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Epistemologia do Turismo: um estudo sobre as correntes teóricas predominantes nas publicações em Turismo IberoAmericanas

Epistemology of tourism: a study on the predominant theoretical currents in publications in Ibero-American Tourism

Epistemología del turismo: un studio sobre las predominantes actuales teóricas en las publicaciones de Turismo Iberoamericano

Resumo

O presente artigo organiza-se em torno das produções sobre epistemologia em turismo no contexto ibero-americano. O fio condutor desta reflexão está fundado em dois pilares teórico-metodológicos: a produção de autores que identificam correntes ou escolas teóricas para a epistemologia do turismo – e mais especificamente o trabalho de Panosso Netto e Castillho Nechar (2014) – e o dispositivo teórico, analítico e metodológico da Análise de Discurso pecheutiana, em especial no conceito de arquivo. Esses aspectos direcionaram a busca de textos de epistemologia do turismo no site Publicações de Turismo, tido aqui como objeto de análise, resultando na formulação do objetivo do presente artigo: observar quais são as correntes teóricas predominantes sobre epistemologia do turismo em um arquivo elaborado a partir do site Publicações de Turismo. Na etapa de análise, recorreu-se ao levantamento quantitativo e à filtragem dos artigos que tratam do tema epistemologia no referido site, resultando em 60 artigos que compõe a base do arquivo. Na análise foram identificadas como abordagens teóricas predominantes a Fenomenologia, o Positivismo e o Sistemismo e no processo analítico foi constatada uma outra abordagem, nomeada de Complexa/Ecossistêmica.

Palavras-chave
Turismo; Epistemologia; Análise de Discurso; Arquivo

Abstract

This article is organized around the productions on epistemology in tourism in the Ibero-American context. The guiding thread of this reflection is based on two theoretical and methodological pillars: the production of authors who identify currents or theoretical schools for the epistemology of tourism - and more specifically the work of Panosso Netto and Castillho Nechar (2014) - and the theoretical device, analytical and methodological analysis of the Pecheutian Discourse Analysis, especially in the concept of archive. These aspects guided the search for texts on tourism epistemology on the Publications of Tourism website, considered here as an object of analysis, resulting in the formulation of the objective of the present article: observing which the prevailing theoretical currents on tourism epistemology are, in a file elaborated from the Tourism Publications website. In the analysis stage, a quantitative survey and filtering of articles dealing with the topic of epistemology on that website were organized, resulting in 60 articles that make up the base of the archive. In the analysis, Phenomenology, Positivism and Systemism were identified as predominant theoretical approaches and in the analytical process another approach was found, named Complex/Ecosystem.

Keywords
Tourism; Epistemology; Discourse Analysis; Archive

Resumen

dológicos: la producción de autores que identifican corrientes o escuelas teóricas para la epistemología del turismo - y más concretamente el trabajo de Panosso Netto y Castillho Nechar (2014) - y el dispositivo teórico, análisis analítico y metodológico del Análisis del Discurso Pecheutiano, especialmente en el concepto de archivo. Estos aspectos guiaron la búsqueda de textos sobre epistemología turística en el sitio web de Publicaciones de Turismo, aquí considerado como objeto de análisis, dando como resultado la formulación del objetivo del presente artículo: observar cuáles son las corrientes teóricas predominantes sobre epistemología turística en un archivo elaborado a partir del sitio web de Publicaciones Turísticas. En la etapa de análisis se utilizó un relevamiento cuantitativo y filtrado de los artículos que tratan el tema de la epistemología en ese sitio web, resultando en 60 artículos que conforman la base del archivo. En el análisis se identificó la Fenomenología, el Positivismo y el Sistemismo como enfoques teóricos predominantes y en el proceso analítico se encontró otro enfoque, denominado Complejo / Ecosistema.

Palabras clave
Turismo; Epistemología; Análisis del discurso; Archivo

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca refletir sobre a produção científica em epistemologia do turismo, a partir de uma revisão dos periódicos reunidos pelo site Publicações de Turismo. Para a elaboração deste texto, parte-se do princípio de que a produção em epistemologia do turismo encontra-se em um momento em que é possível identificar quais fundamentos teóricos embasam a construção dos múltiplos modelos propostos por pesquisadores. Este ponto de partida é fundamentado em estudos que propõem correntes, escolas ou abordagens teóricas para a epistemologia do turismo, como os propostos por Ouriques (2005)Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719...
, Panosso Netto et al. (2012)Panosso Netto, A., Arias Castañeda, E., & Castillo Nechar, M. (2012). Análise das Visões de Turismo no México. Revista Turismo Em Análise, 23(2), 286-307. https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v23i2p286-307
https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867....
e Santos et al. (2009)Santos, M. M. C., Possamai, A. M. P., Marinho, M. F. (2009). Pesquisa em turismo: panorama das teses de doutorado produzidas no Brasil de 2005 a 2007. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. 3(3), 3-33. https://doi.org/10.7784/rbtur.v3i3.258
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.

A composição do texto também leva em conta a necessidade de um construto teórico e analítico que permita relacionar os textos analisados a partir de uma perspectiva que ultrapasse os limites da descrição e do mapeamento bibliométrico. Nesta perspectiva a Análise de Discurso (doravante AD), proposta pelo filósofo francês Michel Pêcheux, foi a disciplina escolhida.

De modo a delimitar o objetivo do presente artigo, optou-se por trabalhar exclusivamente com a construção de abordagens teóricas feita por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, tendo em vista que a proposta dos autores é a que mais leva em consideração o caráter transversal e evolutivo da produção científica no turismo. Para fins de análise, mobilizou-se o conceito de arquivo da teoria discursiva, conforme articulado por autores como Pêcheux (2014b)Pêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67., Robin (2016)Robin, R. (2016). A memória saturada. Editora da Unicamp., Zanella (2017)Zanella, A. S. (2017). Um gesto de leitura em Pêcheux: sobre máquinas, informática e arquivo. Entremeios. Revista de Estudos do Discurso, on-line, 14, 135-147. http://doi.org/10.20337 e Barbosa Filho (2019)Barbosa Filho, F. R. (2019). O discurso antiafricano na Bahia no século XIX. Pedro & João Editores. entre outros.

Em função do acima exposto, o objetivo do presente artigo é observar quais são as correntes teóricas predominantes sobre epistemologia do turismo em um arquivo elaborado a partir do site Publicações de Turismo.

O texto, portanto, está organizado levando-se em conta o processo reflexivo a partir do qual o objetivo foi elaborado. Para além desta introdução, recorreu-se à caracterização do site Publicações em Turismo e dos procedimentos de recorte dos artigos escolhidos para análise. Na sequência, são contextualizados os estudos em epistemologia do turismo, dando-se um enfoque principal àqueles que se configuram pela proposição de escolas, correntes ou abordagens teóricas. Em seguida, delimitam-se os aspectos relativos à AD e ao conceito de arquivo.

A etapa de análise, mescla dois processos concomitantes e complementares. Um diz respeito ao levantamento quantitativo dos artigos que tratam do tema epistemologia do turismo no site Publicações de Turismo e outro, mescla os achados do levantamento com as problematizações acerca do arquivo. Embora à primeira vista o presente texto possa parecer um estudo de caráter bibliométrico, o trabalho com o conceito de arquivo permitiu assinalar outros horizontes no que tange à produção sobre epistemologia.

