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Redução de mortalidade em pacientes internados por doenças respiratórias após a implementação de unidade de cuidados intensivos em hospital secundário do interior do Brasil

RESUMO

Objetivo:

Avaliar relação entre a mortalidade intra-hospitalar de pacientes internados por doenças respiratórias e a disponibilidade de unidades de terapia intensiva.

Métodos:

Foi realizada coorte retrospectiva do banco de dados em um serviço de medicina hospitalar. Selecionaram- se pacientes internados por doenças respiratórias não terminais. Características clínicas, fatores de risco associado à mortalidade, como o escore de Charlson, e tempo de internação foram coletados. Foram realizados: análise univariada com estratificação simples por Mantel Haenszel, e testes qui quadrado, t de Student e Mann-Whitney, além de regressão logística.

Resultados:

Foram selecionados 313 pacientes, 98 (31,3%) antes da instalação da unidade de terapia intensiva e 215 (68,7%) após a disponibilização de unidade de terapia intensiva. Quando comparados quanto a características clínicas, antropométricas e fatores de risco, não houve diferença significativa. A mortalidade antes da disponibilidade da unidade de terapia intensiva foi de 18/95 (18,9%) e, após, de 21/206 (10,2%). Na regressão logística, a chance de morte após implantação da unidade de terapia intensiva diminuiu em 58% (OR: 0,42; IC95% 0,205 - 0,879; p = 0,021).

Conclusão:

Respeitando as limitações do estudo, conjetura-se benefício na redução de uma morte a cada 11 pacientes tratados por doenças respiratórias após a implantação da unidade de terapia intensiva no hospital. Estes resultados corroboram a impressão do benefício da implantação de unidades de terapia intensiva em hospitais de nível secundário.

Descritores:
Pacientes internados; Doenças respiratórias/mortalidade; Centros de cuidados de saúde secundários; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the association between the in-hospital mortality of patients hospitalized due to respiratory diseases and the availability of intensive care units.

Methods:

This retrospective cohort study evaluated a database from a hospital medicine service involving patients hospitalized due to respiratory non-terminal diseases. Data on clinical characteristics and risk factors associated with mortality, such as Charlson score and length of hospital stay, were collected. The following analyses were performed: univariate analysis with simple stratification using the Mantel Haenszel test, chi squared test, Student’s t test, Mann-Whitney test, and logistic regression.

Results:

Three hundred thirteen patients were selected, including 98 (31.3%) before installation of the intensive care unit and 215 (68.7%) after installation of the intensive care unit. No significant differences in the clinical and anthropometric characteristics or risk factors were observed between the groups. The mortality rate was 18/95 (18.9%) before the installation of the intensive care unit and 21/206 (10.2%) after the installation of the intensive care unit. Logistic regression analysis indicated that the probability of death after the installation of the intensive care unit decreased by 58% (OR: 0.42; 95%CI 0.205 -0.879; p = 0.021).

Conclusion:

Considering the limitations of the study, the results suggest a benefit, with a decrease of one death per every 11 patients treated for respiratory diseases after the installation of an intensive care unit in our hospital. The results corroborate the benefits of the implementation of intensive care units in secondary hospitals.

Keywords:
Inpatients; Respiratory tract diseases/mortality; Secondary care centers; Intensive care units

