Resumo
Objetivos: descrever o perfil epidemiológico e clínico de mulheres com endometriose e determinar a associação com as características prognósticas da doença.
Métodos: estudo descritivo retrospectivo envolvendo 237 mulheres atendidas em dois hospitais de referência em endometriose, no período entre 2011 e 2017. As associações entre os grupos foram estimadas utilizando modelos de regressão logística.
Resultados: a maioria das mulheres (65,4%) estava em idade reprodutiva (29-39 anos), com índice de massa corporal entre 18,5-24,9 kg/m2 e alta prevalência (23-81%) dos sintomas clínicos da doença, sendo que 49,5% eram inférteis. O tempo médio de diagnóstico foi de 5 anos. O endometrioma ovariano e/ou endometriose profunda infiltrativa (EPI) foram os tipos mais frequentes de endometriose (87%), sendo que 59% das pacientes estavam no estágio III/IVda doença. Aproximadamente 87% das mulheres com diagnóstico cirúrgico apresentavam idade acima dos 30 anos, eram casadas (70%) e apresentavam menor paridade. A dispareunia foi associada negativamente à endometriose superficial. A infertilidade foi associada positivamente com a idade (30-39 anos) e com a EPI nas tubas uterinas; a dismenorreia com a EPI no ligamento uterosacral; as queixas intestinais cíclicas com a EPI no retosigmóide e intestino, e com a classificação EPI e estágio III/IV.
Conclusões: conhecer o perfil epidemiológico e clínico das mulheres brasileiras com endometriose pode auxiliar no diagnóstico e no planejamento do tratamento.
Palavras-chave: Endometriose; Epidemiologia; Prognóstico; Sintomas.
Abstract
Objectives: to describe the epidemiological and clinical profile of women with endometriosis and to determine the association with the prognostic characteristics of the disease.
Methods: retrospective descriptive study involving 237 women attended at two referral hospitals for endometriosis, between 2011 and 2017. Associations between groups were estimated using logistic regression models.
Results: most women (65.4%) were of reproductive age (29-39 years), with a body mass index in the range of 18.5-24.9 kg/m2 and a high prevalence (23-81%) of symptoms of the disease, with 49.5% being infertile. The average time of diagnosis was 5 years. Ovarian endometrioma and/or deep infiltrative endometriosis (DIE) were the most frequent type of endometriosis (87%), and 59% of patients were in the III/IV stage of the disease. Approximately 87% of women with surgical diagnosis were aged over 30, married (70%) and had lower parity. Dyspareunia was negatively associated with superficial endometriosis. Infertility was positively associated with age (30-39 years) and DIE in the uterine tubes; dysmenorrhea with DIE in the uterosacral ligament; cyclic intestinal complaints with DIE in the rectosigmoid and intestine, and with DIE classification and III/IVstage.
Conclusions: knowing the epidemiological and clinical profile of Brazilian women with endometriosis can help in diagnosis and treatment planning.
Key words: Endometriosis; Epidemiology; Prognosis; Symptoms.
Introdução
A endometriose é uma doença ginecológica definida pela presença de tecido endometrial fora do útero, associada a diversos sintomas como dismenorreia, dor pélvica crônica, dispareunia, infertilidade e queixas intestinais e urinárias cíclicas.1 A prevalência da doença não está claramente estabelecida; no entanto, estima-se que afete aproximadamente 10% das mulheres na pré-menopausa e 3550% das mulheres inférteis.3,4 A endometriose é uma doença que representa um impacto negativo na qualidade de vida das mulheres e para o sistema de saúde, principalmente devido aos sintomas de dor incapacitante, a presença de infertilidade, o atraso e o alto custo do diagnóstico e tratamento.1,5,6 Além disso, todos os custos de saúde envolvidos com a endometriose têm sido comparáveis aos de outras condições crônicas.1
A etiologia da endometriose permanece desconhecida, apesar de que a teoria mais aceita é a da menstruação retrógrada, descrita por Sampson, em 1927. No entanto, muitos fatores podem estar envolvidos no desenvolvimento e na manutenção dos implantes ectópicos,1 tais como os hormonais,7 inflamatórios,8 genéticos e ambientais.3 Estudos mostram que o índice de massa corporal (IMC),3,9 o tabagismo10 e a atividade física11 apresentam uma associação inversa com a endometriose, embora os mecanismos dessas associações permaneçam incertos. Outros fatores também têm sido associados com a endometriose, como a idade precoce da menarca3 e a infertilidade,12 todos conferindo um risco aumentado, enquanto que a paridade13 e o uso de anticoncepcionais orais3 foram associados a um menor risco de desenvolvimento da doença. Entretanto, não se sabe se essas associações são causas ou consequências da endometriose e, portanto, devem ser interpretadas com cautela, principalmente pela impossibilidade de diagnosticá-la antes do início dos sintomas.1
Apesar de alguns estudos abordarem a associação entre endometriose e fatores demográficos, hábitos pessoais, fatores menstruais e reprodutivos, a fisiopatologia da doença permanece um enigma e o aconselhamento adequado das pacientes quanto ao prognóstico ainda é um desafio.3,14,15 Assim, o objetivo deste estudo foi descrever o perfil epidemiológico e clínico de mulheres com endometriose atendidas em dois hospitais de referência no Rio de Janeiro, e verificar a associação com os valores prognósticos, diagnósticos e sintomas clínicos da doença.
