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Regionalização da vigilância em saúde: uma proposta de avaliação de desempenho em uma região de saúde no Brasil

Resumo

Objetivos:

avaliar o desempenho da regionalização da Vigilância em Saúde (VS) em uma região do Estado de São Paulo.

Métodos:

estudo quantitativo e transversal, realizado na V Diretoria Regional de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Foi desenvolvido um questionário estruturado, a partir das três dimensões da pesquisa (Política, Estrutura e Organização). Utilizou-se como tendência central o escore médio (EM) e para cada dimensão e atributo foram construídos índices sintéticos. Foram atribuídos três pontos de corte para avaliação do desempenho: valores iguais ou abaixo de 4,99 foram considerados insatisfatórios; entre 5,00 e 6,99, intermediários; e iguais ou acima de 7,00 satisfatórios.

Resultados:

o desempenho da regionalização da VS foi considerado satisfatório, com destaque para a dimensão ‘Política’ (EM 8,51) e ‘Organização’ (EM 8,18). A ‘Estrutura’ obteve desempenho intermediário (EM 6,78). A metodologia proposta mostrou-se apropriada para avaliar o desempenho da regionalização da VS, porque permitiu identificar suas potencialidades e fragilidades.

Conclusões:

apesar da regionalização ser um processo em curso, faz-se necessário o estabelecimento de um projeto político que a assuma efetivamente como estratégia para a reorganização da atenção à saúde no Brasil.

Palavras-chave:
Vigilância em saúde pública; Regionalização; Avaliação em saúde; Avaliação de desempenho

Abstract

Objectives:

To evaluate the performance of the regionalization of the Vigilância em Saúde (VS) (Health Surveillance) in a region in Sao Paulo State.

Methods:

a quantitative cross-sectional study was carried out at the V Diretoria Regional de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (V Board of the Regional Health Secretary of São Paulo State Health Department). A structured questionnaire was developed from the three dimensions of the research (Policy, Structure and Organization). The escore médio (EM) (average score) was used as the central tendency and for each dimension and attributes, the synthetic indices were constructed. Three cutoff points for assessing the performance were assigned: values equal to or below 4.99 were considered unsatisfactory; between 5.00 and 6.99, intermediaries; and equal to or above 7.00, satisfactory.

Results:

The performance of the regionalization of the VS was considered satisfactory, with emphasis on the 'Policy' (EM 8.51) and 'Organization' (EM 8.18) dimensions. The ‘Structure’ obtained intermediate performance (EM 6.78). The proposed methodology demonstrated to be appropriate to evaluate the performance of the regionalization of VS, because its strengths and weaknesses were allowed to be identified.

Conclusions:

despite of the regionalization is an ongoing process, it is necessary for the establishment of a political project that will take up effectively as a strategy for the reorganization of the healthcare in Brazil.

Key words
Public health surveillance; Regionalization health planning; Health evaluation; Performance evaluation

Introdução

No Brasil, durante a década de 1990, a estratégia priorizada pela política nacional para a construção de um sistema de saúde universal, equânime e integral foi a descentralização, tendo como foco principal a municipalização. No entanto, o balanço que se faz desse modelo de descentralização adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é que, inicialmente, o mesmo foi importante para a expansão da cobertura de serviços e recursos públicos provenientes das esferas estaduais e municipais, porém não foi capaz de proporcionar a integração de serviços, instituições e práticas nos territórios, nem tampouco a formação de arranjos mais cooperativos na saúde.11 Teixeira CF, Solla JP. Modelo de atenção à Saúde no SUS: trajetória do debate conceitual, situação atual, desafios e perspectivas. In: Lima NT, Gerchman S, Edler FC, Suárez JM, editor. Saúde e Democracia: história e perspectiva do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 4ª reimpressão, 2015. p. 504. Assim, as condições para um projeto de descentralização que atendesse às finalidades da política nacional de saúde não foram alcançadas. Em consequência, percebe-se que seus resultados são contraditórios e altamente dependentes de condições locais prévias.22 Viana ALD, Fausto MCR, Lima LD. Política de saúde e equidade. São Paulo Perspect. 2003; 17 (1): 58-68.

Na tentativa de superar as limitações decorrentes da municipalização, a regionalização passou a ser priorizada como macroestratégia organizativa do sistema de saúde brasileiro. No entanto, um estudo realizado por Vargas et al.,33 Vargas I, Mogollón PAS, Unger JP, De Paepe P, Vázquez ML. Regional-based Integrated Healthcare Network policy in Brazil: from formulation to practice. [internet]. Health Policy Plann; 2014; 30 (6): 705-17. o qual analisou a regionalização no Brasil, concluiu que esse processo apresenta baixa implantação e desenvolvimento, pois depende de responsabilidades complexas da entidade regional e da fragilizada co- responsabilização dos níveis estadual e federal. Além disso, sabe-se que as características dos sistemas descentralizados de saúde são bastante heterogêneas no território nacional, pois refletem as diferentes capacidades financeiras, administrativas e operacionais para a prestação da atenção à saúde e as distintas disposições políticas dos governantes.44 Souza C. Governos e sociedades locais em contextos de desigualdades e de descentralização. Ciênc Saúde Coletiva. 2002; 7 (3): 431-42.