A montagem do arquivo leva às reflexões finais do texto, onde foi possível identificar quais as abordagens teóricas predominantes quando se trata da epistemologia do turismo no recorte proposto. Além disso, evidencia-se a emergência de uma abordagem até então pouco observada pelos autores ocupados em descrever as correntes teóricas da epistemologia do turismo, nomeada de Complexa/Ecossistêmica e que se baseia na articulação entre Teoria da Complexidade, proposta por Edgar Morin e o campo do turismo.

Com o intuito de fechamento da presente pesquisa, ainda são propostos outros desdobramentos e aprofundamentos da proposta, visando ampliar o conhecimento sobre o assunto em discussão, além do reconhecimento das limitações da pesquisa desenvolvida.

2 METODOLOGIA

O site Publicações de Turismo foi desenvolvido a partir de um projeto de extensão do Programa de Pós-Graduação em Turismo da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), coordenado pelo Professor Dr. Glauber Santos. Trata-se de uma plataforma online a partir da qual se pode acessar informações dos artigos publicados em periódicos científicos ibero-americanos de Turismo que utilizam o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER ou OJS, na sigla em inglês).

As informações são coletadas diretamente dos metadados fornecidos pelos periódicos. Em dezoito de fevereiro de 2020, data em que foi feito o levantamento dos textos que compõem o recorte desta pesquisa, o site apresentava resultados referentes a 40 periódicos, indexando 11.655 artigos (Publicações de Turismo, 2020Publicações de Turismo. (2020). Pesquisa em periódicos científicos iberoamericanos de turismo. Recuperado de http://www.each.usp.br/turismo/publicacoesdeturismo/
http://www.each.usp.br/turismo/publicaco...
). Empiricamente, considerou-se que o site se configura, então, como um repositório que disponibiliza informações acerca de 40 periódicos ibero-americanos de turismo, permitindo filtragens, delimitações e recortes específicos acerca do turismo e de seus temas transversais.

Considerando as premissas acima expostas, foram pesquisados no site artigos que contivessem os termos “epistemologia”, “episteme” e “epistemológico(a)” e seus correspondentes nas línguas inglesa e espanhola. Na busca, não foi considerada a localização do termo que poderia estar no texto, no título, nas palavras-chave, no resumo etc.

Nesta busca, foram encontrados 177 documentos. Dos quais, 95 foram excluídos por se tratar de gêneros textuais como resenhas de livros, textos de opinião, relatos de experiência e até algumas inconsistências na busca, como, por exemplo, listagens de índices de autores. Do total restante, foram ainda excluídos do recorte 22 artigos que não possuíam nenhum dos termos pesquisados – e seus correspondentes em outros idiomas – em qualquer parte do documento. Acredita-se que esses 22 textos também tenham retornado em função de inconsistências no sistema de buscas ou até mesmo por particularidades de publicação por parte dos periódicos. Por fim, chegou-se ao recorte final de 60 textos, que foram analisados no presente artigo. Cabe destacar que não houve um recorte temporal específico para a seleção dos textos.

Para fins de análise, foram propostos dois processos complementares, o primeiro está relacionado a uma caracterização descritiva, com informações que fornecem um panorama geral sobre os dados pesquisados, como o ano das publicações e a qualificação dos periódicos junto à Capes.

Após esta primeira análise, propõem-se o trabalho de montagem do arquivo, baseado nas premissas da AD pecheutiana. Para tanto, foram colocados em uma relação os textos e os autores citados nas referências bibliográficas de cada um dos artigos que fazem parte do recorte. Essa etapa da análise permitiu identificar quais os autores e quais as obras mais referenciadas nos artigos de epistemologia do turismo publicados nos periódicos indexados pelo site Publicações de Turismo.

As reflexões de caráter teórico foram trabalhadas a partir de duas sessões complementares, a primeira com considerações sobre a epistemologia do turismo e a segunda com algumas delimitações sobre os princípios da AD postos em relação neste trabalho.

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A EPISTEMOLOGIA DO TURISMO

Na literatura existem diversos estudos que chamam a atenção para o caráter múltiplo do turismo (Leiper, 2000Leiper, N. (1979). The framework of tourism: towards a definition of tourism, tourist, and the tourist industry. Annals of Tourism Research, 6 (4), 390-407. https://doi.org/10.1016/0160-7383(79)90003-3.
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, Tribe, 1997Tribe, J. (1997). The indiscipline of tourism. Annals of Tourism Research, 24(3), 638-657. https://doi.org/10.1016/S0160-7383(97)00020-0
https://doi.org/10.1016/S0160-7383(97)00...
, Castillo Nechar, 2007Castillo Nechar, M. (2007). La investigación y epistemología del turismo: aporte y retos. Revista Hospitalidade., 4(2), 79-95. https://www.revhosp.org/hospitalidade/article/view/234
https://www.revhosp.org/hospitalidade/ar...
, Beni & Moesch, 2017Beni, M. C., & Moesch, M. M. (2017). A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Revista Turismo - visão e ação, 19(3). 430-457. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n3.p430-457.
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, Darbellay & Stock, 2012Darbellay, F., & Stock, M. (2012). Tourism as complex interdisciplinary research object, Annals of Tourism Research, v. 39(1), 441-458. https://doi.org/10.1016/j.annals.2011.07.002.
https://doi.org/10.1016/j.annals.2011.07...
, Campodónico, & Chalar, 2013Campodónico, R., & Chalar, L. (2013). El turismo como construcción social: un enfoque epistemo-metodológico. Anuario Turismo y Sociedad, vol. XIV, 47-63. https://revistas.uexternado.edu.co/index.php/tursoc/article/view/3714/4065
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). Tais pesquisas, comumente, são utilizadas para justificar as múltiplas abordagens teóricas articuladas para se problematizar o objeto de estudo do turismo.

Muñoz De Escalona (2014)Muñoz de Escalona, F. (2014). La epistemología y el turismo. Turismo y Sociedad, XV, 187-203. https://doi.org/10.18601/01207555.n15.11.
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, ao citar estudos de Paul Ossipow datados da primeira metade da década de 1950, destaca que desde aquela época, já se atentava para a confusão científica que abordava o turismo a partir de um corpus heterogêneo de doutrinas que resultava – e ainda resulta – no entendimento de que o turismo é tudo aquilo que o turista faz.

A questão não acaba aqui, porque os estudiosos chamam também turismo a tudo o que se relaciona de alguma forma com o turista, sejam eles quais forem, do meio de hospitalidade ao meio de transporte, do museu ao lago, dos eventos às ruínas da Antiguidade, ou seja, a todo aquele conjunto diverso de coisas que atuam como facilitadores ou incentivos para visitas

(Muñoz De Escalona, 2014Muñoz de Escalona, F. (2014). La epistemología y el turismo. Turismo y Sociedad, XV, 187-203. https://doi.org/10.18601/01207555.n15.11.
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, p. 188).

Neste contexto, é comum que se enfatize que o Turismo – enquanto campo científico – não possui uma epistemologia amplamente aceita. Tal entendimento é apoiado por autores como Tribe (1997)Tribe, J. (1997). The indiscipline of tourism. Annals of Tourism Research, 24(3), 638-657. https://doi.org/10.1016/S0160-7383(97)00020-0
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, em sua afirmação de que os limites do campo de estudos do turismo ainda não estão definidos. Desta forma, uma reflexão epistemológica contribuiria, na visão do autor citado, para uma organização sistemática desses limites.