Métodos
Este estudo descritivo retrospectivo de base hospitalar incluiu 237 mulheres recrutadas, entre 2011 e 2017, em dois hospitais de referência no Rio de Janeiro. Uma amostra de conveniência foi escolhida para listar a população acessível durante um período significativo para a condição clínica em estudo. O estudo foi aprovado pelos Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE - 414/2011) e do Hospital Moncorvo Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HMF/UFRJ - 1.244.294/2015). As pacientes participaram de uma entrevista presencial, e, em seguida, forneceram o consentimento informado por escrito e preencheram um questionário demográfico durante as consultas.
Foram elegíveis as pacientes que apresentaram lesões de endometriose confirmadas histologica-mente ou lesões endometriais infiltrativas na ressonância magnética (RM).16 As indicações para a realização da cirurgia foram: infertilidade sem acesso a técnicas de reprodução assistida, dor refratária ao tratamento clínico, comprometimento funcional de órgãos como intestino grosso e/ou trato urinário, ou endometriomas volumosos e/ou suspeitos.17 De acordo com o American Fertility Society Score,4 as pacientes com endometriose diagnosticadas por cirurgia foram divididas em estágios I/II e estágios III/IV. As lesões endometrióticas foram classificadas em três grupos: endometriose superficial (SUP), endometrioma ovariano (OMA) ou endometriose profunda infiltrativa (EPI), conforme descrito anteriormente.3 Foram excluídos os casos de gravidez ou com apenas suspeita clínica de endometriose ou se os achados cirúrgicos mostrassem suspeita ou evidência de malignidade ou adenomiose (N = 32).
As seguintes características das pacientes foram coletadas para este estudo: idade, IMC, estado civil, nível educacional, uso de anticoncepcionais, hábitos pessoais (tabagismo, consumo de bebida alcoólica, atividade física), história familiar de endometriose, idade da menarca, história reprodutiva (paridade, infertilidade, aborto espontâneo), sintomas da endometriose (dismenorreia, dor pélvica, dispare-unia, queixas intestinais e urinárias cíclicas), idade ao diagnóstico da endometriose, método de diagnóstico, estadiamento e classificação da endometriose e local ectópico afetado pela doença.
O IMC foi categorizado de acordo com o padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS): baixo peso (IMC < 18,5kg/m2), peso normal (18,5 -24,9kg/m2), sobrepeso (25 - 29,9kg/m2), obeso (30 - 39,9kg/m2) ou obesidade mórbida (> 40kg/m2). Além disso, as mulheres foram divididas em dois grupos para análise estatística: IMC < 25kg/m2 (baixo peso e peso normal), e IMC > 25kg/m2 (sobrepeso, obeso e obesidade mórbida). Os hábitos pessoais foram autorrelatados e consideramos pelo menos um ano de prática/consumo. Apenas dores cíclicas e acíclicas intensas e incapacitantes foram consideradas sintomas da endometriose. A infertilidade foi definida como um casal que não consegue engravidar após 12 meses consecutivos de relações sexuais regulares sem anticoncepcionais (primária ou secundária).4
Foi realizado um estudo descritivo, apresentando frequências relativas para cada variável categórica. As mulheres foram categorizadas de acordo com os valores prognósticos, método de diagnóstico e presença dos sintomas clínicos, e avaliadas quanto à sua associação com as características pessoais e clínicas.
