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Identificação de padrões alimentares por análise de componentes principais em escolares do sul do Brasil e fatores associados

Resumo

Objetivos:

identificar padrões alimentares (PA) e fatores associados em escolares do primeiro ano do ensino fundamental de escolas municipais do sul do Brasil.

Métodos:

estudo transversal, de base escolar, com uma amostra não-probabilística de 782 escolares, de 6 a 8 anos. A ingestão alimentar foi avaliada por questionário de frequência alimentar. Os PA foram identificados através da análise de componentes princi-pais e razões de prevalência foram obtidas por regressão de Poisson com variância robusta.

Resultados:

foram identificados quatro PA que explicaram 25.3% da variância total: “frutas, verduras e peixe” (8,5%), “doces e salgadinhos” (7.0%); “laticínios, presunto e biscoitos” (5.0%) e “comum brasileiro” (4.8%). Após ajuste, hábito de realizar desjejum e baixa frequência de refeições em frente à tela aumentaram a probabilidade de adesão ao consumo elevado do PA “frutas, verduras e peixe”. Escolaridade materna associou-se linear-mente e inversamente com o PA “doces e salgadinhos” e “comum brasileiro”, e positiva-mente com o PA “laticínios, presunto e biscoitos”. Escolares com insegurança alimentar e suficientemente ativos apresentaram maior probabilidade de adesão ao PA “comum brasileiro”.

Conclusões:

identificaram-se quatro PA e foram observadas associações com insegu-rança alimentar, características socioeconômicas maternas e características comportamen-tais dos escolares.

Palavras-chave:
Comportamento alimentar; Criança; Análise de componente principal

Abstract

Objectives:

to identify dietary patterns (DP) and associated factors in first grade school-children in elementary schools in the South of Brazil.

Methods:

school-based cross-sectional study, with a non-probabilistic sample of 782 schoolchildren aged 6 to 8. Food intake was assessed by a food frequency questionnaire. DP were identified using the principal component analysis and the prevalence ratios were obtained by Poisson regression with a robust variance.

Results:

four DP were identified and accounted for 25.3% of the total variance: "fruit, vegetables and fish" (8.5%), "sweets and salty snacks" (7.0%), "dairy, ham and biscuits" (5.0%) and "common Brazilian food" (4.8%). After the adjustment, breakfast habit and lower frequency of meals in front of a screen increased the probability of adherence to a high consumption of DP of "fruit, vegetables and fish". The maternal schooling level was linearly and inversely associated with DP of "sweets and salty snacks" and "common Brazilian food", and positively related to the DP of "dairy, ham and biscuits". Schoolchildren with food inse-curity and sufficiently active had higher probability of adherence to DP of "common Brazilian food".

Conclusions:

four DP were identified and associated with food insecurity, maternal socioeconomic characteristics and schoolchildren’s behavioral characteristics.

Key words:
Feeding behavior; Child; Principal components analysis

Introdução

Os hábitos alimentares durante a infância têm papel significativo no crescimento e desenvolvimento. Este é um período importante para orientações educacionais, uma vez que os padrões alimentares começam a ser estabelecidos e podem ser mantidos durante a adolescência e a vida adulta.1 No Brasil, dados recentes mostram um consumo insuficiente de vegetais e sua associação com o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados.22 Canella DS, Louzada MLC, Claro RM, Costa JC, Bandoni DH, Levy RB, Martins APB. Consumo de hortaliças e sua relação com os alimentos ultraprocessados no Brasil. Rev Saúde Pública. 2018; 52: 50.Além disso, a literatura sugere que os padrões alimentares com alto teor de gordura, baixo teor de fibras e alta densidade energética aumentam o risco de sobrepeso e obesidade.33 Kumar S, Kelly AS. Review of Childhood Obesity: From Epidemiology, Etiology, and Comorbidities to Clinical Assessment and Treatment. Mayo Clin Proc. 2017; 92 (2): 251-65.

Estudos realizados em diferentes países, como México,44 Galvan-Portillo M, Sánchez E, Cárdenas-Cárdenas LM, Karam R, Claudio L, Cruz M, Burguete-García A. Dietary patterns in Mexican children and adolescents: Characterization and relation with socioeconomic and home environment factors. Appetite. 2018; 121: 275-84.China55 Zhen S, Ma Y, Zhao Z, Yang X, Wen D. Dietary pattern is associated with obesity in Chinese children and adoles-cents: data from China Health and Nutrition Survey (CHNS). Nutr J. 2018; 17 (1): 68.e Nova Zelândia,66 Saeedi P, Black KE, Haszard JJ, Skeaff S, Stoner L, Davidson B, Harrex HA, Meredith-Jones K, Quigg R, Wong JE, Skidmore PML. Dietary Patterns, Cardiorespiratory and Muscular Fitness in 9-11-Year-Old Children from Dunedin, New Zealand. Nutrients. 2018; 10 (7):887.descreveram diferentes padrões alimentares em crianças, mas é comum a presença de padrões considerados não saudáveis. No Brasil, recentemente, alguns estudos77 Souza RLV, Madruga SW, Gigante DP, Santos IS, Barros AJD, Assunção MCF. Padrões alimentares e fatores associ-ados entre crianças de um a seis anos de um município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (12): 2416-26.