No que se refere à Vigilância em Saúde (VS), sabe-se que desde o início do processo de construção e implantação do SUS foi debatida uma proposta coerente com a necessidade de reorganizar e reorientar os serviços de saúde no país.55 Fracolli LA, Faria LS, Pereira JG, Melchior R, Bertolozzi MR. Vigilância à Saúde: deve se constituir como política pública? Saúde Soc. 2008; 17 (2): 184-92. Para tal, a VS tem um papel fundamental do ponto de vista técnico-operacional, pois viabiliza a reorientação do processo de trabalho ao reconhecer o território como conceito fundamental e, nesse espaço, busca-se estabelecer a definição de problemas e de prioridades, bem como o conjunto de meios para atender efetivamente às necessidades de saúde da comunidade, por meio de atividades que envolvem a produção de informações e o desenvolvimento de ações de promoção, prevenção e controle de doenças e agravos,66 Faria LS, Bertolozzi MR. Aproximações teóricas acerca da vigilância à saúde: um horizonte para a integralidade. Acta Paul Enferm. 2009; 22 (9): 422-7. sem perder de vista a diretriz da regionalização do sistema nacional de saúde.

Diante desse contexto de mudanças organizacionais, surge a necessidade do delineamento de estratégias que contribuam com a melhoria do desempenho e respondam às necessidades institucionais do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS),77 Costa JMBS, Cesse EAP, Samico IC, Carvalho, EMF. Avaliação do desempenho estadual da vigilância em saúde de Pernambuco Abstract. Physis. 2015; 25 (4): 1141-63. alinhado às perspectivas atuais de regionalização do SUS. Destaca-se a necessidade de estudos que abordem a temática da VS numa perspectiva regional, com o intuito de fortalecer essa estratégia. Para tal, diversos autores88 Larhey R, Nielsen SB. Rethinking the relationship among monitoring, evaluation and results based management: observations from Canada. New Directions for Evaluation. 2013; 137: 45-56.,99 Marchal B, Hoerée T, Silveira VC, Belle SV, Prashanth N, Kegels G. Building on the EGIPSS performance assessment: the multipolar framework as a heuristic to tackle the complexity of performance of public service oriented health care organizations. BMC Public Health. 2014; 14: 378-91. apontam a avaliação de desempenho como uma estratégia indutora de mudanças capaz de promover uma maior responsabilização, transparência e melhoria contínua da qualidade dos serviços de saúde. E, embora não haja consenso sobre como medir o desempenho dos sistemas e serviços de saúde, este pode ser definido em relação ao cumprimento de objetivos das organizações que compõem o sistema.1010 Viacava F, Almeida C, Caetano R, Fausto M, Macinko J, Martins M, Noronha JC, Novaes HMD, Oliveira ES, Porto SM, Silva LMV, Szwarcwald CL. Uma metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 9 (3): 711-24.

No Brasil, o desempenho no setor saúde é ainda pouco explorado, especialmente no que tange à VS.77 Costa JMBS, Cesse EAP, Samico IC, Carvalho, EMF. Avaliação do desempenho estadual da vigilância em saúde de Pernambuco Abstract. Physis. 2015; 25 (4): 1141-63. Cita-se, como exemplos, o estudo realizado por Silva Júnior,1111 Silva Júnior JB. Epidemiologia em serviço: uma avaliação de desempenho do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde. [tese] Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2004. o qual avaliou o desempenho do SNVS por meio de um indicador composto e, mais recentemente, o estudo feito por Teixeira et al.,1212 Teixeira GM, Costa MCN, Souza LP, Nascimento EMR, Barreto ML, Barbosa N, Carmo EH. Evaluation of Brazil's public health surveillance system within the context of the International Health Regulations. Rev Panam Salud Pública. 2012; 32 (1): 49-55. que avaliou o SNVS à luz do Regulamento Sanitário Internacional. No entanto, esses estudos apresentaram conceitos e abordagens diversas, trazendo à tona a discussão do desempenho nesse subsistema do SUS. Entende-se, portanto, que refletir sobre o desempenho, identificando um modelo de avaliação com um maior potencial explicativo e adequado à realidade da regionalização da VS, ainda é um desafio. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo avaliar o desempenho da regionalização da VS em uma região do estado de São Paulo, a partir de uma metodologia desenvolvida para esse fim, com o intuito de contribuir com a discussão dessa temática.

