Acessibilidade / Reportar erro

Comparação da adequação do peso ao nascer para idade gestacional segundo diferentes curvas de crescimento intrauterino

Resumo

Objetivos:

comparar a avaliação da adequação do peso ao nascer para idade gestacional segundo diferentes curvas de crescimento intrauterino.

Métodos:

estudo transversal, onde foram analisadas informações gestacionais e neonatais de 344 binômios mães-recém-nascidos. Os dados de peso ao nascer foram analisados utilizando-se a International Fetal and New Born Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH-21st) e comparados com as curvas de crescimento propostas por Alexander et al. e Fenton & Kim. Os recém-nascidos foram classificados em pequenos para idade gestacional (PIG), adequados para idade gestacional (AIG) ou grandes para idade gestacional (GIG).

Resultados:

dentre os recém-nascidos, 51,2% eram do sexo masculino, sendo que 93,0% nasceram a termo. Maior prevalência de AIG e GIG e menor de PIG foi constatada pelas curvas INTERGROWTH-21st, quando comparadas às referências de Fenton & Kim e Alexander et al. Foi observada concordância moderada na detecção do peso ao nascer pelas diferentes curvas de crescimento.

Conclusões:

verificou-se menor detecção de recém-nascidos PIG e maior rastreio, principalmente, de recém-nascidos GIG na avaliação pela INTERGROWTH-21st, quando comparada às curvas de crescimento de Fenton & Kim e Alexander et al.

Palavras-chave
Gráficos de crescimento; Idade gestacional; Recém-nascido

Abstract

Objectives:

to compare the assessment of the adequacy of birth weight for gestational age according to different intrauterine growth curves.

Methods:

across-sectional study, which analyzed gestational and neonatal information from 344 mother-newborn binomials. Birth weight data were analyzed using the International Fetal and New Born Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH-21st) and compared with the growth curves proposed by Alexander et al. and Fenton & Kim. Newborns were classified as small for gestational age (SGA), suitablefor gestational age (SUGA) or large for gestational age (LGA).

Results:

among the newborns, 51.2% were male, and 93.0% were born at term. Higher prevalence of SUGA and LGA and lower SGA was found by the INTERGROWTH-21st curves when compared to the references of Fenton & Kim and Alexander et al. Moderate agreement was observed in detecting birth weight by different growth curves.

Conclusions:

there was a lower detection of SGA infants and a higher screening, especially of LGA infants, in the INTERGROWTH-21st evaluation, when compared to the growth curves of Fenton & Kim and Alexander et al.

Key words:
Growth charts; Gestational age; Newborn

Introdução

O peso ao nascer é um dos indicadores de saúde que mais influencia no processo saúde-doença nos primeiros anos de vida.1 Os seus extremos se asso-ciam a maiores taxas de morbimortalidade neonatal e pós-natal, além de morbidade na infância e também na idade adulta.11 Organización Mundial de la Salud. Reunión consultiva técnica de la OMS sobre la elaboración de una estrategia de promoción del desarrollo fetal óptimo. (2003: Ginebra, Suiza). Promoción del desarrollo fetal óptimo: informe de una reunión consultiva técnica. OMS: Ginebra; 2006. 59p. Adicionalmente, o peso ao nascer tem sido avaliado como preditor no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes e em adultos.33 Belbasis L, Savvidou MD, Kanu C, Evangelou E, Tzoulaki L. Birth weight in relation to health and disease in later life: an umbrella review of systematic reviews and meta-analyses. BMC Med. 2016; 14 (1): 147.

Para a classificação do peso ao nascer de recém-nascidos de diferentes idades gestacionais recomenda-se a utilização de curvas de crescimento intrauterino e/ou neonatal. Entretanto, estas, geralmente, são baseadas em dados populacionais específicos,44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59.

5 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8.

6 Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth-weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics. 1963; 32: 793-800.

