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Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho: atividades desenvolvidas por fonoaudiólogos em Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)

Voice Disorders Related to Work: activities developed by speech therapists in Workers’ Health Reference Centers (CEREST)

Resumo

Introdução:

a publicação do Protocolo de Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT) reforçou o papel dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) na atenção a esse agravo. Objetivo: descrever as atividades desenvolvidas por fonoaudiólogos nos CEREST, de acordo com assistência prestada e fatores associados aos distúrbios vocais.

Métodos:

estudo descritivo com dados fornecidos por coordenadores dos CEREST em todo o Brasil, que foram contatados via e-mail para responder questionário semiestruturado, desenvolvido com ferramenta de formulários online. Os dados foram coletados de abril de 2017 a fevereiro de 2018.

Resultados:

dos 195 coordenadores contatados, 93 (44,2%) responderam ao questionário. Desses, 39 informaram contar com fonoaudiólogos nos CEREST. Em 26 CEREST, havia atuação da fonoaudiologia em distúrbios de voz, com ações que incluíam palestras, orientações e visitas aos locais de trabalho. Os profissionais da voz mais frequentemente atendidos foram docentes (n=24), teleoperadores (n=16) e radialistas (n=15). Entre os fatores identificados na ocorrência de distúrbios de voz, predominaram os relacionados ao ambiente de trabalho (n=24).

Conclusão:

em menos da metade dos CEREST foi relatada a presença de fonoaudiólogos. Comparado com levantamento anterior, percebe-se uma maior participação do fonoaudiólogo nos CEREST, especialmente no que se refere à atuação junto ao DVRT.

Palavras-chave:
voz; distúrbios da voz; fonoaudiologia; saúde do trabalhador

Abstract

Introduction:

the work-related voice disorder (WRVD) protocol publication reinforced the Reference Centers for Occupational Health (CEREST) role in this disorder care.

Objective:

to describe speech therapist activities developed at CEREST according to the assistance it provides and factors associated with voice disorders.

Methods:

descriptive study with data obtained from CEREST coordinators in Brazil, contacted via e-mail to answer a semi-structured questionnaire, developed using an online form tool. Data were collected from 2017 April until 2018 February.

Results:

of the 195 coordinators contacted, 93 (44.2%) answered the questionnaire. Of these, 39 reported receiving speech therapists. Among these, 26 CEREST worked with voice disorders, giving lectures, guidance, and visits to the workplace. The professionals who often received greater attention were teachers (n=24), telemarketers (n=16), and radio announcers (n=15). Of the factors we found to cause voice disorders, those related to work environment stood out (n=24).

Conclusion:

speech therapists were present in less than half of all CEREST. Compared with a previous survey, we found that the speech therapists’ participation has become more present in CEREST, especially caring with WRVD.

Keywords:
voice; voice disorders; speech therapy; occupational health

Introdução

A Saúde do Trabalhador é um campo da Saúde Coletiva que agrega conhecimentos interdisciplinares para melhor compreensão e abordagem do processo saúde-doença dos trabalhadores. Cabe aos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) realizarem atendimento especializado para trabalhadores com doenças ou sintomas, identificando se estes têm ou não relação com as atividades que exercem. Sendo assim, os resultados que vierem a ser obtidos neste local são valiosos para os sindicatos, bem como para a formulação de políticas públicas11. Ministério da Saúde. Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - Cerest [Internet] [citado em 14 set. 2020]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/centro-de-referencia-em-saude-do-trabalhador-cerest/
https://bvsms.saude.gov.br/centro-de-ref...
.

A equipe técnica dos CEREST é formada, no mínimo, por seis profissionais de nível superior, sendo ao menos dois médicos e um enfermeiro, tanto nos centros regionais, quanto nos estaduais11. Ministério da Saúde. Centro de Referência em Saúde do Trabalhador - Cerest [Internet] [citado em 14 set. 2020]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/centro-de-referencia-em-saude-do-trabalhador-cerest/
https://bvsms.saude.gov.br/centro-de-ref...
. Dentre os demais profissionais de nível superior, podem compor a equipe: engenheiro, farmacêutico, fisioterapeuta, odontólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, entre outros.

