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Funcionalidade e disfunções orgânicas agudas influenciam a mortalidade hospitalar de pacientes críticos com câncer e suspeita de infecção: análise retrospectiva de uma coorte

RESUMO

Objetivo:

Avaliar como a funcionalidade e a disfunção orgânica aguda influenciam a mortalidade hospitalar de pacientes oncológicos admitidos com suspeita de sepse.

Métodos:

Os dados foram obtidos de uma coorte retrospectiva de pacientes oncológicos com suspeita de infecção admitidos em uma unidade de terapia intensiva. Estes receberam antibióticos por via parenteral e tiveram suas culturas coletadas. Utilizamos uma regressão logística, para avaliar a mortalidade hospitalar como desfecho, Sequential Organ Failure Assessment e Eastern Cooperative Oncology Group como preditores, além de suas interações.

Resultados:

Dentre os 450 pacientes incluídos, 265 (58,9%) morreram no hospital. Para os pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva com Sequential Organ Failure Assessment baixo (≤ 6), o comprometimento da funcionalidade influenciou a mortalidade hospitalar, que foi de 32% entre os pacientes sem comprometimento ou com comprometimento mínimo da funcionalidade e 52% entre os pacientes com comprometimento moderado e grave (p < 0,01). Nos pacientes com Sequential Organ Failure Assessment elevado (> 6), a funcionalidade não influenciou a mortalidade hospitalar (73% entre os pacientes sem comprometimento ou com comprometimento mínimo, e 84% entre os pacientes com comprometimento moderado e grave; p = 0,1).

Conclusão:

O comprometimento da funcionalidade parece influenciar a mortalidade hospitalar de pacientes oncológicos com suspeita de sepse sem disfunções orgânicas agudas ou que apresentem disfunções leves no momento da admissão na unidade de terapia intensiva.

Descritores:
Neoplasias; Cuidados críticos; Estado terminal; Sepse; Escores de disfunção orgânica; Mortalidade hospitalar

ABSTRACT

Objective:

To evaluate how performance status impairment and acute organ dysfunction influence hospital mortality in critically ill patients with cancer who were admitted with suspected sepsis.

Methods:

Data were obtained from a retrospective cohort of patients, admitted to an intensive care unit, with cancer and with a suspected infection who received parenteral antibiotics and underwent the collection of bodily fluid samples. We used logistic regression with hospital mortality as the outcome and the Sequential Organ Failure Assessment score, Eastern Cooperative Oncology Group status, and their interactions as predictors.

Results:

Of 450 patients included, 265 (58.9%) died in the hospital. For patients admitted to the intensive care unit with lower Sequential Organ Failure Assessment (≤ 6), performance status impairment influenced the in-hospital mortality, which was 32% among those with no and minor performance status impairment and 52% among those with moderate and severe performance status impairment, p < 0.01. However, for those with higher Sequential Organ Failure Assessment (> 6), performance status impairment did not influence the in-hospital mortality (73% among those with no and minor impairment and 84% among those with moderate and severe impairment; p = 0.1).

Conclusion:

Performance status impairment seems to influence hospital mortality in critically ill cancer patients with suspected sepsis when they have less severe acute organ dysfunction at the time of intensive care unit admission.

Keywords:
Neoplasms; Critical care; Critical illness; Sepsis; Organ dysfunction score; Hospital mortality