Uma década depois, Castillo Nechar (2007)Castillo Nechar, M. (2007). La investigación y epistemología del turismo: aporte y retos. Revista Hospitalidade., 4(2), 79-95. https://www.revhosp.org/hospitalidade/article/view/234
https://www.revhosp.org/hospitalidade/ar...
, chama a atenção para o fato de que os estudiosos do turismo se detêm mais em classificar os componentes do campo do que problematizá-los como objetos científicos. Para ele, estudos de natureza econômica e de impactos socioculturais “[...]têm prevalecido sobre os de carácter acadêmico que colocam o turismo como uma disciplina científica que requer uma elucidação mais rigorosa do seu corpus teórico e metodológico.” (Castillo Nechar, 2007Castillo Nechar, M. (2007). La investigación y epistemología del turismo: aporte y retos. Revista Hospitalidade., 4(2), 79-95. https://www.revhosp.org/hospitalidade/article/view/234
https://www.revhosp.org/hospitalidade/ar...
, p. 86).

Curiosamente, mais uma década depois, Beni e Moesch (2017)Beni, M. C., & Moesch, M. M. (2017). A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Revista Turismo - visão e ação, 19(3). 430-457. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n3.p430-457.
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, ainda apontam para dificuldades semelhantes, ao ressaltarem que “O tratamento disciplinar que vem sendo dado ao estudo do turismo tem dificultado em sua superação como setor econômico, [...]” (p. 432).

A construção do conhecimento em turismo enfrenta uma série de problemas, entre eles: 1) uma percepção redutora: o turismo e os turistas ainda têm uma imagem ruim em geral, inclusive para o próprio especialista; 2) uma análise que privilegia a abordagem da aplicação e não a investigação teórica (diagnóstico de problemas essenciais do turismo, crítica de paradigmas); 3) fenômeno social complexo, reduzido tanto à dimensão da viagem (indústria, organização) quanto à do viajante (motivação)

(Kadri & Bédard, 2006Kadri, B., & Bédard, F. (2006). Vers les sciences du tourisme? Complexité et transdisciplinarité. Téoros, 25(1). 62-64. http://journals.openedition.org/teoros/1339 páginas - 62-64
http://journals.openedition.org/teoros/1...
, p. 64).

Mesmo diante destas dificuldades, algumas pesquisas têm destacado a organização de escolas teóricas de epistemologia do turismo. Hipoteticamente, a organização destas correntes teóricas assinalaria o fato de que quanto mais reproduzidas e referenciadas no campo do turismo, maior seria a aderência de determinadas abordagens em relação à outras.

Tal hipótese deve ser observada tomando-se como base as caracterizações das correntes teóricas propostas. Entretanto, assim como os diferentes referenciais que embasam a construção de modelos epistemológicos em turismo, a construção destas categorias também segue critérios múltiplos, cada um com sua limitação específica.

Ouriques (2005)Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., por exemplo, ao fazer duras críticas à produção do conhecimento em turismo, delineia quatro correntes teóricas de análise e interpretação do turismo. Na Corrente Liberal, o autor situa pesquisadores cujas obras utilizam-se de um referencial teórico da economia neoclássica, “[...] analisando o turismo a partir dos princípios da oferta e demanda, do multiplicador da atividade turística, das estimativas de gasto individual do turista, das receitas e despesas [...]” (Ouriques, 2005Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., p. 71). Para o autor, fazem parte da Corrente Liberal textos como “Teoria y tecnica del turismo” (1967)Fernandez Fuster, L. (1967). Teoria y tecnica del turismo. Nacional. de Luiz Fernandez Fúster; “Economia do Turismo” (1991) de Beatriz Lage e Paulo MiloneLage, B. H. G., & Milone, P. C. (1991). Economia do turismo. Papirus.; e “Análise estrutural do turismo” (1997) de Mário Carlos Beni, entre outros.

A segunda linha organizada pelo autor é a Corrente do Planejamento Estatal, na qual são englobados textos de autores que “[...] postulam o desenvolvimento turístico planejado e controlado pelo Estado” (Ouriques, 2005Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., p. 74). Neste recorte são mobilizados textos como “Turismo e planejamento sustentável” (1997) de Doris RuschmannRuschmann, D. M. (1997). Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente. Papirus.; o artigo “As Ciências Sociais aplicadas ao Turismo” (2000) de Margarita BarrettoBarretto, M. (2000). As ciências sociais aplicadas ao turismo. Olhares contemporâneos sobre o turismo. Papirus., além de diversos textos de autoria de Rita Ariza de Cássia Cruz.

A outra corrente descrita pelo autor é a Corrente Pós-moderna, caracterizada pela multiplicidade teórica e a “[...] adesão final a princípios capitalistas.” (Ouriques, 2005Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., p. 78). Aqui são agrupados textos como “Turismo e Espaço” (1997) de Adyr Balasteri RodriguesRodrigues, A. A. (1997). Turismo e espaço: rumo a um conhecimento transdisciplinar. Editora Hucitec.; “Turismo, uma esperança condicional” (1999) de Eduardo YázigiYázigi, E. (1999). Turismo: uma esperança condicional. Global Editora. e “O saber-fazer turístico” (2002) de Marutschka Moesch.

A última corrente descrita pelo autor é a Corrente Crítica, pautada “[...] pelo pressuposto [...] de questionar o caráter intrinsecamente benéfico do desenvolvimento turístico, discutindo as transformações [...] da vida das comunidades receptoras e as condições de trabalho nas atividades turísticas.” (Ouriques, 2005Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea., p. 83). Nesta corrente, o autor referencia suas próprias produções, além de textos como “Urbanização turística: um novo nexo entre o lugar e o mundo” (1998) de Maria Tereza LuchiariLuchiari, M. T. D.P. (1998): Urbanização Turística: um novo nexo entre o Lugar e o mundo. In L. C. Lima (Org.). Da Cidade ao Campo: A diversidade do saber-fazer turístico. UECE..

O principal ponto do trabalho de Ouriques (2005)Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea. é seu direcionamento à produção turística como um todo e não precisamente à produção em epistemologia do turismo. Na perspectiva deste trabalho, embora se acredite que a produção do conhecimento teórico deva levar em conta os limites epistemológicos do campo onde este conhecimento é produzido, há que se reconhecer que o trabalho proposto por Ouriques (2005)Ouriques, H. R. (2005). A produção do turismo: fetichismo e dependência. Alínea. possui um recorte muito abrangente, o que dificulta a sua adesão para o objetivo proposto.

Outro exemplo de organização de correntes teóricas é proposto por Panosso Netto et al. (2012)Panosso Netto, A., Arias Castañeda, E., & Castillo Nechar, M. (2012). Análise das Visões de Turismo no México. Revista Turismo Em Análise, 23(2), 286-307. https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v23i2p286-307
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. Os autores dividem as visões sobre o turismo no México em três perspectivas centrais, a Positivista – focada nos estudos quantitativos, estatísticos e de viés economicista do turismo e menos interessada em estudos qualitativos e dos aspectos subjetivos do fenômeno –, a Pós-Positivista – organizada por uma aparente superação do positivismo, esta noção é marcada pelo reconhecimento do turismo como sistema e por questões relativas ao meio ambiente e à política – e a Antipositivista – fundada a partir de uma ruptura com o sistema hierárquico das ciências apresentado por Comte (1978)Comte, A. (1978). Curso de filosofia positiva. Abril Cultural. e crítica ao uso utilitarista do conhecimento científico, a abordagem antipositivista hipotetiza “[...] que o vício dos estudos do turismo é o positivismo, quando esses vícios forem superados, a produção do conhecimento turístico será virtuosa.” (Panosso Netto et al., 2012Panosso Netto, A., Arias Castañeda, E., & Castillo Nechar, M. (2012). Análise das Visões de Turismo no México. Revista Turismo Em Análise, 23(2), 286-307. https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v23i2p286-307
https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867....
, p. 300).