Nos últimos anos, estudos têm analisado o perfil dos CEREST, com destaque à análise da situação de organização e funcionamento de suas unidades Regionais - como no estado de Minas Gerais22. Lacerda e Silva T, Reis JC, Silva JM da. Construção da RENAST em Minas Gerais: a contribuição dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Rev Med Minas Gerais. 2010;20(2 Supl 2):S66-74. -; de acidentes de trabalho registrados no CEREST de Piracicaba33. Vilela RAG, Mendes RWB, Gonçalves CAH. Acidente do trabalho investigado pelo CEREST Piracicaba: confrontando a abordagem tradicional da segurança do trabalho. Rev Bras Saude Ocup. 2007;32(155):29-40.; e o relato de experiência em reabilitação profissional decorrentes de LER/DORT44. Takahashi MABC, Simonelli AP, Sousa HP, Mendes RWB, Alvarenga MVA. Programa de reabilitação profissional para trabalhadores com incapacidades por LER/DORT: relato de experiência do Cerest-Piracicaba, SP. Rev Bras Saude Ocup. 2010;35(121):100-11..

Dois estudos tiveram a preocupação de analisar a inserção do fonoaudiólogo no CEREST. Ferreira e Märtz55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9., em 2010, analisaram as atividades desenvolvidas por estes profissionais, principalmente aquelas relacionadas à promoção, prevenção e tratamento das demandas vocais. Gusmão e colaboradores66. Gusmão AC, Meira TC, Santos FCCN, FerriteS. Speech, Language and Hearing Sciences in Worker's Health Reference Centres in Brazil. Rev CEFAC. 2018;20(6):723-33., em 2018, investigaram a presença de fonoaudiólogos, considerando a distribuição e as características de sua inserção e das ações desenvolvidas.

No estudo de Ferreira e Märtz55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.) foram enviados questionários para os coordenadores de 150 CEREST, com retorno de apenas 23 (15,3%). Segundo registro das autoras, com informações dos coordenadores que participaram dessa pesquisa, a primeira contratação de fonoaudiólogo em uma equipe de CEREST data de 1996 e, dentre os 18 Centros que informaram ter fonoaudiólogos em seu quadro de profissionais, dois especificaram atuar com questões relacionadas apenas à audição e os demais com audição e voz55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.

A produção e publicação do Protocolo de DVRT (Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho)77. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT [acesso em 22 set. 2022]. Brasília, DF: 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/disturbio_voz_relacionado_trabalho_dvrt.pdf.
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teve um processo longo, configurado por avanços e reveses desde o primeiro seminário promovido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ainda nos anos 1990. A longa trajetória até o século XXI, com a tentativa de inclusão do DVRT na lista da Previdência Social como agravo de notificação compulsória, trouxe-o a um patamar de visibilidade até então inédito. Assim, os serviços de atenção e assistência no campo de saúde e trabalho precisam se reorganizar para incorporar, nas suas práticas cotidianas, a investigação do DVRT, e isto exigirá capacitação e sensibilização das equipes.

Em seu Protocolo, o DVRT é definido como “qualquer forma de desvio vocal relacionado à atividade profissional que diminua, comprometa ou impeça a atuação ou a comunicação do trabalhador, podendo ou não haver alteração orgânica da laringe” (p. 11)77. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT [acesso em 22 set. 2022]. Brasília, DF: 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/disturbio_voz_relacionado_trabalho_dvrt.pdf.
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. Esta definição, além de conceituá-lo, traz orientações sobre como se deve proceder frente às ações relacionadas para, na sequência, haver o planejamento de linhas de cuidado que possam, de fato, responder às demandas dos trabalhadores que procuram os CEREST com distúrbio de voz.

A motivação para elaboração deste artigo se deve à necessidade de compreensão da situação atual dos fonoaudiólogos nos CEREST, na oportunidade da publicação do 11º Protocolo de Complexidade Diferenciada, o DVRT, pelo Ministério da Saúde (MS)77. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT [acesso em 22 set. 2022]. Brasília, DF: 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/disturbio_voz_relacionado_trabalho_dvrt.pdf.
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, destinado aos profissionais de toda a rede que compõe o Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de identificar os casos e orientar ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT). Mais recentemente, na direção de atualizar a Lista de Doenças/Agravos Relacionados ao Trabalho, o CID R49 (distúrbios de voz) foi inserido, fato que traz a necessidade premente dos CEREST terem atenção mais voltada para o DVRT (lista publicada em setembro de 2020, mas revogada em seguida).

