Resumo
Objetivos: avaliar a prevalência e os fatores epidemiológicos associados à colonização por Streptococcus do grupo B (GBS) em gestantes na cidade de Porto Velho, Rondônia.
Métodos: GBS foi identificado e isolado por métodos genotípicos e microbiológicos a partir de amostras retovaginais de grávidas com 35-37 semanas de gestação. Os dados epidemiológicos foram coletados através de questionários e sua correlação com a presença de colonização foi avaliada. O perfil de susceptibilidade antimicrobiana foi determinado pelo método de disco-difusão.
Resultado: um total de 22.5% (102/453) gestantes foram colonizadas por GBS. Um nível mais alto de colonização foi observado no sítio vaginal (17.6%) em comparação ao sítio retal. Não encontramos nenhum fator sociodemográfico ou obstétrico associado a um risco aumentado de colonização por GBS. Todas as amostras foram suscetíveis aos antibióticos penicilina, ampicilina, cefazolina e ceftriaxona. Em contraste, as taxas de resistência à tetraciclina (74.1%), eritromicina (14.1%) e clindamicina (3.5%) foram observadas.
Conclusões: a prevalência de GBS, bem como a ausência de preditores de colonização, demonstraram a necessidade de triagem universal para GBS em todas as gestantes da região. Além disso, mostramos que os antimicrobianos de primeira linha recomendados para profilaxia são boas opções para a prevenção da doença GBS neonatal na região.
Palavras-chave: Resistência a antibióticos; Doenças neonatais; Profilaxia por antibióticos; Vigilância em saúde; Gestantes
Abstract
Objectives: to assess the prevalence and epidemiological factors associated with group B Streptococcus (GBS) colonization in pregnant women in Porto Velho City, Rondônia.
Methods: GBS was identified and isolated by genotypic and microbiological methods from rectovaginal samples of pregnant women between 35 and 37 weeks of gestation. Epidemiological data were collected using questionnaires and their correlation with colonization was assessed. The antimicrobial susceptibility profile was determined by disk diffusion method.
Results: a total of 22.5% (102/453) pregnant women were colonized with GBS. A higher level of colonization was observed at the vaginal tract (17.6%), compared to the rectal area. We did not find any sociodemographic or obstetric factors associated with an increased risk of GBS colonization. All strains were susceptible to antibiotics penicillin, ampicillin, cefazolin, and ceftriaxone. In contrast, the rates of resistance to tetracycline (74.1%), erythromycin (14.1%), and clindamycin (3.5%) were observed.
Conclusion: the prevalence of GBS as well as the absence of predictors of colonization demonstrated the need for universal screening for GBS in all pregnant women in the region. In addition, we showed that the first-line antibiotics recommended for prophylaxis are still good options for the prevention of neonatal GBS disease in the region.
Key words: Antibiotic resistance; Neonatal diseases; Antibiotic prophylaxis; Public health surveillance; Pregnant women
Introdução
Streptococcus do grupo B ou Streptococcus agalactiae (GBS) é o principal agente etiológico de infecções neonatais.1 GBS coloniza principalmente os tratos geniturinário e gastrointestinal dos seres humanos, no entanto, a colonização nos sítios vaginais e retais de gestantes representa um risco para a saúde dos recém-nascidos, uma vez que o GBS pode ser transmitido verticalmente antes, durante e após o parto. Consequentemente, GBS pode causar uma vasta gama de quadros clínicos nos recém-nascidos, tais como sepse, meningite e pneumonia.1
