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Lições do COVID-19

Lições do COVID-19

Independentemente do impacto e até comoção que o chamado COVID-19 vem produzindo, por justas razões, junto à opinião pública, aos governantes e muito particularmente, entre gestores e profissionais de saúde de todo o mundo, é interessante e curioso assinalar que a conhecida gripe comum (a influenza) constitui, de fato, segundo historiadores e analistas do processo saúde/doença, a infecção mais comum e maior causa de mortes em todo o mundo.11. Felinto GM, Escosteguy CC, Medronho RA. Fatores associados ao óbito dos casos graves de influenza A (H1N1) pdm09. Cad Saúde Coletiva. 2019; 27 (1): 11-9.,22. Forleo Neto, Halker E, Santos VJ, Paiva TM, Toniolo Neto J. Influenza. Rev Soc Bras Med Trop. 2003; 36 (2): 267-74. E não é de agora, mas desde que se conta com informações e registros estatísticos confiáveis até os dias de hoje. No caso da pandemia por COVID-19, a cada 24 horas, tem-se divulgado o balanço de casos novos e de mortes pelo novo coronavírus, praticamente em tempo real, em quase todos os países do mundo, conectados em rede pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Na realidade, o clima de calamidade pública em que todas as nações passaram a viver, mesmo que seu espaço territorial não tivesse comprovação de casos iniciais do coronavírus, está possibilitando a emergência de uma nova consciência universal sobre os problemas de saúde de toda humanidade, independente até de eventuais ou mesmo históricas incompatibilidades geopolíticas. É evidente que o caráter precursor desta perpectiva não pode ser assumido, já agora, como fiança definitiva de que os vários objetivos e metas das Nações Unidas no setor saúde, previstos e acordados para os próximos 20, 30 ou 40 anos, a partir do marco do novo milênio, possam assumir um trânsito seguro. No entanto, o simples fato de se dispor, ao fim de cada noite, de um balanço imediato de como e quando o COVID19 vem circulando por todo o mundo e o andamento de providencias correlatas, se reveste de grande importância para sensibilização da população em geral, e para a tomada de decisão por parte dos profissionais e gestores da saúde na aplicação de medidas gerais e específicas para o seu controle.

Parece inquestionável que a experiência da pandemia do novo coronavírus, sendo de fato, uma “tragédia sanitária” está reabrindo caminhos para uma redefinição conceitual sobre a natureza, os condicionantes, os fatores correlatos, as limitações e, por outro lado, as perspectivas promissoras para as políticas e os programas de saúde de todo e cada um dos países ou blocos de nações. Já se aceita que não se trata apenas de uma nova pandemia, caracterizada nos conceitos e indicações da epidemiologia e da saúde pública clássica. Demanda-se, assim, o suporte teórico de um novo conceito: a sindemia, que, sem excluir os indicadores convencionais do processo saúde/doença, resgatao ambiente no dinamismo de seus fatores econômicos e sociais, incorporando valores da própria espiritualidade. São estes, inclusive, os pontos referenciais de uma nova e promissora doutrina do desenvolvimento humano, já antecipada há mais de meio século por um autor brasileiro (Josué de Castro) e, já agora, aceita e consolidada pelas Nações Unidas.

Por conseguinte, ancorados em antecedente históricos e princípios conceituais, que justificam, hoje, interesse de novas abordagens do problema da COVID-19, agora espalhado por todos os continentes, esclarece-se, aqui a situação de 50 países que, por ordem de prevalência, representam a situação de mais de 60% de toda a população humana.33. WHO (World Health Organization). WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. [acesso jan 2021] Disponível em: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
,44. World 0 meter. Reported cases and deaths by country or territory. [acesso jan 2021] Disponível em: https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries
https://www.worldometers.info/coronaviru...
Como foi se desenvolvendo o andamento da pandemia através de indicadores básicos (no de casos confirmados e letalidade), de modo a comparar as informações diariamente publicadas pela OMS.

Estas “lições”... não tratam, formalmente, de um estudo com princípio, meio e fim logicamente encadeados, mas de um conjunto de ideias e impressões que vão se impondo como pontos de reflexões iniciais sobre o aqui e agora de vários fatos que estão se sucedendo na crônica dos acontecimentos diários e que podem ser fixados como eventuais pontos de partida para futuros desdobramentos. É uma agenda impressionista de fatos e lições.