7 Usher R, McLean F. Intrauterine growth of live-born Caucasian infants at sea level: standards obtained from measurements in 7 dimensions of infants born between 25 and 44 weeks of gestation. J Pediatr. 1969; 74 (6): 901-10.
-88 Williams RL. Intrauterine growth curves: intra- and international comparisons with different ethnic groups in California. Prev Med. 1975; 4 (2): 163-72. o que dificulta a comparação por diferentes populações. Dentre as diversas curvas, destacam-se as curvas de Fenton & Kim,44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. que foram desenvolvidas a partir de uma metanálise com amostra representativa de recém-nascidos de estudos realizados em seis países, sendo esta, em geral, a mais frequentemente utilizada no Brasil nos últimos anos; as curvas de Alexander et al.,55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. construídas por meio de dados de um número expressivo de nascidos vivos de gestações únicas de mulheres americanas de diferentes grupos étnicos, dispondo da data da última menstruação (DUM) como método de definição da idade gestacional.

Mais recentemente foram publicadas as novas curvas denominadas International Fetal and New Born Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH21st),9 que permitem a avaliação antropométrica no período fetal, neonatal e pós-natal de crianças, independentemente da idade gestacional ao nascimento. Essas, assim como as curvas preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no Multicentre Growth Reference Study,1010 WHO (World Health Organization), Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr. 2006; 450 (Suppl): 76-85. foram construídas a partir de dados de diferentes países e grupos étnicos, incluindo o Brasil, caracterizando-se em um referencial onde populações distintas podem ser avaliadas e comparadas. Entretanto, apesar da relevância, ainda não há uma recomendação sobre a curva de crescimento a ser utilizada na avaliação do recém-nascido no Brasil. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo comparar a avaliação da adequação do peso ao nascer para idade gestacional segundo diferentes curvas.

Métodos

Estudo transversal realizado com recém-nascidos de gestantes atendidas na rede pública de saúde do município de Maceió, capital do estado de Alagoas, no ano de 2014. O estudo faz parte de uma pesquisa maior para o Sistema Único de Saúde (SUS) intitulada "Estado nutricional, ganho ponderal e comportamento alimentar de gestantes de Maceió-Alagoas: impacto sobre a saúde do binômio mãe-filho" (Edital do PPSUS número 60030 000741/2013).

Em 2014 o município estava organizado estrategicamente em oito distritos sanitários, com um total de 60 Unidades Básicas de Saúde (UBS). Para a seleção amostral da população estudada foi realizado sorteio aleatório de 50% do total de UBS, por distrito sanitário. Uma vez definidas as unidades sorteadas, foi estabelecido um escore, segundo o número de gestantes cadastradas em cada unidade, de acordo com a listagem fornecida pela Secretaria Municipal de Saúde, de modo que aquelas unidades com mais gestantes cadastradas, contribuíram, proporcionalmente, com maior número na amostra. O recrutamento e coleta dos dados das gestantes foram realizados por meio de entrevista, de forma não aleatória, nos dias estabelecidos para as consultas de pré-natal nas próprias UBS, sendo as mesmas convidadas para participação voluntária no estudo. Os dados dos recém-nascidos foram posteriormente coletados a partir do Sistema de Cadastramento da Secretaria Municipal de Saúde.

Como critérios de inclusão, foram admitidos no estudo recém-nascidos de gestantes atendidas na rede pública municipal de saúde de Maceió, provenientes de gestação única, não sendo incluídos recém-nascidos que apresentassem doenças congênitas ou intercorrências neonatais. Foram excluídas as gestantes com problemas neurológicos que dificultassem a entrevista e/ou que apresentassem limitações físicas para avaliação antropométrica.

O cálculo do tamanho amostral foi realizado a posteriori com o auxílio do programa Epi Info versão 7.0, considerando a prevalência de recém-nascidos pequenos para idade gestacional (PIG) de 12,0%,11 um erro amostral de 3% e um intervalo de confiança de 95%, sendo necessários 331 recém-nascidos.