A patologia da GBS pode ser classificada com base quando os sintomas da doença aparecem pela primeira vez. A doença de início precoce descreve o aparecimento de sintomas nos primeiros sete dias de vida do recém-nascido e resulta da disseminação do GBS através da via ascendente do útero ou durante o parto. As infecções graves apresentam-se frequentemente como sepse, pneumonia, instabilidade cardiovascular ou, menos frequentemente, meningite, e caracterizam-se por uma evolução clínica adversa.2 A doença de início tardio caracteriza-se pelo aparecimento de sintomas entre o oitavo dia de vida e os três meses e pode também estar associada a outros microrganismos para além do GBS, incluindo estafilococos coagulase-negativos, Escherichia coli e outras bactérias gram-negativas.2 A doença de início tardio está principalmente associada à meningite, que pode levar a sequelas cognitivas e neurológicas.3 As doenças invasivas causadas pelo GBS são responsáveis por 5-20% da mortalidade em recém-nascidos prematuros e 1-8,4% da mortalidade em recém-nascidos de termo.4
Investigações epidemiológicas demonstraram que aproximadamente 18% das mulheres em todo o mundo são colonizadas por GBS durante a gravidez, embora a incidência varie entre 11% e 35% consoante a região1. GBS está associado a 518.000 nascimentos pré-termo, 392.000 infecções neonatais e 91.000 mortes neonatais anualmente em todo o mundo.5 Estudos sobre a prevalência de colonização em mulheres grávidas no Brasil mostraram taxas heterogéneas de 4,2-28,4%.6 Preocupantemente, os países de baixa renda são mais suscetíveis a altas taxas de morbidade e mortalidade devido ao GBS do que os países de alta renda, o que está associado à falta de medidas sistemáticas de profilaxia, entre outros fatores.7
As diretrizes para a profilaxia de GBS foram atualizadas em 2020 pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas). O rastreio universal de GBS envolve a detecção da colonização materna através de culturas retais e vaginais coletadas entre 36-37 semanas gestacionais. Os resultados positivos são então tratados com profilaxia antimicrobiana intraparto (IAP). A penicilina G é o antibiótico de primeira escolha para o tratamento destes casos. Em mulheres grávidas alérgicas à penicilina, são utilizados medicamentos alternativos, como a clindamicina e a cefazolina. A maioria das amostras de GBS permanecem suscetíveis à penicilina e a outros β-lactâmicos, entretanto, a resistência a agentes antimicrobianos usados como terapias alternativas, principalmente lincosamidas, já foi descrita anteriormente.8
No Brasil, GBS não tem sido reconhecido como agente causador de processos infecciosos subjacentes em recém-nascidos e gestantes, devido ao não isolamento do microrganismo e/ou à subnotificação. Essa falta de reconhecimento ocorre apesar da gravidade da infeção pelo GBS e do fato de que a população tem grandes chances de se beneficiar da profilaxia. No Brasil, não há recomendação das autoridades sanitárias nacionais para o rastreamento do GBS em gestantes de baixo risco, o que se justifica pela escassez de pesquisas nacionais que fundamentem a elaboração de diretrizes que recomendem a prestação de cuidados às portadoras de GBS.9
Na Amazônia brasileira, particularmente no estado de Rondônia, há uma falta de dados epidemiológicos sobre várias doenças infecciosas importantes, incluindo GBS, o que contrasta com o sudeste do Brasil.6 A Amazônia brasileira cobre mais de 6,3 milhões de km2 e tem uma população de cerca de 29,6 milhões de pessoas, e há uma variação substancial em muitos fatores de estilo de vida na região.10 Há uma necessidade premente de pesquisa médica sobre tópicos como bacteriologia em mulheres grávidas na Amazônia. Essa investigação poderia ajudar a melhorar as políticas médicas e sociais que afetam tanto a mãe como a criança e, assim, conduzir a uma diminuição da mortalidade infantil na Amazônia. Diante da importância clínica desse agente patogênico e da escassez de pesquisas sobre a prevalência de GBS na região Norte do Brasil, este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de colonização por GBS e as características sociodemográficas e clínicas associadas em gestantes atendidas na Rede Pública de Saúde do Município de Porto Velho, Estado de Rondônia, Brasil.
Métodos
Foi realizado um estudo prospetivo e transversal, no período de abril de 2018 a março de 2020, na cidade de Porto Velho, capital do estado de Rondônia, que se localiza na parte ocidental da Região Norte do Brasil, na Amazônia Ocidental, e possui uma população estimada de 548.952 habitantes.