8 Santos NHA, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RCR. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (10): 2235-45.

9 Lobo AS, Assis, MAA, Leal DB, Borgatto AF, Vieira FK, Pietro PF, et al. Empirically derived dietary patterns through latent profile analysis among Brazilian children and adolescents from Southern Brazil, 2013-2015. PLoS ONE. 2019; 14 (1): e0210425.
-1010 Santos LP, Assunção MCF, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD. Dietary intake patterns of children aged 6 years and their association with socioeconomic and demo-graphic characteristics, early feeding practices and body mass index. BMC Public Health. 2016; 16: 1055. 11 Vicenzi K, Henn RL, Weber AP, Backes V, Paniz VMV, Donatti T, Olinto MTA. Insegurança alimentar e excesso de peso em escolares do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede municipal de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (5): 1084-94. investigaram padrões alimentares derivados empiricamente em crianças em idade escolar; entretanto, a literatura ainda é escassa. A maioria desses estudos brasileiros analisou padrões alimentares apenas com o nível socioeconómico das famílias, algumas variáveis maternas, características demográficas e índice de massa corporal dos estu-dantes.77 Souza RLV, Madruga SW, Gigante DP, Santos IS, Barros AJD, Assunção MCF. Padrões alimentares e fatores associ-ados entre crianças de um a seis anos de um município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (12): 2416-26.>88 Santos NHA, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RCR. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (10): 2235-45.>1010 Santos LP, Assunção MCF, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD. Dietary intake patterns of children aged 6 years and their association with socioeconomic and demo-graphic characteristics, early feeding practices and body mass index. BMC Public Health. 2016; 16: 1055. 11 Vicenzi K, Henn RL, Weber AP, Backes V, Paniz VMV, Donatti T, Olinto MTA. Insegurança alimentar e excesso de peso em escolares do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede municipal de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (5): 1084-94.De maneira geral, os resultados indicam que os padrões alimentares são influenciados pelo nível socioeconómico. Maior renda familiar e maior escolaridade materna estão associadas ao maior consumo de padrões alimentares saudáveis (frutas e verduras) e ao menor consumo de padrões denominados “lanches”.77 Souza RLV, Madruga SW, Gigante DP, Santos IS, Barros AJD, Assunção MCF. Padrões alimentares e fatores associ-ados entre crianças de um a seis anos de um município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (12): 2416-26.,1010 Santos LP, Assunção MCF, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD. Dietary intake patterns of children aged 6 years and their association with socioeconomic and demo-graphic characteristics, early feeding practices and body mass index. BMC Public Health. 2016; 16: 1055. 11 Vicenzi K, Henn RL, Weber AP, Backes V, Paniz VMV, Donatti T, Olinto MTA. Insegurança alimentar e excesso de peso em escolares do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede municipal de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (5): 1084-94.Estudo recente realizado no sul do Brasil encontrou associação entre padrão alimentar e nível de atividade física.99 Lobo AS, Assis, MAA, Leal DB, Borgatto AF, Vieira FK, Pietro PF, et al. Empirically derived dietary patterns through latent profile analysis among Brazilian children and adolescents from Southern Brazil, 2013-2015. PLoS ONE. 2019; 14 (1): e0210425.No entanto, a associação entre padrão alimentar e características comportamentais de escolares, por exemplo: hábito de tomar café da manhã, consumo de alimentos em frente à tela e nível de atividade física poderia ser mais explorada.

Considerando a importância de desenvolver e manter hábitos alimentares saudáveis, a identificação de padrões alimentares e seus determinantes em crianças pode fornecer informações para nortear intervenções e políticas públicas na área de alimentação e nutrição. O presente estudo teve como objetivo identificar padrões alimentares e fatores associados em escolares do primeiro ano do ensino fundamental de escolas municipais de São Leopoldo, RS, Brasil.