Neste texto, “Do positivismo com seu rigor, repetibilidade e univocidade ao antipositivismo, são detectadas perspectivas que os pesquisadores tomam como próprias para falar sobre turismo [...]” (Panosso Netto et al., 2012Panosso Netto, A., Arias Castañeda, E., & Castillo Nechar, M. (2012). Análise das Visões de Turismo no México. Revista Turismo Em Análise, 23(2), 286-307. https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867.v23i2p286-307
https://doi.org/10.11606/issn.1984-4867....
, p. 305). Entretanto, o trabalho foi produzido levando-se em conta a realidade mexicana e apresenta perspectivas bastante generalistas.

Do mesmo modo, Santos et al. (2009)Santos, M. M. C., Possamai, A. M. P., Marinho, M. F. (2009). Pesquisa em turismo: panorama das teses de doutorado produzidas no Brasil de 2005 a 2007. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. 3(3), 3-33. https://doi.org/10.7784/rbtur.v3i3.258
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, apresentam três categorias generalistas que, segundo as autoras, são definidas a partir de traços característicos, situando ainda três autores referência para cada uma dessas abordagens. Na abordagem sistêmica, são introduzidos os conceitos de sistema conforme propostos por Beni (1997)Beni, M. C. (1997). Análise estrutural do turismo. SENAC.; Na abordagem fenomenológica, as autoras apresentam as considerações de Panosso Netto (2005) sobre o fenômeno turístico, elaborado a partir das reflexões de Husserl; E na abordagem para além do fenomenológico, as autoras apresentam as considerações de Moesch (2002)Moesch, M. (2002). O fazer-saber turístico: possibilidades e limites de superação. In S. Gastal (Org.). Turismo: 9 propostas para um saber-fazer. (3.ed.). EDIPUCRS. nas articulações do método dialético com o turismo (Santos et al., 2009Santos, M. M. C., Possamai, A. M. P., Marinho, M. F. (2009). Pesquisa em turismo: panorama das teses de doutorado produzidas no Brasil de 2005 a 2007. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo. 3(3), 3-33. https://doi.org/10.7784/rbtur.v3i3.258
https://doi.org/10.7784/rbtur.v3i3.258...
).

Em se tratando da construção de raciocínio desenvolvida, o texto ocupado em trabalhar com correntes teóricas em epistemologia do turismo escrito por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, ao mesmo tempo em que apresenta um recorte abrangente sobre o tema, aprofunda a reflexão sobre referenciais teóricos de base, propondo seis escolas teóricas distintas.

Note-se que a construção das abordagens propostas por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719...
, leva em conta as mudanças de terreno dos autores em sua caminhada acadêmica. Por essa razão, alguns teóricos se repetem entre as diferentes abordagens.

É pelo modo como é estruturado que o texto de Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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foi escolhido como base para as proposições deste artigo. Portanto, a seguir são sintetizadas as seis abordagens propostas pelos autores.

A primeira abordagem é o Positivismo. A partir de uma retomada das bases desta abordagem no campo da Filosofia, os autores elencam diretrizes positivistas aplicadas aos estudos turísticos, como o fundamento na ciência clássica, a negação do turismo como uma ciência ou disciplina científica, a valoração de estudos estatísticos como modo de ilustrar o crescimento – tanto no número de viajantes quanto na circulação de capital – do turismo (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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).

A abordagem positivista é sustentada, no campo do turismo, por considerações de autores como Chris CooperCooper, C., Fletcher, J., Gilbert, D., Shepherd, R., & Wanhill, S. (1998). Tourism: Principles and practices. Addison-Wesley, Longman., Stephen Wanhill, John Fletcher, David Gilbert e Alan Fyall em “Tourism: Principles and Practices” (1998), pelas elaborações e conceitos introduzidos pela Organização Mundial do Turismo (OMT) em seus manuais, ou ainda por John Tribe, em “The indiscipline of tourism” (1997).

Na sequência, os autores apresentam o Sistemismo, baseado especialmente nas proposições oriundas da Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig Von Bertalanffy. Mesmo tendo origem na Biologia como uma abordagem antimecanicista para o estudo dos seres vivos, a teoria dos sistemas teve, posteriormente, uma adesão significativa nos campos de estudos organizacionais e de gestão. Sua articulação com o turismo rendeu estudos pautados pela criação de modelos conceituais que objetivavam a observação da totalidade do fenômeno turístico ao mesmo tempo em que permitiam o estudo de cada uma das partes do todo de modo mais aprofundado, abrindo a possibilidade de um estudo interdisciplinar do turismo (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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).

A abordagem sistêmica foi bastante difundida no Brasil, em especial pela produção do professor Mario Carlos Beni em “Análise estrutural do turismo” (1997). Entretanto, a primeira articulação entre a teoria dos sistemas e o turismo foi feita por Raimundo S Cuervo em “El turismo como medio de comunicación humana” (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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). Segundo os autores, outros estudos que também se pautam pela abordagem sistêmica são “Conceptualización del turismo” (1991) de Sergio MolinaMolina, S. (1991). Conceptualización del turismo. Limusa. e “The framework of tourism: towards a definition of tourism, tourist, and the tourist industry” (1979) de Neil Leiper, entre outros.

Outra escola apresentada por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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é o Marxismo. Segundo os autores, esta abordagem “[...] tece críticas ao turismo como atividade de burgueses e industriais. Também considera que o turismo nasceu a partir do surgimento do capitalismo e que são as leis econômicas que coordenam como, quando e para onde os turistas devem viajar.” (p. 131).

Nesta perspectiva, estariam obras como “Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens” (1989) de Jost KrippendorfKrippendorf, J. (1989). Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Civilização Brasileira., “Turismo em Florianópolis. Uma crítica à indústria pós-moderna” (1998) de Helton Ricardo OuriquesOuriques, H. R. (1998). Turismo em Florianópolis: uma crítica à “indústria pós-moderna”. UFSC. e “Tourism: Blessing or Blight” (1973) de George YoungYoung, S. G. B. (1973). Tourism: blessing or blight?. Penguin Books..

A quarta abordagem apresentada pelos autores é a Fenomenológica. “A fenomenologia é a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento.” (Husserl, 1990Husserl, E. (1990). A ideia da fenomenologia. Edições 70., p. 22). Articulada ao turismo, esta abordagem propõe um aprofundamento nos aspectos relativos à essência do fenômeno turístico. A interpretação do fato – ou da coisa – em si, permitiria então depreender suas características e fundamentos basilares, além de refletir sobre o conhecimento acumulado acerca do fenômeno estudado (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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).

Entre as produções que se ocupam em refletir a questão da fenomenologia do turismo, destacam-se “Filosofia do turismo: teoria e epistemologia” de Alexandre Panosso Netto; “(Hermeneutic) Phenomenology in tourism studies” de Tomas Pernecky e Tazim JamalPernecky, T., Jamal, T., (2010). (Hermeneutic) phenomenology in tourism studies. Annals of Tourism Research, 37(4), 1055-1075. https://doi.org/10.1016/j.annals.2010.04.002.
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e “Conceptualización del turismo” de Sergio Molina (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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).