A população do estudo é composta por gestantes amostradas aleatoriamente entre 35 a 37 semanas de gestação, de acordo com a versão 2010 das diretrizes perinatais de GBS do CDC,11 que foram avaliadas no Centro Integrado Materno Infantil, bem como gestantes de baixo risco avaliadas em onze Unidades Básicas de Saúde do município de Porto Velho. Foram excluídas do estudo as gestantes em tratamento com antibiótico oral ou intravaginal ou em fase tardia do parto. Com base em uma prevalência de 20% de GBS em gestantes e utilizando um erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%, calculamos o tamanho ideal da amostra em 477 indivíduos.
As amostras de secreção retal e vaginal foram coletadas por profissionais de saúde durante consultas ambulatoriais pré-natais de rotina. As amostras vaginais foram coletadas com um swab estéril que foi introduzido na vagina até o seu terço distal sem higienização prévia ou uso de espéculo. Após uma rotação suave, o swab foi removido e imediatamente imerso no meio de transporte Stuart (CRAL, São Paulo, Brasil). Para amostras retais, um swab estéril foi introduzido no orifício anal até a parede distal do reto e um movimento de rotação suave foi usado. O swab foi imediatamente imerso em um meio de transporte (CRAL). Posteriormente, as amostras foram enviadas ao Laboratório de Microbiologia da Fundação Oswaldo Cruz de Rondônia e processadas em até 24 horas após a coleta, conforme recomendado pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC).11 Além disso, foram coletados dados sobre idade, estado civil, grupo étnico, nível de escolaridade, ocupação, histórico obstétrico e atividade sexual de cada paciente, entre outras variáveis, por meio de questionários.
Os swabs foram removidos do meio de transporte e inoculados em tubos preenchidos com 4 mL de caldo Todd-Hewitt (THB; KASVI, Paraná, Brasil) suplementado com gentamicina (8 µg/mL; Interlab, São Paulo, Brasil) e ácido nalidíxico (15 µg/mL; Sigma-Aldrich, Missouri, EUA). Posteriormente, as amostras foram incubadas em 5% de CO2 a 37°C por 24 h. O DNA bacteriano foi extraído da cultura usando o método fenol-clorofórmio.12 Outros 0,09 mL de caldo foram transferidos para criotubos de 2 mL com 0,06 mL de glicerol (50%; Thermo Fisher Scientific, Massachusetts, EUA) e armazenados em um freezer a -80 °C para testes bacteriológicos adicionais. A PCR para detecção do GBS foi realizada de acordo com o método descritos por Ke et al.13 usando S. agalactiae ATCC 27956 como controle positivo.
As amostras criopreservadas foram inoculadas em caldo THB e incubadas em 5% de CO2 a 37°C por 24 h. Em seguida, as culturas foram semeadas em placas de ágar sangue Columbia (BIOLOG, Califórnia, EUA) suplementadas com 5% de sangue de carneiro desfibrinado (EBE FARMA, Rio de Janeiro, Brasil) e incubadas nas condições mencionadas acima.11 As placas foram avaliadas após 24 horas para verificar a presença de colônias indicativas de GBS, ou seja, colônias pequenas (0,5-1 mm) e transparentes com hemólise beta discreta. As colônias que apresentavam essas características morfológicas e hemolíticas foram submetidas a testes de identificação presuntiva para produção de CAMP (Christie-Atkins-Munch-Peterson), atividade de catalase e coloração de Gram. Após o isolamento das bactérias, as amostras foram armazenadas em criotubos e criopreservadas em glicerol a −80°C.2
Os isolados foram testados quanto à suscetibilidade aos seguintes agentes antimicrobianos: penicilina G (10µg), ampicilina (10µg), clindamicina (2µg), cefazolina (30µg), ceftriaxona (30µg), eritromicina (15µg) e tetraciclina (30µg) (CECON, São Paulo, Brasil) usando o método de disco-difusão de Kirby-Bauer, conforme recomendado pelo European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing (EUCAST). Os resultados foram interpretados de acordo com o BrCast/EUCAST.14
As informações dos questionários foram agrupadas usando o Excel 2016 (Microsoft, Washington, EUA). Estatísticas descritivas foram usadas para resumir os dados dos participantes. Os dados foram organizados em uma tabela de contingência e analisados utilizando o teste exato de Fisher. Valores de p≤0,05 foram considerados significativos, e intervalos de confiança de 95% foram considerados.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical CEP/CEPEM n. 76.812-329.
