Acessibilidade / Reportar erro

A sobrecarga intravenosa de fluidos e sódio pode contribuir para a menor infusão de nutrição enteral em pacientes críticos

RESUMO

Objetivo:

Avaliar os efeitos da administração intravenosa de fluidos e sódio no primeiro dia de internação com a infusão de nutrição enteral em pacientes de terapia intensiva.

Métodos:

Estudo de coorte prospectivo realizado com pacientes críticos, não cirúrgicos, em ventilação mecânica internados pelo menos há 5 dias com nutrição enteral. Investigaram-se a quantidade de fluidos e sódio administrados por via venosa no primeiro dia e o volume de nutrição enteral infundido nos primeiros 5 dias. Comparou-se o volume de fluidos intravenosos do primeiro dia > 35mL/kg ou ≤ 35mL/kg de peso corporal e de sódio (acima ou abaixo do percentil 25), com o total de nutrição enteral infundida.

Resultados:

Estudaram-se 86 pacientes com média (± desvio padrão) de 65 ± 17 anos, sendo 54,7% do sexo feminino. Foram administrados, no primeiro dia, 3.393,7 ± 1.417,0mL de fluidos (48,2 ± 23,0mL/kg) e 12,2 ± 5,1g de sódio. Cinquenta e oito (67,4%) pacientes receberam mais de 35mL/kg de fluidos. Em 5 dias, foram ofertados 67 ± 19,8% (2.993,8 ± 1.324,4mL) da nutrição enteral. Os pacientes que receberam > 35mL/kg de fluidos intravenosos também receberam menos nutrição enteral em 5 dias (2.781,4 ± 1.337,9 versus 3.433,6 ± 1.202,2mL; p = 0,03) versus quem recebeu ≤ 35mL/kg. Pacientes com infusão de sódio intravenoso acima do percentil 25 (≥ 8,73g) no primeiro dia receberam menos volume de nutrição enteral em 5 dias (2.827,2 ± 1.398,0 versus 3.509,3 ± 911,9mL; p = 0,02).

Conclusão:

Os resultados deste estudo apoiam o pressuposto de que a administração de fluidos intravenosos no primeiro dia de internação > 35mL/kg e de sódio ≥ 8,73g pode contribuir para a menor infusão de nutrição enteral em pacientes críticos.

Descritores:
Cuidados intensivos; Fluido; Sódio; Nutrição enteral

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the effects of intravenous infusion of fluids and sodium on the first day of admission on infusion of enteral nutrition in the first 5 days in intensive care patients.

Methods:

A prospective cohort study was conducted with critical nonsurgical patients admitted for at least 5 days who were on mechanical ventilation and receiving enteral nutrition. The amount of intravenous fluids and sodium infused on the first day and the volume of enteral nutrition infused in the first 5 days were investigated. The volume of intravenous fluids > 35mL/kg or ≤ 35mL/kg of body weight and sodium (above or below the 25th percentile) infused on the first day was compared with infused enteral nutrition.

Results:

A total of 86 patients were studied, with a mean (± standard deviation) of 65 ± 17 years, of which 54.7% were female. On the first day, 3,393.7 ± 1,417.0mL of fluid (48.2 ± 23.0mL/kg) and 12.2 ± 5.1g of sodium were administered. Fifty-eight (67.4%) patients received more than 35mL/kg of fluids. In 5 days, 67 ± 19.8% (2,993.8 ± 1,324.4mL) of the prescribed enteral nutrition was received. Patients who received > 35mL/kg of intravenous fluids also received less enteral nutrition in 5 days (2,781.4 ± 1,337.9 versus 3,433.6 ± 1,202.2mL; p = 0.03) versus those who received ≤ 35mL/kg. Patients with intravenous sodium infusion above the 25th percentile (≥ 8.73g) on the first day received less enteral nutrition volume in 5 days (2,827.2 ± 1,398.0 versus 3,509.3 ± 911.9mL; p = 0.02).

Conclusion:

The results of this study support the assumption that the administration of intravenous fluids > 35mL/kg and sodium ≥ 8.73g on the first day of hospitalization may contribute to the lower infusion of enteral nutrition in critically ill patients.

Keywords:
Critical care; Fluids; Sodium; Enteral nutrition

INTRODUÇÃO

A ressuscitação com a infusão de fluidos é uma das intervenções mais frequentes realizadas em pacientes em terapia intensiva, especialmente na presença de choque.(11 Vincent JL, De Backer D, Wiedermann CJ. Fluid management in sepsis: The potential beneficial effects of albumin. J Crit Care. 2016;35:161-7.) O objetivo fisiológico da ressuscitação é restaurar ou manter o volume intravascular efetivo, para assegurar perfusão tecidual adequada.(22 Silversides JA, Major E, Ferguson AJ, Mann EE, McAuley DF, Marshall JC, et al. Conservative fluid management or deresuscitation for patients with sepsis or acute respiratory distress syndrome following the resuscitation phase of critical illness: a systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2017;43(2):155-70.

