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Contribuições do processo de regionalização em duas regiões do Sudeste do Brasil

Resumo

Objetivos:

analisar as contribuições da regionalização nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, com enfoque nas mudanças políticas, estruturais e organizacionais.

Métodos:

métodos mistos explanatório sequencial com análise de atas da Comissão Intergestores Regional (CIR), entrevistas com questionário e roteiros junto a 42 atores-chave (gestores e prestadores) em agosto de 2015. Os resultados estatísticos descritivos foram apresentados com os escores médios das questões do questionário. A análise de conteúdo temático foi realizada utilizando o software Atlas-ti e as categorias de temas mistos foram geradas representando as dimensões: política, estrutura e organização.

Resultados:

o estudo identificou que a Estrutura Regional da Secretaria Estadual de Saúde é a instituição mais importante nas decisões sobre a política de saúde.Diversas contribuições podem ser identificadas no processo de regionalização, principalmente, no aspecto organizacional do sistema de saúde. As atas demonstraram a presença frequente de temas relacionados a redes, regulação e financiamento e a definição de fluxos de pacientes.

Conclusões:

a regionalização nas regiões de Norte-Barretos e Sul-Barretos contribuiu para a melhor organização das ações e serviços de saúde. Os fóruns intergovernamentais não exercem função de coordenação e não são um espaço colaborativo nas negociações sobre os assuntos de saúde nessas regiões do estado de São Paulo.

Palavras-chave:
Regionalização; Sistema de saúde; Políticas de saúde

Abstract

Objectives:

to analyze the contributions of regionalization in North-Barretos and South-Barretos regions, focusing on political, structural and organizational changes.

Methods:

mixed sequential explanatory methods using records analysis from the Comissão Intergestores Regional (CIR) (Regional Inter-managers Commission (CIR), interviews with questionnaire and guides along with 42 key agents (managers and providers of services) conducted in August 2015. The descriptive statistical results were presented with mean scores for each of the question in the questionnaire. The analysis of the thematic content was performed by using the Atlas-ti software and categories of the mixed themes were generated representing the following dimensions: policy, structure and organization.

Results:

the study identified that the Estrutura Regional da Secretaria Estadual de Saúde (Regional Structure of the State Health Department) is the most important institution in health policy decisions. Several contributions can be identified in the process of regionalization, mainly in the organizational aspect of the health system. The records demonstrated the frequent presence of themes related to networks, regulation and financing and the definition of flow of patients.

Conclusions:

regionalization in the North-Barretos and South-Barretos regions have contributed for a better organization in health actions and services. The intergovernmental forums do not work with coordination and they are not a collaborative place to negotiate health issues in these regions in São Paulo State

Key words
Regionalization; Health system; Health policies

Introdução

Nos últimos anos, o Brasil apresentou redução das desigualdades sociais, levando em conta a distribuição da renda na base populacional. No entanto, a concentração de municípios com maiores índices de pobreza permanece nas Regiões Norte e Nordeste do paí s.11 Arretche M. Trajetórias da Desigualdade: Como o Brasil Mudou Nos Últimos 50 Anos. Editora Unesp; 2015. Albuquerque et al.22 Albuquerque MV, Viana ALd'Ávila, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1055-64. relatam que as políticas regionais em saúde auxiliaram nos avanços para minimizar essas desigualdades através da priorização de estratégias regionais intergovernamentais e do desenvolvimento de serviços em saúde. Outros autores reforçam que o processo de regionalização poderia ser mais bem desenvolvido caso houvesse melhor apropriação da complexidade dos territórios, ou seja, uma inclusão dos aspectos econômicos, sociais, políticos, institucionais e individuais nas articulações da governança regional.33 Ribeiro PT, Tanaka OY, Denis J-L. Governança regional no Sistema Único de Saúde: um ensaio conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1075-84.

Levantamentos normativos e documentais sobre a regionalização no Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que essa política de saúde vem sendo construída de um ponto de vista tecnopolítico. São necessários novos arranjos normativos que garantam definitivamente o desenvolvimento do SUS e a profissionalização da gestão em saú de.44 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalização no SUS: processo de implementação, desafios e perspectivas na visão crítica de gestores do sistema. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1155-64.

Apesar de estar presente no texto constitucional55 Brasil. Presidência da República. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. e de ser identificada como um dos atributos-chave para a saúde pública, como um direito para todos os cidadãos brasileiros, a regionalização só se tornou uma política efetiva nos anos 2000.66 Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde em Debate. 2015; 39 (n.especial): 28-38. A partir daí estabeleceu-se que os serviços de saúde deveriam ser organizados em redes hierárquicas regionais.55 Brasil. Presidência da República. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.