Métodos

Este estudo utilizou o banco de dados do projeto Adesão aos "10 passos da alimentação saudável para crianças" entre escolares do primeiro ano de escolas municipais de ensino fundamental de São Leopoldo, RS, estudo transversal de base escolar, realizado entre maio e dezembro de 2011. São Leopoldo, com área de 102.738 km22 Canella DS, Louzada MLC, Claro RM, Costa JC, Bandoni DH, Levy RB, Martins APB. Consumo de hortaliças e sua relação com os alimentos ultraprocessados no Brasil. Rev Saúde Pública. 2018; 52: 50., está localizada na região do Vale do Rio dos Sinos e integra a região metropolitana de Porto Alegre. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, tem uma população estimada de 229.678 habitantes.

Os detalhes da metodologia estão descritos em Vicenzi et al.1111 Vicenzi K, Henn RL, Weber AP, Backes V, Paniz VMV, Donatti T, Olinto MTA. Insegurança alimentar e excesso de peso em escolares do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede municipal de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (5): 1084-94. Resumidamente, no início do ano letivo, todos os escolares do primeiro ano (2.369) foram convidados a participar do estudo. No entanto, apenas 847 escolares, cujas mães aceitaram participar, foram incluídos. Dezesseis deles foram excluídos por fazerem dieta especial, 18 por falta de dados acima de 30% no questionário de frequência alimentar (QFA) e 31 por falta de avaliação antropométrica, resultando em 782 indivíduos. Com esse tamanho de amostra, o estudo teve poder estatístico de 80% para identificar razões de prevalência significativas de 1,4 ou mais, para exposições que afetam 34,7% a 45,1% da população, com nível de confiança de 95%. Para a análise de componentes principais (ACP), o tamanho da amostra foi três vezes maior do que o número mínimo necessário: são recomendadas cinco observações (indivíduos) para cada variável (itens alimentares do QFA).1212 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.Neste estudo, 44 tipos de alimentos foram incluídos no QFA, exigindo um total de 220 indivíduos.

Estudantes de graduação da área da saúde treinados aplicaram questionário estruturado, padronizado e pré-codificado às mães / responsáveis, após estudo piloto. Cerca de 40% das entrevistas foram realizadas nas escolas e as demais nos domicílios, devido à baixa adesão das mães.

As informações de consumo alimentar foram obtidas por meio de um QFA qualitativo elaborado com base nos grupos de alimentos e frequência de consumo do formulário "Marcadores de Consumo Alimentar" do "Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional" brasileiro.1313 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN na assistência à saúde. Brasília, DF; 2008.Nesse formulário, os marcadores são apresentados como grupos de alimentos, mas devido às dificuldades das mães / responsáveis em responder sobre os alimentos combinados no estudo piloto, eles foram separados como alimentos individuais. Por exemplo, "salada crua" e "vegetais cozidos" foram separados em alface, repolho, tomate, pepino, couve, abóbora, chuchu, cenoura e beterraba. Além disso, alimentos como arroz, milho, mandioca, batata, macarrão, pães, queijo, carne, frango, peixe, ovo, margarina, manteiga e suco em pó foram incluídos no QFA. Esses alimentos fazem parte dos hábitos alimentares locais, conforme evidenciado por estudo sobre o padrão alimentar de mulheres adultas da mesma cidade.1414 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 2006; 40(5):865-73.O questionário perguntava sobre quantos dias o alimento foi consumido na semana anterior à entrevista (0 a 7 dias da semana), totalizando 44 tipos de alimentos (Tabela 1).

Tabela 1
Alimentos incluídos no Questionário de Frequência Alimentar (QFA). São Leopoldo, RS, Brasil, 2011.

As variáveis demográficas e socioeconómicas incluídas neste estudo foram: sexo (masculino / feminino); idade das mães / responsáveis (20-29 anos; 30-39 anos e > 40 anos); classe económica, definida de acordo com os Critérios de Classificação Económica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (classes A-E), e escolaridade das mães / responsáveis (< 5; 6 a 10 e > 11 anos de estudo). A variável Insegurança Alimentar (IA) foi mensurada com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, adaptada e validada no Brasil em 2004.1515 Segall-Corrêa AM, Marin-Leon L. A Segurança Alimentar no Brasil Proposição e Usos da Escala Brasileira de Medida da Insegurança Alimentar (EBIA) 2003 a 2009. Segur Aliment Nutr. 2009; 16 (2): 1-19.Essa escala inclui questões como preocupação com a falta de alimentos, comprometimento da qualidade alimentar ou experiência de fome entre adultos e crianças, nos três meses anteriores à entrevista. As respostas negativas e positivas foram pontuadas como 0 (zero) e 1 (um) respectivamente, resultando em uma pontuação que varia de 0 a 15 pontos. A soma das pontuações resultantes foi classificada em 0 (zero) - segurança alimentar; 1 a 5 - IA leve; 6 a 10 - IA moderado; e 11 a 15 - IA grave. Para análise de associação, a variável IA foi dicotomizada em Não (zero pontos) e Sim (1 a 15 pontos).