3 Angus DC, van der Poll T. Severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2013;369(9):840-51. Erratum in N Engl J Med. 2013;369(21):2069.
-44 Zanotti-Cavazzoni SL, Guglielmi M, Parrillo JE, Walker T, Dellinger RP, Hollenberg SM. Fluid resuscitation influences cardiovascular performance and mortality in a murine model of sepsis. Intensive Care Med. 2009;35(4):748-54.) Entretanto, o excesso de fluidos pode resultar em efeitos adversos.(55 Boyd JH, Forbes J, Nakada TA, Walley KR, Russell JA. Fluid resuscitation in septic shock: a positive fluid balance and elevated central venous pressure are associated with increased mortality. Crit Care Med. 2011;39(2): 259-65.,66 Raghunathan K, Murray PT, Beattie WS, Lobo DN, Myburgh J, Sladen R, Kellum JA, Mythen MG, Shaw AD; ADQI XII Investigators Group. Choice of fluid in acute illness: what should be given? An international consensus. Br J Anaesth. 2014;113(5):772-83. Erratum in Br J Anaesth. 2015;114(1):175.) A redistribuição rápida do volume infundido leva ao dano capilar,(77 Byrne L, Obonyo NG, Diab SD, Dunster KR, Passmore MR, Boon AC, et al. Unintended consequences: fluid resuscitation worsens shock in an ovine model of endotoxemia. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198(8):1043-54.) com aumento de sua permeabilidade e, assim, apenas 5 a 20% do infundido permanece no intravascular após 90 minutos da infusão.(88 Sánchez M, Jiménez-Lendínez M, Cidoncha M, Asensio MJ, Herrerot E, Collado A, et al. Comparison of fluid compartments and fluid responsiveness in septic and non-septic patients. Anaesth Intensive Care. 2011;39(6):1022-9.) Isso resulta também em retenção de sódio e água, com consequentes lesão renal aguda e prejuízo no fornecimento de oxigênio para os tecidos, devido ao baixo volume efetivo no intravascular.(99 Prowle JR, Echeverri JE, Ligabo EV, Ronco C, Bellomo R. Fluid balance and acute kidney injury. Nat Rev Nephrol. 2010;6(2):107-15.) Nesse contexto, vários estudos mostraram aumento da mortalidade com a sobrecarga de fluidos intravenosos.(1010 Rehm M, Hulde N, Kammerer T, Meidert AS, Hofmann-Kiefer K. [State of the art in fluid and volume therapy: A user-friendly staged concept]. Anaesthesist. 2017;66(3):153-67. German.

11 Rosenberg AL, Dechert RE, Park PK, Bartlett RH; NIH NHLBI ARDS Network. Review of a large clinical series: association of cumulative fluid balance on outcome in acute lung injury: a retrospective review of the ARDS net tidal volume study cohort. J Intensive Care Med. 2009;24(1):35-46.

12 Boyd JH, Forbes J, Nakada TA, Walley KR, Russell JA. Fluid resuscitation in septic shock: a positive fluid balance and elevated central venous pressure are associated with increased mortality. Crit Care Med. 2011;39(2):259-65.
-1313 Payen D, De Pont AC, Sakr Y, Spies C, Reinhart K, Vincent JL; Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients (SOAP) Investigators. A positive fluid balance is associated with a worse outcome in patients with acute renal failure. Crit Care. 2008;12(3):R74.) Desse modo, estratégias com administração mais restritiva de fluidos podem ser benéficas para evitar sobrecarga e aumento da morbimortalidade,(1010 Rehm M, Hulde N, Kammerer T, Meidert AS, Hofmann-Kiefer K. [State of the art in fluid and volume therapy: A user-friendly staged concept]. Anaesthesist. 2017;66(3):153-67. German.,1414 Gong YC, Liu JT, Ma PL. Early fluid loading for septic patients: Any safety limit needed? Chin J Traumatol. 2018;21(1):1-3.,1515 Hoste EA, Maitland K, Brudney CS, Mehta R, Vincent JL, Yates D, Kellum JA, Mythen MG, Shaw AD; ADQI XII Investigators Group. Four phases of intravenous fluid therapy: a conceptual model. Br J Anaesth. 2014;113(5):740-7.) principalmente no primeiro dia, quando o paciente recebe mais volume. É importante notificar que os termos "restritivo" e "liberal" da administração de fluidos não são uniformes.(1010 Rehm M, Hulde N, Kammerer T, Meidert AS, Hofmann-Kiefer K. [State of the art in fluid and volume therapy: A user-friendly staged concept]. Anaesthesist. 2017;66(3):153-67. German.) Por outro lado, existe estreita relação entre a terapia nutricional e a oferta de fluidos. Na prática clínica, nutrientes, água e o balanço de eletrólitos estão interligados para o tratamento,(1616 Lobo DN. Fluid, eletrolytes and nutrition: physiological and clinical aspects. Proc Nutr Soc. 2004;63(3):453-66.) e a oferta de calorias e nutrientes é fundamental para reduzir complicações e óbito.(1717 Kreymann KG, Berger MM, Deutz NE, Hiesmayr M, Jolliet P, Kazandjiev G, Nitenberg G, van den Berghe G, Wernerman J; DGEM (German Society for Nutritional Medicine), Ebner C, Hartl W, Heymann C, Spies C; ESPEN (European Society for Parenteral and Enteral Nutrition). ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Intensive care. Clin Nutr. 2006;25(2):210-23.,1818 Villet S, Chiolero RL, Bollmann MD, Revelly JP, Cayeux R N MC, Delarue J, et al. Negative impact of hypocaloric feeding and energy balance on clinical outcome in ICU patients. Clin Nutr. 2005;24(4):502-9.) Entretanto, na prática clínica, apenas 50 a 87% da dieta enteral prescrita é efetivamente infundida.(1919 Heidegger CP, Darmon P, Pichard C. Enteral vs. parenteral nutrition for the critically ill patient: a combined support should be preferred. Curr Opin Crit Care. 2008;14(4):408-14.,2020 Chowdhury AH, Lobo DN. Fluids and gastrointestinal function. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2011;14(5):469-76.) Nessa relação entre nutrientes e fluidos, a infusão elevada de soluções cristaloides pode resultar em anasarca, ganho de peso inadequado,(2121 ARISE Investigators; ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.) edema de alça intestinal, gastroparesia, vômitos e íleo adinâmico. Esses efeitos adversos, causados pelo volume generoso de fluidos e sódio, podem contribuir para a menor administração da dieta enteral e aumento do défice calórico e proteico.(1818 Villet S, Chiolero RL, Bollmann MD, Revelly JP, Cayeux R N MC, Delarue J, et al. Negative impact of hypocaloric feeding and energy balance on clinical outcome in ICU patients. Clin Nutr. 2005;24(4):502-9.) Assim, as diretrizes da Surviving Sepsis Campaign(2222 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.) preconizam que pacientes com hipoperfusão, hipotensão ou hipovolemia recebam volume inicial de fluidos apenas de 30mL/kg. Corroborando essa recomendação, o consenso Intravenous Fluid Therapy for Adult Surgical Patients (GIFTASUP) recomenda um volume de fluidos intravenosos também restritivo.(2323 Soni N. British Consensus Guidelines on Intravenous Fluid Therapy for Adult Surgical Patients (GIFTASUP): Cassandra's view. Anaesthesia. 2009;64(3):235-8.)