A abordagem Hermenêutica representa, segundo Panosso Netto e Castillo Nechar (2014), uma quinta escola teórica da epistemologia do turismo. Embora o pensamento hermenêutico seja representado por diversos pensadores, uma das sínteses mais claras sobre o modo como o conceito de ciência é pensado nesta abordagem vem de Martin Heidegger:

[...] com a elaboração dos conceitos fundamentais da condutora compreensão do ser se determinam os fios condutores dos métodos, a estrutura do aparato conceitual, a correspondente possibilidade de verdade e certeza, o modo de fundamentação e demonstração, a modalidade de caráter vinculativo e o modo da comunicação. O conjunto destes momentos constitui o conceito existencial pleno de ciência

(Heidegger, 1998Heidegger, M. (1998). Ser y tiempo. Universitaria., p. 378).

Articulada ao turismo, portanto, a hermenêutica possibilitaria uma visão menos descritiva e funcionalista, assinalando para um novo conceito de turismo, fundamentado em uma leitura crítica (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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). Alguns dos textos que aprofundam o tema são “¿Es posible una teoría hermenéutica dialéctica en el estudio del turismo?” (2008), de Napoleón Conde GaxiolaConde Gaxiola, N. (2008). ¿Es posible una teoría hermenéutica dialéctica en el estudio del turismo? Teoría y Praxis, v. 5, 197-211. https://doi.org/10.22403/UQROOMX/TYP05/15
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; “Closing the hermeneutic circle? Photographic Encounters with the Other” (2008), de Kellee CatonCaton, K., & Santos, C. A. (2008). Closing the hermeneutic circle? Photographic encounters with the other. Annals of Tourism Research, 35(1), 7-26. https://doi.org/10.1016/j.annals.2007.03.014.
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e Carla Almeida Santos ou ainda o já citado “(Hermeneutic) Phenomenology in tourism studies” (2010) de Tomas Pernecky e Tazim Jamal.

Por fim, Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, apresentam a escola da Teoria Crítica. Esta abordagem é pautada pela articulação da produção teórica no turismo aos princípios dos teóricos da Escola de Frankfurt, assim, “O verdadeiro entendimento [...] não é baseado em classificar o que aparece imediatamente, mas respeita a complexidade intrínseca de seus objetos. Isso requer muitas investigações conceituais diferentes que medeiam os múltiplos aspectos dos fenômenos.” (Lima & Santos, 2020Lima, B. D. T. C., & Santos, E. A. C. (2020). De Luckaks à escola de Frankfurt. Trans/Form/Ação 43(Ed. Especial), 379-410. http://dx.doi.org/10.1590/0101-3173.2020.v43esp.27.p379.
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, p. 389). Esta articulação resultaria então, na contraposição a uma ciência positivista e pragmática.

A epistemologia crítica do turismo se interessará pela transformação da realidade, com uma observação na busca de construir um mundo melhor para todos. O problema epistemológico é, portanto, captar a realidade em transformação diante de tantos conhecimentos e realidades transformadoras e em transformação

(Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, p. 136).

São citados como expoentes da corrente crítica da epistemologia do turismo, autores de textos como “Critical turn in tourism studies” (2007) de Ateljevic, Annette Pritchard e Nigel MorganAteljevic, I., Pritchard, A., & Morgan, N. (2007). The critical turn in Tourism studies. Oxford: Elsevier.; “Tourism: A Critical Business” (2008) de John TribeTribe, J., (2008). Tourism: a critical business. Journal of Travel Research, 46(3), 245-255. https://doi.org/10.1177/0047287507304051
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e “Por uma visão crítica nos estudos turísticos” (2011) de Alexandre Panosso Netto, Félix Tomillo Noguero e Margret Jäger.

Retomando-se então a hipótese de que a organização de correntes teóricas assinalaria para o fato de que quanto mais reproduzidas e referenciadas no campo do turismo, maior seria a aderência de determinadas abordagens em relação à outras. E adotando-se as seis categorias propostas por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, incumbe ainda contextualizar o dispositivo teórico mobilizado neste artigo.

4 POR QUE O ARQUIVO? ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS

Cabe, portanto, destacar a especificidade do trabalho conceitual aqui desenvolvido. Existem diversas teorias nomeadas análise do/de discurso – ou discursiva – essa multiplicidade se dá em função das distintas formas de conceituar e analisar os discursos. A AD pecheutiana se destaca dessa multiplicidade, na medida em que se organiza enquanto um campo de saber para além de uma metodologia ou de um conjunto de procedimentos a serem aplicados em uma análise.

A AD considerada nesta pesquisa, trata de um movimento iniciado na década de 1960, propulsionado por reflexões teóricas acerca da intersecção entre linguística, materialismo histórico e psicanálise. Como resultado dessas reflexões, durante cerca de três décadas, Michel Pêcheux e outros teóricos filiados a esta corrente teórica – como Jacques Courtine, Françoise Gadet, Paul Henry, Michel Plon, Elizabeth Roudinesco (Nugara, 2010Nugara, S. (2010). Entrevista com Jean-Jacques Courtine. Trad. Carolina Fernandes. Organon: Revista do instituto de Letras da UFRGS, 24(48). https://doi.org/10.22456/2238-8915.28682
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) – desenvolveram e disseminaram as bases de uma teoria materialista do discurso, que considera os efeitos da ideologia e do inconsciente na produção e circulação dos sentidos.

Devido ao seu rigor teórico e à sua indissociabilidade das relações de produção, a AD constitui-se como uma disciplina sempre-em-construção. Quando introduzida no Brasil pela linguista Eni Orlandi, a AD ganhou espaço no campo dos estudos linguísticos, espraiando-se posteriormente para outros territórios científicos, como a história, a psicologia, a pedagogia, a sociologia (Daltoé et al, 2019Daltoé, A. S., Fernandes, C., & Fonseca, R. O. (2019). A contemporaneidade dos estudos de Pêcheux: ressonâncias e atualizações em solo brasileiro. Linguagem em (Dis)curso, 19(1), 125-131. https://doi.org/10.1590/1982-4017-1901doap-0000
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), e, mais recentemente, o turismo.

Cabe destacar que, enquanto empreitada teórica iniciada no contexto da prática filosófica, a AD dialoga constantemente com o pensamento epistemológico, mais especificamente com as reflexões elaboradas por Gastón Bachelard e filiados. Nesse sentido a perspectiva epistemológica remete à produção da ciência como uma prática descontinuísta, marcada por um corte epistemológico a partir do qual a ciência nascente rompe qualitativamente com as condições que lhe dão origem (Bachelard, 2006).

Além das proposições bachelardianas, a AD também dialoga com as reflexões de Louis Althusser, tanto na crítica ao pensamento dialético hegeliano quanto na consideração da centralidade da ideologia como força motriz das relações de produção e transformação da formação social. Sem pormenorizar este trabalho, considerou-se, especificamente, que para a AD

[...] a produção histórica de um conhecimento científico dado não poderia ser pensada como uma ‘inovação das mentalidades’, uma ‘criação da imaginação humana’, um ‘desarranjo de hábitos do pensamento’ etc. (cf. T. S. Kühn), mas como o efeito (e a parte) de um processo histórico determinado, em última instância, pela própria produção econômica

(Pêcheux, 2014aPêcheux, M. (2014a). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., p. 172).

