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Proteção dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde: análise dos planos de contingência das capitais brasileiras em tempos de pandemia

Primary Health Care workers’ protection: analysis of contingency plans adopted in Brazilian state capitals in pandemic times

Resumo

Objetivo:

analisar como a proteção da saúde dos trabalhadores da Atenção Básica à Saúde (ABS) é abordada nos planos de contingência das capitais brasileiras e do Distrito Federal (DF) para o enfrentamento da pandemia de COVID-19.

Métodos:

estudo descritivo, de base documental, com caráter analítico-reflexivo, que tomou como objeto de análise as publicações oficiais das secretarias municipais de saúde das capitais brasileiras e do DF produzidas para o enfrentamento da pandemia. A coleta de dados ocorreu entre junho e julho de 2020. Os dados foram categorizados segundo medidas administrativas, ambientais e individuais de controle.

Resultados:

todas as capitais apresentaram plano de contingência, exceto São Luís, no Maranhão, região Nordeste do país. A descrição das medidas de proteção respiratória ou individual estava presente em todos os planos de contingência avaliados, diferentemente do observado para as medidas administrativas e ambientais.

Conclusão:

os planos de contingência apresentam limitações na prevenção e proteção da saúde dos profissionais que atuam na ABS. A heterogeneidade de ações revela a complexidade do processo de enfrentamento da pandemia no Brasil diante de desigualdades regionais e fragilidades na gestão do sistema de saúde.

Palavras-chaves:
COVID-19; pandemias; atenção primária à saúde; saúde do trabalhador

Abstract

Objective:

to analyze how COVID-19 contingency plans adopted in Brazilian state capitals and in the Federal District approach the health protection of Primary Health Care (PHC) workers.

Methods:

this is a descriptive, documentary-based study, with an analytical-reflective character, conducted with data collected between June and July 2020 from official publications issued by the Municipal Health Departments of the Brazilian state capitals, and by the federal government, aiming at coping with the pandemic. We categorized data according to administrative, environmental, and individual control measures.

Result:

all capitals presented contingency plans, except for São Luís, located in Maranhão State, Northeast region of the country. All evaluated contingency plans described respiratory or individual protection measures, unlike that observed for environmental and administrative control measures.

Conclusion:

the contingency plans to cope with COVID-19 are limited concerning the PHC workers’ health prevention and protection. The actions heterogeneity reveals the complexity of the process of coping with the pandemic in Brazil, especially in face of the regional inequalities and weaknesses in the healthcare management.

Keywords:
COVID-19; pandemics; primary health care; occupational health

Introdução

A extensa rede de Atenção Básica à Saúde (ABS) do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil tem um importante papel diante de situações emergenciais, como as epidemias de dengue, do Zika vírus, da febre amarela, Chikungunya e, agora, da COVID-19 (sigla em inglês para Coronavirus disease 2019)11. World Health Organization. Timeline: WHO's COVID-19 response [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [citado em 17 abr 2020]. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/interactive-timeline#!
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),(22. World Health Organization. WHO Director-General's remarks at the media briefing on 2019-nCoV on 11 February 2020 [Internet]. Geneva: WHO; 11 fev 2020 [citado em 11 fev 2020]. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-remarks-at-the-media-briefing-on-2019-ncov-on-11-february-2020
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A experiência vivenciada por outros países cujas tentativas de enfrentamento da pandemia foram centradas no nível terciário de atenção à saúde sinalizou para a necessidade de ativar, em toda sua potencialidade, a ABS, pois ela se caracteriza pela abordagem mais territorializada, comunitária e domiciliar. Além disso, a ABS conta com as equipes de saúde da família, que contribuem para o vínculo com o usuário e com a integralidade da assistência a partir do monitoramento das famílias vulneráveis e do acompanhamento aos casos suspeitos e leves da doença, estratégias que contribuem para a contenção da pandemia e para o não agravamento da situação das pessoas com a COVID-1933. Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM, Aquino R. Atenção primária à saúde em tempos de COVID-19: o que fazer? Cad Saude Publica [Internet]. 2020 [citado em 19 nov 2020];36(8):[25 parágrafos]. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1140/atencao-primaria-a-saude-em-tempos-de-covid-19-o-que-fazer
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Devido ao alto risco ocupacional para os profissionais da área da saúde de adquirir a infecção durante a assistência clínica44. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?sfvrsn=bcabd401_0
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, estratégias adicionais de prevenção devem ser adotadas para proteger esses trabalhadores, como: programas educacionais, orientações para o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs), programas de vigilância para os profissionais expostos à doença e a implementação oportuna de medidas administrativas, de controle ambiental ou de engenharia e de proteção respiratória ou individual44. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?sfvrsn=bcabd401_0
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)-(66. Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, Buchweitz C, Harzheim E. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2020;44:e4..