Carvalho et al.44 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalização no SUS: processo de implementação, desafios e perspectivas na visão crítica de gestores do sistema. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1155-64. ressaltam a necessidade de se construir políticas regionais de acordo com as realidades histórico-culturais da gestão em saúde. A regionalização, como um atributo do SUS, tem como principais objetivos: aumentar a acessibilidade e reduzir as desigualdades, fortalecer os princípios de universalidade e equidade.77 Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saúde Pública. 2014;48(4): 622-31. Nos últimos anos, acompanhando a regionalização e o crescimento regional de renda, foi possível identificar melhorias na distribuição regional de serviços de média e alta complexidade e de profissionais de saú de.22 Albuquerque MV, Viana ALd'Ávila, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1055-64. De acordo com a experiência canadense, a regionalização além desses objetivos poderia definir a região como um território, fortalecer as autoridades regionais e melhorar a organização do sistema de saú de.88 Lewis S, Kouri D. Regionalization: making sense of the Canadian experience. Health care Papers. 2004;5(1): 12-31. Por se tratar de uma área dinâmica de cooperação de diferentes atores, a região de saúde representa um espaço com grande potencial de constituir redes com mobilização de esforços colaborativos.33 Ribeiro PT, Tanaka OY, Denis J-L. Governança regional no Sistema Único de Saúde: um ensaio conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1075-84.

O Estado de São Paulo, neste processo de implantar a política de saúde, juntamente com outras unidades federativas do país, ficou responsável pela coordenação da regionalização entre o governo federal e municipal, adaptando-se a cada norma aprovada pelo nível federal e modificando suas instituições já presentes.99 Guerra DM. Descentralização e Regionalização da Assistência à Saúde no Estado de São Paulo: Uma Análise do Índice de Dependência. [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2015. A regionalização no Estado de São Paulo se antecipou ao movimento nacional com a fundação de instâncias regionais antes da Constituição de 1988.1010 Viana ALD. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2014.,1111 Paschoalotto MAC. A regionalização do SUS: proposta de desempenho dos Departamentos Regionais de Saúde do Estado de São Paulo. [tese]. São Paulo: Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2016.

Em 1986, os Escritórios Regionais de Saúde (ERSA) foram criados e distribuídos em áreas regionalizadas e descentralizadas do Estado de São Paulo. ERSAs constituíram um novo exemplo em cada região para integrar os respectivos serviços da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP), com o objetivo de coordenar e executar os programas de saúde, bem como avaliar os resultados alcanç ados.1010 Viana ALD. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2014.

Alinhado com a política nacional de saúde, o Estado de São Paulo em 1995 substituiu os ERSAs por 24 Diretorias Regionais de Saúde (DIR). Além disso, criou o Gabinete de Coordenação da Saúde da Região do Interior e o Gabinete de Coordenação da Saúde da Região Metropolitana.1212 Barata LRB, Tanaka OY, Mendes JD. Por um processo de descentralização que consolide os princípios do Sistema Único de Saúde. Epidemiol Serv Saúde. 2014; 13 (1): 15-24. Paralelo ao processo de implantação nacional da Norma Operacional de Atenção à Saúde (NOAS), o Estado foi organizado em 65 microrregiões, cujo desenho final foi semelhante ao projeto das antigas ERSAs.1010 Viana ALD. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2014.

Em 2006, com a introdução do Pacto de Saúde, a SES-SP iniciou uma nova reforma administrativa, transformando 24 DIR em 17 Departamentos Regionais de Saúde (DRS). Aliada a esta reforma foram criados os gabinetes de Coordenação da Saúde, de Coordenação de Serviços de Saúde, de Coordenação de Gestão de Contratos, de Coordenação Tecnológica e, ainda,o Gabinete Estratégico de Entradas de Saúde e Controle de Doenç as.1313 São Paulo. Secretaria Estadual de Saúde. Diário Oficial do Estado. Decreto nº 51.433, de 28 de dezembro de 2006. Cria unidade na Coordenadoria de Regiões de Saúde, da Secretaria da Saúde, altera a denominação e dispõe sobre a reorganização das Direções Regionais de Saúde. São Paulo, 2006.

Em 2010, o Decreto N° 4.279 estabeleceu as diretrizes como formas de organização dos serviços de saúde, que foram institucionalizados através das Redes de Atenção à Saúde (RAS).1414 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM 4.279 de 30 de dezembro de 2010. Estabelece as diretrizes para a organização da rede de atenção do SUS. Brasília; 2010. A população, o quadro operacional e os modelos de atenção à saúde foram apresentados como elementos constitucionais essenciais da RAS.1515 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.

O Ministério da Saúde, com a aprovação do Decreto N° 7.508 em 2011, reorganizou o SUS de forma regional e hierárquica e,através do Termo de Referência, São Paulo delineou os conceitos, critérios e fluxos de processos dos serviços de saúde, criando as Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS).Estas redes regionais foram caracterizadas como a "formação das relações horizontais organizadas, sistematizadas e reguladas entre a atenção primária e outros pontos de atenção no sistema de saúde".1010 Viana ALD. Descentralização e política de saúde: origens, contexto e alcance da descentralização. 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2014.

O Decreto também definiu a Comissão Intergestores Regional (CIR), fortalecendo as relações entre o Estado e os municípios que, até então, apresentava baixa autonomia em comparação a outras esferas políticas. Realizaram-se reuniões regulares com representantes da Secretaria de Estado da Saúde, todos os secretários municipais de saúde e diferentes interessados (públicos ou privados) que caracterizavam este espaço regional de governança.1616 Viana ALA, Lima LD, organizadoras. Regionalização e relações federativas na política de saúde do Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa; 2011.