O teste t de Student foi usado para comparar as variáveis contínuas entre os grupos estudados, e os resultados foram expressos como média ± desvio padrão (DP). O teste estatístico qui-quadrado (x2) ou o teste exato de Fischer, quando aplicável, foram usados para comparar as diferenças entre as variáveis categóricas. As análises de regressão logística multivariada foram realizadas para identificar possíveis fatores de confundimento nas associações entre as variáveis e as características da endometriose, as quais foram estimadas pelo odds ratio (OR) com um intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para a elaboração do modelo final de regressão, considerou-se a significância biológica de cada variável e o grau de significância estatística na análise univariada (valor de p menor ou igual a 0,20). As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas quando o valor de p foi menor ou igual a 0,05. Todas as análises foram realizadas por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), versão 20.0.
Resultados
As características sociodemográficas das 237 pacientes estão resumidas na Tabela 1. A média de idade foi de 36,1 ± 7,2 anos e mais da metade das mulheres eram casadas. A maioria das participantes tinha pelo menos o ensino médio completo e um IMC médio de 26,6 ± 5,4 kg/m2. Além disso, a maioria praticava alguma atividade física regular, nunca fumou e consumia bebidas alcoólicas regular-mente. Em relação à história reprodutiva, a maioria das pacientes teve pelo menos um filho e nunca sofreu aborto espontâneo. Além disso, a maioria delas fez uso de anticoncepcionais orais e algumas tinham histórico de endometriose em parentes de primeiro grau.
Em relação à idade da menarca, observou-se uma média de 12,5 ± 1,7 anos, com 43,5% das pacientes atingindo a menarca entre 12-13 anos. As características clínicas da população estudada estão listadas na Tabela 2. A laparoscopia foi o método de diagnóstico mais utilizado, e a maioria das pacientes com diagnóstico cirúrgico apresentava endometriose em estágio III/IV. A maioria das pacientes apresentou pelo menos três sintomas de dor ginecológica (Figura 1) e quase a metade das mulheres com endometriose tinha infertilidade (Tabela 2). Considerando o número de sintomas ginecológicos dolorosos, 32 mulheres apresentaram apenas dismenorreia, 20 delas apenas dispareunia profunda e 3 delas apenas dor pélvica crônica; 40 mulheres tiveram dismenorreia e dispareunia, 33 tiveram dismenorreia e dor pélvica crônica e 2 tiveram dispareunia e dor pélvica crônica. Por fim, 86 pacientes apresentavam dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica (Figura 1).
Quinze (6,3%) pacientes apresentaram unicamente endometriose SUP, 55 (23,2%) apenas OMA e 56 (23,6%) apenas EPI, 5 (2,1%) mulheres tinham SUP e OMA, 10 (4,2%) tinham SUP e EPI e 72 (30,4%) tinham OMA e EPI. Além disso, 21 (8,9%) pacientes com SUP e OMA foram associados a EPI. Por fim, a maioria das mulheres apresentava de 2 a 4 órgãos afetados pela doença, sendo o ovário o órgão mais atingido, seguido pelo ligamento uterossacro e retossigmoide (Tabela 2).
A Figura 2 mostra uma comparação entre mulheres assintomáticas e sintomáticas para dismenorreia (A), dispareunia profunda (B-D), queixas intestinais cíclicas (E-H) e infertilidade (IJ), em relação às características demográficas, clínicas e menstruais da população estudada. As mulheres com EPI no ligamento uterossacro foram mais afetadas por dismenorreia (OR = 2,8; IC95% = 3,14 - 7,52). Observamos também que pacientes com IMC maior que 25 kg/m2 (OR = 1,97; IC95% = 1,10 - 3,53) e que consumiam bebida alcoólica (OR = 2,13; IC95% = 1,20 - 3,82) foram mais acometidas por dispareunia. No entanto, mulheres com endometriose superficial foram menos afetadas por dispareunia (OR = 0,25; IC95% = 0,11 - 0,57). As queixas intestinais cíclicas associaram-se positivamente com EPI no retossigmóide (OR = 3,78; IC95% = 1,95 - 7,33) e no intestino (OR = 2,96; IC95% = 1,31 - 6,65), e com a classificação EPI (OR = 2,58; IC95 % = 1,08 - 6,11) e estágio III/IV da doença (OR = 2,75; IC95% = 1,31-5,76). Por fim, observamos que mulheres entre 30 - 39 anos apresentaram maior probabilidade de ser inférteis do que aquelas com menos de 29 anos (OR = 2,72; IC95%=1,02 - 7,24). Observamos também que mulheres cujas tubas uterinas foram afetadas por endometriose apresentaram maior probabilidade de infertilidade (OR = 2,91; IC95% = 1,18 - 7,17).