Dito de outra forma, as condições de aparição e organização de um determinado conhecimento científico dependem das dinâmicas de reprodução/transformação das relações de produção da formação social estabelecida. Isso permite compreender o conhecimento científico como uma prática que coexiste com outras práticas dentro de uma formação social dada (Althusser, 2015Althusser, L. (2015). Por Marx. Editora da Unicamp., Pechêux, 2014aPêcheux, M. (2014a). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). Neste sentido, a reflexão feita neste artigo, baseia-se no entendimento de que, observar a “evolução” do turismo enquanto espaço de produção de conhecimentos científicos é refletir sobre a dinâmica de reprodução/transformação das relações de produção.

Em síntese, considerando que há uma multiplicidade de abordagens sobre epistemologia do turismo e que essas abordagens, por se tratar de um conhecimento científico, refletem as condições de reprodução/transformação das relações de produção, haveria, nessa multiplicidade, também uma relação de aderência (maior ou menor) de certas abordagens em detrimento de outras. É neste ponto que se mobiliza o conceito de arquivo.

De acordo com Zanella (2017)Zanella, A. S. (2017). Um gesto de leitura em Pêcheux: sobre máquinas, informática e arquivo. Entremeios. Revista de Estudos do Discurso, on-line, 14, 135-147. http://doi.org/10.20337, durante as diversas fases de formulações e reformulações da teoria do discurso, Pêcheux refletiu intensamente sobre os temas das máquinas, da informática e do tecnológico. É neste contexto de informatização e de procedimentos lógico-matemáticos que se situa a concepção do arquivo na teoria discursiva. Pêcheux (2014b, p. 59)Pêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67., define o arquivo em seu sentido amplo como o “[...] campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma determinada questão.”.

À primeira vista tal definição não parece muito distante daquilo que é manipulado pelas técnicas bibliométricas como o campo de coleta de dados. Todavia, o que difere substancialmente as duas abordagens é o modo como se dá a leitura e construção de determinado arquivo.

A bibliometria, conforme define Diodato (1994)Diodato, V. (1994). Dictionary of Bibliometrics. Haworth Press., diz respeito à técnica de análise estatística e matemática dos padrões relativos ao uso e publicação de documentos. Ao se mensurar tais padrões diversos desdobramentos são possíveis, como a depuração de conceitos aplicáveis a objetos de investigação similares, ou a delimitação de novas frentes de pesquisa – e até transformações disciplinares – observadas a partir das relações de citação e co-citação (Moraes & Kafure, 2020Moraes, L. L. de., & Kafure, I. (2020). Bibliometria e ciência de dados. RDBCI: Revista Digital De Biblioteconomia E Ciência Da Informação, 18, 1-20. https://doi.org/10.20396/rdbci.v19i0.8658521.
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).

O procedimento bibliométrico tradicional leva em conta diversas formulações orientadas por leis empíricas relativas à organização da literatura sobre dado tema. Cordazzo et al. (2017)Cordazzo, E. G., Mazzioni, S., Poli, O. L., & Zanin, A. (2017). Estudo bibliométrico da produção científica sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. [Apresentação de Trabalho]. Anais do XVII Colóquio Internacional de Gestão Universitária, Universidade., desenvolvimento e futuro na Sociedade do Conhecimento, Mar del Plata, Argentina. https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/181094/102_00008.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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, sintetizam as três leis fundamentais da bibliometria: A Lei de Bradford focada na produtividade de periódicos; a Lei de Lotka relativa à produtividade científica de autores; e a Lei de Zipf, que se refere à frequência de palavras em determinado texto. Autores como Glänzel (2003)Glänzel, W. (2003). Bibliometrics as a research field: A course on theory and application of bibliometric indicators. Course Handouts. e Hjørland (2002)Hjørland, B. (2002). Domain analysis in information science: Eleven approaches - Traditional as well as innovative. Journal of Documentation 58(4), 422-462. https://doi.org/10.1108/00220410210431136.
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, ao discutirem a importância da articulação dos dados obtidos nos estudos bibliométricos com as leis que orientam esse tipo de procedimento, deixam implícita a relevância do rigor teórico praticado em tais pesquisas.

Já do ponto de vista da AD, a leitura do arquivo está muito mais focada na produção – e reprodução – de sentidos que emerge das articulações textuais engendradas neste campo documental disponível. Esta forma de leitura considera o fato teórico da linguística enquanto disciplina de entremeio a partir da qual é possível uma série de organizações sintáticas das quais as relações de sentido emergem como pontos de ruptura com a lógica (Pêcheux, 2014bPêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67.).

Sinteticamente, pode-se dizer que, tanto a leitura bibliométrica quanto a leitura discursiva de um arquivo, residem na possibilidade de mapeamento de um determinado termo em um conjunto de documentos pré-determinado. Entretanto, enquanto na bibliometria o foco são os procedimentos estatísticos e matemáticos de descrição e relação entre estes termos, numa abordagem discursiva, o interesse reside no reconhecimento da ambiguidade – constitutiva da língua – como lugar de emergência do sentido no interior da sintaxe (Pêcheux, 2014bPêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67.).

Dito de outra forma, não interessa descrever estatisticamente as ocorrências de determinado texto, mas assinalar para as suas exterioridades. O trabalho de leitura de arquivo pressupõe uma discursividade constituída historicamente e impactada por um exterior que a transforma e significa.

Um arquivo forja uma memória que “[...] representa o discurso documental, a memória institucionalizada que é aquela justamente que fica disponível, arquivada em nossas instituições e da qual não esquecemos. A ela temos acesso, basta para isso consultar os arquivos onde ela está representada.” (Orlandi, 2006Orlandi, E. P. (2006). Análise de Discurso. In S. Rodrigues-Lagazzi & E. P. Orlandi (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Pontes., p. 22).

Neste contexto, cabe chamar a atenção para as especificidades do repositório que foi trabalhado para organizar o arquivo em questão. O site Publicações de Turismo é um repositório eletrônico e dinâmico, que se expande a cada nova edição publicada pelos periódicos que indexa. Devido à sua localização no ciberespaço – cuja extensão é paralela às dinâmicas socioeconômicas (Lévy, 1999Levy, P. (1999). Cibercultura. Editora 34.) – o site transcende o limite dos 40 periódicos que indexa, já que os textos que integram o arquivo a ser estruturado, vão referenciar outros textos externos a ele, dilatando o espaço a partir da estruturação de redes que enlaçam autores e posicionamentos teóricos múltiplos.

Por se tratar de um repositório alocado na internet, que é alimentado a partir de publicações que, geralmente, passam por um processo de avaliação por pares, sua constituição dialoga com uma prática organizativa de uma memória autorizada a circular. Daí uma outra característica inerente ao arquivo, o fato deste representar, a partir de seus limites, uma relação de poder, na medida em que seleciona informações possíveis e passíveis de serem reconhecidas e conhecidas (Romão, 2005Romão, L. M. S. (2005), De areia e de silício: as tramas do discurso no livro eletrônico. Revista de Estúdios Literários Especulo, (31). http://www.ucm.es/info/especulo/numero31/silicio.html
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).

Portanto, a disposição de estruturar um arquivo composto por artigos publicados em periódicos, deve levar em conta este processo anterior. Como os textos submetidos a periódicos são avaliados e aprovados por pares, eles já passam por um processo de validação. Este fato põe em questão as relações ideológicas de produção e circulação do conhecimento científico, uma vez que, para ser aprovado, um artigo submetido deve – além de estar adequado às normas do periódico – ser coerente e fundamentado, ou seja, produzir um efeito de sentido que seja validado pelos pares.