INTRODUÇÃO

Mais de 20% dos pacientes admitidos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) têm câncer, e a sepse é a principal razão para essas admissões.(11 Soares M, Caruso P, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Friedman G, Dal Pizzol F, Mello PV, Bozza FA, Silva UV, Torelly AP, Knibel MF, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Castro A, Ferreira BS, Réa-Neto A, Olmedo PB, Salluh JI; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Characteristics and outcomes of patients with cancer requiring admission to intensive care units: a prospective multicenter study. Crit Care Med. 2010;38(1):9-15.) A despeito do tratamento, a sepse persiste como importante causa de óbito entre pacientes críticos com câncer, com taxa de mortalidade hospitalar de até 60%.(11 Soares M, Caruso P, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Friedman G, Dal Pizzol F, Mello PV, Bozza FA, Silva UV, Torelly AP, Knibel MF, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Castro A, Ferreira BS, Réa-Neto A, Olmedo PB, Salluh JI; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Characteristics and outcomes of patients with cancer requiring admission to intensive care units: a prospective multicenter study. Crit Care Med. 2010;38(1):9-15.,22 Ostermann M, Ferrando-Vivas P, Gore C, Power S, Harrison D. Characteristics and outcome of cancer patients admitted to the ICU in England, Wales, and Northern Ireland and National Trends between 1997 and 2013. Crit Care Med. 2017;45(10):1668-76.) De fato, percebe-se que alguns desses pacientes não se beneficiam do suporte intensivo, que os faz passar seus últimos momentos de vida distante de seus entes queridos, além de ser submetidos a procedimentos invasivos e dolorosos.(33 Cook D, Rocker G. Dying with dignity in the intensive care unit. N Engl J Med. 2014;370(26):2506-14.)

Os desfechos de pacientes oncológicos críticos dependem de suas características clínicas prévias, estadiamento do câncer e da gravidade das disfunções de orgânicas agudas.(44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.) Dentre as variáveis utilizadas para avaliar as características clínicas basais, a funcionalidade apresenta valor prognóstico nestes doentes, independentemente de idade e comorbidades.(11 Soares M, Caruso P, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Friedman G, Dal Pizzol F, Mello PV, Bozza FA, Silva UV, Torelly AP, Knibel MF, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Castro A, Ferreira BS, Réa-Neto A, Olmedo PB, Salluh JI; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Characteristics and outcomes of patients with cancer requiring admission to intensive care units: a prospective multicenter study. Crit Care Med. 2010;38(1):9-15.,44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.) A associação entre funcionalidade (performance status - PS), morbidade e mortalidade de pacientes na UTI foi amplamente demonstrada.(11 Soares M, Caruso P, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Friedman G, Dal Pizzol F, Mello PV, Bozza FA, Silva UV, Torelly AP, Knibel MF, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Castro A, Ferreira BS, Réa-Neto A, Olmedo PB, Salluh JI; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Characteristics and outcomes of patients with cancer requiring admission to intensive care units: a prospective multicenter study. Crit Care Med. 2010;38(1):9-15.,44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.,55 Rosolem MM, Rabello LS, Lisboa T, Caruso P, Costa RT, Leal JV, et al. Critically ill patients with cancer and sepsis: clinical course and prognostic factors. J Crit Care. 2012;27(3):301-7.) Entretanto, a interação entre o PS e a disfunção orgânica aguda ainda não foi demonstrada em pacientes oncológicos admitidos por sepse.

O objetivo deste estudo foi avaliar como o comprometimento do PS e disfunção orgânica aguda influenciaram a mortalidade hospitalar de pacientes oncológicos admitidos na UTI com suspeita de sepse. Nossa hipótese foi de que o impacto do PS na mortalidade hospitalar seria distinto conforme a gravidade da disfunção orgânica aguda. A avaliação do PS pode ser apropriada para apoiar tomadas de decisão relacionadas a pacientes oncológicos sépticos admitidos na UTI.

MÉTODOS

Este estudo envolveu uma análise secundária dos dados de uma coorte retrospectiva de pacientes com suspeita de infecção, admitidos a uma UTI de 55 leitos em um centro oncológico, no período entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015. O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do A.C. Camargo Cancer Center. Por tratar-se de um estudo retrospectivo e observacional, sem envolver identificação dos pacientes, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi dispensado.