Resultados
De abril de 2018 a março de 2020, 453 gestantes foram examinadas quanto à colonização por GBS com base nos critérios de elegibilidade. A presença de colonização por GBS foi identificada em pelo menos uma das amostras (vaginal e/ou retal) em 102 casos, resultando em uma prevalência de 22,5% (IC95% = 19%-26%). Não foram observadas flutuações significativas nas taxas de colonização durante o período do estudo (Figura 1A). Entretanto, quando a taxa de colonização foi estratificada por local de coleta, observamos um crescimento acentuado na taxa de colonização vaginal e uma leve diminuição na colonização retal durante o período do estudo (Figura 1B).
Porcentagens de colonização por Streptococcus do Grupo B (GBS) entre 453 gestantes residentes em Porto Velho, Brasil, de abril de 2018 a março de 2020.
A Tabela 1 descreve as características sociodemográficas com base na presença ou ausência de colonização por GBS. Das 453 gestantes examinadas, 54,3% (246/453) tinham entre 20 e 30 anos, 71,7% (325/453) eram casadas, 54,5% (247/453) eram donas de casa, 61,4% (278/453) tinham ensino médio completo, 71,1% (322/453) se autodeclaravam pardas e 92,3% (418/453) moravam na zona urbana. As taxas de colonização por GBS nessas gestantes foram as seguintes: idade entre 20 e 30 anos (47,1%), casadas (71,6%), autodeclaradas “pardas” (73,5%), com ensino médio completo (62,7%), donas de casa (47,1%) e residentes em zonas urbanas (93,1%). Entretanto, não houve diferenças significativas na presença ou ausência de colonização por GBS nas pacientes com base nas características demográficas. As gestantes com menos de 20 anos apresentaram uma tendência maior de colonização por GBS do que as mulheres de outras faixas etárias (odds ratio = 1,648 [IC = 0,9661-2,813]).
Associação entre fatores sociodemográficos, aspectos obstétricos e colonização por GBS entre gestantes residentes em Porto Velho, Brasil, no período de abril de 2018 a março de 2020.
As características obstétricas avaliadas neste estudo são apresentadas na Tabela 1. No total, 79,4% (81/102) das gestantes positivas para colonização por GBS tiveram relações sexuais durante a gravidez, com uma taxa razoável de infecções do trato urinário de 54,9% (56/102) e corrimento vaginal de 61,8% (63/102). Também foi observado que 5,9% (6/102) dessas mulheres tiveram parto prematuro em uma gravidez anterior e 4,9% (5/102) relataram sepse neonatal anterior. Não houve diferença significativa entre as variáveis clínico-obstétricas e a colonização por GBS. A hipertensão arterial sistêmica foi a síndrome pré-existente mais prevalente entre as pacientes investigadas.
O sítio vaginal apresentou a maior taxa de colonização por GBS, de 17,6% (80/453 [IC95% = 13,1%-22%]), enquanto o sítio retal foi colonizado em 13,8% (63/453 [IC95% = 10,8%-16,8%]) das gestantes. A estratificação do local de coleta mostrou que 4,8% (22/453) das gestantes foram positivas apenas na região retal, 8,6% (39/453) foram positivas apenas na região vaginal e 9% (41/453) apresentaram colonização em ambos os locais.