Diante do exposto, algumas questões foram colocadas: a regionalização nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos contribuiu em aspectos políticos, estruturais ou organizacionais? As CIR se apresentaram como espaços colaborativos para negociações entre diferentes esferas de Norte-Barretos e Sul-Barretos? A regionalização contribuiu para melhorar o planejamento da saúde?

Assim, este estudo tem como objetivo analisar as contribuições da regionalização nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, São Paulo, Brasil, com enfoque nas mudanças políticas, estruturais e organizacionais.

Métodos

Trata-se de um estudo de métodos mistos por empregar métodos quantitativos, com avaliação de magnitude e construção de frequências, e métodos qualitativos que exploram o significado e a compreensão de construções. A escolha da abordagem por métodos mistos justifica-se por um melhor entendimento dos dados. A seleção de apenas um desenho de estudo, quantitativo ou qualitativo, é insuficiente para análise e interpretação da hipótese da pesquisa.1717 Creswell JW, Clark VLP. Designing and conducting mixed methods research. 2 ed. London: Sage, 2011. Este estudo é um desdobramento da pesquisa “Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil”, financiada com recursos provenientes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Saúde, por meio da Chamada MCTI/CNPq/CT - Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 41/2013.1818 Região e Redes: o caminho da universalização da saúde no Brasil. Resumo executivo. Disponível em: http://www.resbr.net.br/a-pesquisa/resumo-executivo/#.WZL571GGM2w
http://www.resbr.net.br/a-pesquisa/resum...

O Departamento Regional de Saúde-V (DRS-V) do Estado de São Paulo tem uma área de abrangência de 8.099 km2, representando 3,3% do território paulista, dividido em duas regiões de saúde: Norte-Barretos e Sul-Barretos. Juntas, representam 18 cidades: Altair, Barretos, Bebedouro, Cajobi, Colina, Colômbia, Guaíba, Guaraci, Jaborandi, Monte Azul Paulista, Olímpia, Severínia, Taiaçu, Taiuva, Taquaral, Terra Roxa, Viradouro e Vista Alegre do Alto (Figura 1). Estes municípios apresentam indicadores socioeconômicos inferiores aos do Estado de São Paulo, no entanto superiores à média nacional. Em 2015, de acordo com os dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), a região Norte-Barretos totaliza nove hospitais e Sul-Barretos cinco destes serviços. Destacamos na primeira região, a presença do Hospital de Câncer de Barretos, administrado pela Fundação Pio XII, referência nacional para pacientes de oncologia com atendimento exclusivo pelo SUS. Além deste, esta região conta com o importante hospital geral da Santa Casa de Barretos. Existem 38 equipamentos cadastrados entre os ambulatórios de especialidades, entre eles os Ambulatórios Médicos Especialidades (AME) Clínico e Cirúrgico da SES-SP, cuja responsabilidade também é da Fundação Pio XII. Na atenção primária em saúde há registros de 54 unidades de saúde na região Norte-Barretos e 40 unidades de saúde na Sul-Barretos, com uma cobertura populacional estimada pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) nas duas regiões de 56,7%.

Figura 1
Departamento Regional de Saúde V (DRS-V). São Paulo, 2012.

As regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos foram selecionadas intencionalmente com base em uma combinação de fatores: a classificação do Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); os bancos de dados do Sistema Único de Saúde disponíveis no Datasus e o Sistema de Contas Regionais (IBGE). Com base nesses bancos de dados, foram selecionadas variáveis que representaram o desenvolvimento socioeconômico moderado/alto e a oferta de serviços moderada/alta; a hierarquia e a complexidade urbana; a presença de municípios incluídos no Projeto Rede QualiSUS e a presença de uma Faculdade de Medicina.

Como critério de seleção, também foi utilizada a tipologia das regiões de saúde proposta por Viana et al.,1919 Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, Uchimura LYT, Albuquerque MV, Mota PHS, Demarzo MMP, Ferreira MP. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde Soc. 2015; 24 (2): 413-22. que adota a análise de cluster para o desenvolvimento socioeconômico, oferta e complexidade dos serviços de saúde no contexto regional, como as condições estruturais de regionalização no Brasil. Nesta tipologia, a região Norte-Barretos se enquadra no grupo 5 (alto desenvolvimento socioeconômico e alta oferta de serviços) e a Sul-Barretos dentro do grupo 3 (médio desenvolvimento socioeconômico e médio/alto alcance de serviços). Os municípios selecionados foram aqueles que reportaram maior número de unidades de saúde em Norte-Barretos e Sul-Barretos (Olímpia e Bebedouro), a principal cidade do DRS-V (Barretos) e também as com menor número de estabelecimentos de saúde e com população de no mínimo 3000 habitantes (Cajobi e Taíuva).