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar como a proteção da saúde dos trabalhadores da ABS é abordada nos planos de contingência das capitais brasileiras e do Distrito Federal (DF) para o enfrentamento da pandemia de COVID-19.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa de caráter analítico-reflexivo que se originou de um estudo descritivo de base documental com o objetivo de reconhecer como ações de gestão apresentam direcionamentos à saúde ocupacional dos profissionais atuantes na ABS que possibilitam o enfrentamento à pandemia de COVID-19 em seus territórios de abrangência.

Tomou-se como referência a estratégia metodológica definida por Spink77. Spink MJ. Linguagem e produção de sentidos no cotidiano [Internet]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/w9q43/pdf/spink-9788579820465.pdf
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como trabalho de “disponibilidade de documentos”, que viabiliza a aproximação e a análise de documentos de domínio público. Esses documentos consistem em produtos sociais tornados públicos e, de tal forma, estão eticamente abertos para análise.

Os documentos analisados foram obtidos por meio de acesso às páginas das prefeituras nas quais os planos de contingência municipais dedicados à COVID-19 estão disponíveis para consulta pública. A busca foi realizada nos meses de junho e julho de 2020. Os planos de contingência foram acessados, selecionados e guardados para a análise, que ocorreu no mês de agosto do mesmo ano.

Para a extração dos dados dos planos de contingência, foi elaborado um formulário no Google Forms com itens descritos pelo Ministério da Saúde88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Procedimento operacional padronizado: equipamento de proteção individual e segurança no trabalho para profissionais de saúde da APS no atendimento às pessoas com suspeita ou infecção pelo novo coronavírus (COVID-19): versão 2 (março de 2020). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [citado em 20 nov 2020]. Disponível em: https://covid19-evidence.paho.org/handle/20.500.12663/1052
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, com resposta binária - “SIM” para atende e “NÃO” para não atende -, classificados de acordo com as três medidas potenciais para o controle da transmissão do SARS-CoV-2 (sigla em inglês para Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) nas unidades da ABS:

  1. Medidas administrativas: fluxo assistencial, fluxo de processo, orientação para visita domiciliar em área externa da moradia do paciente (área peridomiciliar), orientação para o distanciamento social na unidade de saúde, teleatendimento, afastamento de profissionais de saúde pertencentes aos grupos de risco e orientação para a suspensão de atividades em grupo;

  2. Medidas de controle ambiental ou de engenharia: atendimento dos casos de síndrome gripal (SG) em salas e consultórios arejados e determinação de ao menos uma sala exclusiva para o atendimento aos casos de SG;

  3. Medidas de proteção respiratória ou individual: medidas de proteção para os profissionais de saúde, medidas de proteção para os usuários, orientação para o uso correto de máscara cirúrgica para os usuários com sintomas respiratórios, orientação para o uso correto de máscara cirúrgica para os profissionais de saúde, orientação para o uso correto de máscara N95/PFF2 para os profissionais de saúde.

O procedimento de análise do material compreendeu dois momentos99. Moreira SR. Análise documental como método e como técnica. In: Duarte J, Barros A, organizadores. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas; 2005. p. 269-79.. No primeiro momento, houve a busca e organização do material - as informações dos planos de contingência foram extraídas por dois pesquisadores individualmente no formulário do Google Forms e analisadas quanto à concordância por um terceiro pesquisador. No segundo, houve a análise crítica do conteúdo - foram interpretados, inferidos e categorizados nas diferentes medidas potenciais para o controle da transmissão do SARS-CoV-2, de acordo com o “Procedimento operacional padronizado: equipamento de proteção individual e segurança no trabalho para profissionais de saúde da APS no atendimento às pessoas com suspeita ou infecção pelo novo coronavírus (COVID-19): versão 2 (março de 2020)”, do Ministério da Saúde88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Procedimento operacional padronizado: equipamento de proteção individual e segurança no trabalho para profissionais de saúde da APS no atendimento às pessoas com suspeita ou infecção pelo novo coronavírus (COVID-19): versão 2 (março de 2020). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [citado em 20 nov 2020]. Disponível em: https://covid19-evidence.paho.org/handle/20.500.12663/1052
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Por se tratar de uma pesquisa que utiliza apenas documentos públicos e que não estão associados a nenhum sujeito, este estudo não foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

O Quadro 1 apresenta uma síntese sobre a disponibilidade de planos de contingência nas capitais e no DF e de seus conteúdos a respeito de ABS e da gestão de saúde ocupacional nesse âmbito. Até a data da coleta dos dados deste estudo (junho e julho de 2020), apenas o município de São Luís, capital do estado do Maranhão, região Nordeste do país, não dispunha de plano de contingência para o enfrentamento da pandemia de COVID-19. Portanto, a coleta e análise das informações aconteceram sem as informações de um município do Nordeste brasileiro.