A suscetibilidade a agentes antimicrobianos foi testada em 85 dos isolados viáveis após a criopreservação em glicerol. Um total de 77,9% dos isolados investigados foi resistente a pelo menos um dos agentes antimicrobianos testados, com a tetraciclina e a eritromicina apresentando as maiores porcentagens de resistência de 74,1% (63/85) e 14,1% (12/85), respectivamente. A taxa de resistência à clindamicina foi de 3,5% (3/85), e todos os isolados foram suscetíveis à penicilina, ampicilina, cefazolina e ceftriaxona. O nível de resistência foi avaliado em intervalos durante o período do estudo. Foi observada uma taxa estável de resistência à tetraciclina, enquanto a taxa de resistência à clindamicina caiu e a resistência à eritromicina aumentou consideravelmente (Figura 2). Não houve diferença estatística nos perfis de suscetibilidade antimicrobiana entre os isolados derivados de diferentes locais de coleta anatômica.
Distribuição e tendência de perfis de resistência antimicrobiana entre isolados de GBS coletados em Porto Velho, Brasil, de abril de 2018 a março de 2020.
Discussão
Este estudo representa o primeiro esforço para verificar a prevalência da colonização por GBS entre gestantes em Porto Velho, Rondônia, localizada na região amazônica do Brasil. Além disso, avalia as características sociodemográficas e clínicas associadas à colonização por GBS, bem como a suscetibilidade das amostras isoladas aos antimicrobianos comumente empregados no tratamento profilático. A pesquisa sobre o GBS em mulheres grávidas é particularmente significativa devido ao fato de que a colonização vaginal e/ou retal se constitui como o principal fator de risco para a infecção neonatal pelo GBS. Os recém-nascidos, que possuem um sistema imunológico imaturo, são, consequentemente, mais vulneráveis à sepse neonatal, à pneumonia e à meningite causadas pelo GBS.15
Este estudo mostrou uma prevalência de 22,5% de colonização por GBS em mulheres entre 35-37 semanas de gestação. A taxa de colonização por GBS determinada por estudos anteriores em gestantes brasileiras foi de 4,2 a 28,4%.6 A prevalência observada neste estudo estava dentro do limite superior dessa faixa. O Brasil é um país de proporções continentais e possui diferenças sociorregionais intrínsecas que podem explicar a grande variação nas taxas de colonização. Outro fator importante que provavelmente influencia essa variação é a ausência de recomendações oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS) e de diretrizes universais para a triagem de GBS.6, 9
O estudo indicou que as taxas de colonização por GBS materno em gestantes da Rede Pública de Saúde da cidade de Porto Velho foram maiores do que as estimativas mundiais (18% [IC95%= 17%-19%]), mas permanecem dentro das médias regionais (11%-35%). O sul da Ásia e o leste da Ásia apresentaram as menores taxas de colonização por GBS (13% e 11%, respectivamente). A prevalência neste estudo foi maior do que da América do Sul (15,9% [IC95%= 13,5%-18,2%]) e semelhante à da Austrália e Nova Zelândia (23,3%), América do Norte (23,2%), Norte da Europa (22,2%), Leste Europeu (23%) e Norte da África (22,9%).1
A taxa de colonização varia de acordo com a área geográfica, as diferenças genéticas na resposta do hospedeiro, as metodologias de amostragem e o protocolo de processamento adotado para o procedimento de triagem. Além disso, o tempo de coleta durante a gravidez, o uso (ou não) de meios de cultura seletivos enriquecidos e o fato de a metodologia de identificação ser baseada em sorologia, biologia molecular ou testes presuntivos também podem contribuir para a variabilidade relatada em estudos anteriores.15