Os dados obtidos dos recém-nascidos foram idade gestacional no momento do parto, via de parto e peso ao nascer. O peso ao nascer foi classificado de acordo com as curvas de crescimento propostas por INTERGROWTH-21st,9 Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.,55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. sendo caracterizados como PIG os recém-nascidos com peso ao nascer abaixo do percentil 10; em adequados para a idade gestacional (AIG), aqueles entre os percentis 10 e 90; e grandes para idade gestacional (GIG) os recém-nascidos acima do percentil 90. Nesse estudo, considerou-se como curva de crescimento de referência a INTER-GROWTH-21st (2014),99 Villar J, Ismail LC, Victora CG, Ohuma EO, Bertino E, Altman DG, et al. International standards for newborns weight, length, and head circumference by gestational age and sex: the Newborns Cross-Sectional Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet. 2014; 384 (9946): 857-68. por esta apresentar amostra representativa da população brasileira na sua construção.

Para a classificação da idade gestacional ao nascimento foram considerados pré-termo aqueles com idade gestacional inferior a 37 semanas, a termo os com idade gestacional entre 37 e 41 semanas, e pós-termo aqueles com idade gestacional igual ou superior a 42 semanas.1212 WHO (World Health Organization). Public health aspects of low birth weight. Technical Report Series nº 217. Geneve; 1961.

As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa STATA® versão 13.0, adotando um nível de confiança de 95% (α=0,05). Foi medido o grau de concordância entre os métodos (curvas de crescimento) expressos pelo valor de Kappa (K) ponderado, considerando os seguintes pontos de corte: 0-0,39 fraca concordância; 0,40-0,59 concordância moderada; 0,60-0,79 concordância substancial e 0,80-1,00 concordância quase perfeita.1313 Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977; 33 (1): 159-74.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (Número CAAE 18807.113.3.0000.5013).

Resultados

Foram avaliados 344 recém-nascidos, sendo 176 crianças (51,2%) do sexo masculino, com médias de peso e comprimento ao nascer de 3240g (±550g) e 48,67cm (±3,32cm), respectivamente. Houve maior frequência de nascimentos a termo (n=320; 93,0%), com mediana de 39 (mínimo de 34 e máximo de 43) semanas gestacionais ao nascimento. Observou-se que 20 (5,8%) crianças nasceram pré-termo e quatro (1,2%) pós-termo.

Na Tabela 1 são demonstradas as comparações das classificações de peso ao nascer entre as diferentes curvas. Quando comparadas as classificações de INTERGROWTH-21st9 e Fenton & Kim,44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. 4,9% vs 16,9% dos conceptos eram PIG (p<0,001); 85,2% vs 73,5% eram AIG (p<0,001) e 9,9% vs 9,6% eram GIG (p<0,001). Por outro lado, quando comparadas INTERGROWTH-21st9 e Alexander et al.,55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. constatou-se, respectivamente, que, 4,9% vs 18,6% dos conceptos eram PIG (p<0,001); 85,2% vs 74,1% eram AIG (p<0,001) e 9,9% vs 7,3% eram GIG (p<0,001).

Tabela 1
Comparação entre as categorias de peso ao nascer de conceptos atendidos na rede pública de saúde segundo as curvas de INTERGROWTH- 21st 9, Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. Maceió, Alagoas, Brasil, 2014.

A Tabela 2 apresenta os valores de concordâncias entre as classificações de peso ao nascer segundo as diferentes curvas. Como pode ser visto, houve concordância moderada entre as curvas de INTERGROWTH-21st9 e Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. (K=0,5625; p<0,001) e entre INTERGROWTH-21st9 e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. (K= 0,5581; p<0,001).

Tabela 2
Concordância entre as categorias de peso ao nascer de conceptos atendidos na rede pública de saúde segundo as curvas de INTERGROWTH-21st9, Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. Maceió, Alagoas, Brasil, 2014.

Discussão

Na avaliação do peso ao nascer de conceptos, pelas diferentes curvas de crescimento, maior prevalência de AIG e GIG e menor de PIG foi constatada pelas INTERGROWTH-21st9, quando comparadas às referências de Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. Foi observada concordância moderada na detecção do peso ao nascer, tanto entre INTERGROWTH-21st9 e Fenton & Kim,44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. como entre INTERGROWTH-21st9 e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8.