Métodos

Trata-se de um estudo de caso, de cunho quantitativo transversal, o qual é parte integrante da pesquisa intitulada Política, Planejamento e Gestão das Regiões e Redes de Atenção à Saúde no Brasil. O local do estudo foi a Diretoria Regional de Saúde V (DRS-V) da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP), subdividida nas regiões Norte-Barretos e Sul-Barretos, composta pelos seguintes municípios: Altair, Barretos (sede), Bebedouro, Cajobi, Colina, Colômbia, Guaíra, Guaraci, Jaborandi, Monte Azul, Paulista, Olímpia, Severínia, Taiaçu, Taiúva, Taquaral, Terra Roxa, Viradouro e Vista Alegre do Alto.

A região de saúde foi selecionada intencionalmente tomando como base as 436 regiões de saúde constituídas no território brasileiro, a partir do estudo de tipologia proposto por Viana et al.1313 Viana ALD, Bousquat A, Pereira APCM, Uchimura LYT, Albuquerque MV, Mota PHS, Demarzo MMP, Ferreira MP. Tipologia das regiões de saúde: condicionantes estruturais para a regionalização no Brasil. Saúde Soc. 2015; 24 (2): 413-22. A amostra da pesquisa foi do tipo não-probabilística, na qual os municípios da região foram selecionados por conveniência. Foram selecionados municípios com maior capacidade instalada em saúde para as regiões Norte-Barretos (Olímpia) e Sul-Barretos (Bebedouro), com menor capacidade instalada e com uma população significativa de ambas as regiões (Cajobi e Taiúva), além do município sede da DRS-V (Barretos), perfazendo um total de cinco municípios estudados. Participaram desta pesquisa atores-chave para a área de VS nas respectivas regiões, da esfera municipal e regional. Esses informantes foram identificados de acordo com a ocupação profissional nos principais órgãos de VS.

Para a avaliação do desempenho da regionalização da VS foi elaborado um questionário estruturado para coleta de dados primários quantitativos, aplicado a atores-chave das regiões de saúde. Esse questionário foi elaborado por uma rede de pesquisadores pertencentes a 18 instituições, distribuídas pelas 5 regiões brasileiras, baseado nos aspectos políticos, estruturais e organizacionais do processo de regionalização da VS, tomando como base as três dimensões da pesquisa (Política, Estrutura e Organização) (Figura 1). Posteriormente, esse questionário foi validado por um grupo de experts, formado por 15 profissionais da área da VS e cinco da avaliação em saúde, tendo como base a técnica denominada ‘Conferência de Consenso’,1414 Reis YAC, Cesse EAP, Carvalho EF. Consensos sobre o papel do gestor estadual na regionalização da assistência à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010; 10 (supl. 1): 157-72. adaptada para os fins da pesquisa.

Figura 1
Esquema analítico: Dimensões Política, Estrutura e Organização.

Na primeira etapa, os experts da VS receberam via e-mail um arquivo contendo as perguntas do questionário. Cada um deles analisou as questões, propondo alterações no texto, supressão ou acréscimo de questões sendo as respostas de cada expert armazenadas individualmente em uma base de dados para posterior análise e consolidação pela equipe da pesquisa. Na segunda etapa, foi realizado um encontro presencial com o total de experts, possibilitando a discussão sobre as alterações propostas, além de reflexões à luz das experiências e dos conhecimentos acumulados por cada um. Ao final dessa discussão, as questões acrescentadas ou suprimidas, bem como as alterações de texto, foram consolidadas. Na terceira e última etapa, o consolidado das informações discutidas na segunda etapa foi submetido apenas ao grupo de experts da avaliação em saúde, os quais fizeram apenas ajustes de escrita.

O instrumento de pesquisa foi composto por questões expressas na escala Likert1515 Likert R. Una Técnica para la Medicion de Atitudes. In: Weinerman CH. Escalas de Medicion en Ciências Sociales. Buenos Aires: Nueva Vision; 1976. p.201-60. de cinco pontos, em que o valor um (1) equivale à pior avaliação e o cinco (5) à melhor avaliação. As respostas dessas questões foram dispostas em escala de frequência (sempre, quase sempre, às vezes, raramente, nunca ou não sabe), de importância (muito alta, alta, média, baixa, muito baixa ou não sabe) ou dicotômica (sim ou não). O questionário também contém questões de múltipla escolha e questões abertas.

O grupo de respondentes foi composto por gestores da VS, porém quando o organograma do município não contemplava um gestor específico de VS, foram entrevistados gestores de Vigilância Epidemiológica, Ambiental e Sanitária, conjuntamente. Os questionários foram aplicados com seis gestores municipais e dois gestores da instância regional, perfazendo um total de oito gestores entrevistados.