Além da prevalência geral de colonização, também avaliamos as diferenças na presença de GBS em mulheres grávidas em relação aos locais de coleta e ao tempo de estudo. Não foram observadas flutuações significativas nas taxas gerais de colonização durante o período do estudo, conforme observado anteriormente no Brasil.16 Diferentemente da maioria dos estudos anteriores, que usaram uma técnica de swab combinado, este estudo usou swabs separados para determinar a colonização em diferentes locais anatômicos, permitindo que as taxas fossem estratificadas de acordo com o local de coleta. Uma taxa mais alta de colonização por GBS foi observada na região vaginal, com uma tendência de crescimento acentuado durante o período do estudo. Esses dados indicam uma maior afinidade do GBS com a região vaginal, o que corrobora as descobertas de que o GBS possui inúmeras adesinas e invasinas de superfície que interagem diretamente com o epitélio vaginal e promovem a colonização persistente nesse nicho.17 Estudos anteriores discordaram sobre a superioridade da colonização vaginal em comparação com a colonização retal, sendo essa divergência influenciada pelas características da própria população do estudo, bem como pelo método de identificação usado, citado anteriormente.18, 19
O CDC dos EUA recomenda a triagem universal usando métodos baseados em cultura e o tratamento subsequente com IAP quando a colonização é detectada. Uma abordagem alternativa usa fatores de risco para tomar decisões sobre o tratamento com IAP quando o status de colonização é desconhecido.11 Atualmente, não há consenso internacional sobre qual dessas duas abordagens é mais eficaz. No entanto, vários estudos mostraram uma melhor cobertura profilática de recém-nascidos suscetíveis à doença por GBS usando a triagem por cultura.7, 20, 21 Um estudo anterior mostrou uma queda significativa no risco de desenvolvimento de doença de início precoce entre os recém-nascidos de gestantes triadas em comparação com aqueles tratados de acordo com os fatores de risco.11 Um estudo realizado no Rio de Janeiro, Brasil, relatou que 14% das mulheres sabidamente colonizadas por GBS usando a abordagem baseada em cultura teriam sido excluídas da recomendação da IAP se apenas os fatores de risco tivessem sido considerados.16
Atualmente, o Brasil não adota a triagem universal sistemática e padronizada para mulheres grávidas, apesar das evidências globais de sua eficácia. O CDC demonstrou nos EUA uma redução de 80% na doença início precoce como resultado do tratamento de profilaxia em mulheres grávidas.11 Em países onde não há recomendação para a IAP, há 1,1% de probabilidade de desenvolvimento de doença de início precoce devido à colonização por GBS em gestantes, enquanto em países que adotam a profilaxia o risco cai para 0,03%.22 Entretanto, a IAP não afetou a doença causada por GBS antes do parto ou a doença de início tardio, e há preocupações sobre os efeitos na composição do microbioma neonatal e materno por meio da pressão seletiva e do desenvolvimento de resistência antimicrobiana.15, 23 Como as evidências sugerem, até que mais estratégias preventivas estejam disponíveis, como uma vacina materna contra o GBS, a triagem universal baseada em cultura em conjunto com a IAP continua sendo o protocolo mais eficaz para prevenir a doença neonatal por GBS.2, 5
Neste estudo, os fatores sociodemográficos e obstétricos não foram significativamente associados à colonização por GBS, indicando uma distribuição homogênea da colonização por GBS em gestantes da região, conforme observado em estudos anteriores realizados no Brasil e em outros países.24, 25 Fatores sociodemográficos e obstétricos podem aumentar a probabilidade de colonização por GBS. Estudos anteriores demonstraram que determinados grupos étnicos, idades e condições obstétricas específicas apresentam maior risco de colonização por GBS, bem como fatores de risco associados para o desenvolvimento de doença de início precoce e cepas com perfis hipervirulentos.2, 16, 26 Identificamos uma tendência a uma maior taxa de colonização (embora não estatisticamente significativa) em gestantes com menos de 20 anos de idade. Assim, nossos resultados demonstram a necessidade de triagem universal de mulheres grávidas devido à distribuição homogênea da colonização por GBS em características populacionais amplamente variadas. Isso destaca a importância da vigilância contínua do GBS na região, uma vez que as características associadas à colonização podem mudar com o tempo.