Este estudo teve por objetivo avaliar os efeitos da administração intravenosa de fluidos e sódio, no primeiro dia de internação, com a infusão de dieta enteral em pacientes de terapia intensiva, não cirúrgicos em ventilação mecânica.

MÉTODOS

Estudo de coorte prospectivo, realizado entre outubro de 2014 a dezembro de 2015 na unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital privado (Hospital Santa Rosa) em Cuiabá (MT). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos (CAAE: 37465414.0.0000.5541) e está de acordo com a declaração de Helsinki, datada do ano 2000. Familiares ou responsáveis pelo paciente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram estudados pacientes internados em UTI por um período mínimo de 5 dias, para tratamento clínico, não cirúrgicos, em ventilação mecânica nas primeiras 24 horas da internação e com terapia nutricional enteral (TNE) exclusiva. Foram excluídos os pacientes cirúrgicos, em respiração espontânea, gestantes, aqueles com início da nutrição tardia (> 48 horas da internação), que recebessem nutrição parenteral exclusiva ou associada à enteral, com instabilidade hemodinâmica e, finalmente, que foram a óbito nos 5 primeiros dias de internação.

As variáveis de desfecho investigadas foram o volume total de fluidos intravenosos administrados no primeiro dia de internação (mL) em mL/kg de peso corporal, gramas de sódio administrados no primeiro dia, volume total de TNE prescrita e infundida em 5 dias, volume de TNE prescrita e infundida no primeiro dia, o porcentual de TNE infundida em 5 dias (volume de dieta enteral infundida em 5 dias consecutivos × 100/volume total de TNE prescrita em 5 dias) e o défice calórico proteico de 5 dias. Considerando as recomendações a respeito de ressuscitação de fluidos na fase aguda(2222 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.,2323 Soni N. British Consensus Guidelines on Intravenous Fluid Therapy for Adult Surgical Patients (GIFTASUP): Cassandra's view. Anaesthesia. 2009;64(3):235-8.) e de acordo com a ASPEN Board of Directors and the Clinical Guidelines Task,(2424 ASPEN Board of Directors and the Clinical Guidelines Task Force. Guidelines for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2002;26(1 Suppl):1SA-138SA. Erratum in JPEN J Parenter Enteral Nutr 2002 Mar-Apr;26(2):144.) que recomenda 30 a 40mL/kg de peso corporal, o volume de fluidos intravenosos foi categorizado em > 35mL/kg/dia e ≤ 35mL/kg/dia. Para análise estatística, o valor de sódio administrado foi categorizado abaixo ou acima do percentil 25 (8,73g), por ser este o menor intervalo interquartil. Correlacionaram-se o volume de fluidos intravenosos do primeiro dia/kg de peso corporal (≤ 35mL/kg ou > 35mL/kg) e a quantidade de sódio acima ou abaixo do percentil 25, com o total de dieta enteral prescrita e infundida em 5 dias (mL), volume de TNE prescrito e infundido no primeiro dia, porcentual de dieta enteral infundido do prescrito e com o défice calórico proteico em 5 dias.

Para caracterizar a amostra, foram registrados idade, frequência de idosos (idade ≥ 60 anos), sexo, peso corporal estimado, principais causas que levaram à internação, transtornos mais frequentes do trato digestivo (constipação intestinal, diarreia, distensão abdominal e melena), quantidade de volume drenado pela sonda nasogástrica (SNG; para os pacientes que necessitaram desse procedimento), escore Simplified Acute Physiology Score III (SAPS III), quantidade de noradrenalina (mcg/kg/minuto), dosagens bioquímicas (média dos 5 dias de coleta) da proteína C-reativa (PCR; mg/L), albumina sérica (g/dL), lactato (mmol/L) e glicemia sérica (mg/dL), e foi calculada a razão PCR/albumina. Foi também avaliado o estado nutricional dos pacientes nas primeiras 24 horas da admissão e as necessidades de calorias e proteínas. Registraram-se também o tempo de internação na UTI e a mortalidade na UTI em 28 dias. A avaliação do estado nutricional foi realizada pela avaliação subjetiva global (ASG A correspondeu a eutrófico; ASG B, risco de desnutrição ou desnutrido moderado e ASG C, desnutrido grave).

Protocolo de terapia nutricional

A dieta enteral foi iniciada nas primeiras 24 horas, somente na presença de estabilidade hemodinâmica e após a confirmação do local da sonda por raio X. O cálculo das necessidades calóricas e proteicas foi feito de acordo com a European Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN).(1717 Kreymann KG, Berger MM, Deutz NE, Hiesmayr M, Jolliet P, Kazandjiev G, Nitenberg G, van den Berghe G, Wernerman J; DGEM (German Society for Nutritional Medicine), Ebner C, Hartl W, Heymann C, Spies C; ESPEN (European Society for Parenteral and Enteral Nutrition). ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Intensive care. Clin Nutr. 2006;25(2):210-23.) Foram calculados 25 a 30kcal/kg e 1,25 a 2,0g de proteína/kg de peso. Planejou-se atingir a necessidade calculada no terceiro ou quarto dia de dieta. Para atingir esse objetivo, prescreveram-se um terço e um quarto da necessidade/dia de nutrição enteral.