Com o intuito de apreender a realidade empírica e a operacionalização da avaliação das dimensões Estrutura e Organização, utilizou-se o conceito de condição traçadora.1616 Kessner DM, Kalk CE, Singer J. Assessing health quality: the case for tracers. New Engl J Med. 1973; 288 (4): 189-94. As condições traçadoras adotadas por este estudo foram a dengue e a tuberculose, selecionadas por apresentarem as seguintes características: a) alta prevalência e disseminação em todo o território nacional; b) pelo fato de existirem critérios normativos explícitos para diagnóstico e tratamento dessas doenças; c) por possuírem programas de prevenção e controle estabelecidos, com ações e fluxos determinados entre as diversas instâncias gestoras.

Índice de desempenho da regionalização

Para a análise do desempenho da regionalização, segundo as dimensões e atributos, elegeram-se as seguintes variáveis (Tabela 1):

Tabela 1
Dimensões, Atributos e Variáveis para avaliação do desempenho da regionalização.

O escore médio (EM) foi a medida de tendência central selecionada para a análise dos resultados das questões dispostas na escala Likert, o qual varia em uma escala de 1 a 10. Além disso, para cada atributo foram construídos índices sintéticos, também expressos na escala 1 a 10, compostos pela média dos resultados das variáveis. O índice de desempenho corresponde ao resultado agregado de cada dimensão do estudo (Política, Estrutura e Organização), de acordo com os atributos e indicadores, bem como ao agregado geral da região, considerando as três dimensões do estudo.

Foram atribuídos três pontos de corte para avaliação do desempenho de cada dimensão, atributo e desempenho final da região: valores iguais ou abaixo de 4,99 foram considerados insatisfatórios; entre 5,00 e 6,99, intermediários; e iguais ou acima de 7,00 satisfatórios. Para as questões dicotômicas e multinomiais, optou-se por utilizar o percentual das respostas afirmativas e/ou positivas em relação ao item investigado. Todas as questões foram tabuladas no software Excel e a análise estatística foi realizada no programa SPSS para Windows, versão 21.0 (Armonk, NY).

Com relação às questões abertas, foi realizada análise do tipo temática com o objetivo de identificar núcleos de sentido que compõem a comunicação dos entrevistados, cuja a presença ou repetição nas diversas falas apresentavam significado para o objeto analítico investigado.1717 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2010. Os dados considerados relevantes foram inseridos de forma ordenada e cronológica em uma matriz de análise, com o intuito de facilitar a compreensão, interpretação e análise do material.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres humanos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) com o número de protocolo 071/2015.

Resultados

O desempenho da regionalização da VS na DRS-V do estado de São Paulo de acordo com a metodologia proposta foi considerado satisfatório (EM 7,82), com destaque para a dimensão Política, a qual obteve o EM satisfatório (8,16), seguida das dimensões Organização (EM 8,02), cujo desempenho também foi satisfatório, e Estrutura (EM 6,78), com desem-penho intermediário (Tabela 2).

Tabela 2
Índice de desempenho da regionalização da VS, segundo dimensões, atributos e índice global. DRS-V, São Paulo, 2015.

Dimensão Política

A região de saúde atingiu posição satisfatória em relação à dimensão Política, reconhecendo a importância da CIR como espaço de discussão de temas da VS. No que se refere ao protagonismo da região, notou-se a importância dada aos órgãos da SES nível central e à instância regional da SES na tomada de decisão sobre VS (Tabela 3).

Tabela 3
Índice de desempenho da regionalização da VS segundo dimensão, atributo, indicador e variável. DRS-V, São Paulo, 2015.

De acordo com os entrevistados, a principal instituição organizadora da VS na região é a Estrutura Regional da SES (77,5%), identificada como Departamento Regional de Saúde (DRS), e em seguida a SES nível central (32,5%) . As demais instituições indicadas no questionário (Secretarias Municipais de Saúde, estabelecimentos prestadores de serviço de saúde e universidades) não foram citadas pelos entrevistados.

Em relação à importância dos órgãos, instituições/organizações e espaços para a tomada de decisões sobre VS na região estudada, foram avaliadas como relevantes: a Comissão Intergestores Regional (CIR) (EM 8,31) o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS) (EM 8,06), a estrutura regional da SES e a SES nível central, ambas com EM 7,48. As organizações da sociedade civil, bem como as instituições acadêmicas não atingiram o EM 7,0.

Quanto à frequência de discussões nas reuniões da CIR, 75,0% dos entrevistados apontaram que temas da VS são sempre debatidos. Porém, quando questionados a respeito das principais questões discutidas, os respondentes apontaram o financiamento das ações, especialmente no que diz respeito ao controle de arboviroses, como a principal temática abordada.