Embora o IAP seja a principal defesa contra a infecção precoce por GBS, foi relatada a não suscetibilidade aos agentes antimicrobianos comumente usados na profilaxia. Nossos resultados mostraram que 14,1% dos isolados eram resistentes à eritromicina e que a taxa de resistência aumentou durante o período do estudo, enquanto 3,5% eram resistentes à clindamicina. Barros27 destacou que a taxa de não suscetibilidade à clindamicina variou de 1,9 a 18,8% e à eritromicina variou de 4 a 25% em estudos brasileiros realizados nas últimas décadas, com um aumento significativo após 2010. Vale ressaltar que, embora o grau de suscetibilidade à eritromicina seja comumente avaliado para GBS, esse antimicrobiano não é mais usado como opção para a IAP devido às suas propriedades farmacocinéticas e ao aumento da resistência.27, 28 Essas tendências temporais na suscetibilidade antimicrobiana mostram a necessidade de vigilância contínua das taxas de resistência para avaliar se esses medicamentos podem ou não ser usados na IAP no contexto local.
O agente antimicrobiano com a maior taxa de resistência observada no presente estudo foi a tetraciclina, que não é recomendada para uso na IAP. No entanto, seus níveis de resistência estão sendo monitorados. Outros estudos realizados no Brasil também relataram altas taxas de resistência a esse agente antimicrobiano.16, 27 Além disso, altas taxas de resistência (>70%) foram relatadas em outros países.25, 29
Todas as amostras de GBS avaliadas foram suscetíveis aos agentes antimicrobianos de primeira escolha, penicilina e ampicilina, bem como às cefalosporinas. Apesar dos relatos de isolados com suscetibilidade reduzida à penicilina em outros países, não há relatos de GBS resistente a β-lactâmicos no Brasil até o momento, o que indica que os antibióticos de primeira linha recomendados para a IAP continuam sendo boas opções para a prevenção da doença neonatal por GBS.24, 27, 30 No entanto, essa informação pode ser subnotificada porque a suscetibilidade reduzida à penicilina não pode ser detectada por métodos de difusão em ágar, mas apenas por testes de concentração inibitória mínima (CIM).27
Como limitação do presente estudo, os resultados relativos ao perfil de suscetibilidade antimicrobiana foram obtidos de 83,3% (85/102) dos isolados recuperados de gestantes. A identificação preliminar e o isolamento das amostras clínicas não foram realizados simultaneamente com a caracterização dos isolados, portanto, algumas cepas de GBS foram perdidas durante o período de armazenamento, situação já descrita.16 Apesar da alta sensibilidade e especificidade do ensaio de PCR usado para identificar o GBS, a falta de confirmação da cultura de todos os resultados de PCR (tanto positivos quanto negativos) e a não utilização do CIM para determinar a suscetibilidade reduzida à penicilina também são reconhecidas como possíveis limitações do estudo.
Os achados deste estudo enfatizam a importância de identificar a colonização materna por GBS na região local como um meio de diminuir os casos de infecção neonatal causada por patógenos bacterianos, devido à sua prevalência na região. Além disso, os estudos que continuam a avançar na compreensão dos fatores epidemiológicos, da virulência e da suscetibilidade antimicrobiana dos isolados de GBS de gestantes e neonatos dos estados amazônicos do Brasil são cruciais para o desenvolvimento de técnicas de vigilância e prevenção direcionadas ao GBS.
Este é o primeiro estudo a investigar a colonização por GBS nessa região. Este estudo revelou a prevalência de colonização por GBS em gestantes da Rede Pública de Saúde de Porto Velho, Rondônia, utilizando metodologias microbiológicas e moleculares. Não houve associação entre as características sociodemográficas e clínicas e a colonização, o que reforça a necessidade de exames uniformes em todas as gestantes entre a 36ª e a 37ª semanas de gestação. Além disso, embora os isolados tenham apresentado uma alta taxa de resistência à tetraciclina e à eritromicina, eles também mostraram alta suscetibilidade aos antimicrobianos de primeira linha usados na profilaxia. Considerando que o Brasil não adota uma triagem universal sistemática e padronizada, apesar das evidências globais de sua eficácia, este estudo fornece dados cruciais para a elaboração de estratégias para prevenir a infecção invasiva por GBS e, consequentemente, minimizar a mortalidade e a morbidade causadas por esse patógeno no Brasil.
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Editor Associado: Leila Katz
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
27 Fev 2023 -
Revisado
04 Jun 2024 -
Aceito
19 Jun 2024