Considerando essas recentes conquistas na luta pelo reconhecimento do DVRT e, em decorrência disso, as novas demandas a serem trazidas para os serviços de saúde, especialmente para a RENAST, o objetivo deste trabalho é descrever as atividades desenvolvidas por fonoaudiólogos nos CEREST das diferentes regiões brasileiras, com ênfase no perfil do usuário, assistência prestada e estabelecimento do nexo entre distúrbios vocais e trabalho.

Método

Desenho do estudo e contexto

Foi realizado estudo descritivo cuja população-alvo foi composta por coordenadores dos CEREST, registrados em planilha, elaborada e divulgada pela RENAST do Ministério da Saúde.

Participantes

A princípio, constatou-se a presença de 254 CEREST listados na Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), em 2018. Porém, desse total, 34 (13,3%) estavam com duplicidade de endereço eletrônico e outros dez eram Coordenações Estaduais de Saúde do Trabalhador, que não exerciam a função de CEREST. Restaram 210 CEREST, sendo que, desses, 15 (7,1%) apresentavam informações de emails e telefones incorretos, não sendo possível contato prévio para envio do questionário, que foi então enviado para 195 CEREST.

Coleta de dados

A coleta foi realizada no período de abril de 2017 a fevereiro de 2018. Cada um dos nomes identificados na referida planilha recebeu um e-mail contendo link para questionário elaborado com base em estudo realizado anteriormente55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9., com questões abertas e fechadas, além de obrigatoriedade para todas as respostas. Esse instrumento foi enviado por intermédio de uma ferramenta de questionários online (Google Forms®). Frente à não resposta de alguns coordenadores, novos envios foram feitos. Após contato inicial e na ausência de respostas, os CEREST foram contactados por até cinco vezes.

Variáveis

O questionário estruturado continha questões que abordavam: localização do CEREST; presença de fonoaudiólogos na equipe e, no caso de resposta afirmativa, o número desses profissionais; área de atuação (sendo apresentadas as opções voz, audição e outros, combinadas entre si); e data de contratação. Para os CEREST que disseram contar com o atendimento de distúrbios de voz, foram coletadas informações sobre sexo e idade predominante dos usuários; como eram referenciados à unidade; profissional da voz mais atendido; atividades desenvolvidas relacionadas a voz; registro de notificação do DVRT; e fatores que mais interferiam na ocorrência do distúrbio de voz.

Análise dos dados

Os dados preenchidos pelos participantes mantiveram-se anônimos, sendo gerada automaticamente planilha Excel pela ferramenta de formulários online. Para a análise das informações obtidas, foram conduzidos procedimentos de análise estatística descritiva, sendo elas expressas em frequências absolutas e relativas.

Considerações éticas

A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética da Universidade Federal da Bahia e recebeu aprovação em parecer consubstanciado, sob o CAEE nº 1.899.690/2017, em 26 de janeiro de 2017.

Cada participante informou se aceitava ou não participar da pesquisa após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, apresentado na primeira tela com as opções “aceito” e “não aceito”. Aqueles que aceitaram foram convidados a preencher o questionário.

Resultados

Dentre os 195 endereços para os quais foram encaminhados os questionários, 93 (47,6%) retornaram e foram incluídos na análise do estudo. Dos CEREST que participaram, 39 tinham fonoaudiólogo na equipe e, destes, 26 atuavam com questões referentes a voz.

Quanto à distribuição geográfica dos CEREST, estavam em maior número na região Sudeste, seguida pelo Nordeste. Essas regiões foram as que, proporcionalmente, também apresentaram mais fonoaudiólogos atuando com as questões de voz em suas equipes (Tabela 1).

Tabela 1
Presença do fonoaudiólogo na equipe e em trabalho com voz entre os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), segundo as regiões do Brasil, 2018 (n=93)

A pesquisa apontou que, dentre os CEREST que responderam afirmativamente à pergunta sobre presença de fonoaudiólogo na equipe, a maioria contava com apenas um profissional (27/39), com início das atividades a partir dos anos 2000 (32/39), atuando com mais destaque na área de Audição (34/39) (Tabela 2). Cabe apontar que, dentre os centros respondentes, aquele que tem contrato mais antigo com fonoaudiólogo é o CEREST de Santo Amaro (1989), enquanto o de Campinas foi o pioneiro na atuação com os agravos de voz, com início em 1991, ambas as unidades estão no estado de São Paulo.