Os dados foram obtidos a partir de uma base de dados relativos às admissões na UTI, registrados prospectivamente. Os seguintes dados clínicos foram coletados: idade e sexo do paciente, PS definido segundo os critérios do Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG)(66 Dewys WD, Begg C, Lavin PT, Band PR, Bennett JM, Bertino JR, et al. Prognostic effect of weight loss prior to chemotherapy in cancer patients. Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Med. 1980;69(4):491-7.) pelo menos 1 semana antes da internação hospitalar, piores e melhores sinais vitais durante o primeiro dia na UTI, níveis de lactato na admissão à UTI, escore segundo o Simplified Acute Physiological Score 3 (SAPS 3), Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) no primeiro dia, sítio infeccioso, diagnóstico etiológico, comorbidades, tempo de permanência na UTI, medidas de suporte orgânico necessárias durante a permanência na UTI (por exemplo: uso de vasopressores, ventilação mecânica e terapia renal substitutiva) e mortalidade na UTI e hospitalar. O escore de funcionalidade ECOG foi definido de acordo com as seguintes categorias: zero para o paciente plenamente ativo; um para aquele paciente ambulatorial que possui alguma restrição para desempenhar atividades fisicamente extenuantes, no entanto ainda é capaz de realizar atividades laborais leves; dois para o paciente ambulatorial, incapaz para atividades laborais, no entanto deambulando e com autocuidado preservado; três para o paciente capaz de autocuidados limitados e confinado ao leito ou cadeira por mais de 50% do tempo de vigília; e quatro para totalmente incapacitado, incapaz de se cuidar e totalmente confinado a um leito ou cadeira.(66 Dewys WD, Begg C, Lavin PT, Band PR, Bennett JM, Bertino JR, et al. Prognostic effect of weight loss prior to chemotherapy in cancer patients. Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Med. 1980;69(4):491-7.) A classificação do PS baseou-se no relato de um membro da família por ocasião da admissão na UTI. Não ocorreu perda de dados sobre o PS no banco analisado.

O desfecho primário foi a mortalidade hospitalar. Pacientes considerados elegíveis para retirada ou limitação de suporte, independentemente de sua alta da UTI, foram considerados como decisões de fim de vida.

Incluímos todos os pacientes com câncer ativo, admitidos por suspeita de infecção e que receberam prescrição de antibióticos parenterais, tendo sido submetidos à coleta de culturas (por exemplo: sangue, urina, líquor cefalorraquidiano, aspirado traqueal ou lavagem broncoalveolar), por ocasião da admissão ou imediatamente antes dela. Excluímos os pacientes com suspeita de infecções adquiridas na UTI.(77 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) Os pacientes foram divididos em grupos segundo seu comprometimento do PS.

Análise estatística

Os dados foram apresentados como números e percentagens, médias e desvios-padrão, medianas de faixas interquartis, ou proporções com intervalos de confiança de 95%. As variáveis contínuas com distribuição normal foram comparadas com utilização do teste t de Student e análise de variância, e as variáveis contínuas com distribuição não normal foram comparadas com utilização do teste rank-sum de Mann-Whitney ou teste de Kruskal-Wallis.

Aplicaram-se dois modelos de regressão. Primeiramente, realizamos uma regressão logística, utilizando mortalidade hospitalar como o desfecho entre o ECOG e o SOFA e entre o ECOG e o SAPS 3, para avaliar suas interações como preditores. Em um segundo momento, construímos um algoritmo de decisão, utilizando o método não-paramétrico de árvore de decisão. A população do estudo foi classificada em segmentos ramificados para construir uma árvore invertida, com estabelecimento dos nós-raiz, nós-internos e nós-folhas. A escolha dos ramos foi baseada no indicador de risco com o menor valor de p no teste estatístico do qui-quadrado para aquela divisão. A ramificação limitou-se a três níveis. Nessa análise, consideramos o ECOG e o SOFA como variáveis contínuas, e mortalidade hospitalar como um único desfecho binário.

Utilizamos o coeficiente de correlação de Spearman para definir os efeitos do SOFA no comprometimento do PS.

Construímos um gráfico acíclico dirigido (DAG) representando as influências do PS e do SOFA nos pacientes oncológicos admitidos à UTI com sepse (Figura 1).