As variáveis comportamentais analisadas foram: hábito do desjejum (Sim / Não); comer na frente da TV, videogame ou computador (Freqüentemente; Às vezes e Nunca); comportamento sedentário, determinado pelo número de horas gastas assistindo TV, jogando videogame ou no computador (> 2 horas / dia e < 2 horas / dia)1616 Anderson SE, Economos CD, Must A. Active play and screen time in US children aged 4 to 11 years in relation to sociodemographic and weight status characteristics: a nationally representative cross-sectional analysis. BMC Public Health. 2008; 8: 366.; e nível de atividade física, com base no número de dias da semana anterior à entrevista em que a criança realizou atividades como correr, andar de bicicleta, pular corda, jogar futebol ou qualquer outra que a fizesse suar ou respirar com mais dificuldade do que o normal (suficiente - fazer essas atividades diariamente; insuficiente - exercícios <7 dias por semana).1616 Anderson SE, Economos CD, Must A. Active play and screen time in US children aged 4 to 11 years in relation to sociodemographic and weight status characteristics: a nationally representative cross-sectional analysis. BMC Public Health. 2008; 8: 366.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Etica em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (protocolo número CEP 11/013). As mães / responsáveis pelos escolares só responderam à entrevista após leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os padrões alimentares foram identificados por ACP, uma técnica multivariada estabelecida para reduzir os dados de consumo de alimentos a um número menor de fatores subjacentes ou padrões alimentares.1212 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.Previamente à realização da ACP, avaliou-se a adequação dos dados com base no valor do teste de esfericidade de Bartlett (homogeneidade de variância) e Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). Os fatores extraídos foram submetidos à transformação ortogonal (Varimax) para alcançar uma estrutura mais simples e com maior interpretabilidade. O número de fatores (padrões) a serem retidos foi determinado pelo gráfico de variância(screen plot),autovalor >1 e a interpretabilidade de cada componente.1212 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.Os alimentos com cargas fatoriais absolutas >0,30 foram considerados como contribuindo significativamente para um determinado fator (padrão).1212 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.

Os padrões foram nominados de acordo com os alimentos com as maiores cargas fatoriais, em cada um deles.

A análise gerou escores fatoriais, que foram registrados para cada participante do estudo. Os escores representam a soma das cargas para cada fator ponderado pelo autovalor do fator e multiplicado pela ingestão padronizada dos grupos de alimentos de cada indivíduo. Eles representam variáveis padronizadas com média zero e desvio padrão igual a um. Os escores de cada padrão foram categorizados em quartis.1414 Alves ALS, Olinto MTA, Costa JSD, Bairros FS, Balbinotti MAA. Padrões alimentares de mulheres adultas residentes em área urbana no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública. 2006; 40(5):865-73.

No presente estudo, o padrão alimentar foi considerado uma variável dicotômica: os três primeiros quartis formaram a categoria "baixa adesão" e o quarto quartil a categoria "alta adesão", pois quanto maior o escore, maior a adesão ao padrão.1212 Hair Jr. JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6 ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.

A regressão de Poisson com variância robusta foi utilizada nas análises bivariadas e multivariadas para estimar as razões de prevalência (RP) e IC95% para o alto consumo de cada padrão. Variáveis com valor dep<0,20 na análise bivariada foram incluídas na análise multivariada. Essa análise foi realizada com base em um modelo conceitual de determinação, estabelecido a priori, com dois níveis: nível I, que incluiu variáveis demográficas e socioeconômicas (sexo; idade das mães; nível econômico e escolaridade das mães), e nível II, que incluiu IA e variáveis comportamentais (hábito de desjejum; refeições em frente à tela; comportamento sedentário e nível de atividade física). As variáveis de primeiro nível foram ajustadas entre si e os potenciais confundidores (p<0,20) foram mantidos para o ajuste do segundo nível. Foi adotado nível de significância <5% (todos os testes foram bicaudais). O nível de significância foi testado por meio dos testes de Wald para heterogeneidade e tendência linear.

OsoftwareIBM SPSS versão 21.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos) foi usado para análise descritiva e análise de componentes principais. O programa Stata versão 9.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) foi utilizado para verificar as associações entre as variáveis independentes e cada padrão alimentar.

Resultados

A maioria dos escolares era do sexo masculino (52,9%) e pertencia à classe econômica D (59,4%). A média de idade foi de 6,9 ± 0,5 anos e IA esteve presente em 45,1% da amostra. A maioria das mães / responsáveis tinha menos de 40 anos (77,2%) e 39,8% delas tinham de 6 a 10 anos de estudo. A análise das variáveis comportamentais mostrou que a maioria dos escolares tomava café da manhã diariamente (81,2%), fazia refeições em frente à tela com frequência ou às vezes (57,5%), era insuficientemente ativo (59,1%) e apresentava comportamento sedentário (83,1%) (Tabela 2).