Tabela 2
Número e data de contratação de fonoaudiólogos na equipe, área de atuação e regime de trabalho nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), Brasil, 2018 (n=39)

A Tabela 3 registra os dados informados pelos coordenadores de CEREST. Com relação ao sexo e faixa etária. A população predominantemente atendida por questões de distúrbio de voz foi de mulheres, em 23 dos 26 CEREST com atendimento fonoaudiológico relacionado à voz. A faixa etária predominante nesses atendimentos foi a de 31 a 40 anos (21/26). A demanda por atendimento mais relatada foi a referenciada (aquela que é feita por assistência prévia na rede de serviços, que encaminha o trabalhador para atendimento especializado no CEREST (11/26), seguida da demanda espontânea (10/26).

Tabela 3
Variáveis sociodemográficas, formas de referenciamento* e variáveis relacionadas à atuação fonoaudiológica em distúrbios de voz nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), Brasil, 2018 (n=26)

Dentre as atividades desenvolvidas relacionadas à voz, observou-se predomínio de palestras e orientações. O atendimento em 15 dos 26 CEREST incluiu outros profissionais da saúde (enfermeiro, psicólogo e fisioterapeuta). Um deles (CEREST-Campinas) mencionou a realização de prática integrativa e complementar (yoga). Mais da metade dos coordenadores dos CEREST informou acompanhar os encaminhamentos dos trabalhadores (14/26). Dos 26 CEREST, 16 definiram afastamentos do trabalho para realizar tratamentos. A notificação de DVRT foi realizada em apenas nove CEREST.

Quanto ao profissional da voz mais atendido, docentes ocuparam o primeiro lugar em (n=24), seguidos por teleoperadores (n=16) e radialistas (n=15). Dentre os fatores interferentes na ocorrência de distúrbios de voz, aqueles relacionados ao ambiente de trabalho (n=24) e à longa jornada de trabalho (n=15) foram os mais citados (Tabela 3).

Discussão

O presente estudo evidenciou que menos da metade dos CEREST cujos coordenadores participaram da pesquisa contavam com a presença de pelo menos um fonoaudiólogo. A atuação destes profissionais era voltada principalmente aos distúrbios da audição. Quanto aos distúrbios de voz, sua atuação se dava predominantemente por meio de palestras, orientações e visitas aos locais de trabalho. Os profissionais da voz mais atendidos foram docentes, teleoperadores e radialistas. Entre os fatores identificados na ocorrência de distúrbios de voz, predominaram os relacionados ao ambiente de trabalho.

Como limitações deste estudo podemos citar a baixa taxa de resposta dos coordenadores dos CEREST alcançados via e-mail. Isto pode ter ocorrido em função de uma parte dos CEREST não ter recebido o convite para participação, ou, havendo recebido, não responderam à pesquisa. Além disso, inexiste um mapeamento real de onde os fonoaudiólogos atuam, dificultando ainda mais o contato e a o alcance dos objetivos da pesquisa.

Todavia, cabe destacar o registro de maior participação dos coordenadores dos CEREST, quando comparado a um inquérito realizado em 2010 que, com objetivos similares, teve 23 questionários respondidos55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.. Embora o crescimento tenha sido três vezes maior no número de respostas, a participação retrata apenas metade do universo dos CEREST.

Acredita-se que isso se deve à maior facilidade de as respostas serem dadas utilizando recursos online. Mas é também plausível supor que o número de CEREST com profissionais de fonoaudiologia tenha aumentado, ou que tenha sido ampliada a demanda por investigação de DVRT, contribuindo para o aumento de retorno.

Com um número de respondentes maior, obteve-se, neste estudo, dados mais consistentes sobre a presença de fonoaudiólogos nos CEREST (n=39), em comparação com a pesquisa de 201055. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9. (n=18), bem como aumento no registro de profissionais que atuavam com os distúrbios da voz (n=26 nesta pesquisa e n=16 em pesquisa anterior55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.). A região Sudeste mais uma vez se sobressaiu como aquela com registro de maior número de unidades de CEREST e, por conseguinte, com mais fonoaudiólogos atuantes, resultados compatíveis com as duas pesquisas realizadas anteriormente55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.),(66. Gusmão AC, Meira TC, Santos FCCN, FerriteS. Speech, Language and Hearing Sciences in Worker's Health Reference Centres in Brazil. Rev CEFAC. 2018;20(6):723-33..

