Open-access Quais aspectos sociais, gestacionais e de saúde mental materna estão associados ao apego materno-fetal?

Resumo

Objetivos:  explorar um conjunto de fatores associados ao menor apego materno-fetal (AMF) em gestantes.

Métodos:  trata-se de um estudo transversal, correspondente à segunda fase de um estudo de coorte com uma amostra de base populacional de gestantes no sul do Brasil. Foi utilizada a Escala de Apego Materno-Fetal (EAMF) para medir o AMF. A análise bivariada foi realizada através do teste t e ANOVA. As variáveis que apresentaram p<0,20 foram levadas para análise multivariada, por meio de regressão linear, a fim de controlar possíveis fatores de confusão.

Resultados:  foram incluídas 840 gestantes. As gestantes que apresentaram menores médias de AMF foram aquelas que não moravam com um companheiro (B=-3,8 [IC95%=-6,0; -1,7]), que estavam entre o primeiro e o segundo trimestre de gestação (B=-4,3 [IC95%=-5,9; -2,6]), que não tiveram o apoio da mãe durante a gestação (B=-2,4 [IC95%=-4,6; -0,2]) e que apresentaram sintomas depressivos (B=-4,9 [IC95%=-7,4; -2,5]).

Conclusões:  os resultados mostraram que um maior AMF está associado a presença de uma rede de apoio adequada na gravidez, melhor saúde mental materna e a uma gestação avançada. A avaliação precoce do AMF e a promoção de um vínculo pré-natal adequado, com foco nos aspectos psicológicos e emocionais maternos são fortemente sugeridos.

Palavras-chave: Apego materno-fetal; Vínculo pré-natal; Apoio social; Saúde materna; Gravidez

Abstract

Objectives:  this study aimed to explore a set of factors associated with lower maternal-fetal attachment (MFA) in pregnant women.

Methods:  this is a cross-sectional study corresponding to the second wave of a cohort study with a population-based sample of pregnant women in the South of Brazil. The maternal-fetal attachment scale (MFAS) was used to measure MFA. Bivariate analysis was performed using the t-test and ANOVA. The variables that presented p<0.20 were taken for multivariate analysis, through linear regression, in order to control possible confounding factors.

Results:  a total of 840 pregnant women were included. Pregnant women who had lower MFA means were those who did not live with a partner (B=-3.8 [CI95%=-6.0; -1.7]), those between the first and second trimester of pregnancy (B=-4.3 [CI95%=-5.9; -2.6]), those who did not have support from their mother during pregnancy (B=-2.4 [CI95%=-4.6; -0.2]), and those with depressive symptoms (B=-4.9 [CI95%=-7.4; -2.5]).

Conclusions:  the results showed that a higher MFA it is associated with an adequate support network during pregnancy, better maternal mental health, and with an advanced pregnancy. Early evaluation of MFA and effort to promote an adequate prenatal bond, focusing on maternal psychological and emotional aspects are strongly suggested.

Key words: Maternal-fetal attachment; Prenatal bonding; Social support; Maternal health; Pregnancy

Introdução

A transição para o papel materno envolve não só mudanças físicas, psicológicas e sociais na vida da mulher, mas também uma mudança de hábitos em prol da saúde materno-fetal, para a construção do vínculo com o bebê.1 De acordo com Dipietro2, estudos originados na década de 1960, despertaram um grande interesse empírico sobre o período pré-natal e a influência dos aspectos maternos na gravidez e no desenvolvimento posterior da criança. Nesse contexto, o apego, antes visto como uma tendência inata do bebê em estabelecer vínculos afetivos, especialmente com a figura materna, por volta do primeiro ano de vida, passou a ser considerado um fenômeno que tem origem ainda no período pré-natal.3

O Apego Materno-Fetal (AMF) se refere ao vínculo emocional entre uma mãe e seu bebê durante a gestação. Esse vínculo pode ser visto como as expectativas, pensamentos, sentimentos e comportamentos da mãe em relação ao feto, à maternidade e à gravidez.4 Cranley5 descreveu o AMF como à medida que as mulheres se envolvem em comportamentos que representam uma afiliação e uma interação com a criança que está por vir.