INTRODUÇÃO

O aumento dos custos em saúde tem preocupado tanto o governo quanto o setor privado. Na rede pública de saúde - no caso do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), essa preocupação é maior em virtude da grande demanda de usuários e da limitação de recursos disponíveis. Estudo do Banco Mundial que investigou os 20 anos de implantação do SUS pelo Governo Federal mostra que o Brasil gasta atualmente cerca de 4% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em saúde e que, desde o início dos anos 2000, esse número tem crescido cerca 6% ao ano.(1Gragnolati M, Lindelow M, Couttolenc B. Twenty years of health system reform in Brazil: an assessment of the Sistema Único de Saúde. Direction in development: human development. Washington DC: World Bank Publications; 2013. [cited 2015 Jul 21]. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/2013/01/17899895/twenty-years-healthsystem-reform-brazil-assessment-sistema-unico-de-saude
http://documents.worldbank.org/curated/e...
) Somado a isso, existe uma tendência mundial de envelhecimento da população. No Brasil, a proporção de indivíduos com mais de 60 anos aumentou de 6 para 10% entre 1980 e 2010, e deve chegar a quase 30% em 2050.(2Leite F, Reis A. Envelhecimento populacional e a composição etária de beneficiários de planos de saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos de Saúde Suplementar; 2011. [citado 2015 Jul 21]. Disponível em: http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/46tcb54h343oglih.pdf
http://documents.scribd.com.s3.amazonaws...
) Dessa forma, a tendência é que esses custos aumentem ainda mais rapidamente nos próximos anos, sendo o investimento em unidades de terapia intensiva (UTI) parte deles.(3Nunes A. O envelhecimento populacional e as despesas do Sistema Único de Saúde. In: Camarano AA, organizador. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? 2a ed. Rio de Janeiro: IPEA; 2004. p. 427-49.) Paralelamente, tem sido documentado o aumento do custo de implementação e de manutenção das UTI.(4Moerer O, Plock E, Mgbor U, Schmid A, Schneider H, Wischnewsky MB, et al. A German national prevalence study on the cost of intensive care: an evaluation from 51 intensive care units. Crit Care. 2007;11(3):R69.,5Halpern NA, Pastores SM, Greenstein RJ. Critical care medicine in the United States 1985-2000: an analysis of bed numbers, use, and costs. Crit Care Med. 2004;32(6):1254-9.)

As UTI se desenvolvem em consequência do avanço tecnológico e do arsenal terapêutico. São atendidos pacientes em condição vulnerável, com pouca reserva fisiológica, com enfermidades severas e de manejo complexo. Sua necessidade se mostrou óbvia, não sendo questionado seu real benefício na redução da morbimortalidade no ambiente hospitalar. Talvez por esse motivo, existam poucos estudos medindo o impacto dessas unidades na redução da morbimortalidade. Em revisão da literatura, alguns estudos demonstraram aumento de mortalidade em subgrupos de pacientes que não foram admitidos em leito de UTI por indisponibilidade de leitos.(6Checkley W. Mortality and denial of admission to an intensive care unit. Am J Respir Crit Care Med. 2012;185(10):1038-40.

Piérard S, Seldrum S, de Meester C, Pasquet A, Gerber B, Vancraeynest D, et al. Incidence, determinants, and prognostic impact of operative refusal or denial in octogenarians with severe aortic stenosis. Ann Thorac Surg. 2011;91(4):1107-12.
-8Durairaj L, Will JG, Torner JC, Doebbeling BN. Prognostic factors for mortality following interhospital transfers to the medical intensive care unit of a tertiary referral center. Crit Care Med. 2003;31(7):1981-6.) Há também estudos em pacientes internados em unidade de tratamento de acidente vascular encefálico que demonstraram redução da morbimortalidade e diminuição do tempo de internação dessa população específica.(9Iihara K, Nishimura K, Kada A, Nakagawara J, Toyoda K, Ogasawara K, Ono J, Shiokawa Y, Aruga T, Miyachi S, Nagata I, Matsuda S, Ishikawa KB, Suzuki A, Mori H, Nakamura F; J-ASPECT Study Collaborators. The impact of comprehensive stroke care capacity on the hospital volume of stroke interventions: a nationwide study in Japan: J-ASPECT study. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2014;23(5):1001-18.

10 Al-Khaled M, Matthis C, Eggers J. The prognostic impact of the stroke unit care versus conventional care in treatment of patients with transient ischemic attack: a prospective population-based German study. J Vasc Interv Neurol. 2013;5(2):22-6.