Há algumas décadas, a classificação do peso ao nascer de acordo com pontos de corte pré-estabelecidos é largamente utilizada na prática clínica.1414 Nilson LG, Warmling D, Oliveira MSV, Gouveia GDA. Proporção de baixo peso ao nascer no Brasil e regiões brasileiras, segundo variáveis sócio-demográficas. Rev Saúde Públ Santa Cat. 2015; 8 (1): 69-82. Mais recentemente, a publicação das novas curvas INTERGROWTH-21st9 possibilitou a avaliação do crescimento neonatal, sendo importante enfatizar que este critério considera, além dos dados antropométricos obtidos ao nascimento e a idade gestacional ao nascer, o sexo do recém-nascido, o que se constitui em uma limitação na utilização das classificações de Fenton & Kim4 e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. Quanto às curvas para classificação de peso ao nascer utilizadas nessa pesquisa, destaca-se que, na avaliação da estimativa de peso fetal a curva do INTERGROWTH-21st9 foi desenvolvida a partir de dados multicêntricos de gestações com critérios mínimos em relação à idade, altura, peso, dieta e condições clínicas pré-existentes, sendo posteriormente excluída qualquer complicação que gerasse interferência no tamanho fetal. Já as curvas de Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. foram desenvolvidas a partir de uma metanálise, compreendendo estudos de seis países desenvolvidos, o que consente a este método validade externa. Diferentemente, a curva de Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. foi construída a partir de um banco de dados dos Estados Unidos da América (EUA), evidenciando que a utilização desta curva em grupos étnicos específicos não seria adequada.

Ao se comparar os dois critérios4,5 com as novas propostas da INTERGROWTH-21st9, na avaliação do peso ao nascimento, observou-se uma prevalência média 3,6 vezes maior de PIG e 1,2 vezes menor de GIG, quando utilizados os critérios de classificação de Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. De forma semelhante, estudo realizado por Kozuki et al.1515 Kozuki N, Katz J, Christian P, Lee ACC, Liu L, Silveira MF, et al. Comparison of US Birth Weight References and the International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century Standart. JAMA Pediatr. 2015; 169 (7): e151438. onde foram avaliados dados de peso ao nascer de crianças participantes de 16 coortes pela INTER-GROWTH-21st9 e outras duas curvas de crescimento norte-americanas, verificou uma prevalência agrupada de recém-nascidos PIG em 23,7% das crianças, quando utilizado as curvas INTERGROWTH-21st9, e de, em média, 34,4%, quanto utilizadas as demais curvas americanas. Dessa forma, os autores verificaram uma redução de cerca de 30% na prevalência de PIG entre as coortes estudadas, quando utilizado o novo referencial.

Esses achados reforçam a observação de que as novas curvas INTERGROWTH-21st9 têm um maior desvio para a direita, no sentido de ser mais sensível no rastreio de recém-nascidos GIG, e consequente-mente, reduzindo o diagnóstico de PIG. Observação semelhante foi discutida por outros autores ao compararem as curvas de crescimento do estudo multicêntrico da OMS Multicentre Growth Reference Study1010 WHO (World Health Organization), Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr. 2006; 450 (Suppl): 76-85. com os antigos padrões do National Center for Health Statistics (NCHS)1616 Hamill PV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche A, Moore WM. Physical growth: National Center for Health Statistics percentiles. Am J Clin Nutr. 1979; 32 (3): 607-29. e Centers for Disease Control and Prevention (CDC),1717 Kuczmarski RJ, Ogden CL, Guo SS, Grummer Strawn LM, Flegal KM, Mei Z, Wei R, Curtin LR, Roche AF, Johnson CL. 2000 CDC growth charts United States: Methods and development. National Center for Health Statistics. Vital Health Stat. 2002; 246: 1-190. onde foi demonstrado que curvas da OMS apresentam maior sensibilidade na detecção do excesso de peso, quando comparada aos outros referenciais.1818 Sperandio N, Santana LFR, Franceschini SCC, Priori SE. Comparação do estado nutricional infantil com utilização de diferentes curvas de crescimento. Rev Nutr. 2011; 24 (4): 565-74.,1919 Oliveira GJ, Barbiero SM, Cesa CC, Pellanda LC. Comparação das curvas NCHS, CDC e OMS em crianças com risco cardiovascular. Rev Assoc Med Bras. 2013; 59(4):375-80. Estas constatações se apresentam dentro do contexto da transição nutricional verificada nas últimas décadas, na perspectiva da necessidade de prevenção e enfrentamento da epidemia da obesidade.2020 Adamo KB, Ferraro ZM, Goldfield G, Keely E, Stacey D, Hadjiyannakis S, Jean-Philippe S, Walker M, Barrowman NJ. The maternal obesity management (MOM) trial protocol: a lifestyle intervention during pregnancy to minimize downstream obesity. Contemp Clin Trials. 2013; 35:87-96.