Figura 1
Influência da funcionalidade e Sequential Organ Failure Assessment em pacientes oncológicos admitidos à unidade de terapia intensiva com sepse. ECOG - Eastern Cooperative Oncology Group; SAPS 3 - Simplified Acute Physiologic Score 3; SOFA - Sequential Organ Failure Assessment.

Os resultados foram apresentados como a probabilidade de óbito, segundo os preditores. Para todas as análises, consideramos valor de p < 0,05 como significativo.

RESULTADOS

No total, foram admitidos na UTI 485 pacientes com suspeita de infecção. Excluímos 35 (7,2%) deles por não apresentarem câncer ativo. Assim, o estudo incluiu 450 pacientes.

As características principais dos pacientes são apresentadas na tabela 1. A maioria dos pacientes tinha tumores sólidos metastáticos, e o principal foco infeccioso foi pulmonar ou abdominal. As taxas de mortalidade na UTI e no hospital foram, respectivamente, de 38,9% e 58,9%. Decisões de fim de vida na UTI ocorreram em 99 (22%) pacientes. Segundo as definições Sepsis-3,(77 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.) a maioria dos pacientes tinha sepse (n = 288, 64%), e 146 (32,44%) tinham choque séptico. A maioria dos pacientes apresentou algum grau de comprometimento do PS (ECOG ≥ 1). O SOFA médio foi de 6,5 (± 3,26).

Tabela 1
Características dos pacientes

Em geral, ECOG piores associaram-se a maiores taxas de mortalidade hospitalar (Figura 2A). Entretanto, o PS influenciou a mortalidade hospitalar de forma diferente nos pacientes com disfunção orgânica aguda mais ou menos grave. Em pacientes admitidos à UTI com SOFA mais baixos, o PS teve clara influência na mortalidade hospitalar. Por outro lado, nos pacientes com SOFA mais alto, o PS parece não ser um preditor relevante da mortalidade hospitalar (Figura 2A). Não se observou associação clara entre o PS e a mortalidade hospitalar, segundo o SAPS 3 (Figura 2B).

Figura 2
Mortalidade hospitalar entre pacientes definidos pela categoria funcional segundo o Eastern Cooperative Oncology Group, o Sequential Organ Failure Assessment (A) e o Simplified Acute Physiologic Score 3 (B). SOFA - Sequential Organ Failure Assessment; ECOG - Eastern Cooperative Oncology Group; SAPS 3 - Simplified Acute Physiologic Score 3.

A análise de inferência condicional demonstrou que o PS não influenciou a mortalidade hospitalar em todos os pacientes sépticos oncológicos admitidos na UTI, e a disfunção orgânica aguda foi mais relevante do que o PS para a mortalidade entre pacientes com SOFA > 6 (taxa de mortalidade hospitalar, 75%). Neste grupo, não houve diferença entre pacientes sem comprometimento ou com comprometimento mínimo do PS (taxa de mortalidade hospitalar de 66%; n = 42/63) e os pacientes com comprometimento moderado ou grave (taxa de mortalidade hospitalar de 79%; n = 110/139) (p = 0,06). Entre os pacientes com SOFA ≤ 6, a taxa de mortalidade hospitalar foi mais elevada entre os com comprometimento moderado e grave do PS (ECOG dois a quatro; 53%; n = 29/90) do que entre os pacientes sem comprometimento ou com mínimo comprometimento do PS (ECOG de zero a um; 32%, n = 83/157; p = 0,002) (Figura 3).

Figura 3
Relacão dos escores avaliados com a mortalidade hospitalar, segundo o Eastern Cooperative Oncology Group e o Sequential Organ Failure Assessment. SOFA - Sequential Organ Failure Assessment; ECOG - Eastern Cooperative Oncology Group.

Avaliamos a interação entre o comprometimento do PS e o SOFA, por meio da inclusão de seu produto (ECOG x SOFA) na regressão logística, porém não ocorreu associação com a mortalidade hospitalar (p = 0,6).

Não houve correlação entre comprometimento do PS e o SOFA (rho: 0,01; p = 0,1).