A coleta de dados foi realizada com a estratégia tipo explanatório sequencial usando diferentes fontes1717 Creswell JW, Clark VLP. Designing and conducting mixed methods research. 2 ed. London: Sage, 2011. como a análise de atas das reuniões da CIR, entrevistas individuais com 42 informantes-chave com questionário e roteiros de entrevistas nas regiões de Norte-Barretos e Sul-Barretos, São Paulo, Brasil. As atas das CIR de Norte-Barretos e Sul-Barretos, de janeiro a agosto de 2015, foram analisadas. Sete atas de cada CIR foram analisadas juntamente com o documento de elaboração de relatórios da única reunião conjunta das duas regiões, totalizando 15 documentos.

Os entrevistados foram identificados representando gerentes, prestadores de serviços e representantes da comunidade, no contexto das esferas estaduais, regionais e municipais de governo. Todos foram selecionados com base na importância de sua posição administrativa no momento da coleta de dados, como secretários municipais de saúde, ou coordenadores administrativos de setores como hospitais, atenção primária à saúde, redes de atendimento de emergência, vigilância da saúde, recursos humanos e distribuição de medicamentos.

Os entrevistados foram contatados com antecedência por telefone e/ou e-mail para o agendamento. Essas entrevistas foram coletadas em agosto de 2015 e agendadas no local de trabalho de cada entrevistado. No dia programado, todos foram informados sobre o anonimato das respostas, e concordaram com as entrevistas autorizando a gravação.

Os questionários foram compostos por questões estruturadas e conduzidos e preenchidos pelo pesquisador. As perguntas foram formuladas de acordo com o tipo de respondente; portanto; nem todas foram respondidas por todos os entrevistados. As questões foram categorizadas nas dimensões políticas, organizacionais e estruturais dos serviços de saúde (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do número de perguntas segundo dimensões e tipos de respondentes. Regiões Norte-Barretos e Sul Barretos, São Paulo, 2015.

Para os gestores estaduais e a comunidade foi utilizado um roteiro com perguntas abertas. Essas entrevistas foram transcritas. Os pesquisadores leram o material repetidamente para fazer as análises de conteúdo, priorizar as questões e estabelecer relações entre elas.

As atas das CIR refletiam a participação de representantes dos 17 municípios da região, com exceção de um município da região Sul-Barretos, que não participou em nenhuma das reuniões. As reuniões eram geralmente assistidas por responsáveis políticos municipais, exceto no caso do município polo, em nome do qual seu representante participava de todas as reuniões. As atas da CIR foram lidas repetidamente para se identificar os tópicos de análise.

Os dados foram tabulados usando o software PHP Line Survey - Open Source. Os cálculos estatísticos foram realizados usando SPSS Statistics para Windows, Versão 22.0 (Armonk, NY: IBM Corp). Os resultados estatísticos descritivos foram apresentados como os escores médios de cada uma das questões, expressos na escala de Likert de cinco pontos, onde um (1) correspondeu ao pior escore e cinco (5) ao melhor. Pontuações médias iguais ou superiores a 3 indicaram uma avaliação positiva.

A análise de conteúdo temática foi realizada utilizando o software Atlas-ti e as categorias de temas mistos foram geradas representando as seguintes dimensões: política, organização e estrutura.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, através do Parecer N° 045/2016, e de acordo com a norma do Conselho Nacional de Saúde N° 466/2012.

Resultados

A população do estudo foi constituída por 42 pessoas, sendo 69,7% do sexo feminino e 30,2% do sexo masculino. Com relação à faixa etária, 47,8% tinham entre 40 e 60 anos de idade, 39,1% tinham menos de 40 anos e o restante tinha mais de 60 anos. Metade dos entrevistados (50%) trabalhava na instituição há 10 anos ou menos, 23,9% há mais de 20 anos, 15,2% tinham sido associados à instituição entre 11 e 20 anos e 11,9% trabalhado por menos um ano. Do total de entrevistados, 82% eram graduados em áreas de ciências biológicas, 13% em ciências humanas ou exatas e o restante dos respondentes relataram ter concluído o ensino médio ou não especificaram seu nível de educação.

A análise das atas das CIR demonstrou a presença frequente de temas relacionados a redes, regulação e financiamento, como a situação epidemiológica regional em relação à dengue, à transferência de recursos financeiros entre cidades e à definição de fluxos de pacientes e exames de câncer.

Dimensão Política

De acordo com 64% dos entrevistados, a Estrutura Regional foi a principal instituição organizadora das regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, mas para 32% dos entrevistados, a Secretaria Municipal de Saúde foi citada como mais importante. A relevância dos órgãos públicos de organização do sistema de saúde para tomada de decisões em Norte-Barretos e Sul-Barretos foi classificada da seguinte forma: Estrutura Regional (pontuação média - 4,19), Ministério Público (pontuação média - 3,89), Ministério da Saúde (pontuação média - 3,86) e Departamento de Estado de Saúde (pontuação média - 3,81) (Figura 2).

Figura 2
Importância dos órgãos públicos na tomada de decisão, em escore médio, nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, 2015.