Já é bem descrito na literatura que intercorrências na vida intrauterina possuem relação estreita com o desenvolvimento humano, desde a infância até a idade adulta.11 Organización Mundial de la Salud. Reunión consultiva técnica de la OMS sobre la elaboración de una estrategia de promoción del desarrollo fetal óptimo. (2003: Ginebra, Suiza). Promoción del desarrollo fetal óptimo: informe de una reunión consultiva técnica. OMS: Ginebra; 2006. 59p. No entanto, para constatar este fenômeno, conhecido como programming fetal, ainda se faz necessária uma maior elucidação dos fatores associados a diferentes desfechos patológicos. Estes fatores podem ser atribuídos a condições inerentes à progenitora, podendo-se elencar o seu estado nutricional inadequado e a ocorrência de desordens endócrinas, como o diabetes gestacional, que podem acarretar na oferta excessiva ou limitada de nutrientes ao feto, prejudicando sua evolução normal, além de outras complicações na gravidez, associadas à condição placentária, como restrição de crescimento intrauterino, pré-eclâmpsia e hipóxia os quais são desafios importantes no cuidado ao binômio materno-fetal.2121 Perrone S, Santacroce A, Picardi A, Buonocore G. Fetal programming and early identification of newborns at high risk of free radical-mediated diseases. World J Clin Pediatr. 2016;5(2):172-81.

Considerando fortes evidencias que apontam a importância dos primeiros 1000 dias de vida na realização de intervenções capazes de prevenir a morbimortalidade infantil e agravos à saúde ao longo da vida, sendo estes definidos como uma janela de oportunidades,2222 Pietrobelli A, Agosti M. Nutrition in the First 1000 Days: Ten Practices to Minimize Obesity Emerging from Published Science. Int J Environ Res Public Health. 2017; 14(12):1491. as novas curvas INTERGROWTH-21st 9 tornam-se favoráveis na detecção do excesso de peso precoce, permitindo que estratégias possam ser aplicadas para minimizar os seus efeitos a longo prazo, mais precisamente no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Corroborando com esse entendimento, Francis et al.2323 Francis A, Hugh O, Gardosi J. Customized vs INTER-GROWTH-21 st standards for the assessment of birth-weight and stillbirth risk at term. Am J Obstet Gynecol. 2018, 218 (2 Suppl.): S692-S9. verificaram, com base em dados de 10 países, maiores taxas de GIG com a utilização do referencial INTER-GROWTH-21st9, quando comparados a utilização de curva inglesa padrão personalizada (GROW).

Por outro lado, o nascimento de PIG, associado a condições insalubres de moradia, baixo número de consultas pré-natais e baixa escolaridade materna ainda é um grave problema de saúde pública, sendo uma realidade na região do Nordeste brasileiro,2424 Viana KJ, Taddei JAAC, Cocetti M, Warkentin S. Peso ao nascer de crianças brasileiras menores de dois anos. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (2): 349-56. o que levanta a hipótese de que a utilização de critérios mais sensíveis para a sua detecção poderia ser mais acertada. Nesse contexto, as curvas de Fenton & Kim,44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. que rastreiam mais PIG poderiam ser mais indicadas na detecção do recém-nascido como elegíveis para maiores cuidados relacionados à saúde e à nutrição.

controverso o uso de curvas de crescimento de uso comum (internacional) para avaliação do estado nutricional de crianças ao nascer, sendo este um referencial onde populações distintas podem ser avaliadas e comparadas. Há o entendimento de que existe um crescimento e desenvolvimento fetal ideal quando as condições intrauterinas, inerentes a condições maternas de saúde e nutrição, são adequadas. Nesse caso, seria justificável e apropriada a utilização de um mesmo referencial em diferentes populações.2525 WHO (World Health Organization). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Technical Reports Series, 854. Geneva; 1995. Entretanto, em países com níveis de desenvolvimento social e econômico discrepantes este parece ser um entrave.