Comparação entre mulheres assintomáticas e sintomáticas para dismenorreia, dispareunia profunda, queixas intestinais cíclicas e infertilidade, em relação às características demográficas, clínicas e menstruais da população estudada.
(A) dismenorreia; (B-D) dispareunia profunda; (E-H) queixas intestinais cíclicas; (I-J) infertilidade. Valor p do teste Qui-quadrado (valor p de Pearson); SUP= endometriose superficial ; EPI= endometriose profunda infiltrativa ; IMC = índice de massa corporal.
A Tabela 3 mostra as diferenças demográficas e clínicas entre os casos diagnosticados por cirurgia e imagem, casos de EPI e sem EPI, e entre os estágios I/II e III/IV da endometriose. Verificamos que as pacientes diagnosticadas por cirurgia eram significativamente mais velhas (idade média 36,9 ± 7,0 anos), eram casadas e tinham uma paridade menor do que aquelas diagnosticadas por imagem. As mulheres com EPI apresentaram maior escolaridade e maior probabilidade de nunca terem fumado do que aquelas sem EPI. As pacientes em estágio III/IV eram mais propensas a serem casadas e praticar alguma atividade física regular do que aquelas em estágio I/II.
Distribuição das características demográficas e clínicas nos subgrupos de pacientes com endometriose pelo método de diagnóstico e pela classificação da doença.
O tempo médio entre os primeiros sintomas da endometriose e o diagnóstico foi de 4,5 ± 6,5 anos para todos os casos. Diferenças significativas foram observadas entre os estágios I/II e III/IV da endometriose (3,3 ± 4,1 e 5,3 ± 7,5 anos) e entre pacientes com EPI versus sem EPI (3,8 ± 5,4 e 5,2 ± 7,0 anos), mostrando que os estágios avançados e EPI tiveram um tempo de diagnóstico mais longo do que o estágio inicial e sem EPI. No entanto, não foram encontradas diferenças estatísticas entre as pacientes com diagnóstico confirmado por cirurgia ou por métodos de imagem.
Discussão
A endometriose geralmente está presente em mulheres em idade reprodutiva,2,3 corroborando com a média de idade (36 anos) descrita no presente estudo. O risco de endometriose associado a um IMC mais baixo tem sido descrito, entretanto, permanece um enigma.2,3,9 Nossos achados estão de acordo com estudos transversais e de caso-controle anteriores, que observaram uma associação inversa entre endometriose e IMC.2,3,9 Um estudo transversal, em 2017, envolvendo uma coorte cirúrgica (273 mulheres), constatou que a endometriose estava inversamente associada às medidas antropométricas e com indicadores de composição corporal.9 No entanto, a biossíntese do estrogênio, um importante hormônio que contribui para a progressão da endometriose, ocorre principalmente nos ovários, mas também ocorre no tecido adiposo e na gordura subcutánea do corpo.18 Assim, biologicamente, o baixo IMC não pode ser explicado em mulheres com endometriose. Portanto, a relação entre a endometriose e o IMC e os efeitos genéticos e moleculares sobre o peso corporal ainda precisam ser elucidados. Em relação à influência hereditária das características da endometriose, associações positivas sobre a história familiar de endometriose foram sugeridas em vários estudos.1,19
As pacientes com endometriose relataram serem casadas e apresentaram maior nível de escolaridade, corroborando com estudos qualitativos e estudos caso-controle anteriores.3,15,20 Em 2016, Chapron et al.3 conduziram um estudo caso-controle em diversos países, composto por 1008 mulheres com endometriose, e observou uma frequência elevada de mulheres casadas e com ensino superior entre o grupo de casos, em comparação às mulheres sem a doença. Atualmente, as mulheres fazem uso de contraceptivos com mais frequência e por períodos mais longos e, por isso, apenas descobrem a presença de endometriose quando decidem engravidar.21 Também foi observado em nosso estudo que a maioria das mulheres que utilizam contraceptivos tiveram a menarca em torno dos 12 anos de idade, o que está de acordo com estudos publicados recentemente.3,13,22
Em relação aos hábitos de vida, observamos que as pacientes praticavam atividade física e consumiam bebidas alcoólicas e, em sua maioria, nunca tiveram o hábito de fumar. Alguns estudos reportaram que mulheres com endometriose consomem mais bebida alcoólica,11,23 praticam mais atividades físicas22 e geralmente não fumam,3,9 corroborando nossos achados. Entretanto, outro s artigos encontraram resultados diferentes,11,24 demonstrando que existem controvérsias e, portanto, mais estudos são necessários para entender a relação entre estas variáveis e a endometriose.