Esse dado é compreensível pelo fato de reunir, nessa região, os três estados mais populosos do país (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e por São Paulo ter sido o primeiro estado a ofertar esse serviço à saúde do trabalhador88. Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo. Processo de implantação da saúde do trabalhador no SUS/SP. Rev Saude Publica. 2004;38(3):471-4.. Cabe lembrar que nessa região encontra-se o maior número de fonoaudiólogos formados e atuantes, pela presença de instituições de ensino superior consideradas precursoras na área. Contudo, vale destacar que, proporcionalmente, os CEREST localizados na região Nordeste registraram maior número de profissionais com atuação relacionada ao DVRT, considerando-se que 91,6% das unidades com fonoaudiólogos atuavam com os distúrbios de voz, enquanto, no Sudeste, menos da metade (47,3%) o fazia.

Segundo dados do Ministério Educação99. Ministério da Educação. Programa de apoio a planos de reestruturação e expansão das universidades federais Reuni 2008: relatório de primeiro ano. [internet] [citado em =1 fev 2020] Brasília, DF: Ministério da Educação; 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2069-reuni-relatorio-pdf&category_slug=dezembro-2009pdf&Itemid=30192#:~:text=O%20Programa%20de%20Apoio%20a,universidades%20federais%20para%20o%20desenvolvimento
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
, o incentivo dado pelo governo brasileiro à abertura de cursos nas instituições públicas, assim como desígnio de fomento para pesquisadores da região Nordeste, por certo contribuíram para a criação de cursos de Fonoaudiologia que puderam ofertar a seus alunos formação atualizada, incluindo na grade de disciplinas informações sobre Saúde do Trabalhador99. Ministério da Educação. Programa de apoio a planos de reestruturação e expansão das universidades federais Reuni 2008: relatório de primeiro ano. [internet] [citado em =1 fev 2020] Brasília, DF: Ministério da Educação; 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2069-reuni-relatorio-pdf&category_slug=dezembro-2009pdf&Itemid=30192#:~:text=O%20Programa%20de%20Apoio%20a,universidades%20federais%20para%20o%20desenvolvimento
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
.

Quanto ao número de fonoaudiólogos na equipe, predominou de um a dois profissionais. Apenas dois CEREST de Goiás mantinham três a quatro profissionais. A distribuição desigual por região pode estar relacionada com maior densidade de trabalhadores, a exemplo do Sudeste, Nordeste e Sul, as quais geram maiores demandas de acesso aos serviços1010. Feuerwerker LCM. Educação dos profissionais da Saúde hoje - problemas, desafios, perspectivas e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO. 2003;3(1):24-7..

Em estudo publicado em 20121111. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665.e9-18., as autoras identificaram maior número de fonoaudiólogos inseridos nos CEREST dos estados de São Paulo (n=35), Minas Gerais (n=16), Bahia (n=13), Rio Grande do Sul (n=11) e Rio de Janeiro (n=10). Ressalta-se também que, nesses estados, há uma maior produção acadêmica, particularmente sobre agravos vocais em professores. Uma revisão integrativa identificou que 80,9% dos estudos sobre distúrbios de voz associados ao trabalho referem-se a professores - profissão historicamente registrada com as maiores prevalências de alteração vocal - quando comparados aos não professores1111. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665.e9-18..

Em análise sobre o início da atuação do fonoaudiólogo na Saúde do Trabalhador, em meados dos anos 1980, Gonçalves et al. (1212. Gonçalves CGO, Souza MT, Masson MLV. Saúde do trabalhador e Fonoaudiologia - Perspectivas e Desafios. In: Marchesan IQ, Silva HJ da, Tomé MC, editors. Tratado de Especialidades em Fonoaudiologia. 1st ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2017. p. 730-6. destacam a obrigação legal das indústrias em realizar audiometria em seus trabalhadores, devido à presença de ruído nesses locais de trabalho1212. Gonçalves CGO, Souza MT, Masson MLV. Saúde do trabalhador e Fonoaudiologia - Perspectivas e Desafios. In: Marchesan IQ, Silva HJ da, Tomé MC, editors. Tratado de Especialidades em Fonoaudiologia. 1st ed. São Paulo: Guanabara Koogan; 2017. p. 730-6.. Essa atuação histórica, reconhecida como especialidade da Audiologia, se mostra presente até os dias atuais, sendo constatado nesta pesquisa o registro de sete CEREST que desenvolvem ações exclusivas em audição e totalizando 34 com atuação em audição concomitante a outras áreas.