Tabela 2
Características maternas, demográficas, socioeconômicas, comportamentais e de insegurança alimentar de escolares do primeiro ano matriculados no ensino fundamental de São Leopoldo, RS, Brasil, 2011. (N=782)

O valor do coeficiente KMO de 0,78 e o teste de esfericidade de Bartlett com valor dep<0,001 indicaram que a ACP foi adequada. Quatro padrões foram extraídos e juntos explicaram 25,3% da variância total na ingestão alimentar. As cargas fato-riais e a variância explicada por cada padrão são apresentadas na Tabela 3. O primeiro padrão, denominado "frutas, verduras e peixe", foi composto por diferentes verduras, frutas, salada de frutas e peixe e foi o mais representativo do consumo alimentar dessa população, respondendo por 8,5% da variância total. O segundo padrão, "doces e salgadinhos", foi composto basicamente por alimentos industrializados como salsichas, biscoitos, salgadinhos, doces e refrigerantes, respondendo por 7% da variância total. O terceiro padrão foi denominado "laticínios, presunto e biscoitos", e o último, composto por alimentos tipicamente brasileiros, por exemplo: feijão, arroz, pães, margarina e outros, foi denominado "comum brasileiro". Esses dois padrões foram responsáveis por 5% e 4,8% da variância total, respectivamente.

Tabela 3
Cargas fatoriais* * Cargas fatoriais ≥ 0,30 estão em negrito. dos alimentos nos padrões alimentares observados, em escolares do primeiro ano matriculados no ensino fundamental de São Leopoldo, RS, Brasil, 2011. (N=782)

Análises brutas e ajustadas para todos os padrões alimentares são apresentadas nas Tabelas 4 e 5. Após o ajuste, a probabilidade de alta adesão ao padrão "frutas, verduras e peixe" foi 57% maior em escolares que nunca fizeram refeições em frente à tela e foi 55% maior entre os escolares que faziam o desjejum. As variáveis que permaneceram significativamente associadas ao padrão alimentar "doces e salgadinhos" foram escolaridade materna, refeições em frente à tela e nível de atividade física. Assim, a probabilidade de adesão foi 68% maior em escolares de mães com < 5 anos de estudo em comparação àqueles cujas mães tinham > 11 anos de estudo; 57% maior entre os que faziam refeições em frente à tela com frequência em relação aos que nunca tiveram esse comportamento e 41% menor entre os escolares insuficientemente ativos em comparação com os ativos. Quanto ao padrão "laticínios, presunto e biscoitos", houve maior probabilidade de adesão entre os escolares de mães com > 11 anos de estudo (RP = 1,59; IC95% = 1,05-2,43). Por fim, o padrão "comum brasileiro" foi mais provável entre escolares cujas mães tinham menor escolaridade, em escolares com IA e naqueles suficientemente ativos.

Tabela 4
Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas de consumo elevado dos padrões alimentares "Frutas, verduras e peixe" e "Doces e salgadinhos", segundo variáveis socioeconômicas e comportamentais de escolares do primeiro ano matriculados no ensino fundamental de São Leopoldo, RS, Brasil, 2011. (N=782)
Tabela 5
Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas de consumo elevado dos padrões alimentares "Laticínios, presunto e biscoitos" e "Comum brasileiro", segundo variáveis socioeconômicas e comportamentais de escolares do primeiro ano matriculados no ensino fundamental de São Leopoldo, RS, Brasil, 2011. (N=782)

Discussão

Este estudo identificou quatro padrões alimentares entre os escolares, os quais explicaram 25,3% da variância total do consumo alimentar. As variáveis que permaneceram significativamente associadas aos padrões, após o ajuste, foram escolaridade materna, IA, hábito de tomar café da manhã, fazer refeições em frente à tela e nível de atividade física. A variância explicada de 25,3% é consistente com outros estudos que identificaram de três a quatro padrões alimentares em crianças e adolescentes.1717 Vieira DAS, Castro MA, Fisberg M, Fisberg RM. Nutritional quality of dietary patterns of children: are there differences inside and outside school?. J Pediatr. 2017; 93 (1):47-57.,1818 Zhang J, Wang H, Wang Y, Xue H, Wang Z, Du W, Su C, Zhang J, Jiang H, Zhai F, Zhang B. Dietary patterns and their associations with childhood obesity in China. Br J Nutr. 2015; 113 (12): 1978-84.