Assim, levando em conta o fato de que o arquivo é organizado a partir do emprego de uma prática que o orienta e estrutura, reforça-se o seu caráter não espontâneo ou transcendental, mas limitado naquilo que é possível e legítimo ser sabido. Neste momento, fica cristalizada a seguinte questão de pesquisa: O que a montagem de um arquivo organizado a partir da seleção de textos presentes no site Publicações de Turismo, permite que se saiba sobre a epistemologia do turismo?

5 MONTAGEM DO ARQUIVO: PUBLICAÇÕES EM EPISTEMOLOGIA NO SITE PUBLICAÇÕES DE TURISMO

Na primeira etapa de análise, recorreu-se a um processo de descrição dos textos que embasam a estruturação do arquivo. Para tanto, foi efetuado um levantamento do número de artigos encontrado em cada um dos periódicos indexados pelo site, em paralelo com sua classificação Qualis-Capes para a área de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo no quadriênio 2013-2016. Na mesma síntese, foi organizada uma linha temporal que indica o ano de publicação de cada um dos textos selecionados. Os demonstrativos são apresentados a seguir, na Tabela 1.

Tabela 1
Síntese dos artigos selecionados

A maioria dos trabalhos publicados é encontrada nos periódicos com classificação Qualis-Capes B1 (19) e B2 (11). As razões desta distribuição não são claras, pois dependem tanto de fatores internos, como o escopo dos periódicos e a agilidade do processo editorial. Há também que se considerar que somente a Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo (RBTur) possui extrato Qualis-Capes A.

No que tange à frequência de publicações, a pesquisa mostra que os anos de 2014, 2017 e 2018 apresentam o maior número de artigos sobre o tema (6, 7 e 7 artigos respectivamente). Os anos de 2002, 2003 e 2006 foram excluídos do levantamento por não haver nenhum artigo relativo ao tema publicado nesses períodos.

Robin (2016)Robin, R. (2016). A memória saturada. Editora da Unicamp., ao falar sobre o efeito de arquivo, cita a obra Detective (1972-1973) do artista francês Christian Boltanski. Nesta obra, “[...] fotografias são coladas em caixas de papelão indicando que em seu interior estão recolhidos os arquivos da pessoa que se vê na fotografia.” (p. 316). Algumas dessas caixas são revestidas por fotos de criminosos e outras por fotos das vítimas desses crimes, não é possível dizer quem é quem, uma vez que não é possível abrir as caixas e examinar seu conteúdo.

Para a autora, a obra de Boltanski é representativa do efeito ambivalente do ato de arquivar. De um lado, o arquivo protege e classifica os vestígios, preservando uma memória em potencial. Por outro lado, o efeito de fechamento do arquivo em si mesmo representa a aparência de impossibilidade de acesso à memória arquivada. Como então lidar com este arquivo, se o que nos propomos é uma análise para além da descrição do material selecionado?

Ao interpretar o exemplo de Robin (2016)Robin, R. (2016). A memória saturada. Editora da Unicamp., articulando-o a um arquivo estruturado por textos teórico, é possível pressupor que o aspecto que representa a aparente impossibilidade de acesso à memória arquivada remete mais especificamente à organização sintática imposta aos artigos científicos.

A sintaxe, diz Pêcheux (2014b)Pêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67. possui uma materialidade de caráter formal, passível de informatização e catálogo. A seleção de artigos de epistemologia feita a partir de um site onde se torna possível preencher campos com termos específicos demonstra claramente essa natureza. Portanto, dizer que foram encontrados, em 17 periódicos, sessenta artigos sobre epistemologia do turismo, sendo o primeiro publicado em 2001, remete apenas à lógica formal que dá sustentação a apontamentos como a epistemologia do turismo é um tema recente ou pouco estudado.

Recortar desses artigos as palavras-chave ou os instrumentos de coleta de dados utilizados, compondo nuvens de palavras e quadros estatísticos, também não é suficiente para o que se pretende. Essa prática de leitura, embora relevante, se contenta em inserir fragmentos de análise morfológica em seus procedimentos na urgência de transpor os obstáculos da “língua natural”, construindo microuniversos lógicos aptos a acolher cenários conceituais purificados (Pêcheux, 2014bPêcheux, M. (2014b) Ler o arquivo hoje. In E. P. Orlandi (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Editora da Unicamp. 57-67.).

A reflexão feita neste estudo, encontra lugar no pensamento pecheutiano, na medida em que se considera que, mesmo submetido a uma ordem lógica – de catalogação – e a uma ordem sintática – de padronização lógica – o arquivo apresenta sentidos múltiplos que escapam à ordem natural e matemática de sua composição. “O sentido não é relação entre..., ele é relação com... Eis porque ele escapa a qualquer redução que tente inseri-lo numa configuração orgânica ou mecânica.” (Canguilhem, 2006Canguilhem, G. (2006). O cérebro e o pensamento. Natureza humana, 8(1), 183-210. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302006000100006&lng=pt&tlng=pt.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 203).

Portanto, na medida em que se considera a elaboração das abordagens teóricas propostas por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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como norteadores para a montagem do arquivo, abre-se espaço para a observação dos sentidos possíveis sobre epistemologia do turismo inscritos nessa dinâmica. Assim, na sequência da análise, foram investigadas as referências bibliográficas de todos os sessenta artigos.

Este gesto de análise se justifica na medida em que os artigos que compõem o arquivo se caracterizam como hipertextos com links que referenciam outros textos e, assim, tecem uma rede de significações possíveis (Robin, 2016Robin, R. (2016). A memória saturada. Editora da Unicamp.). O fato de determinados textos e autores serem mais referenciados do que outros, indica que esta rede é constituída de elos fortes, intermediários e fracos, que dão mais ou menos suporte aos sentidos intrínsecos ao arquivo.

A proposição é de que, observando quais os autores e quais os textos mais recorrentes nas referências bibliográficas do arquivo, possa se traçar um paralelo que indique os sentidos possíveis – ou dominantes – sobre epistemologia do turismo.

Foram catalogados 1.898 textos, produzidos por 1.548 autores (entre pesquisadores e instituições) de diversas áreas. A relação entre a quantidade de textos catalogados e quantidade de autores, resulta em uma média de 1,22 texto por autor. Evidentemente, esta média não significa necessariamente uma pulverização, uma vez que a produção conjunta de textos é muito frequente e, muitas das referências catalogadas possuíam mais de três autores.

Inicialmente, foram listados os autores referenciados numa tentativa de observar como se dá a distribuição das citações entre os autores. A intenção ao analisar este aspecto foi verificar se há uma concentração de referências em um grupo específico de autores que poderia assinalar um direcionamento mais específico a uma ou outra corrente teórica. No Gráfico 1, é apresentado o quantitativo de autores referenciados em valores percentuais.

De acordo com as informações disponibilizadas no Gráfico 1, a grande maioria dos 1.548 autores levantados pelo recorte são referenciados entre 1 e 10 vezes. Deste grupo, 1.096 autores são referenciados apenas uma vez. Assim, é possível perceber que 70,8% dos autores são trazidos somente em um artigo, não sendo referenciados nos demais. Há, porém, uma certa concentração na outra extremidade do gráfico, onde se observa um baixo percentual de autores com alta quantidade de referências. Os percentuais 0,06% e 0,13% representam, respectivamente, um e dois autores, ou seja, há uma concentração de doze autores que são referenciados entre 20 e 74 vezes no recorte.

Gráfico 1
Número de referências feitas aos autores

O fato de haver um intervalo significativo entre um grupo de autores que é referenciado somente uma vez e outro grupo que concentra um número maior de ocorrências indicaria, de certo modo, que há teóricos considerados mais relevantes para tratar do tema da epistemologia do turismo. Portanto, na Tabela 2, foram listados, nominalmente, os autores mais referenciados no recorte, com seu quantitativo correspondente.