Volume de fluidos intravenosos e sódio

Durante os primeiros 5 dias de internação, registraram-se o volume de fluidos intravenosos e a quantidade de sódio administrados. Para isso, foram considerados fluidos cristaloides (solução salina a 0,9%; Ringer simples, Ringer com Lactato ou solução glicofisiológica), fluidos coloides, água destilada, soro de diluição, volume de medicamentos e, finalmente, sangue ou derivados. A quantidade de sódio (gramas) foi determinada de acordo com a quantidade administrada do fluido cristaloide no primeiro dia, de acordo com a composição do soro fisiológico. O pesquisador não exerceu influência na escolha ou método de ressuscitação volêmica, ela foi realizada conforme o médico intensivista julgasse necessário.

Análise estatística

Para as variáveis categóricas foi utilizado o teste do qui-quadrado. As variáveis contínuas foram analisadas pelo teste de Levene, para averiguar a homogeneidade, seguido do teste de Kolmogorov-Smirnov, para determinar a normalidade. Para os dados homogêneos e com distribuição normal, foi utilizado o teste t de Student. Os dados não homogêneos foram analisados pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney. Categorizou-se o volume de terapia enteral infundido (< ou ≥ 2.063mL) em 5 dias pelo percentil 25. Os dados contínuos foram expressos em média ± desvio padrão ou mediana e variação. Estabeleceu-se um limite de significância de 5% (p < 0,05). Foi utilizado o Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

RESULTADOS

De 124 pacientes elegíveis, 38 foram excluídos por necessidade de outra terapia, além da enteral ou de jejum, por instabilidade hemodinâmica, exames ou procedimentos nos primeiros 5 dias (20), procedimento cirúrgico (5) ou óbito (7) dentro dos 5 primeiros dias e não concordância (6) em assinar o TCLE pelos familiares (Figura 1).

Figura 1
Total de pacientes elegíveis e excluídos do estudo.

TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.


Assim, foram estudados prospectivamente 86 pacientes críticos adultos, sendo 43 (50%) internados por doenças cardiorrespiratórios, 15 (17,5%) por condições neurológicas, 9 (10,5%) devido à neoplasia, 8 (9,3%) por trauma como queda da própria altura e 11 (12,7%) por outras causas.

As características basais de todos os pacientes e os que receberam > 35mL/kg ou ≤ 35mL/kg de fluidos estão descritas na tabela 1. Os pacientes que receberam mais de 35mL/kg de fluidos tinham menor peso corporal estimado (69,8 ± 15,3 versus 81,0 ± 5,3kg; p = 0,002), necessitaram de mais proteína/kg (1,39 ± 0,16 versus 1,30 ± 0,18; p = 0,035) e apresentaram maior queda nos valores da albumina sérica (2,80 ± 0,50 versus 3,13 ± 0,60g/dL; p = 0,012) que os que receberam ≤ 35mL/kg de fluidos. Não houve diferença para os demais dados (p > 0,05).

Tabela 1
Características basais dos pacientes estudados considerando todos ele e, dentre eles, os que receberam > 35mL/kg ou ≤ 35mL/kg de peso corporal de fluidos no primeiro dia

Transtornos do trato digestivo

A TNE foi iniciada em até 24 horas para todos os pacientes. Os transtornos do trato digestivo e o volume drenado pela SNG distribuídos para todos os pacientes e para os que receberam fluidos intravenosos (IV) acima de > ou ≤ 35mL/kg no primeiro dia estão descritos na tabela 2. Não houve diferença entre os grupos (p > 0,05).

Tabela 2
Presença de transtornos do trato digestivo, em 5 dias, considerando todos os pacientes e, dentre eles, os que os que receberam > 35mL/kg ou ≤ 35mL/kg de peso corporal de fluidos no primeiro dia

Infusão de fluidos e sódio intravenosos no primeiro dia

No primeiro dia de internação, 58 (67,4%) pacientes receberam mais de 35mL/kg de fluidos e 28 (32,6%) receberam valor ≤ 35mL/kg de peso corporal estimado. A quantidade de fluidos intravenosos administrados no primeiro dia foi de 3.393,7 ± 1.417,0mL, correspondentes a 48,2 ± 23,0mL/kg, com mediana de 44,4 (16,1 - 168,7) ml/kg. Sessenta e cinco (75,6%) pacientes receberam quantidade de sódio ≥ 8,73g no primeiro dia (corte no percentil 25). A média de sódio infundida, no primeiro dia, foi de 12,21 ± 5,1g, com mediana de 10,8 (4,3 - 33,4)g.

Fluidos intravenosos

Os pacientes que receberam > 35mL/kg de fluidos IV no primeiro dia receberam menor volume de dieta enteral em 5 dias (2.781 ± 1.338mL versus 3.433 ± 1.202mL; p=0,032) e menor porcentual infundido (64,3 ± 19,7% versus 74,9 ± 18,6%; p = 0,020) do que os que receberam ≤ 35mL/kg. Não houve diferença para as demais variáveis nutricionais estudadas (p > 0,05). Esses resultados estão descritos na tabela 3. O número de pacientes que recebeu TNE com volume abaixo de 2.063mL em 5 dias (ponto de corte no percentil 25) foi aproximadamente 4,5 vezes maior no grupo com maior infusão de fluidos intravenosos (19/58 (32,7%) versus 2/28 (7,1%); p = 0,010).

Tabela 3
Dieta enteral prescrita e infundida, e défice calórico proteico, considerando todos os pacientes e, dentre eles, os que os que receberam > 35mL/kg ou ≤ 35mL/kg de peso corporal de fluidos no primeiro dia

Sódio

Pacientes com infusão IV ≥ 8,73g de sódio no primeiro dia (ponto de corte no percentil 25) receberam menor volume de dieta enteral em 5 dias (2.827 ± 1.397mL versus 3.509 ± 911,9mL; p = 0,013), tiveram menor porcentual de dieta infundido (64,6 ± 19,5% versus 77,6 ± 17,9%; p = 0,008) e apresentaram maior défice proteico (100±49,3 versus 78 ± 28,5g; p = 0,014) que os que receberam menos de 8,73g de sódio no primeiro dia (Tabela 4).