De acordo com um estudo transversal publicado em 2008, com uma coorte de 1000 mulheres do Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos, 34,4% das pacientes possuíam os três sintomas de dor ginecológica combinados (dismenorreia, dispareunia e dor pélvica crônica).14 Em relação a todos os sintomas da doença (dismenorreia, dispareunia, dor pélvica crônica e alterações urinárias e intestinais), algumas pacientes do nosso estudo eram assin-tomáticas, o que diverge de um estudo qualitativo descritivo, com 35 participantes, publicado por Moradi et al.20
Porém, estes resultados podem ser explicados pelo fato de que os dois hospitais de recrutamento são centros especializados no diagnóstico e tratamento da endometriose e, por isso, a maioria das mulheres buscam tratamento médico devido à ocorrência de qualquer sintoma. Por outro lado, o tempo médio decorrido entre o surgimento dos primeiros sintomas e o diagnóstico da doença foi similar (aproximadamente 5 anos) ao encontrado em artigos recentes.25,26
Mulheres com endometriose SUP apresentaram risco reduzido de dispareunia, de acordo com Chapron et al.,3 uma vez que o peritônio é menos provável de ser atingido durante as relações sexuais. A endometriose pode provocar dispareunia pela tensão causada no ligamento uterossacro durante a relação sexual, pois a distáncia entre o tecido endometrial ectópico e as fibras nervosas em mulheres com este sintoma é reduzida.27 Nós também observamos que os sintomas intestinais estão associados positivamente com a EPI no retossigmoide e intestino, com a classificação em EPI e estadiamento avançado da doença. Deve-se levar em consideração que a dor ao evacuar possa ser devido a lesões infiltrativas.28 Por fim, mulheres inférteis apresentaram um risco 3 vezes maior de possuírem lesões de endometriose nas tubas uterinas. Estudos prévios descreveram que as doenças da tuba uterina são responsáveis por 25-35% de todos os casos de infertilidade primária feminina e podem estar associadas à endometriose. 28-30 Além disso, mulheres entre 30-39 anos foram associadas a risco aumentado de infertilidade. Briceag et al.29) realizaram uma revisão em um banco de dados internacional e mostraram que o risco de ter um diagnóstico de infertilidade por fator tubário em mulheres de 35-39 anos era 2 vezes maior do que em mulheres com menos de 30 anos. Além disso, no presente estudo, mulheres nessa faixa etária podem ter procurado o médico devido à infertilidade, levando a um viés de seleção.
Como esperado, a maioria das pacientes foi diagnosticada por laparoscopia, de acordo com estudos caso-controle recentes de vários países com grandes amostras hospitalares e populacionais,3,24 uma vez que este é o padrão ouro para o diagnóstico de endometriose.1Atualmente, o tratamento por lapa-roscopia é recomendado preferencialmente em casos de infertilidade, dor intratável e/ou aqueles com comprometimento significativo do intestino ou trato urinário, com risco de comprometimento funcional.17 Em nosso estudo, 37% das mulheres foram diagnosticadas por ressonância magnética, que tem sido descrita como um método acurado para detecção de endometriose profunda devido à sua alta especificidade e sensibilidade.16 No entanto, casos de SUP, principalmente, podem ser subdiagnosti-cados.16 O presente estudo mostrou que a maioria das variáveis sociodemográficas e clínicas teve frequências semelhantes entre mulheres com diagnóstico cirúrgico em comparação às diagnosticadas por imagem; no entanto, as diagnosticadas por imagem eram mais jovens, tinham maior paridade e eram mais propensas a serem solteiras. Nossa hipótese é que mulheres mais velhas realizam diagnóstico cirúrgico para tratar um possível caso de infertilidade, o que também explica o fato de serem, em sua maioria, casadas e, portanto, estariam tentando engravidar.