Dimensão Estrutura

O desempenho da dimensão Estrutura foi prejudicado principalmente devido à classificação dos atributos ‘suficiência financeira’ e ‘suficiência de recursos humanos’. Já os investimentos para VS, o percentual de execução dos recursos do PFVVPS e a participação relativa das esferas federal, estadual e municipal no custeio da VS na região apresentaram avaliação intermediária. Observou-se também a insuficiência de profissionais em quase todas as categorias estudadas (Tabela 3).

Para 62,5% dos respondentes, a capacidade instalada da VS na região de saúde estudada é adequada às necessidades da população. A frequência na mobilização de apoios necessários para execução das ações de VS obteve a melhor avaliação nos itens ‘gestão dos sistemas de informação de VS’, ‘vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis’ e ‘Controle de riscos inerentes aos produtos e serviços de saúde’ (EM 8,87; 8,65; 8,42, respectivamente).

A participação da esfera federal no custeio da VS na região obteve resultado satisfatório (EM 7,07), enquanto que as esferas municipal e estadual tiveram resultados intermediário e insatisfatório (EM 6,85 e 4,95, respectivamente). Para 50,0% dos entrevistados, a execução dos recursos do Piso Fixo e Variável da Vigilância e Promoção da Saúde (PFVVPS) ficou entre 75,0 e 100,0% nos últimos três anos. Quando questionados sobre o comporta-mento dos investimentos em VS na região, 50,0% dos respondentes referiram que aumentou.

No que diz respeito à suficiência de recursos humanos por categorias profissionais, apenas digitadores para os sistemas de informação da VS obteve EM satisfatório (7,75). As demais categorias pesquisadas apresentaram EM abaixo do ponto de corte considerado satisfatório. Apesar da carência no quantitativo de profissionais para VS na região, 100,0% dos entrevistados referiram que processos de formação continuada são disponibilizados para todos os profissionais.

No que tange à suficiência de recursos físicos, a existência de ‘veículos exclusivos’ (EM 5,5) obteve a pior pontuação, sendo classificado como intermediário. A frequência com que as ações/procedimentos relativos à vigilância da tuberculose e à vigilância e controle dos casos de dengue, apontadas no questionário, são executadas, alcançaram o EM relativo à avaliação satisfatória.

Dimensão Organização

No que diz respeito ao controle de determinantes, riscos e danos à saúde, a região também alcançou posição satisfatória, principalmente devido à realização de ações para o controle da dengue, à frequência com que os dados relacionados à tuberculose gerados pelos Sistemas de Informação (SIM, Sinan etc.) são consolidados e analisados e à frequência com que os casos de doenças de notificação compulsória são encerrados por critério laboratorial (Tabela 3).

O planejamento da ações e serviços de VS na região foi realizado considerando os critérios epidemiológicos (EM 10,0), os perfis socioe-conômico e demográfico (EM 10,0), a dimensão e a distribuição da rede de serviços de assistência à saúde (EM 10,0) e a caracterização das condições ambientais (abastecimento de água, coleta de lixo e dejetos etc) (EM 7,75). Com relação à definição das atribuições/funções dos gestores da VS, todas as esferas (federal, municipal e estadual) apresentaram avaliação satisfatória (EM 8,87, 8,87 e 7,75, respectivamente).

Na região, foram definidas práticas e processos de trabalho voltados para: vigilância da saúde do trabalhador (EM 10,0); vigilância da situação de saúde da população; detecção oportuna e adoção de medidas adequadas para resposta às emergências em saúde pública; vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis; vigilância de populações expostas a riscos ambientais em saúde; vigilância sanitária dos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos, serviços e tecnologias (EM 8,87) e vigilância das doenças crônicas não transmissíveis, dos acidentes e violências (EM 7,75).

No que se refere à integração sistêmica da VS na região, para 77,5% dos entrevistados existe integração intrasetorial da VS; e para 100,0% deles, existe integração entre a VS e os demais serviços de saúde.

Quando questionados sobre qual o papel da VS na Rede de Atenção à Saúde (RAS) na região, os entrevistados apontaram que a VS tem um papel primordial, pois é ela que acompanha a situação de saúde da população e, assim, subsidia as estratégias para solução dos problemas de saúde, contribuindo para melhoria da qualidade de vida da população e para promoção da saúde. Outro respondente caracterizou a VS como o órgão articulador da RAS, e o mesmo referiu a importância de os gestores da VS participarem dos grupos condutores da RAS. Um terceiro entrevistado destacou que a VS tem papel fundamental na RAS, mas que a Vigilância Sanitária não se enquadra nesse papel, pois os inspetores sanitários não se envolvem nas discussões sobre a RAS na região.