Quando considerados os 26 CEREST que atuam com voz, somente um conta com atuação exclusiva, os demais atuam nessa área concomitante com outras, incluindo audição. A busca pelo reconhecimento do DVRT promovida pela PUC-SP, com a participação do CEREST-SP, CEREST-RJ, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), culminou na publicação de um protocolo sobre o tema, pelo Ministério da Saúde77. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT [acesso em 22 set. 2022]. Brasília, DF: 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/disturbio_voz_relacionado_trabalho_dvrt.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
. Entre a publicação do Protocolo de Complexidade Diferenciada sobre a Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR)1313. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perda auditiva induzida por ruído (Pair). Brasília, DF: Editora MS; 2006. e o do DVRT77. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho - DVRT [acesso em 22 set. 2022]. Brasília, DF: 2018. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/disturbio_voz_relacionado_trabalho_dvrt.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
, houve um intervalo de 12 anos que refletiu um momento histórico no qual houve um predomínio de ações direcionadas aos agravos da audição.

Essa atuação possibilitou ao fonoaudiólogo exercer ações em caráter interdisciplinar, incluindo a Vigilância em Saúde, por meio dos Programas de Saúde do Trabalhador1414. Gonçalves CGO. Saúde do trabalhador: da estruturação à implantação de Programas de Preservação Auditiva. São Paulo: Rocca; 2009.. Contudo, pelos dados desta pesquisa, constata-se que quase metade dos fonoaudiólogos que atuavam em CEREST não desenvolviam trabalho em equipe. Pode-se levantar a hipótese de que isso se deve, possivelmente, à formação profissional voltada para questões técnicas e específicas do fazer fonoaudiológico, sendo as ações de caráter multi-inter-transdisciplinares menos desenvolvidas/demandadas.

A valorização das especialidades, em oposição à compreensão mais ampla e transversal do campo da Saúde Coletiva, também é outro aspecto que pode explicar a atuação mais restrita do fonoaudiólogo, mesmo considerando que os CEREST compõem a RENAST1515. Feuerwerker LCM. Educação dos profissionais da Saúde hoje - problemas, desafios, perspectivas e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO. 2003;3(1):24-7.. Cabe destacar que, apesar da iniciativa do Conselho Federal de Fonoaudiologia em sua Resolução n. 428/20131616. Conselho Federal de Fonoaudiologia (BR). Resolução n. 428, de 2 de março de 2013. Dispõe sobre a atuação do fonoaudiólogo na saúde do trabalhador e dá outras providências [Internet]. 2013 mar. 2 [acesso em 1 fev 2020]. Disponível em: https://www.fonoaudiologia.org.br/resolucoes/resolucoes_html/CFFa_N_428_13.htm
https://www.fonoaudiologia.org.br/resolu...
, que dispõe sobre as atribuições de competência do fonoaudiólogo que atua em Saúde do Trabalhador, a formação do fonoaudiólogo, na graduação, nem sempre inclui o mundo do trabalho como campo de práticas e de atuação da profissão.

Os avanços registrados1717. Trenche MCB, Padovani M, Anhoque CF, Garcia VL, organizadores. Políticas indutoras: formação de profissionais em fonoaudiologia. São José dos Campos: Pulso Editorial; 2020., com destaque para a inserção cada vez maior do fonoaudiólogo em diferentes contextos e realidades do SUS, podem fortalecer a atuação do fonoaudiólogo no CEREST. Um material publicado pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia corrobora essa perspectiva ao apresentar experiências de diferentes cursos de Fonoaudiologia, os quais ampliaram o olhar sobre as necessidades de saúde da população e dos serviços de saúde do país1818. Anais do X Congresso Internacional de Fonoaudiologia, XXVII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e III Encontro Mineiro de Fonoaudiologia. 2019 out 9-12; Belo Horizonte, Brasil. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia..

Por ocasião da realização do X Congresso Internacional de Fonoaudiologia, XXVII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e III Encontro Mineiro de Fonoaudiologia, promovidos pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa), realizou-se o Fórum “Agravos da Comunicação à Saúde do Trabalhador: DVRT e PAIR”1818. Anais do X Congresso Internacional de Fonoaudiologia, XXVII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e III Encontro Mineiro de Fonoaudiologia. 2019 out 9-12; Belo Horizonte, Brasil. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia., que culminou na criação de um Grupo de Trabalho denominado “GT - Fonoaudiologia e Saúde do Trabalhador: PAIR e DVRT”, o qual pretende, com articulação entre as diferentes áreas de especialidade, fomentar discussões que promovam o trabalho em equipe, a transversalidade e intersetorialidade das ações.