Os prestadores de serviços de saúde, públicos ou privados, também possuem influência nas decisões de saúde nas regiões. Segundo a percepção dos entrevistados, entre os prestadores de serviços de saúde as instituições de média e alta complexidade possuem maior importância na tomada de decisões das regiões de estudo.Entretanto, as indústrias do setor saúde possuem mínima importância nas decisões em saúde de Norte-Barretos e Sul-Barretos (Figura 3).

Figura 3
Importância dos prestadores de serviços na tomada de decisão, em escore médio, nas regiões Norte-Barretos e Sul- Barretos, 2015.

A CIR é predominantemente um espaço deliberativo (83,3%). Os tópicos de regionalização foram discutidos nesta CIR por grupos de trabalho e comissões em reuniões formais. As agendas das reuniões da CIR foram definidas principalmente pela Estrutura Regional de Saúde (83,3%) e pela Secretaria Municipal de Saúde (83,3%). Para os gestores de saúde da Secretaria de Estado, a CIR trabalhou apenas com agendas de reunião, sem estar envolvida em questões deliberativas.

Não houve menção, entre os entrevistados, à relevância dos pacientes, consultores e universidades e/ou centros de pesquisa na definição de temas de discussão para as reuniões da CIR. As principais contribuições da CIR para as regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos foram definidas como Redes de Atenção à Saúde e mediadores de conflitos.

Segundo os entrevistados, há conflitos em relação ao município e à região, especialmente entre o município polo e os demais,sobre recursos, critérios de acesso e organização das redes. As atas da CIR referem-se a uma relação complementar para a reconfiguração espacial de serviços e ações voltadas para a ampliação e garantia de acesso e cobertura entre o município polo e as demais cidades.

A dimensão política foi a que requereu menos discussões nas reuniões da CIR em relação aos aspectos de organização e estrutura. Enquanto temas como os instrumentos de planejamento raramente eram discutidos, outros, como a votação de atores-chave para a representação regional,eram mais frequentes. As reuniões da CIR também incluíram a escolha de representantes para a discussão de grupos técnicos (por exemplo, grupo condutor da atenção primária) e representantes de vários segmentos da sociedade (por exemplo, conselhos municipais de saúde). Além disso, estabeleceram o principal responsável pelo rastreamento de atividades envolvendo a transferência de recursos financeiros.

Dimensão Organização

Várias contribuições do processo de regionalização da saúde foram encontradas, principalmente nos aspectos organizacionais do sistema de saúde. Na única reunião conjunta entre as duas regiões sanitárias foi abordada a questão da organização da gestão da saúde e a aprovação do SISPACTO (pactuação de diretrizes, metas e indicadores), que incluíam acordos sobre índices de saúde a serem alcançados até 2015. As discussões foram organizadas por redes de atendimento à saúde e por representantes das regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos.

Os gestores da Secretaria de Estado da Saúde concordaram que a regionalização ajudou a construir a região através de uma compreensão do território, as definições de fluxos e suas necessidades de saúde. Segundo os entrevistados, as maiores contribuições da regionalização nestas regiões foram na integração de ações e serviços de saúde, na ampliação do acesso às ações e serviços no nível secundário e terciário de atenção à saúde e na regulação assistencial. Entretanto, a política de saúde não modificou o panorama na participação social e apresentou uma piora no aprimoramento da distribuição dos recursos financeiros.

Os entrevistados relataram dificuldades na governança das regiões que resultaram em indicadores epidemiológicos deficientes e de menor produção. Vinte por cento (20%) responderam sobre a existência do Plano de Regionalização em Saúde. As dificuldades de planejamento e monitoramento foram informadas pelos entrevistados. Nas atas da CIR encontram-se descritas as dificuldades no planejamento de estratégias de combate às emergências epidemiológicas (como dengue) e é mencionada também a ausência de um gerente local na organização dos fluxos e admissões hospitalares dos pacientes encaminhados. Muitos destes problemas estão relacionados com o aumento dos processos judiciais em matéria de saúde, o que tem dificultado a designação de gestores para abordar estas questões jurídicas:

"... um caso típico, cirurgia cardíaca pediátrica, continua a ser um problema e tem uma lista de espera, processos judiciais são um desafio nessa frente ..."

Para a formação de uma Rede de Atenção à Saúde são considerados vários fatores: diagnóstico de necessidades de saúde (60%), diagnóstico regional da capacidade instalada de serviços de saúde (60%), capacidade instalada dos serviços de saúde (60%) e plano regional para o aumento da oferta de cuidados primários (40%) (Figura 4). Diversas reuniões da CIR abordaram a capacidade instalada da Fundação no município polo e na organização das regiões e consideraram a formação da RAS. No entanto, apenas 27% dos gestores de saúde acreditam que há capacidade instalada suficiente para a RAS.

Figura 4
Critérios considerados na formação das RAS, em percentual, nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, 2015.

O principal parâmetro para a configuração de redes, segundo os entrevistados, é a distribuição territorial da população (escore médio- 4,4). Nas atas das CIR, verificou-se que o tamanho populacional dos municípios é o principal parâmetro utilizado como mecanismo de distribuição de quotas entre as cidades para a programação de cirurgias ortopédicas eletivas em um hospital de referência da região. Outros parâmetros também foram citados como importantes na construção de redes (escore médio - 4,2), tais como condições de acesso, transporte ou barreiras geográficas; disponibilidade de serviços de saúde; disponibilidade de recursos humanos; incentivos financeiros e existência de conselhos regionais de gestão. A cobertura existente do seguro de saúde foi considerada um critério de menor importância para a rede (escore médio - 3,0) e em nenhum momento esta discussão foi relatada nas reuniões da CIR.