Estudos anteriores mostraram como diferentes características psicossociais e sociodemográficas relatam o vínculo pré-natal. Fatores como menor idade gestacional, falta de apoio social durante a gestação e a presença de transtornos psiquiátricos maternos, incluindo ansiedade e depressão, são frequentemente associados à baixos níveis de AMF.6,7,8,9 No entanto, um estudo nacional mostrou que o AMF não esteve associado a ansiedade ou depressão, no entanto, este estudo incluiu apenas gestantes com diagnóstico de malformações congênitas, o que limita a comparação dos dados com outras amostras.10

Uma revisão de literatura realizada por Cannella11, demonstrou que níveis econômicos e educacionais mais baixos, bem como maior idade materna foram associados à menores escores de AMF. No entanto, a maioria dos estudos não encontrou essa relação.7,12 De acordo com Kelmanson12, em geral, fatores demográficos como idade, estado civil, renda, paridade, escolaridade e etnia não parecem ter um impacto considerável no AMF. Além disso, alguns comportamentos de risco durante a gravidez, como o uso de álcool e tabaco, são frequentemente observados em gestantes com baixos níveis de AMF e podem ter efeitos negativos à saúde do feto e causar atrasos no desenvolvimento após o nascimento.13,14,15 Por outro lado, outros estudos focaram em fatores positivos, como o apoio social, especialmente do companheiro ou dos pais da gestante, que foram relacionados a um vínculo pré-natal mais positivo.8,16

Vale ressaltar que são raros os estudos que explorem fatores de risco e de proteção em conjunto, principalmente em países menos desenvolvidos, como o Brasil. De acordo com Foley,17 os estudos reconhecem cada vez mais a importância da gravidez como um período de potencial risco e oportunidade de intervenção. No entanto, os autores indicam que poucos estudos sobre a saúde psicológica materna foram realizados em países menos desenvolvidos. Assim, torna-se apropriado explorar os fatores que podem ser de proteção à gravidez e aos desfechos infantis. Principalmente porque o AMF pode servir como um indicador útil para uma intervenção clínica e psicológica precoce nessa população.12

Apesar do crescente corpo de evidências sobre o AMF, poucos estudos foram realizados com metodologia rigorosa, amostras de base populacional e instrumentos validados, tornando os achados da literatura inconsistentes. Assim, diante das evidências que demonstram a influência do AMF nos desfechos da prole, é importante identificar os fatores que estão relacionados ao menor AMF, para que intervenções precoces possam ser implementadas durante a gravidez, a fim de reduzir o comprometimento maternoinfantil. Para abordar a questão e preencher lacunas, o objetivo deste estudo foi explorar um conjunto de fatores associados ao AMF em uma amostra de gestantes no sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal correspondente à segunda fase de uma coorte de base populacional de gestantes residentes em uma cidade no sul do Brasil. A cidade é de médio porte, com aproximadamente 330.000 habitantes. Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a zona urbana de Pelotas contém 488 setores censitários. Destes, 244 (50%) foram sorteados aleatoriamente para busca de gestantes até o segundo trimestre gestacional. Os critérios de inclusão foram determinados da seguinte forma: mulheres com até 24 semanas de gestação e residentes na zona urbana da cidade. Foram excluídas do estudo as gestantes que não conseguiram responder e/ou compreender os instrumentos da pesquisa devido a problemas físicos e/ou cognitivos.

Foram identificadas 1.072 gestantes. No entanto, 91 (8,5%) perderam o bebê antes da primeira avaliação ou se recusaram a participar do estudo, as demais 981 (91,5%) gestantes foram avaliadas na primeira fase. Destas, 14,4% foram consideradas perdas ou recusas ou perderam o bebê antes da segunda fase. Assim, a amostra total do presente estudo incluiu 840 (85,6%) gestantes, que participaram da primeira e segunda fases de avaliação. Os dados foram coletados por meio de questionários impressos, aplicados por entrevistadores treinados. Entrevistas domiciliares foram realizadas na primeira fase do estudo. Já na segunda fase, as entrevistas ocorreram em uma sala no hospital universitário.