DISCUSSÃO

Nossos dados sugerem que o PS e a disfunção orgânica aguda interagem para afetar a mortalidade hospitalar em pacientes oncológicos admitidos à UTI com suspeita de infecção. Para pacientes com baixo SOFA, um maior comprometimento do PS associou-se à maior mortalidade hospitalar. Contudo, para pacientes com SOFA elevado, o PS não evidenciou impacto significativo na mortalidade hospitalar. No presente estudo, a taxa de mortalidade hospitalar por sepse foi de 59%, ou seja, semelhante às taxas identificadas em outros estudos.(11 Soares M, Caruso P, Silva E, Teles JM, Lobo SM, Friedman G, Dal Pizzol F, Mello PV, Bozza FA, Silva UV, Torelly AP, Knibel MF, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Castro A, Ferreira BS, Réa-Neto A, Olmedo PB, Salluh JI; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Characteristics and outcomes of patients with cancer requiring admission to intensive care units: a prospective multicenter study. Crit Care Med. 2010;38(1):9-15.,44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.,55 Rosolem MM, Rabello LS, Lisboa T, Caruso P, Costa RT, Leal JV, et al. Critically ill patients with cancer and sepsis: clinical course and prognostic factors. J Crit Care. 2012;27(3):301-7.,88 Azevedo LC, Caruso P, Silva UV, Torelly AP, Silva E, Rezende E, Netto JJ, Piras C, Lobo SM, Knibel MF, Teles JM, Lima RA, Ferreira BS, Friedman G, Rea-Neto A, Dal-Pizzol F, Bozza FA, Salluh JI, Soares M; Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Outcomes for patients with cancer admitted to the ICU requiring ventilatory support: results from a prospective multicenter study. Chest. 2014;146(2): 257-66.,99 Aygencel G, Turkoglu M, Turkoz Sucak G, Benekli M. Prognostic factors in critically ill cancer patients admitted to the intensive care unit. J Crit Care. 2014;29(4):618-26.) Assim, a maior parte dos pacientes críticos com câncer e sepse morrerá independentemente dos cuidados intensivos. Uma compreensão dos principais fatores associados com essa mortalidade elevada é fundamental.

Outros investigadores descreveram o PS como fator prognóstico em pacientes oncológicos(44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.) e especificamente para aqueles em sepse.(55 Rosolem MM, Rabello LS, Lisboa T, Caruso P, Costa RT, Leal JV, et al. Critically ill patients with cancer and sepsis: clinical course and prognostic factors. J Crit Care. 2012;27(3):301-7.,1010 Torres VB, Azevedo LC, Silva UV, Caruso P, Torelly AP, Silva E, et al. Sepsis-associated outcomes in critically ill patients with malignancies. Ann Am Thorac Soc. 2015;12(8):1185-92.) Além disso, a escala de PS ECOG é uma ferramenta importante, utilizada na prática clínica para orientar decisões terapêuticas em pacientes oncológicos. As diretrizes da American Society of Clinical Oncology (ASCO) recomendam evitar quimioterapia, cirurgia de grande porte e radioterapia para pacientes com ECOG > 2.(1111 Schnipper LE, Smith TJ, Raghavan D, Blayney DW, Ganz PA, Mulvey TM, et al. American Society of Clinical Oncology identifies five key opportunities to improve care and reduce costs: the top five list for oncology. J Clin Oncol. 2012;30(14):1715-24.) Portanto, é de essencial, em pacientes oncológicos críticos, definir seu plano de cuidados e diretivas de tratamento, isto é, tratamento pleno, proporcionalidade de cuidados, ou medidas paliativas.(1212 Lecuyer L, Chevret S, Thiery G, Darmon M, Schlemmer B, Azoulay E. The ICU trial: a new admission policy for cancer patients requiring mechanical ventilation. Crit Care Med. 2007;35(3):808-14.,1313 Shrime MG, Ferket BS, Scott DJ, Lee J, Barragan-Bradford D, Pollard T, et al. Time-limited trials of intensive care for critically ill patients with cancer: how long is long enough? JAMA Oncol. 2016;2(1):76-83.)