Um tamanho amostral maior poderia detectar outras associações significativas. Além disso, por se tratar de um estudo observacional, é possível que ainda existam variáveis não mensuradas, o que impede a exclusão completa de confundimento residual. No entanto, esse viés tem efeito mínimo, dado o ajuste por diversos fatores de confusão. Um viés de seleção também deve ser levantado: as pacientes incluídas neste estudo são tratadas em duas instituições de referência em endometriose. Esses pacientes podem ter sintomatologia mais grave, pois provavelmente foram encaminhados para esses centros, enviesando os resultados. Não é possível garantir que essas associações sejam causais, no entanto, esta análise epidemiológica é uma ferramenta importante na identificação da etiologia da endometriose. Além disso, ao compreender o perfil epidemiológico da endometriose, seria possível determinar uma diretriz para melhorar o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento da doença.
Em resumo, a dismenorreia, dispareunia, queixas intestinais cíclicas, o diagnóstico cirúrgico, EPI e endometriose em estágio avançado foram associados a variáveis sociodemográficas ou clínicas da endometriose.
Agradecimentos
Os autores agradecem a todos os funcionários dos dois hospitais de recrutamento (HFSE e HMF) pela assistência técnica e que contribuíram para a realização deste estudo.
Referências bibliográficas
- 1 Zondervan KT, Becker CM, Missmer SA. Endometriosis. N Engl J Med. 2020; 382 (13): 1244-56.
- 2 Eisenberg VH, Weil C, Chodick G, Shalev V. Epidemiology of endometriosis: a large population-based database study from a healthcare provider with 2 million members. An Int J Gynaecol Obstet. 2018; 125 (1): 55-62.
- 3 Chapron C, Lang JH, Leng JH, Zhou Y, Zhang X, Xue M, Popov A, Romanov V, Maisonobe P, Cabri P. Factors and regional differences associated with endometriosis: a multicountry, case-control study. Adv Ther. 2016;33(8):1385-407.
- 4 Cardoso JV, Abrão MS, Vianna-Jorge R, Ferrari R, Berardo PT, Machado DE, Perini JA. Combined effect of vascular endothelial growth factor and itsreceptor polymorphisms in endometriosis: a case-control study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017; 209: 25-33.
- 5 Hughes CL, Foster WG, Agarwal SK, Mettler L. The Impact of Endometriosis on the Health of Women. Biomed Res Int. 2015; 365951.
- 6 Koltermann KC, Schlotmann A, Schroder H, Willich SN, Reinhold T. Economic burden of deep infiltrating endometriosis of the bowel and the bladder in Germany: The statutory health insurance perspective. Z Evid Fortbild Qual Gesundhwes. 2016; 118-119: 24-30.
- 7 Ferrero S, Remorgida V, Maganza C, Venturini PL, Salvatore S, Papaleo E, Candiani M, Maggiore ULR. Aromatase and endometriosis: estrogens play a role. Ann N Y Acad Sci. 2014; 1317: 17-23.
- 8 Riccio LDGC, Santulli P, Marcellin L, Abrão MS, Batteux F, Chapron C. Immunology of endometriosis. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2018; 50: 39-49.
- 9 Backonja U, Hediger ML, Chen Z, Lauver DR, Sun L, Peterson CM, Louis GMB. Beyond Body Mass Index: Using Anthropometric Measures and Body Composition Indicators to Assess Odds of an Endometriosis Diagnosis. J Womens Health (Larchmt). 2017; 26 (9): 941-50.
- 10 Calhaz-Jorge C, Mol BW, Nunes J, Costa AP. Clinical predictive factors for endometriosis in a Portuguese infertile population. Hum Reprod. 2004; 19 (9): 2126-31.
- 11 Heilier JF, Donnez J, Nackers F, Rousseau R, Verougstraete V, Rosenkranz K, Donnez O, Grandjean F, Lison D, Tonglet R. Environmental and host-associated risk factors in endometriosis and deep endometriotic nodules: a matched case-control study. Environ Res. 2007; 103 (1): 121-9.
- 12 Prescott J, Farland LV, Tobias DK, Gaskins AJ, Spiegelman D, J.E. Chavarro, Rich-Edwards JW, Barbieri RL, Missmer SA. A prospective cohort study of endometriosis and subsequent risk of infertility. Hum Reprod. 2016; 31 (7): 147582.