Padrões alimentares saudáveis compostos basicamente por frutas e vegetais, bem como padrões não saudáveis, geralmente incluindo alimentos processados, industrializados, também foram encontrados em outros estudos realizados com crianças, tanto no Brasil88 Santos NHA, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RCR. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (10): 2235-45.,1010 Santos LP, Assunção MCF, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD. Dietary intake patterns of children aged 6 years and their association with socioeconomic and demo-graphic characteristics, early feeding practices and body mass index. BMC Public Health. 2016; 16: 1055. 11 Vicenzi K, Henn RL, Weber AP, Backes V, Paniz VMV, Donatti T, Olinto MTA. Insegurança alimentar e excesso de peso em escolares do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede municipal de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (5): 1084-94.quanto em outros países.66 Saeedi P, Black KE, Haszard JJ, Skeaff S, Stoner L, Davidson B, Harrex HA, Meredith-Jones K, Quigg R, Wong JE, Skidmore PML. Dietary Patterns, Cardiorespiratory and Muscular Fitness in 9-11-Year-Old Children from Dunedin, New Zealand. Nutrients. 2018; 10 (7):887.,1919 . Pérez-Rodrigo C, Gil A, González-Gross M, Ortega RM, Serra-Majem L, Varela-Moreiras G, Aranceta-Bartrina J. Clustering of Dietary Patterns, Lifestyles, and Overweight among Spanish Children and Adolescents in the ANIBES Study. Nutrients. 2016; 8 (1): 11.

A presença de padrões alimentares não saudáveis em crianças poderia explicar o atual aumento da obesidade e do risco cardiometabólico nessa popu-lação.55 Zhen S, Ma Y, Zhao Z, Yang X, Wen D. Dietary pattern is associated with obesity in Chinese children and adoles-cents: data from China Health and Nutrition Survey (CHNS). Nutr J. 2018; 17 (1): 68.,88 Santos NHA, Fiaccone RL, Barreto ML, Silva LA, Silva RCR. Association between eating patterns and body mass index in a sample of children and adolescents in Northeastern Brazil. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (10): 2235-45.,1818 Zhang J, Wang H, Wang Y, Xue H, Wang Z, Du W, Su C, Zhang J, Jiang H, Zhai F, Zhang B. Dietary patterns and their associations with childhood obesity in China. Br J Nutr. 2015; 113 (12): 1978-84.Esses dados indicam a importância de uma promoção permanente da alimentação saudável, principalmente no ambiente escolar.

Cargas fatoriais11 Movassagh EZ, Baxter-Jones ADG, Kontulainen S, Whiting SJ, Vatanparast H. Tracking Dietary Patterns over 20 Years from Childhood through Adolescence into Young Adulthood: The Saskatchewan Pediatric Bone Mineral Accrual Study. Nutrients. 2017; 9: 990.dos alimentos nos padrões alimentares observados, em escolares do primeiro ano matriculados no ensino fundamental de São Leopoldo, RS, Brasil, 2011. (N=782)

Em relação ao padrão "comum brasileiro", uma pesquisa realizada com crianças de Pelotas, RS (Brasil) identificou um padrão muito semelhante a este, denominado "tradicional".77 Souza RLV, Madruga SW, Gigante DP, Santos IS, Barros AJD, Assunção MCF. Padrões alimentares e fatores associ-ados entre crianças de um a seis anos de um município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (12): 2416-26.Em ambos os estudos, os padrões incluíram arroz, feijão, margarina e pão. Esses resultados indicam que a combinação "arroz e feijão" ainda faz parte da cultura alimentar brasileira, apesar das mudanças nos padrões alimentares caracterizadas pelo crescente consumo de alimentos ultraprocessados e industria-lizados.2020 Bielemann RM, Motta JVS, Minten GC, Horta BL, Gigante DP. Consumo de alimentos ultraprocessados e impacto na dieta de adultos jovens. Rev Saúde Pública. 2015; 49: 28.

Outro objetivo deste trabalho foi identificar os fatores associados ao alto consumo de cada padrão alimentar. Esse propósito baseou-se em evidências sobre a influência de fatores culturais, sociais, econômicos e de estilo de vida na determinação e caracterização dos hábitos alimentares.44 Galvan-Portillo M, Sánchez E, Cárdenas-Cárdenas LM, Karam R, Claudio L, Cruz M, Burguete-García A. Dietary patterns in Mexican children and adolescents: Characterization and relation with socioeconomic and home environment factors. Appetite. 2018; 121: 275-84.