Como demonstrado por outros estudos, escores prognósticos ruins e baixa funcionalidade correlacionam-se a maior mortalidade em pacientes críticos com câncer,(44 Puxty K, McLoone P, Quasim T, Kinsella J, Morrison D. Survival in solid cancer patients following intensive care unit admission. Intensive Care Med. 2014;40(10):1409-28.) nossa hipótese foi a de que o PS influenciaria a mortalidade hospitalar em pacientes oncológicos em sepse de forma distinta de acordo a gravidade do paciente no momento de sua admissão na UTI. Em análise retrospectiva, Zampieri et al.(1414 Zampieri FG, Colombari F. The impact of performance status and comorbidities on the short-term prognosis of very elderly patients admitted to the ICU. BMC Anesthesiol. 2014;14:59.) identificaram que a análise combinada do PS e do SAPS 3 melhorava a capacidade discriminativa de predizer a mortalidade hospitalar. Nosso estudo, avaliou as influências do PS e do SOFA na admissão à UTI sobre mortalidade hospitalar em pacientes sépticos. Optamos pelo escore SOFA e não SAPS 3, porque os intensivistas tendem a tomar decisões com base na gravidade da disfunção orgânica aguda, e a definição de sepse ser baseada nesse escore.(77 Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, Shankar-Hari M, Annane D, Bauer M, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA. 2016;315(8):801-10.,1515 Nassar AP Jr, Dettino AL, Amendola CP, Dos Santos RA, Forte DN, Caruso P. Oncologists' and intensivists' attitudes toward the care of critically ill patients with cancer. J Intensive Care Med. 2019;34(10):811-7.) Assim, sugerimos que a disfunção orgânica aguda não parece ser um mediador dos efeitos de comprometimento do PS nos desfechos. O comprometimento do PS foi associado a piores desfechos apenas nos pacientes com quadro menos grave, isto é, aqueles com SOFA ≤ 6, enquanto a disfunção orgânica aguda foi associada de forma independente a taxas mais altas de mortalidade nos pacientes mais graves, ou seja, aqueles com SOFA > 6.

Este estudo tem algumas limitações. Primeiramente, por se tratar de uma análise retrospectiva e unicêntrica, está sujeito a vieses locais. Em segundo lugar, o pequeno tamanho da amostra não nos permitiu obter conclusões definitivas. Em terceiro lugar, como a classificação ECOG foi baseada no PS prévio relatado por familiares quando da admissão à UTI, o grau de comprometimento do paciente pode ter sido superestimado. Em quarto lugar, foram tomadas decisões de fim de vida durante a permanência na UTI em 22% dos pacientes dessa coorte, o que provavelmente influenciou na mortalidade hospitalar. Em quinto lugar, não foi possível ajustar nosso modelo para o índice de comorbidades de Charlson, pois não dispúnhamos dessa variável em nossa base de dados.

CONCLUSÃO

Os achados do nosso estudo sugerem que o comprometimento da funcionalidade influencia a mortalidade hospitalar de pacientes oncológicos críticos de forma distinta, de acordo com a gravidade das disfunções orgânicas agudas. Para pacientes com Sequential Organ Failure Assessment elevado no momento da admissão na unidade de terapia intensiva, a funcionalidade não influenciou a mortalidade hospitalar. Nos pacientes que apresentaram disfunções orgânicas agudas menos graves, o comprometimento moderado e grave da funcionalidade influenciou negativamente a mortalidade hospitalar. Ainda são necessários estudos adicionais no intuito de ratificar impacto da funcionalidade em diferentes níveis de gravidade das disfunções orgânicas agudas, além do seu papel no processo decisório para pacientes críticos com diagnóstico de câncer.

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Editado por

Editor responsável: Jorge Ibrain Figueira Salluh

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2020
  • Aceito
    01 Out 2020
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