Quadro 1
Caracterização dos planos de contingência para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, Brasil, 2020

Informações relacionadas à gestão da saúde ocupacional na ABS estavam descritas em todos os 26 planos de contingência avaliados. Todas as capitais da região Centro-Oeste do país apresentaram planos de contingência ainda em fevereiro de 2020. Por outro lado, a região Norte do país foi a que levou mais tempo para a publicação dos documentos, com a cidade de Porto Velho, em Rondônia, apresentando-o apenas em julho de 2020 (Quadro 1).

Ao considerar a atualização dos planos de contingência, observa-se que a única capital que não publicou uma versão atualizada foi João Pessoa, na Paraíba, região Nordeste do país. Florianópolis, no estado de Santa Catarina, região Sul, era a capital com a atualização mais antiga do documento, ocorrida em março de 2020.

Ao avaliar as medidas administrativas ou gerenciais (Quadro 2), observa-se que a descrição dos fluxos assistenciais e dos fluxos de processos estava presente em todos os planos das diferentes capitais das regiões Sudeste e Centro-Oeste. A ausência da descrição dos fluxos assistenciais ocorreu apenas em uma das três capitais na região Sul, em uma das sete capitais da região Norte e em duas das nove capitais da região Nordeste. O mesmo foi observado para os fluxos de processos, exceto na região Nordeste, na qual estava ausente em apenas uma capital.

Quadro 2
Caracterização das medidas administrativas ou gerenciais descritas nos planos de contingência para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, Brasil, 2020

Quanto à realização de teleatendimento (Quadro 2), a região Centro-Oeste foi a que apresentou maior número de capitais (três em quatro) com a disponibilização desse serviço. Nas demais regiões do país, a descrição de cobertura do teleatendimento estava presente em menos da metade dos planos de contingência. Sobre o afastamento dos profissionais de saúde pertencentes aos diferentes grupos de risco para a COVID-19, menos da metade dos planos das capitais de todas as regiões do país faziam referência à medida, com exceção da região Centro-Oeste.

A descrição de orientações para a realização de visita domiciliar apenas no peridomicílio foi a que teve menos referências nos 26 planos de contingência avaliados (Quadro 2), ausente nos planos das regiões Sul e Centro-Oeste do país.

Quanto a orientação para o distanciamento social nas unidades de saúde, observa-se que, apenas na região Sudeste, metade das capitais tinham essa recomendação descrita nos planos de contingência (Quadro 2). A orientação para a suspensão das atividades em grupo também estava descrita em metade dos planos de contingência das capitais de todas as regiões do país, com destaque para a região Sul, na qual nenhuma capital apresentou essas orientações nos planos de contingência.

A descrição sobre o afastamento dos profissionais de saúde pertencentes aos diferentes grupos de risco para a COVID-19 estava presente em menos da metade dos planos das capitais de todas as regiões do país, exceto pela região Centro-Oeste.

Em relação às medidas de controle ambiental ou de engenharia (Quadro 3), a orientação para o atendimento dos casos de SG em consultórios arejados, assim como a determinação de haver ao menos uma sala exclusiva para o atendimento desses casos estavam presentes em todas as capitais da região Sul e Sudeste do país, em mais da metade das capitais nas demais regiões.

Quadro 3
Caracterização das medidas de controle ambiental ou de engenharia descritas nos planos de contingência para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, Brasil, 2020

Todos os planos avaliados apresentaram descrição de todos os itens das medidas de proteção respiratória ou individual para o controle da transmissão do SARS-CoV-2: medidas de proteção para os profissionais de saúde, medidas de proteção para os usuários, orientação para o uso correto de máscara cirúrgica para os usuários com sintomas respiratórios, orientação para o uso correto de máscara cirúrgica para os profissionais de saúde, orientação para o uso correto de máscara N95/PFF2 para os profissionais de saúde (Quadro 4).