Nas atas há relatos de discussões de fluxos de referência e contra referências de pacientes, principalmente o câncer de mama, câncer de cólon uterino e pacientes com melanoma. Os mecanismos de referência e contra-referência, as diretrizes clínicas, o estoque terapêutico disponível e as informações de encaminhamento clínico foram considerados mecanismos de integração e coordenação da RAS.

No que diz respeito às Redes Temáticas, todas foram, ou estão sendo, implementadas nas regiões, com algumas peculiaridades. A Rede de Obstetrícia e Neonatal (Rede Cegonha) foi mais bem organizada no Norte-Barretos e Sul-Barretos porque já tinha uma organização anterior aos regulamentos federais. O atendimento de emergência foi o segundo mais bem organizado, mas nenhum foi totalmente implementado pelos gerentes de saúde da Secretaria do Estado porque envolviam muitos serviços complexos. A Rede Doenças Crônicas foi citada como a terceira melhor. Foi organizada com base em suas linhas de atendimento para hipertensos, obesos, oncologia e doença renal.

Na leitura das atas das CIR analisou-se a Rede Temática mais citada - a Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas - e,especificamente, a Rede de Oncologia, devido à influência da Fundação na região. A Rede de Emergência foi relatada nas discussões em razão de dificuldades orçamentárias ou de regulação de casos clínicos. As demais Redes Temáticas não foram mencionadas durante o período de estudo.

Dimensão Estrutura

Para 60% dos entrevistados, a gerência da RAS tem assegurado referências oportunas para outros níveis de cuidados do sistema de saúde, através da resolução de problemas de saúde e da garantia da qualidade dos cuidados e segurança do paciente. Eles creem que isso contribuiu para a definição do fluxo de cuidados, a integração de serviços de rede no município e a integração de serviços de rede na região, além de melhorar o acesso à atenção primária.

As reuniões da CIR discutiram o treinamento de equipes de atenção primária em atendimento a centros clínicos e cirúrgicos, e trataram também da assistência farmacêutica e da capacitação da atenção primária de saúde. Outro problema frequentemente discutido foi a baixa oferta de serviços de saúde principalmente para os municípios da região do Sul-Barretos. Segundo um gestor estadual:

"Ela (a região) não é auto-suficiente, depende de várias outras regiões, por isso não é caracterizada como uma região de saúde"

A combinação de fatores estruturais, como alta demanda, capacidade de serviços insuficientes e recursos humanos, agravou ainda mais as dificuldades enfrentadas no planejamento da rede de atenção à saúde. Isso ficou evidente depois de uma análise da demanda reprimida por serviços de ressonância magnética e cirurgias de catarata. Para tentar superar essas questões, planejar melhor e otimizar a capacidade instalada dos serviços de saúde, o Estado de São Paulo conta com a administração das RRAS:

"Cuidados para os deficientes é gerenciado através da RRAS, doenças crônicas, obesidade também através da RRAS, oncologia também, e agora não há nenhum plano de doença renal crônica, que também é gerenciado através da RRAS".

A questão do financiamento também foi apontada como um problema nas regiões. O laboratório municipal da cidade polo informou dificuldades na manutenção de materiais e as cidades que enviaram amostras para este laboratório relataram problemas nos contratos de transporte. Outra questão referente ao financiamento relatada diz respeito à desatualização da tabela de taxas de procedimento do SUS. Ou seja, a cirurgia poderia custar duas vezes o valor informado pela empresa ou pelo município. O subfinanciamento ocorreu nos principais hospitais de referência das regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos discutidas nas CIR. No entanto, para os gestores de saúde, os investimentos na rede de atenção à saúde nos últimos três anos aumentaram em 66%. O custo da RAS foi financiado principalmente por cofres municipais e federais, com pouco auxílio do governo estadual.

Discussão

Este estudo relatou a participação de diferentes entidades federativas no processo de regionalização da saúde nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos. Como parte do Pacto de Saúde, a solidariedade e a regionalização cooperativa são colocadas como um compromisso a ser garantido por gestores nacionais, estaduais e municipais para garantir a implantação e prestação de serviços de qualidade.66 Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde em Debate. 2015; 39 (n.especial): 28-38. Segundo Carvalho et al.,44 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalização no SUS: processo de implementação, desafios e perspectivas na visão crítica de gestores do sistema. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1155-64. há uma fraca institucionalização do processo de regionalização considerando que as funções dos atores políticos permanecem imprecisas e seguem o ciclo político eleitoral.