Tabela 4
Dieta enteral prescrita e infundida, e défice calórico proteico considerando todos os pacientes e, dentre eles, os que receberam valor de sódio ≥ 8,73g no primeiro dia

DISCUSSÃO

Os achados mostraram que a administração de fluidos intravenosos no primeiro dia de internação em volume maior que 35mL/kg pode dificultar a infusão da dieta enteral. Neste estudo, a média administrada de fluidos foi de aproximadamente 48mL/kg, sendo que alguns pacientes receberam quase 170mL/kg no primeiro dia. Se considerarmos o ponto de corte de 35mL/kg, alguns pacientes receberam quase cinco vezes essa quantidade. A quantidade de sódio também foi acima da recomendada, e alguns pacientes receberam 15 vezes esse valor, que é de 2,0g/dia.(2525 World Health Organization (WHO). Healthy ageing profiles. Guidance for producing local health profiles of older people: report of OMS consultation. Genève: WHO; 2006.) A solução salina 0,9%, além de ser rica em sódio, é considerada não fisiológica.(2626 Allison S. Fluid, electrolytes and nutrition. Clin Med (Lond). 2004;4(6):573-8.) Segundo Lobo et al.,(1616 Lobo DN. Fluid, eletrolytes and nutrition: physiological and clinical aspects. Proc Nutr Soc. 2004;63(3):453-66.) pacientes que receberam volume ≥ 3,0L/dia de solução salina permaneceram mais tempo internados e mostraram atraso no retorno da função intestinal, o que pode contribuir para menor tolerância da nutrição enteral. Assim, embora na fase de ressuscitação o tempo seja determinante para alcançar a estabilidade hemodinâmica com a administração de fluidos, nas primeiras 3 horas, essa sobrecarga pode resultar em maior dismotilidade intestinal.(2727 Lee SJ, Ramar K, Park JG, Gajic O, Li G, Kashyap R. Increased fluid administration in the first three hours of sepsis resuscitation is associated with reduced mortality: a retrospective cohort study. Chest. 2014;146(4):908-15.) Balanço hídrico positivo, edema de alça intestinal, vômitos, gastroparesia e íleo adinâmico são algumas dessas intercorrências.(1111 Rosenberg AL, Dechert RE, Park PK, Bartlett RH; NIH NHLBI ARDS Network. Review of a large clinical series: association of cumulative fluid balance on outcome in acute lung injury: a retrospective review of the ARDS net tidal volume study cohort. J Intensive Care Med. 2009;24(1):35-46.,1212 Boyd JH, Forbes J, Nakada TA, Walley KR, Russell JA. Fluid resuscitation in septic shock: a positive fluid balance and elevated central venous pressure are associated with increased mortality. Crit Care Med. 2011;39(2):259-65.,1414 Gong YC, Liu JT, Ma PL. Early fluid loading for septic patients: Any safety limit needed? Chin J Traumatol. 2018;21(1):1-3.,1515 Hoste EA, Maitland K, Brudney CS, Mehta R, Vincent JL, Yates D, Kellum JA, Mythen MG, Shaw AD; ADQI XII Investigators Group. Four phases of intravenous fluid therapy: a conceptual model. Br J Anaesth. 2014;113(5):740-7.,2828 Lobo DN, Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ, Allison SP. Effect of salt and water balance on recovery of gastrointestinal function after elective colonic resection: a randomized controlled trial. Lancet. 2002;359(9320):1812-8.) Alsous et al.(2929 Alsous F, Khamiees M, DeGirolamo A, Amoateng-Adjepong Y, Manthous CA. Negative fluid balance predicts survival in patients with septic shock: a retrospective pilot study. Chest. 2000;117(6):1749-54.) mostraram que pacientes em choque séptico com pelo menos 1 dia de balanço hídrico negativo > 500mL, nos 3 primeiros dias, apresentaram menor mortalidade. O excesso de fluidos também pode causar aumento do peso corporal, de 3,0 a 7,0kg, que está associado a piores desfechos − principalmente menor saturação de oxigênio e complicações com a ferida cirúrgica.(3030 Brandstrup B, Tonnesen H, Beier-Holgersen R, Hjortso E, Ording H, Lindorff-Larsen K, Rasmussen MS, Lanng C, Wallin L, Iversen LH, Gramkow CS, Okholm M, Blemmer T, Svendsen PE, Rottensten HH, Thage B, Riis J, Jeppesen IS, Teilum D, Christensen AM, Graungaard B, Pott F; Danish Study Group on Perioperative Fluid Therapy. Effects of intravenous fluid restriction on postoperative complications: comparison of two perioperative fluid regimens: a randomized assessor-blinded multicenter trial. Ann Surg. 2003;238(5):641-8.) Um estudo recente, realizado com pacientes cirúrgicos mostrou maior taxa de infecção no sítio cirúrgico e maior risco de lesão renal, sem diferença nas complicações sépticas na mortalidade no grupo restritivo e em relação ao grupo liberal. Embora esse estudo tenha encontrado benefícios no uso de um volume mais liberal, vários outros encontraram resultados que favoreceram pacientes que receberam volume mais restritivo de fluídos.