Quadro 4
Caracterização das medidas de proteção respiratória ou individual descritas nos planos de contingência para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, Brasil, 2020

Discussão

Os planos de contingência constituem documentos que visam guiar a ação pública desenvolvida pelos entes de gestão e, como tal, são potenciais produtores de sentidos sobre a forma como as ações são pensadas e operacionalizadas no âmbito da política de saúde1010. Machado MF, Quirino TRL, Souza CDF. Vigilância em Saúde em tempos de pandemia: análise dos planos de contingência dos estados do Nordeste. Vigil Sanit Debate [Internet]. 2020 [citado em 24 dez 2020];8(3):70-7. Disponível em: https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/1626
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Há que se destacar as limitações do escopo das problematizações aqui realizadas diante da impossibilidade de mensurar as aplicabilidades práticas dos referidos atos normativos, tanto pela forma como tais documentos foram construídos - contando com maior ou menor participação dos atores responsáveis pela implementação das ações - quanto pelas rápidas transformações que ocorreram na organização local do sistema de saúde, tendo em vista as incertezas que acompanham a evolução da pandemia de COVID-19 no Brasil.

As estratégias de gestão do risco de transmissão do SARS-CoV-2 para a proteção dos profissionais da área da saúde adotadas pelas municipalidades estudadas e baseadas em planos de contingência para o combate dessa doença possuem natureza heterogênea.

Há elementos coincidentes nos diversos planos, o que denota mais a existência de um conjunto mínimo de medidas adotadas nas capitais pesquisadas do que uma padronização de estratégias. É possível associar essa característica heterogênea às diversas particularidades referentes às competências em saúde pública no Brasil, sobretudo diante de um sistema de saúde que se fundamenta na descentralização e hierarquização de responsabilidades1111. Paim JS. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Cien Saude Colet [Internet]. 2018 [citado em 21 dez 2020];23(6):1723-8. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232018000601723&lng=en
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Em relação às medidas administrativas, os fluxos de assistência e trabalho compreendem o cerne mais desenvolvido dos planos de contingência, organizando de forma prática e viável o fluxo de atendimento das pessoas suspeitas ou confirmadas da COVID-19, desde os casos mais leves aos mais graves. As condições e processos de trabalho devem sofrer melhorias com o objetivo de tornar o ambiente de trabalho mais seguro para os profissionais de saúde e para os usuários do serviço. Para tanto, faz-se necessária a implantação de fluxos, protocolos assistenciais, treinamentos e redistribuição do número de trabalhadores nos ambientes e nos horários de maior circulação1212. Helioterio MC, Lopes FQRS, Sousa CC, Souza FO, Pinho PS, Sousa FNF, et al. Covid-19: por que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia? Trab Educ Saude. 2020 [citado em 1 abr 2021];18(3):e00289121. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462020000300512&lng=en&nrm=iso
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Observam-se também algumas semelhanças regionais, tais como a maior presença de propostas de teleatendimento na região Centro-Oeste, embora deficitária nas demais regiões. Isso revela que não houve aprofundamento na elaboração dessa alternativa, resultando em uma subutilização da proposta. O teleatendimento é uma estratégia de cuidado fundamental, pois possibilita aos usuários o acesso à informação qualificada e em tempo oportuno1313. Sarti TD, Lazarini WS, Fontenelle LF, Almeida APSC. Qual o papel da Atenção Primária à Saúde diante da pandemia provocada pela COVID-19? Epidemiol Serv Saude [Internet]. 2020 [citado em 4 abr 2021];29(2):e2020166. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ress/a/SYhPKcN7f8znKV9r93cpF7w/?lang=pt
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, não envolve contato com o paciente ou contato em ambiente fechado entre os profissionais da área de saúde e surge como uma estratégia para otimizar o uso dos EPIs1414. Ferioli M, Cisternino C, Leo V, Pisani L, Palange P, Nava S. Protecting healthcare workers from SARS-CoV-2 infection: practical indications. Eur Respir Rev [Internet]. 2020 [citado em 1 abr 2021];29(155):200068. Disponível em: https://err.ersjournals.com/content/errev/29/155/200068.full.pdf
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A proteção dos trabalhadores pertencentes aos grupos de risco, como idosos ou profissionais com comorbidades, deve ser implementada e uma das maneiras possíveis de fazer isso é pela transferência desses profissionais para a realização de atividades com menor risco de exposição e contaminação1212. Helioterio MC, Lopes FQRS, Sousa CC, Souza FO, Pinho PS, Sousa FNF, et al. Covid-19: por que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia? Trab Educ Saude. 2020 [citado em 1 abr 2021];18(3):e00289121. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-77462020000300512&lng=en&nrm=iso
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, como a realização de teleatendimento. Contudo, essa recomendação não foi observada nos planos de contingência analisados.