A predominância de atendimento para as mulheres verificada em nosso trabalho foi também registrada na pesquisa de Ferreira e Märtz55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9.. Presume-se que isso se deve a três fatores: o primeiro vai na direção de se saber que, culturalmente, as mulheres têm mais preocupação com o cuidado à saúde, quando comparadas aos homens1919. Gomes R, Nascimento EF do, Araújo FC de. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. Cad Saude Publica. 2007;23(3):565-74.; o segundo é a susceptibilidade biológica (dimensão reduzida da laringe e influência hormonal)2020. Souza C, Carvalho F, Araújo T de, Reis E, Lima V, Porto L. Fatores associados a patologias de pregas vocais em professores. Rev Saude Publica. 2011;45(5):914-21. e o papel social que exercem, com sobrecarga de atividades profissionais, domésticas e pessoais2121. Fillis MMA. Percepção de alteração vocal em professores e fatores associados. [tese de doutorado]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina; 2017. 152 p.; e o terceiro está atrelado à categoria de profissional da voz que mais procura os CEREST, os docentes, com elevada frequência de alterações de voz, predominantemente em mulheres2222. Botton A, Cúnico S, Strey M. Diferenças de gênero no acesso aos serviços de saúde: problematizações necessárias. Mudanças - Psicol Saude. 2017;25(1)..

A questão da faixa etária, destacada neste estudo como a mais atendida pelos fonoaudiólogos (31-40 anos), pode estar relacionada ao tempo de atuação em que a maioria dos trabalhadores da voz já esteve desenvolvendo suas atividades laborais. Esses profissionais acumulam tempo de uso intensivo da voz e de exposição a fatores de risco presentes no ambiente (ruído, poeira, ar-condicionado), assim como aspectos relacionados à organização do trabalho (sobrecarga vocal, excesso de tarefas, falta de autonomia, presença de diferentes tipos de violência, entre outros), condições associadas aos DVRT. Levando-se em conta que professores são os profissionais da voz que mais procuram os CEREST, a questão da idade corrobora com outros estudos realizados com essa categoria e que também identificam distúrbio de voz nessa faixa etária2323. Ferreira LP, Giannini SPP, Alves NLL, de Brito AF, de Andrade BMR, Latorre MRDO. Distúrbio de voz e trabalho docente. Rev CEFAC. 2016;18(4):932-40..

Os trabalhadores, sobretudo as professoras que buscam os serviços no CEREST por problemas de voz, são atendidos pelo fonoaudiólogo e acolhidos por meio de palestras, orientações e visitas aos locais de trabalho. As duas primeiras ações fazem parte do dia a dia da atuação fonoaudiológica, sendo voltadas para ações de promoção da saúde vocal e prevenção de distúrbios de voz. Essas ações são destacadas, inclusive, em diferentes iniciativas junto ao poder legislativo, visando a criação de programas de saúde vocal de professores2424. Ferreira LP, Servilha EAM, Masson ML V., Reinaldi M. B. F. Políticas públicas e voz do professor: caracterização das leis brasileiras. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):1-7.),(2525. Servilha EAM, Ferreira LP, Masson ML V., Reinaldi M. B. F. Voz do professor: análise das leis brasileiras na perspectiva da promoção da saúde. Rev CEFAC. 2014;16(6):1888-99..

A questão da atuação multidisciplinar do fonoaudiólogo foi discutida em artigo de Ferreira e Märtz55. Ferreira LP, Märtz MLW. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho: a experiência dos Cerest. Bol Epidemiol Paul. 2010;7(76):13-9. e ali incentivada frente ao seu pouco registro naquela ocasião. Contudo, nesta pesquisa, mais uma vez há pouca constatação desse tipo de atuação, mesmo sabendo-se que esse tipo de atendimento, além de propiciar melhor assistência às questões relacionadas à chamada fila de espera, se mostra mais efetivo quando se trata de lidar com agravos relacionados ao trabalho, tanto referentes ao distúrbio de voz2626. Vilela FCA, Ferreira LP. Voz na clínica fonoaudiológica: grupo terapêutico como possibilidade. Disturbios Comun. 2006;18(2):235-43., quanto a outros transtornos2727. Gonçalves CGO. Análise do programa de apoio e reabilitação para trabalhadores portadores de PAIR em uma metalúrgica. Disturbios Comun. 2007;19(1):103-16..