Com relação ao papel da VS na Atenção Primária à Saúde (APS), os entrevistados referiram que a VS depende diretamente da APS, pois é ela que executa as ações de vigilância no território por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF). Um respondente destacou que a VS e a APS são parceiras, e que a VS realiza treinamentos para as equipes da ESF e é responsável pela logística de ações e campanhas (vacina, panfletos, preservativos, dentre outros insumos).

Para promoção da integração entre a VS e a APS na região, os principais itens apontados foram: organização conjunta do processo de trabalho (EM 8,26); práticas conjuntas de educação permanente em saúde e mapeamento e avaliação conjuntos (EM 8,08); mecanismos de planejamento e programação conjuntos (EM 7,93); realização de ações coletivas intra e intersetoriais no território e ações conjuntas entre os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e os Agentes de Controle de Endemias (ACE) (EM 7,57); e participação em comitês conjuntos, como por exemplo, comitê de investigação de óbitos (EM 7,41). Os demais itens do questionário tiveram pontuação abaixo do ponto de corte considerado.

Quando questionados sobre os principais fatores que interferem direta ou indiretamente no registro de óbitos com a causa mal definida na região, todos os entrevistados indicaram o profissional médico como o principal responsável por essa situação. Os mesmos apontaram a falta de conhecimento e/ou de comprometimento desses profissionais no que diz respeito ao preenchimento adequado da Declaração de Óbito (DO). Porém, três respondentes referiram que esse indicador avançou bastante na região após a implantação do serviço de verificação de óbito (SVO).

De acordo com 75,0% dos respondentes, sempre ou quase sempre é necessário enviar amostra laboratorial de exames de interesse para a VS para análise outra região. No entanto, para 75,0% deles, sempre ou quase sempre os casos de doenças de notificação compulsória são encerrados por critério laboratorial.

No que se refere aos casos de tuberculose, a frequência com que as ações a seguir são realizadas alcançaram a melhor avaliação: notificação dos casos diagnosticados (EM 7,75); aconselhamento pré e pós-teste e busca ativa de faltosos ao tratamento (EM 7,52); tratamento dos casos de tuberculose de acordo com o protocolo de Tratamento Diretamente Observado (TDO) (EM 7,3). Os demais itens do questionário ficaram abaixo no ponto de corte considerado, demonstrando uma menor frequência de realização.

Para 88,7% dos entrevistados os dados gerados pelos Sistemas de Informação (Sistema de Informação sobre Mortalidade - SIM, Sinan etc) sempre são consolidados e analisados. E ainda, de acordo com 77,5% deles, os casos de tuberculose resistente e multidroga resistente são acompanhados regularmente. Entretanto, quando questionados sobre as principais dificuldades para que esse acompanhamento ocorra, os respondentes apontaram o fato das referências secundária e terciária para o tratamento de tuberculose estarem localizadas em outra região de saúde e a existência de população flutuante na região.

Com relação à execução de ações para o controle da dengue, todas as opções apontadas no questionário alcançaram EM satisfatório.

Discussão

No Brasil, em que pese o grande número de iniciativas voltadas para a consolidação do SUS e a existência de vários projetos dirigidos para a avaliação das inovações que vêm sendo implementadas, não existe nenhuma iniciativa no sentido de avaliar o desempenho da regionalização do SNVS, uma vez que grande parte das avaliações no âmbito da VS está voltada para o seu processo de descentralização, com foco na municipalização. De acordo com Aristovinik, 18 a literatura sobre avaliação de sistemas de saúde no âmbito regional é escassa e, para o autor, mensurar a eficiência desses sistemas regionais torna-se complexo devido às suas características particulares, especialmente devido aos recursos socioeconômicos disponíveis.

Assim, o presente estudo propôs uma avaliação de desempenho da regionalização da VS tomando como base três dimensões do sistema de saúde - Política, Estrutura e Organização - entendendo-se que essas dimensões são caracterizadas pelos condicionantes da dinâmica regional da saúde. A metodologia proposta mostrou-se apropriada para avaliar o desempenho da regionalização da VS, especialmente porque permitiu identificar potencialidades e fragilidades que podem influenciar diretamente na coleta, consolidação, análise e disseminação das informações em saúde, bem como no planejamento e na implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, e a promoção da saúde.1919 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013. Regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Diário Oficial da União 2013; 10 jul.

A avaliação de desempenho realizada neste artigo evidenciou que o processo de regionalização da VS na região estudada obteve resultado satisfatório, apontando, entretanto, para diferenças importantes entre as dimensões relacionadas na pesquisa. Sugere-se que essas diferenças decorram do fato de cada dimensão (Política, Estrutura e Organização) ser influenciada por processos distintos.