Neste estudo foi demonstrado que a liderança da Estrutura Regional era representada pelo Estado. Para a Organização Pan-Americana da Saú de,2020 Organização Pan-Americana da Saúde. Redes e regionalização em saúde no Brasil e na Itália: Lições aprendidas e contribuições para o debate. Vol. 4, NAVEGADORSUS - Série Técnica Redes Integradas a Atenção à Saúde;2011. a participação do governo estadual é essencial na condução da regionalização atuando como mediadora do processo. Entretanto, existe uma fragmentação dos sistemas de informações inviabilizando em muitos casos o acesso dos estados aos dados de cada município, os quais são encaminhados diretamente aos bancos de dados nacionais.44 Carvalho ALB, Jesus WLA, Senra IMVB. Regionalização no SUS: processo de implementação, desafios e perspectivas na visão crítica de gestores do sistema. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1155-64.

Os resultados da análise mostraram dificuldades no planejamento de ações de saúde. Também confirmaram o que Vargas et al.2121 Vargas I, Mogollon-Perez AS, Unger J-P, Da-Silva MRF, De Paepe P, Vazquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan. 2015; 30(6):705-17. já haviam mencionado: que a formação das redes de saúde se baseava mais nas negociações entre as partes interessadas do que no próprio planejamento. Wickremasinghe et al.2222 Wickremasinghe D, Hashmi IE, Schellenberg J, Avan BI. District decision-making for health in low-income settings: a systematic literature review. Health Policy Plan. 2016: 31(2): ii12-ii24. perceberam que para os países de baixa renda os dados dos sistemas de informação sobre gestão da saúde não eram amplamente utilizados para a tomada de decisões, às vezes porque havia um processo padronizado para sua utilização ou porque eram de má qualidade.

No presente estudo verificou-se que no Brasil os dados existem, mas não há habilidade nos profissionais existentes para saber como trabalha-los para fins de gestão da saúde -o que foi confirmado também em uma região de Pernambuco, Brasil.2121 Vargas I, Mogollon-Perez AS, Unger J-P, Da-Silva MRF, De Paepe P, Vazquez M-L. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. Health Policy Plan. 2015; 30(6):705-17. O Plano de Regionalização da Saúde deve ser um mecanismo instrumental, no entanto, é subutilizado para os serviços de saúde e suas prioridades dificultam a alocação de recursos, descentralização programática e gerencial. O estudo de Ribeiro et al.33 Ribeiro PT, Tanaka OY, Denis J-L. Governança regional no Sistema Único de Saúde: um ensaio conceitual. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1075-84. sugere a formalização do uso do Contrato Organizativo da Ação Pública (COAP) para fins de monitoramento e planejamento regional, seguindo indicadores e metas de saúde pactuados entre todos os atores.

De modo semelhante a Bergevin et al.,2323 Bergevin Y, Habib B, Elicksen K, Samis S, Rochon J, Adaimé C, Boucher G, Denis JL, Roy D. Towards the Triple Aim of Better Health, Better Care and Better Value for Canadians: transforming regions into high performing. Canadian Foundation for Health Improvement. 2016. nosso estudo confirmou uma maior apropriação das necessidades de saúde da população para a formação da RAS, melhorando assim o processo de regionalização. Os autores argumentam que a regionalização melhorou a saúde da população, ampliando as abordagens intersetoriais que facilitam o diálogo entre os representantes polí ticos.2323 Bergevin Y, Habib B, Elicksen K, Samis S, Rochon J, Adaimé C, Boucher G, Denis JL, Roy D. Towards the Triple Aim of Better Health, Better Care and Better Value for Canadians: transforming regions into high performing. Canadian Foundation for Health Improvement. 2016. Como no estudo canadense,2323 Bergevin Y, Habib B, Elicksen K, Samis S, Rochon J, Adaimé C, Boucher G, Denis JL, Roy D. Towards the Triple Aim of Better Health, Better Care and Better Value for Canadians: transforming regions into high performing. Canadian Foundation for Health Improvement. 2016. esta análise identificou uma importante contribuição da regionalização para a integração do sistema de saúde, como melhorias na definição de fluxos de pacientes e na regulação dos serviços de saúde. Autores brasileiros afirmam que a proposta da RAS se traduz no recente alinhamento da política de saúde do país com as reformas internacionais dos sistemas universais e que a implementação da RAS acompanhou um ritmo diferente da regionalizaçã o.22 Albuquerque MV, Viana ALd'Ávila, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1055-64.

A contribuição feita pela integração a diferentes níveis de cuidados de saúde também foi comprovada por um estudo na Dinamarca,2424 Vrangback K. Regionalization from Denmark. Healthc Papers. 2016;16(1): 21-6. destacando-se que as regiões e os municípios tinham implementado diferentes iniciativas, tais como os programas Pathway para doenças crônicas, que promoviam a atenção integrada. Infelizmente, nosso estudo identificou que a regionalização não resultou em cuidados primários totalmente regionalizados. Este é o maior mérito da regionalização na Nova Zelândia, que conseguiu esta organização do sistema de saúde, criando uma estratégia de remuneração por serviços para a atenção primária em 2001.2525 Tenbensel T. Health System Regionalization - The New Zealand Experience. Healthc Papers. 2016;16(1): 27-33. Em um estudo comparativo entre a coordenação da APS na RAS entre as cidades de Lisboa, Portugal, e Rio de Janeiro, Brasil, evidenciou-se que a RAS portuguesa, por ter maior tempo de implantação, possui uma APS mais abrangente e com melhor desempenho na coordenação da rede, diferentemente do Rio de Janeiro, que ainda possui uma APS seletiva com dificuldades na gestã o.2626 Lapão LV, Arcêncio RA, Popolin MP, Rodrigues LBB. Atenção Primária à Saúde na coordenação das Redes de Atenção à Saúde no Rio de Janeiro, Brasil, e na região de Lisboa, Portugal. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(3):713-24.