Mais da metade dos coordenadores dos CEREST que participaram deste estudo disseram haver afastamento do trabalho pelos trabalhadores para realizar tratamentos, principalmente por distúrbio de voz. O afastamento do trabalho é uma temática recorrente entre professores da rede pública2828. Medeiros A de, Vieira MT. Ausência ao trabalho por distúrbio vocal de professores da Educação Básica no Brasil. Cad Saude Publica. 2019;35(Supl 1): e00171717., mas pouco se questiona sobre as precárias condições de trabalho que o desencadeia. Ações efetivas sobre essas condições poderiam minimizar a ocorrência do absenteísmo e do presenteísmo.

Estudo com o objetivo de avaliar os custos atrelados à presença de sintomas vocais2929. Cutiva LCC, Burdorf A. Medical costs and productivity cost related to voice symptoms in Colombian teachers. J Voice. 2015;29(6):776.e15-22., realizado com 438 professores colombianos, constatou consequências econômicas ao governo colombiano relacionadas à assistência médica (média de 16 dólares americanos por professor), absenteísmo (média de três dias = 150 dólares americanos por professor) e presenteísmo, com consequente perda de produtividade no trabalho (custo médio de 292 dólares americanos por professor)2929. Cutiva LCC, Burdorf A. Medical costs and productivity cost related to voice symptoms in Colombian teachers. J Voice. 2015;29(6):776.e15-22..

Como já citado, entre as categorias profissionais mais atendidas, professores e teleoperadores foram as mais mencionadas. A literatura fonoaudiológica registra elevada produção com relação à voz do professor3030. Dragone MLS, Ferreira LP, Giannini SPP, Simões-Zenari M, Vieira VP, Behlau M. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):289-96., de certo pela facilidade de acesso a esses profissionais e pelo registro de alta ocorrência de distúrbio de voz nessa categoria3131. Freitas CNJ de, Almeida AA, Ferreira DAH, Medeiros CMA de, Lima MFB de. Condições de trabalho e de voz em professores de escolas públicas e privadas. Audiol, Commun Res. 2019;24: e2151..

A produção é mais limitada com relação aos teleoperadores. Apesar de apresentarem elevada frequência de sintomas vocais3232. Santos CT dos, Santos C, Lopes LW, Silva POC, Lima-Silva MFB de. Relação entre as condições de trabalho e de voz autorreferidas em teleoperadores de uma central de emergência. CoDAS. 2016;28(5):583-94., há dificuldade de acesso dos pesquisadores aos trabalhadores, sendo necessária a autorização dos responsáveis pelas empresas. Devido à possibilidade de exposição da empresa quanto aos casos de DVRT, quase sempre relacionados às precárias condições de trabalho, essa permissão nem sempre é fácil de se conseguir.

Um estudo realizado por meio do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações da Bahia (Sinttel-BA)3333. Santa Mônica FS, Masson MLV, Araújo TM. Sintomas vocais e absenteísmo em teleoperadores sindicalizados. In: Fernandes RCP, Lima MAG, Araújo TM, organizadores. Tópicos em saúde, ambiente e trabalho: um olhar ampliado. Salvador: EDUFBA, 2014: p. 181-208., com 80 teleoperadores, identificou que o uso intensivo da voz foi responsável pelo maior percentual de afastamentos, seguido pela presença de ar-condicionado, ambiente frio ou quente demais e estresse no trabalho.

Conclusão

Na comparação com o levantamento realizado anteriormente, percebe-se que a presença do fonoaudiólogo tornou- se mais frequente nos CEREST, em especial no que se refere à atuação junto ao DVRT. Essa atuação pode vir a ser ampliada, tanto no que diz respeito às ações (restritas a palestras, orientações e visitas aos locais de trabalho), quanto na atenção ao agravo presente em outros trabalhadores, para além de professores e teleoperadores.

Por fim, sugere-se que em estudos futuros o envio do instrumento seja feito diretamente aos fonoaudiólogos atuantes no CEREST, para que se tenha um perfil mais fidedigno do ponto de vista do próprio profissional.

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  • As autoras informam que o trabalho foi apresentado no 27º Encontro de Iniciação Científica de 2018, “Ética, pesquisa e alteridade: um compromisso político”, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2020
  • Revisado
    05 Maio 2021
  • Aceito
    28 Maio 2021
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