11 Walter S, Kostopoulos P, Haass A, Keller I, Lesmeister M, Schlechtriemen T, et al. Diagnosis and treatment of patients with stroke in a mobile stroke unit versus in hospital: a randomised controlled trial. Lancet Neurol. 2012;11(5):397-404.
-1212 Burgess NG, Vyas R, Hudson J, Browne O, Lee YC, Jayathissa S, et al. Improved stroke care processes and outcomes following the institution of an acute stroke unit at a New Zealand district general hospital. N Z Med J. 2012;125(1364):37-46.)

Levando em conta o aumento exponencial dos investimentos financeiros empregados na instalação e na manutenção das UTI,(4Moerer O, Plock E, Mgbor U, Schmid A, Schneider H, Wischnewsky MB, et al. A German national prevalence study on the cost of intensive care: an evaluation from 51 intensive care units. Crit Care. 2007;11(3):R69.) e a falta de evidências que demonstrem diretamente seu benefício em todos os contextos, surgem questionamentos a respeito do custo benefício na implementação dessas unidades. As respostas a questionamentos sobre onde, quando e com que grau de complexidade se fazem necessárias para avaliar se a instalação de uma nova unidade pode ser custo-efetiva em uma determinada região.(1313 Champunot R, Thawitsri T, Kamsawang N, Sirichote V, Nopmaneejumruslers C. Cost effectiveness analysis of an initial ICU admission as compared to a delayed ICU admission in patients with severe sepsis or in septic shock. J Med Assoc Thai. 2014;97 Suppl 1:S102-7.,1414 Ferri M, Zygun DA, Harrison A, Stelfox HT. A study protocol for performance evaluation of a new academic intensive care unit facility: impact on patient care. BMJ Open. 2013;3(7). pii: e003134.) Na realização de políticas públicas, essas informações são essenciais.(1414 Ferri M, Zygun DA, Harrison A, Stelfox HT. A study protocol for performance evaluation of a new academic intensive care unit facility: impact on patient care. BMJ Open. 2013;3(7). pii: e003134.)

Com objetivo de contribuir no entendimento de qual é a dimensão do benefício dessa unidade em um ambiente hospitalar, realizamos estudo retrospectivo a respeito do impacto da implantação de uma UTI na mortalidade de pacientes internado por doenças respiratórias em uma enfermaria clínica de hospital público secundário do interior do Estado do Rio Grande do Sul. As doenças respiratórias foram escolhidas como foco do estudo por serem a principal causa de internação do hospital estudado. Além disso, os pacientes com patologias respiratórias apresentavam, segundo dados internos do nosso serviço, risco aumentado de mortalidade em relação aos demais.

MÉTODOS

Tratou-se de um estudo antes e depois não controlado, com análise do banco de dados do serviço de medicina hospitalar, realizado prospectivamente no Hospital Montenegro, localizado na cidade de Montenegro, a cerca de 50 km da capital do Estado do Rio Grande do Sul, com cobertura de 19 municípios, totalizando cerca de 160 mil habitantes. O hospital era de média complexidade (nível secundário), atendia somente pelo SUS e contava com 150 leitos. A UTI tinha dez leitos, sendo todos com monitorização multiparamétrica, disponibilizando ventilador mecânico com modo invasivo e não invasivo. A equipe assistencial era composta por dois médicos intensivistas rotineiros no período de 12 horas do dia, numa relação de um técnico de enfermagem para cada 1,3 leito, e duas enfermeiras, por turno. A equipe de fisioterapia estava presente em turno de 18 horas diárias. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sem necessidade de assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram incluídos no estudo pacientes com mais de 18 anos e que internaram por doenças do sistema respiratório (doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC exarcebada, pneumonias e asma brônquica descompensada). Foram excluídos os pacientes considerados terminais na chegada ao hospital.

