índice de Cifose (KIFT12).

Figura 3
Correlações entre o Índice de Cifose do Raio-X (KIX) e: (A) os Ângulos obtidos a partir dos Índices de Cifose (ÂngKIX, ÂngKIFint, ÂngKIFT12); (B) Índice de Cifose no Flexicurva (KIFint); e (C) e Índice de Cifose no Flexicurva (KIFT12).

Discussão

Apesar do amplo espectro de benefícios que o instrumento flexicurva fornece para os profissionais da área da saúde, os achados do presente estudo sugerem que os valores lineares e angulares fornecidos pelo flexicurva não são indicados para a avaliação da cifose torácica de crianças e jovens, pois não se correlacionam com o padrão ouro e não fornecem uma medida acurada da cifose torácica. No entanto, os resultados do índice de cifose obtidos no exame de raios-X (KIX) e o ângulo calculado a partir do KIX (ÂngKIX) se constituem em uma possibilidade de mensuração acurada na avaliação radiológica da cifose torácica de crianças e jovens.

As diferenças significativas encontradas entre os valores angulares do padrão ouro (ÂngCobb) com os valores do flexicurva (ÂngKIFint, ÂngKIFT12) não estão presentes entre os valores lineares do padrão ouro (KIX) com os valores do flexicurva (KIFint, KIFT12) (Tabela 1). Possivelmente, a forma de cálculo do KI, idêntica em ambos os instrumentos (raios-X e flexicurva), que considera as mesmas estruturas anatômicas, seja a responsável pelos resultados semelhantes.

Quanto a análise de correlação, tanto os valores lineares (KIFint, KIFT12) quanto os valores angulares obtidos pelo flexicurva (ÂngKIFint, ÂngKIFT12) não se correlacionaram com o padrão ouro (KIX, AngCobb). Harrison et al.1515 Harrison DE, Haas JW, Cailliet R, Harrison DD, Holland B, Janik TJ. Concurrent validity of flexicurve instrument measurements: sagittal skin contour of the cervical spine compared with lateral cervical radiographic measurements. J Manip Physiol Ther. 2005; 28: 597-603. e McFarland et al.1616 McFarland C, Wang-Price S, Richard S. Clinical measurements of cervical lordosis using flexirule and inclinometer methods in individuals with and without cervical spine dysfunction: A reliability and validity study. J Back Musculoskelet Rehabil. 2015; 28 (2): 295-302. destacam que alguns problemas inerentes ao método podem ser responsáveis por erros nos cálculos gerados a partir do flexicurva. Por exemplo, os autores citam as pequenas modificações da forma do flexicurva, que estão relacionadas à flexibilidade inerente do instrumento e o fato de que a gravidade, ou uma leve pressão, na banda de metal contida dentro dele pode deformar o instrumento, antes que o traçado preciso possa ser feito no papel.

Assim, as deformações imputadas à régua flexível, decorrente do manuseio durante a retirada das costas até a transcrição para o papel milimetrado, podem alterar o formato da curvatura e com isso a transcrição não seria de fato realista. De fato, o perfil inquieto das crianças durante o procedimento de coleta, desde o momento da palpação, demarcação dos pontos específicos até o momento do molde do flexicurva, pode ter contribuído para os erros de medida.

Ainda, de acordo com Caine et al.,1717 Caine MP, Mcconnell AKE, Taylor D. Assessment of spinal curvature: an evaluation of the flexicurve and associated means of analysis. Int J Rehabil Res. 1996; 19: 271-8. o comprimento máximo da coluna torácica pode estar localizado em locais diferentes do arco, portanto, certas categorias de curvaturas cifóticas não são bem representadas pelo índice de cifose (KI). Assim, uma limitação do presente reside na falta de testes com outros limites vertebrais. Também é importante ressaltar que a população de crianças e jovens possui a superfície corporal, bem como o tamanho da coluna (comprimento e largura), menores em comparação a adultos, fazendo aumentar as chances de erro no instrumento flexicurva. Fato descrito no estudo de Harrison et al.,1515 Harrison DE, Haas JW, Cailliet R, Harrison DD, Holland B, Janik TJ. Concurrent validity of flexicurve instrument measurements: sagittal skin contour of the cervical spine compared with lateral cervical radiographic measurements. J Manip Physiol Ther. 2005; 28: 597-603. em que foi encontrado fraca correlação da avaliação pelo instrumento flexicurva com os exames de raios-X ao avaliar a região cervical de adultos, pontuando a dificuldade em avaliar regiões pequenas.