Apesar desta não integração dos cuidados de saúde primários com outros níveis de atenção, o nosso estudo relatou esforços de diferentes serviços de saúde (treinamento para encaminhamento de pacientes para centros especializados). Marchildon2727 Marchildon GP. Where we are going from Here? Healthc Papers. 2016;16(1): 75-9. identificou como o principal obstáculo a essa integração da atenção primária no Canadá a relação entre médicos e estruturas regionalizadas. Aerde2828 Aerde J Van. Has regionalization of the Canadian health system contributed to better health? Can J Physician Leadersh. 2016;2(3):65-70. afirmou que a ausência de profissionais médicos e cidadãos neste processo foram dois fatores importantes de regionalização malsucedidos no Canadá.

O presente estudo identificou o aumento dos investimentos para a rede de atenção à saúde nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, mas encontrou limitações para verificar se a regionalização possibilitou a redução de custos no sistema de saúde. No entanto, autores internacionais relataram o impacto de economias de escala, na redução da duplicação de ações de saúde, melhoraram a eficiência e, consequentemente, reduziram os custos com a regionalização.2323 Bergevin Y, Habib B, Elicksen K, Samis S, Rochon J, Adaimé C, Boucher G, Denis JL, Roy D. Towards the Triple Aim of Better Health, Better Care and Better Value for Canadians: transforming regions into high performing. Canadian Foundation for Health Improvement. 2016.,2929 Born K, Sullivan T,Bear R. Restructuring Alberta's health system. [artigo em formato eletrônico]. 2013. [acesso em 12 dez 2016]. Disponível em: http://healthydebate.ca/2013/10/topic/politics-of-health-care/restructuring-alberta-health
http://healthydebate.ca/2013/10/topic/po...
Na Itália, o equilíbrio do orçamento de saúde também foi fortalecido pela regionalizaçã o.1313 São Paulo. Secretaria Estadual de Saúde. Diário Oficial do Estado. Decreto nº 51.433, de 28 de dezembro de 2006. Cria unidade na Coordenadoria de Regiões de Saúde, da Secretaria da Saúde, altera a denominação e dispõe sobre a reorganização das Direções Regionais de Saúde. São Paulo, 2006.

As limitações deste estudo estão relacionadas a apresentação dos dados estatísticos em várias escalas, às vezes, em números absolutos ou em pontuações médias da escala de Likert, limitando o cruzamento de dados. A análise das atas das CIR até o mês das entrevistadas pode ter sido prejudicada devido ausência de acompanhamento nas decisões finais de algumas pautas discutidas que não tiveram encaminhamentos até o presente estudo.

Conclusões

Este estudo permitiu concluir que a regionalização nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos contribuíram mais para o aspecto organizacional dos serviços e ações de saúde. Além disso, houve uma maior apropriação das necessidades de saúde pública com a formação da RAS. As maiores dificuldades identificadas entre todas as fontes de dados neste estudo estavam no planejamento e gestão da saúde devido à ausência de recursos humanos qualificados no setor. A regionalização contribuiu pouco para a melhoria da relação público-privado, recursos humanos e financeiros. Apesar do aumento do financiamento para a saúde, verificou-se que os custos estão sobrecarregando os cofres municipais sem atingir o equilíbrio correto entre a esfera federal e estadual.

A política de regionalização nestas regiões do estudo não apresentou contribuições para uma organização regionalizada da atenção primária em saúde. Evidências internacionais já comprovaram a dificuldade da aplicabilidade desta política de saúde nos cuidados primários, e estudos brasileiros estão confirmando esta mesma complexidade. Além disto, evidenciou-se que a região de saúde não é um território ainda suficiente para a completa integralidade dos cuidados, fazendo com que os gestores busquem novas articulações para garantir os cuidados dos pacientes.

Concluiu-se também que as reuniões das CIR das regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos eram mais deliberativas, com pouco espaço para discussão. Assim, estes fóruns intergovernamentais não cumpriram o papel de serem um espaço colaborativo para negociações nos assuntos de saúde destas regiões do Estado de São Paulo.

Destacamos neste estudo que o processo de regionalização nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos ainda é incipiente e a organização dos serviços como uma rede ainda está em processo de implementação. A formação de profissionais de saúde capacitados para o trabalho em âmbito regional pode auxiliar e contribuir para o incremento de inovações que sustentem o aprofundamento dos atributos da regionalização, como coordenação e integração de ações e serviços.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2017
  • Aceito
    20 Set 2017
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