O período de coleta foi de maio de 2013 a junho de 2014, tendo sido realizada por funcionário treinado e revisada pela equipe assistencial.(1515 Bahlis L, Diogo L, Wajner A, Waldemar F. Implementação de processo de coleta, registro e análise de dados para produção de informação assistencial em hospital secundário do SUS. Interface (Botucatu) [Internet]. 2014;18 Supl 3. [citado 2015 Ago 25]. Disponível em: http://conferencias.redeunida.org.br/ocs/index.php/redeunida/RU11/paper/view/989.
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) Foram coletadas características clínicas e demográficas dos pacientes, como idade, sexo, cor, escolaridade, localidade que residia (se zona urbana ou rural), se havia presença de UTI durante a internação, patologia que determinou a internação hospitalar, critérios de gravidade de Charlson,(1616 Pompei P, Charlson ME, Douglas RG Jr. Clinical assessments as predictors of one year survival after hospitalization: implications for prognostic stratification. J Clin Epidemiol. 1988;41(3):275-84.) tempo de internação, desfecho hospitalar (alta, transferência hospitalar ou óbito).

Análise estatística

O tamanho de amostra calculado para estudo de coorte, com mortalidade de 20% no grupo pré-instalação da UTI e 10% no grupo pós-instalação, com nível de significância de 5% e poder de 80%, foi de 312 pacientes no total.

Foi realizada estatística descritiva quanto a incidência de internações pelas condições acima citadas, características demográficas e sociais. Foram realizadas comparações entre os desfechos e as características dos indivíduos selecionados para o estudo antes e após a implementação da UTI no hospital. As variáveis contínuas e de distribuição normal foram descritas por média e sua comparação realizada utilizando teste t de Student para amostras não pareadas. Variáveis que não preencheram os critérios de normalidade foram descritas por mediana, tendo sido utilizado teste de Mann-Whitney para sua comparação. As variáveis dicotómicas foram comparadas utilizando o teste qui quadrado ou de Fischer, conforme sua distribuição (foi criada variável dicotômica para descrição dos períodos pré e pós-UTI). Foi realizada ainda análise univariada por meio de estratificação simples com Mantel-Haenszel e foram selecionadas variáveis com ≤ 0,1 para realização de regressão logística (backward stepwise) com morte como desfecho principal.

Os dados foram digitados em Excel® e, após revisão, analisados por meio do Statistical Package for Social Science (SPSS) e do Epi Info 7.

RESULTADOS

No período de maio de 2013 a junho de 2014, foram selecionados 313 pacientes que preencheram os critérios de inclusão, sendo 98 (31,3%) antes da instalação da UTI e 215 (68,7%) após a presença da UTI. Foram excluídos da análise final 12 pacientes pela condição de terminalidade, sendo 3 do grupo antes da UTI e 9 do grupo após UTI. A análise final contou com 301 indivíduos. A incidência de doenças respiratórias que preencheram os critérios de inclusão foi de 24,84% (313 pacientes de um total de 1.260 internações para serviço de medicina hospitalar no período do estudo).

Quando comparadas as características clínicas, as antropométricas e os fatores de risco, não houve diferença significativa entre os grupos de pacientes antes e após a instalação de UTI, conforme apresentado na tabela 1.

Tabela 1
Comparação entre as populações

Entre as 206 pessoas com doenças respiratórias admitidas na enfermaria no grupo pós-UTI, 40 (19,43%) tiveram internação na UTI e, destas, 9 (22,5%) evoluíram para óbito. Doze pacientes evoluíram para óbito na unidade regular de internação: 2 pacientes antes de chegar à UTI, atendidos pela equipe da emergência; 3 pacientes encontrados já em parada cardiorrespiratória ou em óbito na unidade regular de internação. Os demais sete pacientes tiveram definido pela equipe clínica e por familiares, ao longo da internação, que não teriam mais benefício em internação em UTI após múltiplas tentativas de tratamento (alguns com passagem inclusive pela UTI e, após, nova piora).