(3131 Myles PS, Bellomo R, Corcoran T, Forbes A, Peyton P, Story D, Christophi C, Leslie K, McGuinness S, Parke R, Serpell J, Chan MTV, Painter T, McCluskey S, Minto G, Wallace S; Australian and New Zealand College of Anaesthetists Clinical Trials Network and the Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group. Restrictive versus liberal fluid therapy for major abdominal surgery. N Engl J Med. 2018;378(24):2263-74.) Estudo mostrou que quanto menor a administração de fluidos intravenosos, maior é a ingestão de alimentos. Pacientes que receberam menos fluidos (2,0L) e sódio (70mmol) por dia apresentaram melhor esvaziamento gástrico e "vontade de se alimentar" enquanto o outro grupo, que recebeu volume maior de fluidos, apresentou retardo no esvaziamento gástrico, vômitos e não se alimentaram normalmente.(2828 Lobo DN, Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ, Allison SP. Effect of salt and water balance on recovery of gastrointestinal function after elective colonic resection: a randomized controlled trial. Lancet. 2002;359(9320):1812-8.) Ainda, nesse estudo, os pacientes do grupo restritivo tiveram o retorno mais precoce das funções intestinais e receberam alta mais precoce.(2828 Lobo DN, Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ, Allison SP. Effect of salt and water balance on recovery of gastrointestinal function after elective colonic resection: a randomized controlled trial. Lancet. 2002;359(9320):1812-8.) Um ponto muito importante, que explica esses benefícios de um protocolo mais restritivo de fluidos e sódio, é que é estreita a relação do fluxo intestinal com a digestão e a absorção de alimentos.(1616 Lobo DN. Fluid, eletrolytes and nutrition: physiological and clinical aspects. Proc Nutr Soc. 2004;63(3):453-66.) O sucesso na nutrição está relacionado a menor acúmulo de líquidos no interstício e maior perda de peso, decorrente da maior excreção de fluidos, com consequente melhora da albumina sérica.(3232 Lobo DN, Bjarnason K, Field J, Rowlands BJ, Allison SP. Changes in weight, fluid balance and serum albumin in patients referred for nutritional support. Clin Nutr. 1999;18(4):197-201.) Assim, protocolos mais restritivos de fluidos e sódio podem favorecer a nutrição oral/enteral precoce.(3333 Selby LV, Rifkin MB, Yoon SS, Ariyan CE, Strong VE. Decreased length of stay and earlier oral feeding associated with standardized postoperative clinical care for total gastrectomies at a cancer center. Surgery. 2016;160(3):607-12.) Mais cuidados devem ser dispensados na reposição e na administração de sódio e fluidos, para que melhores desfechos clínicos sejam alcançados.(1616 Lobo DN. Fluid, eletrolytes and nutrition: physiological and clinical aspects. Proc Nutr Soc. 2004;63(3):453-66.) Na fase de ressuscitação, a estabilidade talvez possa ser alcançada com menor carga de fluidos intravenosos associada a drogas vasoativas.(2222 Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.,2323 Soni N. British Consensus Guidelines on Intravenous Fluid Therapy for Adult Surgical Patients (GIFTASUP): Cassandra's view. Anaesthesia. 2009;64(3):235-8.) Nossos dados mostraram que a sobrecarga de fluidos e sódio intravenosos pode ter contribuído, de alguma forma, para a menor infusão de dieta enteral, e isso resultou em défice calórico e proteico. Esse défice dos primeiros dias não é compensado nos dias subsequentes a internação de doentes críticos.(1818 Villet S, Chiolero RL, Bollmann MD, Revelly JP, Cayeux R N MC, Delarue J, et al. Negative impact of hypocaloric feeding and energy balance on clinical outcome in ICU patients. Clin Nutr. 2005;24(4):502-9.) O défice calórico proteico crítico na UTI gira em torno de 70% e associa-se com menor probabilidade de sobrevida acumulada.(3434 Siqueira-Paese MC, Dock-Nascimento DB, De Aguilar-Nascimento JE. Critical energy deficit and mortality in critically ill patients. Nutr Hosp. 2016;33(3):253.) Um estudo do nosso grupo mostrou que a elevada administração de fluidos está associada à menor infusão de dieta enteral e ao défice calórico proteico em pacientes em cuidados intensivos.(3535 Arantes SS, Silva JM Jr, De Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimiento DB. Effects of intravenous fluid overload on caloric and protein deficit in critically ill patients. Nutr Hosp. 2018;35(5):1017-23.)) Vários outros estudos mostraram que a oferta reduzida de calorias e proteínas pode causar aumento de complicações infecciosas, maior tempo de internação e mortalidade.(3636 Rubinson L, Diette GB, Song X, Brower RG, Krishnan JA. Low caloric intake is associated with nosocomial bloodstream infections in patients in the medical intensive care unit. Crit Care Med. 2004;32(2):350-7.