Um outro aspecto merece ser analisado, em relação à utilização prática dessas ferramentas. Os critérios de classificação utilizados na presente pesquisa para avaliação antropométrica neonatal são discordantes na avaliação do peso ao nascimento. Nesse estudo verificamos que as curvas de Fenton & Kim44 Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59. e Alexander et al.55 Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8. seriam melhores aplicadas no rastreio de PIG e, por outro lado, as INTER-GROWTH-21st9 seriam importantes para o rastreio de GIG. Nesse contexto, é importante destacar que usualmente nos serviços de saúde no Brasil é comumente verificada a avaliação respaldada apenas no peso ao nascer da criança, classificando como baixo peso ao nascer aquelas com peso inferior a 2500g e macrossômicas, as crianças nascidas com peso igual ou superior a 4000g,2525 WHO (World Health Organization). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Technical Reports Series, 854. Geneva; 1995. sendo este também um método passível de limitações, por não refletir todos os aspectos de crescimento e desenvolvimento fetais.1 Os resultados do presente estudo não possibilitam uma avaliação criteriosa sobre qual método seria mais apropriado na caracterização do estado nutricional do recém-nascido brasileiro podendo ser este objeto de futuros estudos.

Por fim, o crescimento e o desenvolvimento ideal do recém-nascido devem ser monitorados rotineiramente com ferramentas consistentes para auxiliar na assistência neonatal necessária, pois nesse período o crescimento como processo contínuo pode sofrer interferências. Para monitorar o crescimento são necessários padrões antropométricos que possam avaliar os níveis de adequação e desvios de crescimento, mas, que sobretudo, sejam compatíveis com a realidade local e de cada tipo de serviço de saúde. Também, deve-se atentar que o monitoramento do traçado da curva de crescimento da criança mais relevante do que unicamente a comparação com referenciais.

É importante que estudos com características semelhantes sejam realizados em outros grupos populacionais, uma vez que devido às heterogeneidades socioeconômicas e culturais podem ser vislumbradas diferentes constatações. Deste modo, pretende-se auxiliar na avaliação do melhor referencial a ser adotado em estudos epidemiológicos no país e em serviços de saúde.