O AMF foi avaliado através da Escala de Apego Materno-Fetal (EAMF). Trata-se de uma escala de 24 itens do tipo Likert de 5 pontos, com opções de resposta que variam de 1 (definitivamente não) a 5 (definitivamente sim). Exemplos de itens da EAMF incluem “Eu converso com o meu bebê na barriga” e “Eu faço coisas, para manter a saúde, que eu não faria se não estivesse grávida”. A pontuação total da escala varia de 24 a 120 pontos.5 No processo de validação para a população brasileira, Feijó3 sugeriu que o construto AMF é unidimensional e, portanto, deve ser usado como uma medida geral de apego. Assim, pontuações mais altas indicam níveis mais altos de AMF. A EAMF apresentou baixa confiabilidade para o contexto brasileiro, com alfa de Cronbach de 0,63.3 Porém, em uma pesquisa anterior realizada com a mesma amostra do presente estudo, apresentou um alfa de Cronbach de 0,82, indicado boa confiabilidade.18 Esse instrumento foi aplicado na segunda fase do estudo.

Os sintomas depressivos durante a gestação foram avaliados através da Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo (EPDS). Trata-se de uma escala de autorrelato composta por 10 itens, que foi construída para rastrear sintomas de sofrimento emocional durante a gestação e no período pós-parto. Cada item é pontuado de 0 a 3 e o escore total variar de 0 a 30 pontos. Pontuações mais altas indicam mais sintomas depressivos. O ponto de corte utilizado neste estudo foi de 11 pontos. Assim, aquelas participantes que apresentaram de 0 a 10 pontos tiveram ausência ou sintomas leves e, aquelas com 11 pontos ou mais, apresentaram sintomas depressivos (não/sim, respectivamente).19 A EPDS apresentou uma boa confiabilidade no contexto brasileiro, com alfa de Cronbach de 0,87.20 Esse instrumento foi utilizado na segunda fase do estudo.

Para avaliar os sintomas de ansiedade durante a gestação, foi utilizado o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI). Trata-se de um instrumento autoaplicável, composto por 21 itens, utilizado para mensurar a gravidade da ansiedade. As opções de resposta são em uma escala Likert de 4 pontos, variando de 0 (nada) a 3 (muito, mal pude suportar), avaliados sobre a última semana. A soma dos itens pode variar de 0 a 63 pontos. Escores mais altos indicam maior gravidade dos sintomas de ansiedade. Neste estudo, os resultados foram dicotomizados (sim/não). As gestantes que apresentaram pontuação igual ou superior a 11 pontos, apresentaram sintomas de ansiedade.20 O BAI apresentou boa confiabilidade para o contexto brasileiro, com alfa de Cronbach de 0,88-0,92.21 Esse instrumento foi utilizado na segunda fase do estudo.

Foram aplicados também os módulos sobre dependência de álcool e tabaco do Teste de Triagem de Envolvimento com Álcool, Tabagismo e Substâncias (ASSIST). O ASSIST é um questionário de rastreio de todos os níveis de uso problemático ou de risco de substâncias em adultos. É composto por oito perguntas que abrangem tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes do tipo anfetamina, inalantes, sedativos, alucinógenos, opioides e outras drogas. Cada resposta corresponde a uma pontuação total que varia de 0 a 20 pontos. Pontuações de 0 a 3 indicam uso ocasional, de 4 a 1 abuso e ≥16 revelam a dependência de álcool tabaco. Neste estudo, foram agrupadas as categorias de abuso e dependência. Assim, considerou-se a classificação de uso ocasional e abuso/ dependência. A confiabilidade do instrumento para o contexto brasileiro foi boa, com alfa de Cronbach de 0,80, tanto para álcool quanto para tabaco.22 Esse instrumento foi utilizado na primeira fase do estudo.

A classe econômica das participantes foi avaliada através da classificação proposta pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2015). Essa classificação é baseada no total de bens materiais acumulados da família e na escolaridade do chefe da família. Os indivíduos são categorizados em cinco classes econômicas, de A (classe econômica mais alta) a E (classe econômica mais baixa). Neste estudo, “A+B” refere-se às classes altas, “C” à classe média e “D+E” às classes baixas.23

Também foi utilizado um questionário autoaplicável que incluiu variáveis como: escolaridade em anos de estudo (até 3 anos, 4 a 7 anos, 8 a 10 anos, 11 anos ou mais), idade (até 23 anos , 24 a 29 anos, acima de 30 anos), viver com companheiro (não, sim), trimestre gestacional (primeiro e segundo trimestre, terceiro trimestre), gravidez anterior (não, sim), gravidez planejada (não, sim), apoio da mãe (não , sim) e apoio do pai da criança (não, sim).