37 Singer P, Anbar R, Cohen J, Shapiro H, Shalita-Chesner M, Lev S, et al. The tight calorie control study (TICACOS): a prospective, randomized, controlled pilot study of nutritional support in critically ill patients. Intensive Care Med. 2011;37(4):601-9.
-3838 Heidegger CP, Berger MM, Graf S, Zingg W, Darmon P, Costanza MC, et al. Optimisation of energy provision with supplemental parenteral nutrition in critically ill patients: a randomised controlled clinical trial. Lancet. 2013;381(9864):385-93.)

Outro contexto importante é a tolerância à terapia nutricional e o trato digestório. Dentre os fatores que interferem na tolerância da dieta, estão os transtornos gastrintestinais e a composição da dieta, mas não são apenas estes.(3939 De Jonghe B, Appere-De-Vechi C, Fournier M, Tran B, Merrer J, Melchior JC, et al. A prospective survey of nutritional support practices in intensive care unit patients: what is prescribed? What is delivered? Crit Care Med. 2001;29(1):8-12.,4040 Lee ZY, Barakatun-Nisak MY, Noor Airini I, Heyland DK. Enhanced Protein-Energy Provision via the Enteral Route in Critically Ill Patients (PEP uP Protocol): A Review of Evidence. Nutr Clin Pract. 2016;31(1):68-79.) Nossos dados mostraram que a infusão de volume de fluidos intravenosos acima de 35mL/kg contribuiu para a menor infusão da nutrição enteral em 5 dias. No nosso estudo, não encontramos diferença na quantidade de noradrenalina administrada e nem no escore SAPS III para os pacientes que receberam mais ou menos de 35mL/kg. Entretanto, este estudo tem número de casos pequeno e, assim, outras pesquisas são necessárias para, em análise multivariada, estudar melhor essa relação entre volume de fluidos intravenosos e eficácia da infusão de dieta enteral em pacientes críticos. Embora este estudo apresente limitações, seus achados podem corroborar para a elaboração de protocolos mais restritivos de administração de fluidos intravenosos durante a fase de ressuscitação. Esse volume mais restritivo pode corroborar uma melhor tolerância da dieta enteral, bem como contribuir para maior infusão dessa dieta, com consecutiva redução do défice de calorias e proteínas.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo apoiam o pressuposto de que a administração de fluidos intravenosos, no primeiro dia de internação, > 35mL/kg e de sódio ≥ 8,73g contribui para a menor infusão de dieta enteral em pacientes de terapia intensiva, não cirúrgicos e em ventilação mecânica.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Vincent JL, De Backer D, Wiedermann CJ. Fluid management in sepsis: The potential beneficial effects of albumin. J Crit Care. 2016;35:161-7.
  • 2
    Silversides JA, Major E, Ferguson AJ, Mann EE, McAuley DF, Marshall JC, et al. Conservative fluid management or deresuscitation for patients with sepsis or acute respiratory distress syndrome following the resuscitation phase of critical illness: a systematic review and meta-analysis. Intensive Care Med. 2017;43(2):155-70.
  • 3
    Angus DC, van der Poll T. Severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2013;369(9):840-51. Erratum in N Engl J Med. 2013;369(21):2069.
  • 4
    Zanotti-Cavazzoni SL, Guglielmi M, Parrillo JE, Walker T, Dellinger RP, Hollenberg SM. Fluid resuscitation influences cardiovascular performance and mortality in a murine model of sepsis. Intensive Care Med. 2009;35(4):748-54.
  • 5
    Boyd JH, Forbes J, Nakada TA, Walley KR, Russell JA. Fluid resuscitation in septic shock: a positive fluid balance and elevated central venous pressure are associated with increased mortality. Crit Care Med. 2011;39(2): 259-65.
  • 6
    Raghunathan K, Murray PT, Beattie WS, Lobo DN, Myburgh J, Sladen R, Kellum JA, Mythen MG, Shaw AD; ADQI XII Investigators Group. Choice of fluid in acute illness: what should be given? An international consensus. Br J Anaesth. 2014;113(5):772-83. Erratum in Br J Anaesth. 2015;114(1):175.
  • 7
    Byrne L, Obonyo NG, Diab SD, Dunster KR, Passmore MR, Boon AC, et al. Unintended consequences: fluid resuscitation worsens shock in an ovine model of endotoxemia. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198(8):1043-54.
  • 8
    Sánchez M, Jiménez-Lendínez M, Cidoncha M, Asensio MJ, Herrerot E, Collado A, et al. Comparison of fluid compartments and fluid responsiveness in septic and non-septic patients. Anaesth Intensive Care. 2011;39(6):1022-9.
  • 9
    Prowle JR, Echeverri JE, Ligabo EV, Ronco C, Bellomo R. Fluid balance and acute kidney injury. Nat Rev Nephrol. 2010;6(2):107-15.
  • 10
    Rehm M, Hulde N, Kammerer T, Meidert AS, Hofmann-Kiefer K. [State of the art in fluid and volume therapy: A user-friendly staged concept]. Anaesthesist. 2017;66(3):153-67. German.
  • 11
    Rosenberg AL, Dechert RE, Park PK, Bartlett RH; NIH NHLBI ARDS Network. Review of a large clinical series: association of cumulative fluid balance on outcome in acute lung injury: a retrospective review of the ARDS net tidal volume study cohort. J Intensive Care Med. 2009;24(1):35-46.
  • 12
    Boyd JH, Forbes J, Nakada TA, Walley KR, Russell JA. Fluid resuscitation in septic shock: a positive fluid balance and elevated central venous pressure are associated with increased mortality. Crit Care Med. 2011;39(2):259-65.
  • 13
    Payen D, De Pont AC, Sakr Y, Spies C, Reinhart K, Vincent JL; Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients (SOAP) Investigators. A positive fluid balance is associated with a worse outcome in patients with acute renal failure. Crit Care. 2008;12(3):R74.
  • 14
    Gong YC, Liu JT, Ma PL. Early fluid loading for septic patients: Any safety limit needed? Chin J Traumatol. 2018;21(1):1-3.
  • 15
    Hoste EA, Maitland K, Brudney CS, Mehta R, Vincent JL, Yates D, Kellum JA, Mythen MG, Shaw AD; ADQI XII Investigators Group. Four phases of intravenous fluid therapy: a conceptual model. Br J Anaesth. 2014;113(5):740-7.
  • 16
    Lobo DN. Fluid, eletrolytes and nutrition: physiological and clinical aspects. Proc Nutr Soc. 2004;63(3):453-66.
  • 17
    Kreymann KG, Berger MM, Deutz NE, Hiesmayr M, Jolliet P, Kazandjiev G, Nitenberg G, van den Berghe G, Wernerman J; DGEM (German Society for Nutritional Medicine), Ebner C, Hartl W, Heymann C, Spies C; ESPEN (European Society for Parenteral and Enteral Nutrition). ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Intensive care. Clin Nutr. 2006;25(2):210-23.