A orientação para visita domiciliar no peridomicílio não foi identificada em nenhuma das capitais das regiões Centro-Oeste e Sul; no Norte e Nordeste, só uma capital de cada região fez menção a tal orientação. O Ministério da Saúde1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária a Saúde. Recomendações para adequação das ações dos Agentes Comunitários de Saúde frente à atual situação epidemiológica referente ao Covid-19 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2020/04/20200403_recomendacoes_ACS_COVID19_ver002_final_b.pdf
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orienta a não realizar atividades intradomicílio, limitando a visita domiciliar ao peridomicílio, com a priorização dos pacientes de risco (idosos e portadores de doenças crônicas). Durante a visita, deve haver um distanciamento de no mínimo 2 metros entre o paciente e o profissional e uso de máscara cirúrgica pelo trabalhador, além de higienização das mãos.

Quanto às medidas de engenharia, isto é, o atendimento de pacientes com SG em salas e consultórios arejados, e a reserva de uma sala exclusiva para esses pacientes, na região Sul e Sudeste, todas as capitais recomendaram em seus planos de contingência a alocação de um ambiente adequado para o paciente com SG; nas demais regiões essa recomendação foi observada em mais da metade das capitais.

Por se entender que a ABS é a porta de entrada do SUS e tem papel fundamental na resposta à COVID-19, era premente a necessidade de se (re)inventar os processos de trabalho, estabelecendo novos fluxos e fortalecendo as redes de apoio, como foi evidenciado na experiência exitosa de Natal, capital do Rio Grande do Norte, que compatibilizou as ações pertinentes ao cotidiano da ABS com a demanda proveniente da COVID-191616. Teodosio SSCS, Gadelha MJA, Alcântara MS, Correia MLR, Freitas MLFO, Dantas RB. O enfrentamento da COVID-19 na Atenção Primária em Saúde: uma experiência em Natal-RN. In: Teodósio SSS, Leandro SS, organizadores. Enfermagem na atenção básica no contexto da COVID-19. 2a ed. Brasília, DF: ABen; 2020. p. 49-54..

A descrição das medidas de proteção respiratória ou individual se destacaram por estar presente em todos os 26 planos de contingência avaliados, sobretudo a presença de estratégias para o uso de EPIs pelos profissionais da área da saúde. Devem ser adotadas medidas individuais para proteger os trabalhadores da área da saúde da exposição ao agente etiológico, o que inclui o fornecimento de EPI adequado e recomendado com base na avaliação de risco, no tipo de procedimento a ser realizado e no risco de infecção durante o procedimento. Também são necessários o treinamento apropriado e o monitoramento do uso e descarte adequado desses equipamentos.

O EPI utilizado para proteção contra infecções ocupacionais deve estar de acordo com as especificações técnicas padrão1717. World Health Organization; International Labour Organization. COVID-19: Occupational health and safety for health workers [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-HCW_advice-2021.1
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. Contudo, na prática, verificou-se uma falta de máscaras adequadas e, quando estavam presentes, em uma quantidade insuficiente para o rodízio com segurança1818. Duarte LRP, Miola CE, Cavalcante NJF, Bammann RH. Estado de conservação de respiradores PFF-2 após uso na rotina hospitalar. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [citado em 6 abr 2021];44(4):1011-6. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reeusp/a/sHqWNSZLpQHkgBcBHSgFZGt/?format=pdf⟨=pt
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)-(2020. Guimarães HP, Damasceno MC, Ribera JM, Onimaru A, Bueno M, Cadenas M, et al. Recomendações para prevenção e controle de exposição no atendimento a pacientes portadores de COVID-19 para profissionais do atendimento pré-hospitalar e transporte de pacientes [Internet]. Porto Alegre: Associação Brasileira de Medicina de Emergência; 2020 [citado em 4 abr 2021]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/RECOMENDAC%CC%A7O%CC%83ES-PARA-PREVENC%CC%A7A%CC%83O-E-CONTROLE-DE-EXPOSIC%CC%A7A%CC%83O-NO-ATENDIMENTO-A-PACIENTES-PORTADORES-DE-COVID-19-PARA-PROFISSIONAIS-DO-ATENDIMENTO-PRE%CC%81-HOSPITALAR-E-TRANSPORTE-DE-PACIENTES.pdf.pdf
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Ao ponderar que o uso de tais equipamentos já era obrigatório, o que se verificou foi uma expansão da medida pela presença unânime nos planos de contingência e pela grande atenção dada pela mídia a tal questão, com cobertura massiva em relação ao fornecimento de tais equipamentos, somada à própria rotina dos ambientes de saúde2121. Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet [Internet]. 2020 [citado em 21 dez 2020];25(9):3465-74. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZyy7Nn45m3Vfypx/?lang=pt
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),(2222. Teixeira MG, Costa MCN, Carmo EH, Oliveira WK, Penna GO. Vigilância em Saúde no SUS: construção, efeitos e perspectivas. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1811-8..