No que diz respeito à Política, nota-se a grande influência da CIR no desempenho geral da dimensão, uma vez que a mesma foi apontada pela maioria dos entrevistados como um espaço permanente de discussão de temas inerentes à VS. A regulamentação da CIR se deu por meio do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, o qual estabeleceu o seu funcionamento nas regiões de saúde,2020 Brasil. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun. instituindo-a como espaço de pactuação e cooperação solidária entre os participantes para que dessa maneira a região de saúde seja fortalecida.2121 Santos AM, Giovanella L. Governança regional: estratégias e disputas para gestão em saúde. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 622-31.

Ressalta se também o desempenho relevante do COSEMS e dos níveis central e regional da Secretaria Estadual de Saúde como espaços para tomada de decisão sobre VS. Com relação aos últimos, cabe aqui destacar que a partir da publicação do Pacto pela Saúde, o território regional é pensado na lógica de sistema, 22 o que passou a exigir uma nova dinâmica de relações intergovernamentais para o avanço da descentralização, com a superação da fragmentação decisória e a integração dos sistemas municipais de saúde sob a coordenação da gestão estadual.2323 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 399 de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 - Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Diário Oficial da União 2006; 22 fev.

No que tange à Estrutura, diversos estudos apontam que, historicamente, a VS no Brasil tem sido constituída em meio a um quadro de precariedade de recursos humanos e de estrutura física.2424 Simoes EJ, Ramos LR, McDuffey KY, Luo YH. Evaluation of Epidemiological Surveillance Capacity and Needs in Five Brazilian States: A Report to the World Bank - Brazil. Centers for Disease Control and Prevention, Division of Adult and Community Health; 2004. p. 120.,2525 Albuquerque AC, Mota ELA, Felisberto E. Descentralização das ações de vigilância epidemiológica em Pernambuco, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2015; 31 (4): 861-73. Sabe-se que apesar da obrigatoriedade da estrutura mínima definida pelos protocolos de certificação paras as ações de epidemiologia e controle de doenças no ano de 1999,26 na prática esse processo ocorreu de forma assimétrica no território nacional, fato que prevaleceu após a descentralização.2525 Albuquerque AC, Mota ELA, Felisberto E. Descentralização das ações de vigilância epidemiológica em Pernambuco, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. 2015; 31 (4): 861-73. A exceção nesse contexto estrutural se deve à evolução no financiamento das ações de VS, com a criação de mecanismos mais estáveis e aumento dos recursos disponíveis após o advento da descentralização.1111 Silva Júnior JB. Epidemiologia em serviço: uma avaliação de desempenho do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde. [tese] Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2004.

Com relação à dimensão Organização, foi possível perceber a importância do planejamento, da gestão e da integração intra e intersetorial para VS da região. Em sentido contrário à Estrutura, ao longo dos últimos anos a Organização do SUS vem sendo consolidada por meio de diretrizes e parâmetros estabelecidos em documentos, a exemplo de leis, portarias, políticas ou planos, no intuito de nortear e qualificar o planejamento e a gestão democrática do sistema de saúde. Na VS essa realidade não foi diferente. Desde o início do seu processo de descentralização até os dias atuais, a VS vem desenvolvendo mecanismos para a sua organização, cabendo ao Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, a gestão das ações e a coordenação do SNVS.1919 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013. Regulamenta as responsabilidades e define diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Diário Oficial da União 2013; 10 jul.,2626 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.399, de 15 de dezembro de 1999. Regulamenta a NOB SUS 01/96 no que se refere às competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, na área de epidemiologia e controle de doenças, define a sistemática de financiamento e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 15 dez.

No que diz respeito à gestão da VS na região de saúde, destacou-se o fortalecimento da gestão regional, a prevenção e controle de doenças e agravos e a promoção da saúde, o aprimoramento institucional, o fortalecimento das ações intersetoriais e a integração dos serviços de VS com outros setores. Vale ressaltar também a análise da situação de saúde; a produção de informação e comunicação; o aprimoramento da gestão financeira (alocação e execução dos recursos) e o fortalecimento da capacidade institucional (gestão de pessoas, monitoramento e avaliação).

Ainda com relação à Organização, o Decreto nº 7508/2011 estabelece que o SUS é constituído pelo conjunto de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde executados pelos entes federativos, de forma direta ou indireta, sendo organizado de forma regionalizada e hierarquizada. Essas ações e serviços devem ser oferecidos no âmbito da região de saúde, a qual deverá conter, no mínimo, atenção primária; urgência e emergência; atenção psicossocial; atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e VS.2020 Brasil. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 29 jun.