  • 18
    Villet S, Chiolero RL, Bollmann MD, Revelly JP, Cayeux R N MC, Delarue J, et al. Negative impact of hypocaloric feeding and energy balance on clinical outcome in ICU patients. Clin Nutr. 2005;24(4):502-9.
  • 19
    Heidegger CP, Darmon P, Pichard C. Enteral vs. parenteral nutrition for the critically ill patient: a combined support should be preferred. Curr Opin Crit Care. 2008;14(4):408-14.
  • 20
    Chowdhury AH, Lobo DN. Fluids and gastrointestinal function. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2011;14(5):469-76.
  • 21
    ARISE Investigators; ANZICS Clinical Trials Group, Peake SL, Delaney A, Bailey M, Bellomo R, Cameron PA, Cooper DJ, et al. Goal-directed resuscitation for patients with early septic shock. N Engl J Med. 2014;371(16):1496-506.
  • 22
    Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, Annane D, Gerlach H, Opal SM, Sevransky JE, Sprung CL, Douglas IS, Jaeschke R, Osborn TM, Nunnally ME, Townsend SR, Reinhart K, Kleinpell RM, Angus DC, Deutschman CS, Machado FR, Rubenfeld GD, Webb S, Beale RJ, Vincent JL, Moreno R; Surviving Sepsis Campaign Guidelines Committee including The Pediatric Subgroup. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of severe sepsis and septic shock, 2012. Intensive Care Med. 2013;39(2):165-228.
  • 23
    Soni N. British Consensus Guidelines on Intravenous Fluid Therapy for Adult Surgical Patients (GIFTASUP): Cassandra's view. Anaesthesia. 2009;64(3):235-8.
  • 24
    ASPEN Board of Directors and the Clinical Guidelines Task Force. Guidelines for the use of parenteral and enteral nutrition in adult and pediatric patients. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2002;26(1 Suppl):1SA-138SA. Erratum in JPEN J Parenter Enteral Nutr 2002 Mar-Apr;26(2):144.
  • 25
    World Health Organization (WHO). Healthy ageing profiles. Guidance for producing local health profiles of older people: report of OMS consultation. Genève: WHO; 2006.
  • 26
    Allison S. Fluid, electrolytes and nutrition. Clin Med (Lond). 2004;4(6):573-8.
  • 27
    Lee SJ, Ramar K, Park JG, Gajic O, Li G, Kashyap R. Increased fluid administration in the first three hours of sepsis resuscitation is associated with reduced mortality: a retrospective cohort study. Chest. 2014;146(4):908-15.
  • 28
    Lobo DN, Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ, Allison SP. Effect of salt and water balance on recovery of gastrointestinal function after elective colonic resection: a randomized controlled trial. Lancet. 2002;359(9320):1812-8.
  • 29
    Alsous F, Khamiees M, DeGirolamo A, Amoateng-Adjepong Y, Manthous CA. Negative fluid balance predicts survival in patients with septic shock: a retrospective pilot study. Chest. 2000;117(6):1749-54.
  • 30
    Brandstrup B, Tonnesen H, Beier-Holgersen R, Hjortso E, Ording H, Lindorff-Larsen K, Rasmussen MS, Lanng C, Wallin L, Iversen LH, Gramkow CS, Okholm M, Blemmer T, Svendsen PE, Rottensten HH, Thage B, Riis J, Jeppesen IS, Teilum D, Christensen AM, Graungaard B, Pott F; Danish Study Group on Perioperative Fluid Therapy. Effects of intravenous fluid restriction on postoperative complications: comparison of two perioperative fluid regimens: a randomized assessor-blinded multicenter trial. Ann Surg. 2003;238(5):641-8.
  • 31
    Myles PS, Bellomo R, Corcoran T, Forbes A, Peyton P, Story D, Christophi C, Leslie K, McGuinness S, Parke R, Serpell J, Chan MTV, Painter T, McCluskey S, Minto G, Wallace S; Australian and New Zealand College of Anaesthetists Clinical Trials Network and the Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group. Restrictive versus liberal fluid therapy for major abdominal surgery. N Engl J Med. 2018;378(24):2263-74.
  • 32
    Lobo DN, Bjarnason K, Field J, Rowlands BJ, Allison SP. Changes in weight, fluid balance and serum albumin in patients referred for nutritional support. Clin Nutr. 1999;18(4):197-201.
  • 33
    Selby LV, Rifkin MB, Yoon SS, Ariyan CE, Strong VE. Decreased length of stay and earlier oral feeding associated with standardized postoperative clinical care for total gastrectomies at a cancer center. Surgery. 2016;160(3):607-12.
  • 34
    Siqueira-Paese MC, Dock-Nascimento DB, De Aguilar-Nascimento JE. Critical energy deficit and mortality in critically ill patients. Nutr Hosp. 2016;33(3):253.
  • 35
    Arantes SS, Silva JM Jr, De Aguilar-Nascimento JE, Dock-Nascimiento DB. Effects of intravenous fluid overload on caloric and protein deficit in critically ill patients. Nutr Hosp. 2018;35(5):1017-23.
  • 36
    Rubinson L, Diette GB, Song X, Brower RG, Krishnan JA. Low caloric intake is associated with nosocomial bloodstream infections in patients in the medical intensive care unit. Crit Care Med. 2004;32(2):350-7.
  • 37
    Singer P, Anbar R, Cohen J, Shapiro H, Shalita-Chesner M, Lev S, et al. The tight calorie control study (TICACOS): a prospective, randomized, controlled pilot study of nutritional support in critically ill patients. Intensive Care Med. 2011;37(4):601-9.
  • 38
    Heidegger CP, Berger MM, Graf S, Zingg W, Darmon P, Costanza MC, et al. Optimisation of energy provision with supplemental parenteral nutrition in critically ill patients: a randomised controlled clinical trial. Lancet. 2013;381(9864):385-93.
  • 39
    De Jonghe B, Appere-De-Vechi C, Fournier M, Tran B, Merrer J, Melchior JC, et al. A prospective survey of nutritional support practices in intensive care unit patients: what is prescribed? What is delivered? Crit Care Med. 2001;29(1):8-12.
  • 40
    Lee ZY, Barakatun-Nisak MY, Noor Airini I, Heyland DK. Enhanced Protein-Energy Provision via the Enteral Route in Critically Ill Patients (PEP uP Protocol): A Review of Evidence. Nutr Clin Pract. 2016;31(1):68-79.

Editado por

Editor responsável: Fernando Godinho Zampieri

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2018
  • Aceito
    05 Fev 2019
Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB Rua Arminda, 93 - Vila Olímpia, CEP 04545-100 - São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (11) 5089-2642 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbti.artigos@amib.com.br