Ademais, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a COVID-19 como acidente de trabalho2323. SindMédico-DF. Decisão do STF reconhece o Coronavírus como acidente de trabalho; profissionais não são informados [Internet]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2020 [citado em 4 abr 2021]. Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/50481
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, muitos profissionais ainda não sabem da necessidade de preencher o documento de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). O Brasil lidera o ranking de profissionais de saúde que morreram vítimas da doença, sendo necessários esforços para o reconhecimento e a inclusão dessa decisão nos planos de contingência2424. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial: doença pelo coronavirus COVID-19 [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/July/08/Boletim-epidemiologico-COVID-21-corrigido-13h35--002-.pdf
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)-(2626. Brasil perde ao menos um profissional de saúde a cada 19 horas para a Covid [Internet]. Brasília, SF :Conselho Federal de Enfermagem (BR); 2021 [citado em 1 abr 2021]. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/brasil-perde-ao-menos-um-profissional-de-saude-a-cada-19-horas-para-a-covid_85778.html
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Outrossim, ao considerar que o objeto de pesquisa envolve os planos de contingência, que formalizam as medidas adotadas e implementadas em conformidade com a legislação, foi possível identificar diferentes situações que não estavam previstas nesses documentos, a despeito de terem sido ou não postas em prática nas municipalidades. Tais situações não podem ser consideradas diante da instabilidade que evidenciam, uma vez que o plano de contingência norteia todo o conjunto de estratégias adotadas e dá respaldo legal para sua aplicação. A adoção de medidas não previstas no plano não deve ser considerada pela ausência de previsão, instabilidade e eventualidade.

Apesar de os planos de contingência serem documentos que exigem dinamicidade e atualidade, eles constituem materiais elaborados por trabalhadores da saúde que estão no enfrentamento de uma pandemia, designados a desenvolver, de forma rápida e concisa, manuais, protocolos e documentos oficiais, que orientaram e guiaram os sujeitos envolvidos em todos os níveis assistenciais, ainda mais os da linha de frente, como da ABS, porta de entrada do SUS. Nessa perspectiva, com entraves, obstáculos, completudes ou não, os profissionais assistenciais e administrativos mostram que o SUS é composto de atores laborais participativos e coerentes com o sistema em que estão inseridos.

Conclusão

A pandemia de COVID-19 evidencia a fragilidade institucional da gestão do SUS, desafiando-a no que tange à elaboração de respostas articuladas e efetivas para a gestão do risco ocupacional entre os profissionais da área da saúde.

No Brasil, além da heterogeneidade dos municípios, ou seja, das diferenças culturais, econômicas e climáticas, é preciso considerar as fragilidades institucionais na gestão local do sistema de saúde, o que aponta para a necessidade de uma atuação coordenada no nível municipal para conceber respostas mais efetivas diante de uma crise pandêmica.

Sob a perspectiva da divulgação das estratégias de contenção da pandemia no Brasil, é necessário conhecer o que está sendo desenvolvido em relação à saúde ocupacional dos profissionais da área da saúde da ABS pelas capitais brasileiras e às estratégias que não foram apresentadas nos documentos analisados.

A atuação dos trabalhadores da saúde é elemento central no enfrentamento da pandemia. Nesse sentido, as estratégias apresentadas constituem iniciativas importantes na construção da promoção da saúde e contenção da epidemia cujos resultados poderão ser potencializados por meio de amplo planejamento e controle na implementação e manutenção de medidas adequadas para prevenção e redução dos riscos entre os profissionais da área da saúde da ABS.

Referências

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    Os autores informam que este trabalho é parte da pesquisa de doutorado de Wesley Pereira Rogério em andamento no Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo e que não foi apresentado em evento científico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2021
  • Revisado
    09 Ago 2021
  • Aceito
    09 Set 2021
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