A análise descritiva dos dados foi realizada através de frequências absolutas e relativas e médias e desviospadrão. A análise bivariada foi realizada por meio do teste t e ANOVA, para verificar as diferenças entre as médias. Na regressão múltipla, as análises brutas e ajustadas foram realizadas por Regressão Linear. As variáveis que apresentaram p<0,20 na análise bruta foram incluídas na análise ajustada. A análise ajustada foi realizada com o objetivo de controlar possíveis fatores de confusão e seguiu um modelo conceitual hierárquico. Esse modelo é dividido em níveis e assume que as variáveis localizadas no nível hierarquicamente superior são determinantes dos níveis inferiores. Assim, as variáveis foram controladas usando os mesmos níveis ou níveis anteriores. Apenas as variáveis com p<0,05 permaneceram no modelo.

O modelo proposto para a abordagem das variáveis foi determinado em três níveis. O nível 1 incluiu a classe econômica. O nível 2 incluiu viver com companheiro, trimestre gestacional, gravidez anterior, gravidez planejada, apoio da mãe e apoio do pai da criança. O nível 3 incluiu abuso/dependência de álcool, sintomas depressivos e sintomas de ansiedade. Valores de p<0,05 foram considerados para indicar significância estatística.

Para verificar a multicolinearidade entre as variáveis que permaneceram no modelo de regressão, foi calculado o fator de inflação da variância (VIF). Foi considerado valores acima de 0,4 como a existência de colinearidade entre as variáveis. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.0.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pelotas sob o protocolo número 47807915.4.0000.5339. Todos as participantes concordaram em participar do estudo, fornecendo seu consentimento livre e esclarecido. Para as gestantes elegíveis menores de 18 anos, um consentimento por escrito também foi obtido de seus pais ou responsáveis. As participantes que apresentaram algum transtorno psiquiátrico foram encaminhadas para um serviço de saúde, de acordo com as avaliações diagnósticas do estudo maior. Este artigo está em conformidade com a diretriz de relatórios STROBE para estudos transversais.

Resultados

A amostra foi composta por 840 gestantes. A média de AMF para a amostra geral foi de 98,6 (DP 11,6). A maioria das participantes pertencia à classe econômica média (N=473 [57,5%]), tinha 11 anos ou mais de estudo (N=475 [56,5%]), tinha 30 anos ou mais (N=300 [35,7%]) e vivia com um companheiro (N=670 [79,8%]). Em relação às características gestacionais, N=579 (68,9%) das gestantes estavam no terceiro trimestre gestacional, N=483 (57,5%) tiveram uma gravidez anterior e N=374 (44,5%) não planejaram esta gestação. No que diz respeito ao apoio social, N=120 (14,3%) das participantes não se sentiram apoiadas pelas mães durante a gestação e N=39 (4,6%) não se sentiram apoiadas pelo pai da criança. Além disso, N=136 (16,2%) das gestantes apresentaram abuso/ dependência de tabaco, N=79 (9,4%) abuso/dependência de álcool, N=127 (15,1%) sintomas depressivos e N=279 (33,3%) apresentaram sintomas ansiosos (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas, socioeconômicas, gestacionais, de apoio social, comportamentais, de saúde mental materna e o apego materno-fetal de gestantes, Pelotas, sul do Brasil (2016-2018).

A análise bivariada mostrou que as gestantes que não viviam com um companheiro (p<0,001), que estavam entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional (p<0,001), que não planejaram a gestação (p=0,032), que não se sentiram apoiadas por suas mãe durante a gravidez (p=0,030), que não se sentiram apoiadas pelo pai da criança durante a gestação (p=0,042), que tiveram abuso/ dependência de álcool (p=0,019), sintomas depressivos (p<0,001) e, aqueles com sintomas ansiosos (p=0,013) apresentaram médias significativamente menores de AMF (Tabela 1).

Na análise ajustada, constatou-se que as gestantes que apresentaram menores médias de AMF foram aquelas que não viviam com um companheiro (B=-3,9 [IC95%=-6,0; -1,7] p<0,001), que estavam entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional (B=-4,3 [IC95%=-6,0; -2,6] p<0,001), que não se sentiram apoiadas pela mãe durante a gestação (B=-2,4 [IC95%=-4,6; -0,2] p=0,035) e aquelas com sintomas depressivos (B=-5,0 [IC95%=-7,4; -2,5] p<0,001) (Tabela 2). As variáveis classe econômica, escolaridade, idade, gravidez anterior, aborto anterior, gravidez planejada, apoio do pai da criança, abuso/ dependência de tabaco, abuso/dependência de álcool e sintomas ansiosos não estiveram estatisticamente associados com o AMF (p>0,005).