A menor escolaridade materna foi associada ao padrão "doces e salgadinhos". Esse achado é consistente com a literatura mostrando que níveis mais baixos de escolaridade materna podem ser um fator de risco para padrões alimentares não saudáveis.44 Galvan-Portillo M, Sánchez E, Cárdenas-Cárdenas LM, Karam R, Claudio L, Cruz M, Burguete-García A. Dietary patterns in Mexican children and adolescents: Characterization and relation with socioeconomic and home environment factors. Appetite. 2018; 121: 275-84.Tanto a maior probabilidade de consumo do padrão "laticínios, presunto e biscoitos", quanto a menor probabilidade de consumo do padrão "comum brasileiro" entre crianças com mães mais escolarizadas poderia ser explicado pelo custo dos alimentos que compõem esses padrões, uma vez que o nível de escolaridade é indicativo do nível econômico das famílias. Dessa forma, maior escolaridade materna implicaria na aquisição de alimentos mais caros, e menor escolaridade estaria relacionada a alimentos mais baratos, como os dos padrões "laticínios, presunto e biscoitos" e "comum brasileiro", respectivamente.2121 Darmon N, Drewnowski A. Does social class predict diet quality? Am J Clin Nutr. 2008; 87 (5): 1107-17.Além disso, maior escolaridade resulta em mais informações, o que pode aumentar a capacidade de escolhas alimentares mais saudáveis e diminuir a vulnerabilidade às influências da publicidade.2222 Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira. 2 ed. Brasília, DF; 2014.

A variável IA relacionou-se apenas com o padrão "comum brasileiro", portanto, maior adesão a esse padrão foi mais provável entre as crianças com IA. Famílias nessa condição apresentam maior vulnerabilidade econômica2323 Facchini LA, Nunes BP, Motta JVS, Tomasi E, Silva SM, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Dilélio AS, Saes MO, Miranda VIA, Volz PM, Osório A, Fassa AG. Insegurança alimentar no Nordeste e Sul do Brasil: magnitude, fatores associados e padrões de renda per capita para redução das iniquidades. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (1): 161-74.e, por consequência, consomem alimentos mais baratos, que estão incluídos nesse padrão. Investigações do perfil de consumo alimentar diário de famílias brasileiras afetadas por IA constataram menor consumo de alimentos mais caros, como carne, leite e derivados do leite, frutas e hortaliças.2424 Morais DC, Dutra LV, Franceschini SCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19 (5): 1475-88.Esse padrão foi mais pronunciado nos casos de IA moderada e grave, sugerindo que essa condição é um determinante importante do padrão alimentar.

A associação encontrada entre tomar café da manhã com o padrão alimentar "frutas, verduras e peixe" mostra que esse hábito é uma contribuição positiva para a alimentação dos escolares. Como uma das três principais refeições diárias, tomar café da manhã é adequado e está associado à ingestão de alimentos saudáveis.2525 Afeiche MC, Taillie LS, Hopkins S, Eldridge AL, Popkin BM. Breakfast Dietary Patterns among Mexican Children Are Related to Total-Day Diet Quality. J Nutr. 2017; 147 (3):404-12.

A baixa frequência de refeições em frente à tela foi associada à alta adesão do padrão "frutas, verduras e peixe" e fator de proteção para o alto consumo dos "doces e salgadinhos", consistente com relatos da literatura nacional2626 Oliveira JS, Barufaldi LA, Abreu GA, Leal VS, Brunken GS, Vasconcelos SML, Santos MM, Bloch KV. ERICA: use of screens and consumption of meals and snacks by Brazilian adolescents. Rev Saúde Pública. 2016; 50 (Suppl. 1): 7s.e internacional.2727 Emond JA, Bernhardt AM, Gilbert-Diamond D, Li Z, Sargent JD. Commercial TV exposure, fast-food toy collecting and family visits to fast food restaurants among families living in rural communities. J Pediatr. 2016; 168: 158-63.A propaganda na televisão de alimentos e doces com alto teor de gordura está atingindo níveis excessivos. Esse tipo de publicidade afeta as escolhas alimentares das crianças, conforme observado em estudo com escolares que mostrou associação entre sentir atração por um produto anunciado e sua aquisição.2727 Emond JA, Bernhardt AM, Gilbert-Diamond D, Li Z, Sargent JD. Commercial TV exposure, fast-food toy collecting and family visits to fast food restaurants among families living in rural communities. J Pediatr. 2016; 168: 158-63.Essa evidência reforça a importância de estimular o hábito de fazer as refeições à mesa, junto aos familiares, prática que pode construir padrões alimentares mais saudáveis ao longo da vida.2828 Tosatti AM, Ribeiro LW, Machado RHV, Maximino P, Bozzini AB, Ramos CC, Fisberg M. Does family mealtime have a protective effect on obesity and good eating habits in young people? A 2000-2016 review. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017; 17 (3): 425-34.Além disso, a quantidade de um produto alimentar consumido em frente à tela pode não ser totalmente reconhecida, levando ao consumo excessivo e consequentemente a uma maior probabilidade de sobrepeso.2929 Kneipp C, Habitzreuter F, Mezadri T, Höfelmann DA. Excesso de peso e variáveis associadas em escolares de Itajaí, Santa Catarina, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2015; 20(8):2411-22.Segundo o novo guia alimentar para a população brasileira, o hábito de comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e na companhia de amigos ou familiares estimula padrões alimentares saudáveis.2222 Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira. 2 ed. Brasília, DF; 2014.