Conforme o esperado, ao analisar o erro RMS, verificamos que os maiores valores foram justamente para ÂngKIFT12 e ÂngKIFint, que não se correlacionaram com o padrão ouro, enquanto que o erro RMS para o ÂngKIX, que apresentou uma correlação forte com o ângulo Cobb, foi consideravelmente menor, em torno de 10º. Não encontramos na literatura outro trabalho para comparação em relação ao erro RMS dessas variáveis, porém, tradicionalmente, tem-se considerado como valores clinicamente aceitáveis, no quesito análise de reprodutibilidade do ângulo Cobb, valores entre 5º e 10º,1818 Carman DL, Browne RH, Birch JG. Measurement of scoliosis and kyphosis radiographs: intraobserver and interobserver variation. J Bone Joint Surg [Am]. 1990; 72: 328-33. ou seja, o erro entre as medidas do padrão ouro e o ÂngKIX, de 10,7º, pode ser considerado aceitável.

Greendale et al.1313 Greendale GA, Nili NS, Huang MH, Seeger L, Karlamangla AS. The reliability and validity of three non-radiological measures of thoracic kyphosis and their relations to the standing radiological Cobb angle. Osteoporosis international. 2011; 22: 1897-1905. encontraram forte correlação entre o índice de cifose e o ângulo de Cobb, porém a amostra foi composta por indivíduos com 60 anos ou mais, faixa etária característica por apresentar um aumento da curvatura torácica. Outros estudos1111 Hinman MR. Comparison of thoracic kyphosis and postural stiffness in younger and older women. Spine J. 2004; 4 (4): 413-7.,1919 Teixeira FA, Carvalho GA. Confiabilidade e validade das medidas de cifose torácica através do método flexicurva. Rev Bras Fisioter. 2007; 11: 199-204.,2020 Lojudice DC, Lavorato CS, Pereira GP, Cardoso JR. Avaliação da curvatura dorsal em mulheres idosas pelo índice da cifose torácica. Fisioter Pesq. 2006; 13: 32-7. que utilizaram o índice de cifose na avaliação da coluna torácica, também foram com indivíduos idosos. Nesse sentido, considerando as características bem distintas do atual trabalho em relação aos demais supracitados, que contou com crianças e jovens com curvaturas dentro do padrão de normalidade (média de 44,3º), entende-se que faltam ainda evidencias quanto ao KI para o público infanto-juvenil. Assim, especula-se que novos estudos, cuja amostra de crianças e jovens apresente severo aumento da curvatura dorsal sejam necessarios para testar a habilidade do KI em identificar as curvas aumentadas, tal qual os estudos com idosos.

Não obstante, um aspecto importante a ser observado é a viabilidade de uso do flexicurva, após uma avaliação inicial com o exame de raios-X, para acompanhar a evolução da curvatura de crianças e jovens, pois os resultados do ângulo calculado a partir do KIX (ÂngKIX) e dos ângulos obtidos com o flexicurva (ÂngKIFint e ÂngKIFT12) foram semelhantes (Tabela 1). Desse modo, os jovens não seriam expostos seguidamente aos efeitos deletérios da radiação e o profissional poderia ter um maior controle sobre a evolução do seu paciente.

Em suma, o índice de cifose obtido no exame de raios-X (KIX) e o ângulo calculado a partir do KIX (ÂngKIX) apresentaram-se como um método acurado e válido para ser utilizado na avaliação da cifose torácica de crianças e jovens. No entanto, os valores lineares e angulares obtidos com o flexicurva (KIFint, KIFT12, ÂngKIFint, ÂngKIFT12) não apresentaram correlação com o padrão ouro, não sendo indicados para a avaliação da cifose torácica de crianças e jovens.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2016
  • Aceito
    14 Fev 2017
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