Tabela 2
Análise de regressão linear múltipla das características demográficas, socioeconômicas, gestacionais, de apoio social, comportamentais, de saúde mental materna e o apego materno-fetal de gestantes, Pelotas, sul do Brasil (2016-2018).

Discussão

Este estudo explorou um conjunto de fatores associados ao AMF, como apoio social, abuso de substâncias, saúde mental da gestante, características sociodemográficas e gestacionais em uma amostra de base populacional no sul do Brasil. Verificou-se que as gestantes que não viviam com um companheiro, que não tiveram o apoio da mãe durante a gestação, que estavam entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional e que apresentaram sintomas depressivos, tiveram menores médias de AMF.

Os achados demonstram a importância de uma rede de apoio adequada durante a gravidez, principalmente de parceiros, pais ou outros familiares próximos, conforme relatado em estudos anteriores.7,24,25 O puerpério é um período de grandes mudanças na vida da mulher. O apoio social positivo, bem como a convivência com um parceiro durante esse período, pode contribuir para melhorar o bemestar materno e infantil e pode ser muito útil para facilitar o vínculo entre as mães e seus filhos. Em termos de AMF, uma mãe que sabe o que é receber apoio e cuidados, pode estar mais disponível para cuidar.

Verificou-se que as gestantes que não tiveram o apoio da mãe durante a gestação e que não viviam com um companheiro apresentaram menores médias de AMF. No entanto, na análise multivariada, a variável apoio do pai do bebê não permaneceu associada ao AMF. A literatura demonstra a relevância do companheiro nesse período importante para a mulher.4,16,26 Às vezes, o pai do bebê não é necessariamente o atual companheiro da mãe. Um estudo constatou que mulheres casadas tiveram mais apoio do que as solteiras e que a presença do companheiro e a estabilidade conjugal são fatores importantes para a saúde e o bem-estar das mesmas.26 Assim, a presença de um companheiro, que possibilite trocas afetivas, sensação de segurança e de pertencimento para a gestante, pode estar mais relacionado à capacidade materna de vincular-se ao seu bebê.

Esses resultados corroboram com a literatura. Um estudo de Punamäki et al.8 envolveu 511 díades mãebebê e mostrou que o apoio social durante a gravidez e a boa saúde mental materna contribuíram para níveis mais elevados de AMF. O apoio social adequado em momentos de alto estresse e grande vulnerabilidade no ciclo vital, parece ser de grande importância em vários aspectos e tem sido associado a fatores de proteção para a saúde mental.

Outro resultado importante do presente estudo foi que gestantes com sintomas depressivos apresentaram menores médias de AMF. Os prejuízos da depressão gestacional na prole estão bem estabelecidos na literatura. Os sintomas característicos da depressão (tristeza, apatia, anedonia, culpa e outros) podem interferir na capacidade empática e na disponibilidade de afeto materno e, assim, prejudicar a construção de um vínculo saudável com o bebê.1

Rossen et al.9 identificaram os diferentes fatores de risco e proteção associados às representações maternas em relação ao feto. Os resultados mostraram que os sintomas depressivos foram os fatores de risco mais fortemente associados às expectativas negativas da mãe em relação ao feto. Outro estudo que comparou o AMF em mulheres com Transtorno Depressivo Maior (TDM) com aquelas sem o transtorno, descobriu que o diagnóstico de TDM esteve associado a níveis significativamente mais baixos de AMF. A gravidade da depressão foi associada negativamente com os escores do AMF, indicando que quanto mais grave a depressão, menor o AMF da gestante.27

Verificou-se também que as gestantes que estavam entre o primeiro e o segundo trimestre gestacional apresentaram menores médias de AMF. Segundo Cranley5 o AMF tende a se intensificar ao longo da gravidez, devido às mudanças corporais e ao aumento dos movimentos fetais, o que pode facilitar a criação de representações do feto e, consequentemente, o vínculo mãe-bebê. Esses achados corroboram com o estudo realizado por Rowe et al.28 na Austrália, em que gestantes que estavam no primeiro trimestre gestacional apresentaram menores médias de AMF. Nos Estados Unidos, Yarcheski7 realizou uma meta-análise para identificar os preditores do AMF e determinar a magnitude da relação de cada preditor. O estudo produziu quatorze preditores do AMF e a idade gestacional teve um tamanho de efeito de moderado a substancial, indicando que o AMF se intensifica com o avanço da gravidez.