A variável nível de atividade física associou-se apenas aos padrões alimentares "doces e salgadinhos" e "comum brasileiro". A relação entre o padrão "doces e salgadinhos" e o nível de atividade física não foi na direção esperada, pois se acreditava que escolares insuficientemente ativos seguiriam esse padrão alimentar. A literatura tem mostrado que adolescentes com consumo inadequado de frutas e hortaliças têm maior chance de serem insuficientemente ativos quando comparados aos adolescentes com consumo mais frequente desses alimentos, concluindo que hábitos saudáveis, como consumo adequado de frutas e hortaliças e atividade física, estão associados.3030 Sharma B, Chavez RC, Nam EW. Prevalence and correlates of insufficient physical activity in school adolescents in Peru. Rev Saúde Pública. 2018; 52: 51.É importante ressaltar que as informações sobre a prática de atividade física dos escolares foram transmitidas pelas mães, que podem ter superestimado o nível de atividade dos filhos.

Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. Não foi possível investigar todos os escolares matriculados na primeira série do ensino fundamental da rede pública conforme planejado. Uma comparação entre os que participaram do estudo e os que não participaram mostrou uma pequena diferença, mas estatisticamente significativa, na média de idade dos escolares (6,9 ± 0,5 anos vs. 6,7 ± 0,4 anos); e maior proporção de meninos entre os escolares incluídos no estudo (52,9%) do que nos demais (49,1%). Embora as diferenças entre os grupos não sejam de grande magnitude, é possível que outros padrões alimentares fossem identificados entre os escolares não estudados, de modo que o viés de seleção não pode descartado.

Outra limitação diz respeito ao método de avaliação da ingestão alimentar, que foi baseado em instrumento utilizado pelo sistema de vigilância nutricional. Embora outros alimentos tenham sido acrescentados à lista do instrumento original, é possível que o QFA não abordasse alguns dos alimentos normalmente consumidos pelos escolares. Esse pode ser o motivo da baixa variância explicada pelos padrões. Erros de recordação em relação às informações sobre o consumo alimentar e a atividade física das crianças, fornecidas pelas mães / responsáveis, também podem ser considerados uma limitação do nosso estudo. No entanto, as crianças da faixa etária estudada (6 a 8 anos) ainda não têm capacidade para responder a um inquérito alimentar e relatar atividades físicas estruturadas. A avaliação do consumo alimentar é uma tarefa complexa, com muitos fatores que podem dificultar a obtenção dos dados de ingestão do indivíduo, principalmente quando se utiliza um informanteproxy.Outro aspecto que deve ser levado em consideração na análise dos resultados deste estudo é a natureza da análise de componentes principais. Nesse tipo de análise, o pesquisador toma decisões como definir quais variáveis entrarão na análise, o número de fatores a ser considerado e que tipo de método de rotação usar. A natureza arbitrária dessas decisões pode afetar a reprodutibilidade dos padrões alimentares encontrados no presente estudo em outros contextos. Por fim, o delinemanto transversal é outra limitação, uma vez que não permite o estabelecimento da temporalidade entre a exposição e o desfecho, entretanto, permite o estudo de associações.

Apesar dessas limitações, este estudo tem pontos fortes importantes que devem ser considerados. Primeiramente, destacamos a identificação de padrões alimentares, por meio da ACP, em uma faixa etária em que estudos com essa abordagem são escassos no Brasil. Em segundo lugar, os padrões alimentares podem expressar melhor a complexidade da dieta e isso pode ser mais relevante para as escolhas alimentares do que abordagens baseadas em alimentos e / ou nutrientes isolados. Por fim, as associações dos padrões alimentares com características sociodemográficas e comportamentais auxiliam na definição de políticas de promoção da saúde e contribuem para um melhor entendimento da relação entre dieta e risco de doenças.

Este estudo identificou quatro padrões alimentares na amostra e mostrou que aspectos socioeconómicos e fatores comportamentais estão distintamente associados a cada padrão. Considerando a complexidade envolvida na determinação dos hábitos alimentares, mais estudos com diferentes abordagens são necessários para elucidar as relações entre cada padrão e as características da população estudada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2019
  • Revisado
    24 Set 2019
  • Aceito
    21 Maio 2020
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