References

  • 1
    Organización Mundial de la Salud. Reunión consultiva técnica de la OMS sobre la elaboración de una estrategia de promoción del desarrollo fetal óptimo. (2003: Ginebra, Suiza). Promoción del desarrollo fetal óptimo: informe de una reunión consultiva técnica. OMS: Ginebra; 2006. 59p.
  • 2
    Melo ASO, Assunção PL, Gondim SSR, Carvalho DF, Amorim MMR, Benicio MHDA, Cardoso MAA. Estado nutricional materno, ganho de peso gestacional e peso ao nascer. Rev Bras Epidemiol. 2007; 10(2): 249-57.
  • 3
    Belbasis L, Savvidou MD, Kanu C, Evangelou E, Tzoulaki L. Birth weight in relation to health and disease in later life: an umbrella review of systematic reviews and meta-analyses. BMC Med. 2016; 14 (1): 147.
  • 4
    Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatr. 2013; 13: 59.
  • 5
    Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obst Gynecol. 1996; 87 (2): 163-8.
  • 6
    Lubchenco LO, Hansman C, Dressler M, Boyd E. Intrauterine growth as estimated from liveborn birth-weight data at 24 to 42 weeks of gestation. Pediatrics. 1963; 32: 793-800.
  • 7
    Usher R, McLean F. Intrauterine growth of live-born Caucasian infants at sea level: standards obtained from measurements in 7 dimensions of infants born between 25 and 44 weeks of gestation. J Pediatr. 1969; 74 (6): 901-10.
  • 8
    Williams RL. Intrauterine growth curves: intra- and international comparisons with different ethnic groups in California. Prev Med. 1975; 4 (2): 163-72.
  • 9
    Villar J, Ismail LC, Victora CG, Ohuma EO, Bertino E, Altman DG, et al. International standards for newborns weight, length, and head circumference by gestational age and sex: the Newborns Cross-Sectional Study of the INTERGROWTH-21st Project. Lancet. 2014; 384 (9946): 857-68.
  • 10
    WHO (World Health Organization), Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr. 2006; 450 (Suppl): 76-85.
  • 11
    Tuzun F, Yucesoy E, Baysal B, Kumral A, Duman N, Ozkan H. Comparison of INTERGROWTH-21 and Fenton growth standards to assess size at birth and extrauterine growth in very preterm infants. J Matern Fetal Neonatal Med. 2017; 30(1):1-12.
  • 12
    WHO (World Health Organization). Public health aspects of low birth weight. Technical Report Series nº 217. Geneve; 1961.
  • 13
    Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977; 33 (1): 159-74.
  • 14
    Nilson LG, Warmling D, Oliveira MSV, Gouveia GDA. Proporção de baixo peso ao nascer no Brasil e regiões brasileiras, segundo variáveis sócio-demográficas. Rev Saúde Públ Santa Cat. 2015; 8 (1): 69-82.
  • 15
    Kozuki N, Katz J, Christian P, Lee ACC, Liu L, Silveira MF, et al. Comparison of US Birth Weight References and the International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century Standart. JAMA Pediatr. 2015; 169 (7): e151438.
  • 16
    Hamill PV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche A, Moore WM. Physical growth: National Center for Health Statistics percentiles. Am J Clin Nutr. 1979; 32 (3): 607-29.
  • 17
    Kuczmarski RJ, Ogden CL, Guo SS, Grummer Strawn LM, Flegal KM, Mei Z, Wei R, Curtin LR, Roche AF, Johnson CL. 2000 CDC growth charts United States: Methods and development. National Center for Health Statistics. Vital Health Stat. 2002; 246: 1-190.
  • 18
    Sperandio N, Santana LFR, Franceschini SCC, Priori SE. Comparação do estado nutricional infantil com utilização de diferentes curvas de crescimento. Rev Nutr. 2011; 24 (4): 565-74.
  • 19
    Oliveira GJ, Barbiero SM, Cesa CC, Pellanda LC. Comparação das curvas NCHS, CDC e OMS em crianças com risco cardiovascular. Rev Assoc Med Bras. 2013; 59(4):375-80.
  • 20
    Adamo KB, Ferraro ZM, Goldfield G, Keely E, Stacey D, Hadjiyannakis S, Jean-Philippe S, Walker M, Barrowman NJ. The maternal obesity management (MOM) trial protocol: a lifestyle intervention during pregnancy to minimize downstream obesity. Contemp Clin Trials. 2013; 35:87-96.
  • 21
    Perrone S, Santacroce A, Picardi A, Buonocore G. Fetal programming and early identification of newborns at high risk of free radical-mediated diseases. World J Clin Pediatr. 2016;5(2):172-81.
  • 22
    Pietrobelli A, Agosti M. Nutrition in the First 1000 Days: Ten Practices to Minimize Obesity Emerging from Published Science. Int J Environ Res Public Health. 2017; 14(12):1491.
  • 23
    Francis A, Hugh O, Gardosi J. Customized vs INTER-GROWTH-21 st standards for the assessment of birth-weight and stillbirth risk at term. Am J Obstet Gynecol. 2018, 218 (2 Suppl.): S692-S9.
  • 24
    Viana KJ, Taddei JAAC, Cocetti M, Warkentin S. Peso ao nascer de crianças brasileiras menores de dois anos. Cad Saúde Pública. 2013; 29 (2): 349-56.
  • 25
    WHO (World Health Organization). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Technical Reports Series, 854. Geneva; 1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2019
  • Revisado
    16 Ago 2019
  • Aceito
    30 Set 2019
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br