Os resultados deste estudo devem ser interpretados com cautela. O fato de ser um estudo transversal, portanto, impossibilitando inferir causalidade, pode ser considerado uma limitação deste estudo. Além disso, embora não tenha sido encontrada associação entre o AMF e o abuso/ dependência de álcool e tabaco, alguns estudos anteriores mostraram essa relação.13,24 É possível que, devido à questão da aceitabilidade social das gestantes, muitas tenham se sentido incomodadas em admitir o uso abusivo dessas substâncias, o que pode ter interferido em nossos achados (viés do entrevistado). Além disso, cabe ressaltar que a avaliação do uso abusivo de álcool e tabaco foi realizada na primeira fase do estudo, que incluiu mulheres com até 24 semanas de gestação. Como o instrumento ASSIST investiga o uso abusivo dessas substâncias nos últimos três meses, é possível que algumas mulheres tenham respondido relativo a um período em que ainda não estavam grávidas. Portanto, sugere-se novas pesquisas sobre o assunto.

Apesar das limitações, foi investigado uma série de possíveis fatores associados e de confusão citados na literatura, que corroboram os achados do nosso estudo. Além disso, pesquisas que explorem fatores que podem servir de proteção para a gravidez e para o desenvolvimento infantil são apropriadas, principalmente em populações mais vulneráveis. O AMF tem sido considerado um indicador de adaptação à gravidez e associado às práticas de saúde nesse período. As práticas positivas de saúde incluem abster-se de comportamentos de risco, como o uso de tabaco, álcool e outras substâncias nocivas.13,14

Sabe-se que o AMF positivo contribui para a relação mãe-filho após o nascimento e, principalmente, para o desenvolvimento de um apego seguro em relação à criança.8 Indivíduos com apego seguro tendem a se sentir mais satisfeitos nas relações interpessoais.29 Além disso, estudos anteriores mostraram que o AMF foi diretamente associado ao desenvolvimento infantil.8,14 Assim, a atenção ao AMF é justificada, uma vez que há evidências de influência positiva e negativa nos resultados da prole.14

Nessa perspectiva, esses achados corroboram o estudo de Roncallo et al.30 que sugeriu que uma forma de promover precocemente o desenvolvimento infantil no período perinatal inclui a promoção do vínculo pré-natal, do relacionamento do casal, das redes de apoio social e da saúde física e mental da mãe. Assim, a avaliação precoce do AMF é adequada e pode ser um indicador útil para uma intervenção clínica e psicológica precoce.12 Trabalhar para promover o vínculo pré-natal pode ter um impacto positivo nos padrões de cuidados físicos e emocionais durante esse mesmo período, bem como uma melhor relação maternoinfantil no período pós-parto.

Em resumo, os resultados deste estudo mostraram que um maior AMF foi associado a uma rede de apoio adequada durante a gravidez, especialmente o apoio da mãe e a convivência com o companheiro. O AMF também foi associado a uma melhor saúde mental materna e gravidez avançada. Ressalta-se que o período gestacional é caracterizado por diversas alterações hormonais e psicossociais, em que as gestantes estão mais vulneráveis emocionalmente. É também nesse período que se inicia a primeira relação com o feto. Portanto, é fundamental que a gestante se sinta bem e segura para o desenvolvimento de um AMF positivo. Assim, intervenções apropriadas em ambientes de assistência pré-natal devem ser implementadas para ajudar as gestantes a terem uma gravidez saudável. Essas intervenções devem enfatizar a importância do apoio social e da saúde mental materna para permitir o desenvolvimento e a melhoria de um AMF saudável.

Agradecimentos

Gostaríamos de expressar nossa gratidão a todas as gestantes que participaram deste estudo. Agradecemos também à Fundação Bill & Melinda Gates, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT).

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  • Editor Associado: Sheyla Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2022
  • Revisado
    11 Jan 2023
  • Aceito
    01 Fev 2023
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