Na breve e turbulenta história da pandemia se pode confirmar que as mutações do vírus são mais frequentes que as próprias mudanças dos hábitos de consumo, de valores e de práticas de vida do homem. A ciência e seu braço armado (a tecnologia), pode eventualmente se manter, como princípio ou como uso, no curto espaço de uma geração (convencionalmente 25 anos) em alguns países do mundo. Agora, com o coronavírus e seu trânsito nos caminhos da humanidade, sem a fixação de coordenadas de latitude e longitude, se configura uma nova e surpreendente anomalia: as tipologias de cepas que fazem, por exemplo, que o Reino Unido imponha restrições às viagens de brasileiros, para seu território, face as evidências de que uns 40 casos de pacientes já são portadores de co-variantes do vírus. Até onde podem chegar esses desdobramentos? Já se pensa, inclusive, no risco de que estas variantes se tornem “mais dominantes”. E um subproduto essencialmente brasileiro da pandemia, Malta et al.,55. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Souza Jr PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRP, Azevedo LO, Gracie R. A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiol Serv Saúde. 2020; 29 (4): e2020407. publicou um interessante estudo sobre mudanças do estilo de vida de adultos brasileiros (mais de 45.000 casos maiores de 18 anos), quanto ao consumo de tabaco, bebidas alcoólicas, alimentação e atividade física, no período de restrição social, por conta da pandemia, concluindo pela piora dos estilos de vida e comportamentos de risco à saúde.55. Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Souza Jr PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRP, Azevedo LO, Gracie R. A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiol Serv Saúde. 2020; 29 (4): e2020407. Seria uma agravante evidência da sindemia que mais aumentou no Brasil a partir de 1975 – a díade sobrepeso/obesidade na população adulta, alcançando um patamar dos mais elevados do mundo.

É claro que outras consequências podem ser positivas. Já se observa que a poluição do ar atmosférico, pela moderação do trânsito de veículos automotores, teria caído em 8%. Por outro lado, com a reclusão familiar recomendada pela quarentena, as agressões às mulheres e às crianças teriam aumentado na mesma proporção: 8%. Evidentemente as coisas não podem ser analisadas na relação simples de mudanças de sinais quantitativos de lucros e perdas, mas o simples registro de campos de variaçãoou parâmetros tão específicos torna-se indicativo de perspectivas que podem ser abertas e reaproveitadas. E um desafio que não pode ser omitido: como retomar um percurso de desenvolvimento econômico duramente afetado pela pandemia? No caso do Brasil, a própria inclusão recente dos caminhoneiros nos grupos prioritários para vacinação pode ser louvada como uma feliz intervenção do setor saúde para clarear propostas econômicas, tendo em conta a importância dos transportes rodoviários na circulação de riquezas.

Na verdade, tudo indica que depois desta pandemia, o mundo não será mais o mesmo. Houve uma boa pausa para meditação e é lógico que a “assembleia” doméstica que mobilizou entre 40% e 60% da mão de obra ativa no mundo foi suficiente para debater grande parte dos problemas humanos. Pelo menos nunca se dispôs de tanto tempo para um encontro com tanto espaço para um debate tão aberto no âmbito familiar. No campo dos saldos concretos, o simples relato de que, dentro de nove meses, emblematicamente a duração de uma gravidez, desde o registro dos 40 primeiros casos da epidemia em Wuhan, até novembro do ano passado, foram descobertos 6 ou 7 vacinas em diferentes países. Nunca antes, em toda a longa história das epidemias e das vacinações preventivas, houve um desempenho parecido. É também verdade que, além do altruísmo humanitário, parece (e muito!) ser a força avassaladora do mercado, tornando a vacina uma atraente fonte de lucros no polo da demanda.

De fato, estamos ao sabor dos ventos (e vendas) não controlados, na expectativa de que os ponteiros da história se cruzem, colocando um ponto semifinal neste processo que já matou mais do que as duas guerras mundiais juntas.

References

  • 1.
    Felinto GM, Escosteguy CC, Medronho RA. Fatores associados ao óbito dos casos graves de influenza A (H1N1) pdm09. Cad Saúde Coletiva. 2019; 27 (1): 11-9.
  • 2.
    Forleo Neto, Halker E, Santos VJ, Paiva TM, Toniolo Neto J. Influenza. Rev Soc Bras Med Trop. 2003; 36 (2): 267-74.
  • 3.
    WHO (World Health Organization). WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. [acesso jan 2021] Disponível em: https://covid19.who.int/
    » https://covid19.who.int/
  • 4.
    World 0 meter. Reported cases and deaths by country or territory. [acesso jan 2021] Disponível em: https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries
    » https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries
  • 5.
    Malta DC, Szwarcwald CL, Barros MBA, Gomes CS, Souza Jr PRB, Romero DE, Lima MG, Damacena GN, Pina MF, Freitas MIF, Werneck AO, Silva DRP, Azevedo LO, Gracie R. A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiol Serv Saúde. 2020; 29 (4): e2020407.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Maio 2021
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