Cerca de 57% (23 pacientes) das internações na UTI ocorreram com menos de 24 horas da admissão hospitalar, enquanto os restantes 43% (17 pacientes) permaneceram pelo menos 2 dias na enfermaria, com indicação de transferência para unidade de cuidados intensivos após esse período. Não houve registro de necessidade de espera por leito de UTI devido à lotação da unidade neste período. Três (3,2%) pacientes do grupo antes da UTI e três (1,5%) do grupo pós-UTI foram transferidos (p = 0,326).

Na análise univariada, a chance de morte após implantação da UTI diminuiu em 52% (odds ratio - OR: 0,48; intervalo de confiança de 95% - IC95% 0,24 - 0,96; p = 0,036). Na regressão logística a redução foi de 57,5% (OR: 0,425 IC95% 0,205-0,879 p = 0,021) conforme a tabela 2. O número necessário a tratar calculado foi de 10,43.

Tabela 2
Resultado do modelo final de regressão logística para mortalidade hospitalar

DISCUSSÃO

Há, na literatura, alguns estudos que demonstram benefícios na implementação de unidades específicas de saúde,(1010 Al-Khaled M, Matthis C, Eggers J. The prognostic impact of the stroke unit care versus conventional care in treatment of patients with transient ischemic attack: a prospective population-based German study. J Vasc Interv Neurol. 2013;5(2):22-6.,1212 Burgess NG, Vyas R, Hudson J, Browne O, Lee YC, Jayathissa S, et al. Improved stroke care processes and outcomes following the institution of an acute stroke unit at a New Zealand district general hospital. N Z Med J. 2012;125(1364):37-46.,1717 Bracco D, Dubois MJ, Bouali R, Eggimann P. Single rooms may help to prevent nosocomial bloodstream infection and cross-transmission of methicillin-resistant Staphylococcus aureus in intensive care units. Intensive Care Med. 2007;33(5):836-40.) porém, em relação à UTI, existe uma lacuna,(1414 Ferri M, Zygun DA, Harrison A, Stelfox HT. A study protocol for performance evaluation of a new academic intensive care unit facility: impact on patient care. BMJ Open. 2013;3(7). pii: e003134.) na qual este estudo se insere, apresentando resultados positivos em um hospital de médio porte. Chama atenção o número necessário a tratar de 10,43, sendo estimado que se evite uma morte para cada 10,43 admissões por doenças respiratórias.

A realização deste estudo foi possível por existirem, desde antes do momento em que foi implementada a UTI, registros de características clínicas, demográficas e de gravidade (como o escore de Charlson), com vistas a controle de desempenho da equipe de medicina hospitalar, além de realização de pesquisa de fatores de risco associados a desfechos desfavoráveis. Chamou a atenção da equipe assistencial, no período anterior a implantação da UTI, que os pacientes com patologias respiratórias tinham risco aumentado de mortalidade em relação aos demais. Nesse período, os pacientes que internavam com doenças respiratórias eram manejados na própria enfermaria ou eram alocados na emergência, onde recebiam cuidados pela equipe dessa unidade. Apenas três pacientes conseguiram ser transferidos para outras instituições com UTI.

Após a implantação da UTI, o escore de Charlson superior a 3 pontos e tempo de internação prolongado se mantiveram como fatores de risco para mortalidade em nosso hospital, enquanto o fato de ter internado por doença respiratória deixou de ser, o que reforça nossos achados.

O impacto na redução da mortalidade foi extremamente significativo para doenças respiratórias. Apesar de se possível discutir a possibilidade de algum efeito de sazonalidade na mortalidade desses pacientes, não há diferença no escore de gravidade dos pacientes quando se comparam os dois períodos. Além disso, foi avaliado o período de inverno, tanto antes quanto após o início da UTI.