- 13 Peterson CM, Johnstone EB, Hammoud AO, Stanford JB, Varner MW, Kennedy A, et al. Risk factors associated with endometriosis: importance of study population for characterizing disease in the ENDO Study. Am J Obstet Gynecol. 2013; 208 (6): 451.e1-11.
- 14 Sinaii N, Plumb K, Cotton L, Lambert A, Kennedy S, Zondervan K, Stratton, P. Differences in characteristics among 1,000 women with endometriosis based on extent of disease. Fertil Steril. 2008; 89 (3): 538-45.
- 15 Liu X, Long Q, Guo SW. Surgical History and the Risk of Endometriosis: A Hospital-Based Case-Control Study. Reprod Sci. 2016; 23 (9): 1217-24.
- 16 Barcellos MB , Lasmar B, and Lasmar R. Agreement between the preoperative findings and the operative diagnosis in patients with deep endometriosis. Arch Gynecol Obstet. 2016; 293 (4): 845-50.
- 17 Kho RM, Andres MP, Borrelli GM, Neto JS, Zanluchi A, and Abrão MS. Surgical treatment of different types of endometriosis: Comparison of major society guidelines and preferred clinical algorithms. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2018; 51: 102-10.
- 18 Bulun SE, Chen D, Moy I, Brooks DC and Zhao H. Aromatase, breast cancer and obesity: a complex interaction. Trends Endocrinol Metab. 2012; 23 (2): 83-9.
- 19 Audebert A, Lecointre L, Afors K, Koch A, Wattiez A, Akladios C. Adolescent Endometriosis: Report of a Series of 55 Cases With a Focus on Clinical Presentation and Long-Term Issues. J Minim Invasive Gynecol. 2015; 22 (5): 834-40.
- 20 Moradi M, Parker M, Sneddon A, Lopez V, Ellwood D. Impact of endometriosis on women's lives: a qualitative study. BMC Women’s Health. 2014; 14: 123.
- 21 Hemmings R, Rivard M, Olive DL, Poliquin-Fleury J, Gagné D, Hugo P,Gosselin D. Evaluation of risk factors associated with endometriosis. FertilSteril. 2004; 81 (6): 1513-21.
- 22 Farland LV , Missmer SA , Bijon A, Gusto G, Gelot A, Clavel-Chapelon F, Mesrine S Boutron-Ruault MC, Kvaskoff M. Associations among body size across the life course, adult height and endometriosis. Hum Reprod. 2017; 32 (8): 1732-42.
- 23 Parazzini F, Cipriani S, Bravi F, Pelucchi C, Chiaffarino F, Ricci E, Viganò P. A metaanalysis on alcohol consumption and risk of endometriosis. Am J Obstet Gynecol. 2013. 209 (2): 106.e1-10.
- 24 Hemmert R, Schliep KC, Willis S, Peterson CM, Louis GB, Allen-Brady K, Simonsen SE, Stanford JB, Byun J, Smith KR. Modifiable life style factors and risk for incident endometriosis. Paediatr Perinat Epidemiol. 2019; 33 (1): 19-25.
- 25 Soliman AM, Fuldeore M, and Snabes MC. Factors associated with time to endometriosis diagnosis in the United States. J Women's Health. 2017; 26 (7): 788-97.
- 26 van der Zanden M, Arens MWJ, Braat DDM, Nelen WLM, Nap AW. Gynaecologists' view on diagnostic delay and care performance in endometriosis in the Netherlands. Reprod Biomed Online. 2018; 37 (6): 761-8.
- 27 Tulandi T, Felemban A,Chen MF. Nerve fibers and histopathology of endometriosis-harboring peritoneum. J Am Assoc Gynecol Laparosc. 2001; 8 (1): 95-8.
- 28 Pandian Z, Akande VA, Harrild K, Bhattacharya S. Surgery for tubal infertility. Cochrane Database Syst Rev. 2008; (3): CD006415.
- 29 Briceag I, Costache A, Purcarea VL, Cergan R, Dumitru M, Briceag I, Sajin M, Ispas AT. Fallopian tubes--literature review of anatomy and etiology in female infertility. J Med Life. 2015; 8 (2): 129-31.
- 30 Pereira N , Kligman I. Clinical implications of accessory fallopian tube ostium in endometriosis and primary infertility. Womens Health (Lond). 2016; 12 (4): 404-6.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Fev 2021 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2020
Histórico
-
Recebido
02 Jun 2019 -
Revisado
20 Ago 2020 -
Aceito
02 Set 2020