Nesse sentido, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, estabelece alguns serviços que devem ser disponibilizados em escala regional, tais como laboratórios de saúde pública, centros de controle de zoonoses, câmaras frias para armazenamento de imunobiológicos, centros de referência para imunobiológicos especiais, centrais de armazenamento e distribuição de equipamentos, centros de armazenamento de inseticidas, SVO, serviços de saúde com capacidade de realização de procedimentos de alta e média complexidade para doenças e agravos de interesse à VS, dentre outros.2727 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria de Apoio à Gestão em Vigilância em Saúde. Manual de gestão da Vigilância em Saúde. Brasília, DF; 2009. p. 80. Alguns desses serviços também foram citados na fala dos entrevistados, ora ressaltando o impacto positivo da sua atuação (diminuição no número de óbitos com causa mal definida após implantação do SVO), ora destacando uma carência e, consequentemente, seu impacto negativo (dificuldade no acompanhamento dos casos de tuberculose droga resistente devido à ausência de serviços de referências secundária e terciária para o tratamento de tuberculose na região de saúde).

Apesar de a regionalização ser um processo em curso no SUS, é importante destacar que a discussão em torno dela ainda gera tensões, inclusive em outros países. Exemplo disso é a recente experiência canadense de reversão de processos regionais da saúde.2828 Marchildon GP. The crisis of regionalization. Healthc Manage Forum. 2015; 28 (6): 236-8. Dois motivos principais podem ser apontados para isso: o primeiro diz respeito à forte suspeita de que a regionalização falhou em alcançar seus principais objetivos, como por exemplo, o aumento do acesso. O segundo motivo é o déficit de quase todas as Autoridades Regionais de Saúde (ARS), o equivalente às regiões de saúde no Brasil, pois elas têm demandado cada vez mais recursos sem, em contrapartida, apresentar uma notória melhoria no desempenho.

Considerações finais

Espera-se que os gestores estaduais assumam o protagonismo na indução da regionalização como projeto de governo, não se limitando apenas a uma divisão espacial do território estadual. Entende-se, portanto, que a capacidade de articulação do gestor estadual em promover o envolvimento dos atores e em provocar o sentimento de pertencimento regional é uma tarefa complexa, mas sem dúvida um fator crucial para o desenvolvimento de uma regionalização cooperativa.1414 Reis YAC, Cesse EAP, Carvalho EF. Consensos sobre o papel do gestor estadual na regionalização da assistência à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010; 10 (supl. 1): 157-72.

Entretanto, para que a regionalização cumpra seu papel de promover maior equidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção, torna-se imperativo existir entre os entes federados o princípio da solidariedade para além do compromisso dos gestores e do atendimento aos preceitos legais e normativos. Isso decorre do fato de que o âmbito regional não é um novo ente político com orçamento próprio, mas sim dependente da capacidade, autonomia e solidariedade das três esferas de governo para elaborar uma visão estratégica sobre os usos do território, suas redes e especificidades regionais.2929 Albuquerque MV, Viana ALD. Perspectivas de região e redes na política de saúde brasileira. Saúde Debate. 2015; 39: 28-38.

Diante do exposto, é possível perceber a existência de dificuldades operacionais na consolidação de um sistema de saúde regionalizado no Brasil, especialmente no que diz respeito à VS. Estabelecer linhas divisórias bem definidas entre as ações de VS de dimensão estritamente local e aquelas que necessitam de articulação regional é, talvez, o desafio mais importante. Principalmente devido à ausência de instruções normativas que regulem o processo de compartilhamento de atribuições e o consequente repasse dos recursos humanos e materiais na região de saúde, bem como à inexistência de uma fonte de financiamento regional, específica para potencializar as ações compartilhadas.

No Brasil, é evidente o papel central do Ministério da Saúde na regulamentação do processo de regionalização. No entanto, faz-se necessário o estabelecimento de um projeto político que assuma efetivamente a regionalização do SUS como uma estratégia para a reorganização da atenção à saúde. Alguns desafios foram apontados neste estudo, mas, além deles, sabe-se que o processo de regionalização vem se associando, em cada estado, à dinâmica socioeconômica, às políticas de saúde anteriores, ao grau de articulação existente entre os diferentes atores e sua capacidade de gerar consensos sobre a divisão de responsabilidades gestoras e desenhos regionais adotados.3030 Lima LD, Viana ALD, Machado CV, Albuquerque MV, Oliveira RG, Iozzi FL, Scatena JHG, Mello GA, Pereira AMM, Coelho APS. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciênc Saúde Coletiva. 2012; 17 (11): 2881-92. Assim torna-se importante avaliar o desempenho da regionalização em diferentes contextos, para que seja possível entender a dinâmica da regionalização da VS no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2017
  • Aceito
    18 Set 2017
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