Com respeito às limitações do estudo, primeiramente surge o próprio delineamento. Estudos do tipo antes e depois não controlados estão suscetíveis a vieses relacionados a temporalidade. No entanto, diferentemente de um estudo quase experimento, não ocorre o efeito Hawthorne.(1818 McCambridge J, Witton J, Elbourne DR. Systematic review of the Hawthorne effect: new concepts are needed to study research participation effects. J Clin Epidemiol. 2014;67(3):267-77. Review.) Em nosso hospital, durante o período do estudo, não houve nenhum melhoramento além da implantação da UTI, que, ao nosso entendimento, poderia melhorar a qualidade de atendimento e o manejo dessa população e, consequentemente, justificar os resultados encontrado no período pós-UTI. A equipe médica na unidade de internação, assim como a de enfermagem e a de fisioterapia não foram modificadas. Apesar de se tratar de um estudo retrospectivo, a coleta dos dados foi realizada de forma prospectiva com objetivo bem definido, como descrito anteriormente. Além disso, o desfecho de interesse, ou seja, mortalidade é pouco passível de erro de coleta. Outro comentário que poderia ser feito seria em relação ao número menor de pacientes no período pré-UTI em relação ao pós. O número menor de pacientes no período pré-UTI se deu devido ao início da coleta de dados do serviço de medicina hospitalar, que começou de forma definitiva e sistematizada apenas 3 meses antes da abertura da UTI.

Uma questão que pode ser levantada, mesmo sendo demonstrada similaridade entre as populações do estudo, seria a gravidade dos pacientes antes e após a implantação da UTI. Existe a possibilidade de que, por algum motivo, os pacientes do grupo pré-UTI fossem mais graves, sendo esta a razão para a mortalidade maior neste grupo. A maneira mais adequada de equipararmos e compararmos os grupos seria realizando escores de gravidade de doença, como Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) ou Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE). Porém, antes da implementação da UTI, não havia coleta de tais escores, que normalmente têm seu uso restrito à UTI. Dessa forma, optamos por utilizar o escore de Charlson como método de comparação de gravidade entre os dois grupos. Este escore já está bem validado na literatura como capaz de predizer mortalidade intra-hospitalar em diversas situações, inclusive em doenças respiratórias.(1919 Martins M, Blais R. Evaluation of comorbidity indices for inpatient mortalityprediction models. J Clin Epidemiol. 2006;59(7):665-9.

20 Martins M, Blais R, Miranda NN. [Evaluation of the Charlson comorbidity index among inpatients in Ribeirao Preto, São Paulo State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2008;24(3):643-52. Portuguese.
-2121 Oliver MN, Stukenborg GJ, Wagner DP, Harrell FE Jr, Kilbridge KL, Lyman JA, et al. Comorbid disease and the effect of race and ethnicity on in-hospital mortality from aspiration pneumonia. J Natl Med Assoc. 2004;96(11):1462-9.) A média do escore foi semelhante em ambos os grupos, o que reforçou o fato de nossos achados terem sido mesmo relacionados a implementação da UTI.

Nosso estudo é o primeiro a demonstrar o real efeito da implementação de uma UTI em hospital público secundário do interior do país. Enquanto parece inviável pensar em um hospital terciário sem UTI, apesar da falta de evidências para testar essa hipótese (fato que ocorre muitas vezes em situações em que o benefício é óbvio),(2222 Smith GC, Pell JP. Parachute use to prevent death and major trauma related to gravitational challenge: systematic review of randomised controlled trials. BMJ. 2003;327(7429):1459-61. Review.) a relação custo-benefício destas unidades em hospitais menores pode ser questionada.

CONCLUSÃO

Em conclusão, este estudo demonstra de maneira pioneira no Brasil o benefício de implementação de uma unidade de terapia intensiva em hospital secundário do interior do país. Pacientes com doenças respiratórias foram o foco do estudo, e a realização de estudos a respeito do impacto destas unidades sobre outros grupos de pacientes se faz necessária.

  • Editor responsável: Flávia Ribeiro Machado

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2015
  • Aceito
    18 Jul 2015
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