Tabela 2
Autores mais recorrentes

Os dados apresentados na Tabela 2 merecem algumas considerações. Primeiramente, não se atentou para a ocorrência das autocitações nos textos analisados. Além disso, outra questão que se deve considerar é o fato de se estar imerso em um arquivo organizado por uma lógica contemporânea de informatização e produção de conhecimento colaborativa, logo, autores que produzem em grupos ou redes de pesquisa podem ter seus índices de referência aumentados.

Note-se também que nem todos os autores trazidos à listagem são efetivamente teóricos do campo do turismo. A ocorrência de Thomas Kuhn, por exemplo, aponta para um viés de pesquisa ligado ao pensamento epistemológico contemporâneo. A perspectiva kunniana admite a história da ciência como uma disciplina a partir da qual é possível observar, de um lado, a estruturação de conhecimentos e técnicas científicas e, de outro, os obstáculos enfrentados nesse processo (Kuhn, 2006Kuhn, T. (2006). A estrutura das revoluções científicas. Ed. Perspectivas.).

Ainda para Kuhn (2006)Kuhn, T. (2006). A estrutura das revoluções científicas. Ed. Perspectivas., as ciências se desenvolvem pela aceitação da comunidade acadêmica de um conjunto de conhecimentos que organizam um paradigma a partir do qual uma ciência se orienta. "Os paradigmas adquirem seus status porque são mais bem-sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como graves." (p. 44).

Assim, ao levar em conta a caracterização das escolas teóricas conforme proposto por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, vê-se que, guardadas as devidas proporções, os autores tratam de apresentar a multiplicidade de modelos como espaços de produção de sentidos sobre o turismo. Por conseguinte, ao tomar as expressões “paradigma” e “modelo” como sinônimos, pode-se chamar a atenção para o fato de que as abordagens teóricas propostas pelos autores constituiriam paradigmas ainda em disputa por dominância no campo do turismo.

A pulverização das referências dos autores demonstrada no Gráfico 1, poderia ser um indicativo do fato de que o turismo é compreendido como um objeto de pesquisa disputado por diversos paradigmas. Ainda assim, ao observar a Tabela 2, dos autores mais referenciados, se observa uma tendência que assinala para textos com abordagens que estariam entre as correntes Crítica (os três teóricos mais citados – Alexandre Panosso Netto, John Tribe e Marcelino Castillo Nechar – são representantes desta corrente), Fenomenológica (novamente representada por Alexandre Panosso Netto) e Positivista (com John Tribe e Jafar Jafari).

Entretanto, devido ao fato de que as correntes teóricas são definidas por Panosso Netto e Castillho Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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a partir de um recorte transversal, um mesmo teórico é trazido como integrante de duas, ou mais, abordagens. Portanto, é necessário observar também, quais são os textos mais referenciados no recorte. Somente a partir daí é possível inferir mais especificamente quais abordagens aparecem como mais significativas na organização do arquivo. Por conseguinte, no Gráfico 2, são apresentados os valores percentuais em que os textos são referenciados.

Gráfico 2
Número de referências feitas aos textos

O Gráfico 2 mostra que, dos 1.898 textos catalogados, 85,14% são referenciados somente uma vez. Diferentemente da distribuição dos autores, onde já se esperava uma certa fragmentação tendo em vista as produções conjuntas, na distribuição dos textos observa-se uma efetiva fragmentação. Note-se que a maior parte dos textos é referenciada entre 1 e 10 vezes, sendo que o grupo de textos mais citados é referenciado entre 11 e 24 vezes. De certo modo, esta fragmentação corroboraria com a ideia de que o Turismo não possui uma epistemologia formulada e amplamente aceita. Entretanto, esta questão ainda precisa ser analisada com maior profundidade.

Apresenta-se então, na Tabela 3, a lista dos seis textos mais referenciados no levantamento realizado, como mais um esforço de identificação das correntes teóricas consideradas mais relevantes e que tenderiam a determinar os caminhos teóricos a serem seguidos pelos pesquisadores ligados aos estudos científicos sobre o Turismo e suas conexões.

Tabela 3
Obras mais referenciadas

A Tabela 3 traz algumas informações interessantes. Primeiramente, ao observar as Tabelas 2 e 3 em paralelo, vê-se que somente um dos autores é referenciado na mesma quantidade que uma de suas obras – Thomas Kuhn – isso indica que a apropriação dos preceitos filosóficos de Kuhn é baseada, integralmente, em seu texto mais clássico, A Estrutura das Revoluções Científicas.

Diferentemente da tabela dos quantitativos de autores, a tabela das obras permite uma aderência mais clara às correntes teóricas propostas por Panosso Netto e Castillho Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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: Tem-se “The indiscipline of tourism” de Tribe como um texto relevante na abordagem Positivista, o livro “Filosofia do turismo: teoria e epistemologia” de Panosso Netto na corrente Fenomenológica e Beni, com sua “Análise Estrutural do turismo” como representante do Sistemismo.

Chega-se assim a um aspecto até então propositalmente omitido nesta análise. Se o arquivo for tomado “[...] como um intervalo entre a textualização e o acontecimento na medida em que dito e não-dito compõem a materialidade de qualquer documento.” (Barbosa Filho, 2019Barbosa Filho, F. R. (2019). O discurso antiafricano na Bahia no século XIX. Pedro & João Editores., p. 22), insiste-se: o que o arquivo dá a saber sobre epistemologia do turismo?

É flagrante, pela observação dos dados quantitativos apresentados, a emergência de outra abordagem teórica acerca da epistemologia do turismo. Neste estudo, sugere-se nomear esta corrente de Complexa ou Ecossistêmica. Tal abordagem reflete a relevância das referências feitas à Edgard Morin e seu texto “Introdução ao Pensamento Complexo”, bem como a Marutschka Moesch, pesquisadora ativa na articulação entre a Teoria da Complexidade e o Turismo.

Em um esforço de síntese, recorre-se à definição de Morin (2005)Morin, E. (2005). Introdução ao pensamento complexo. Sulina. sobre a complexidade, “[..] a complexidade é um tecido [...] de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. [...] é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, integrações, retroações, determinações, acasos, que constituem o mundo fenomênico.” (p. 13).

Tendo em vista o paradoxo múltiplo/uno, a articulação da teoria da complexidade ao turismo se fundamenta na busca por uma abordagem interdisciplinar, capaz de dar conta da complexidade inerente ao turismo, até então renegada pelo tratamento disciplinar dado por seus estudiosos (Darbellay & Stock, 2012Darbellay, F., & Stock, M. (2012). Tourism as complex interdisciplinary research object, Annals of Tourism Research, v. 39(1), 441-458. https://doi.org/10.1016/j.annals.2011.07.002.
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; Beni & Moesch, 2017Beni, M. C., & Moesch, M. M. (2017). A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Revista Turismo - visão e ação, 19(3). 430-457. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n3.p430-457.
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).

Desse esforço, surgem propostas como a reformulação do SISTUR, apresentado recentemente como um ecossistema.

A reconstrução do modelo do SISTUR pela teoria da complexidade [...] apreende como sistema vivo, que se auto-organiza e realiza sua autoprodução, ao mesmo tempo em que realiza a auto-eco-organização (o sistema é, simultaneamente, totalidade/parte, uma unidade global que é parte de outra unidade, tudo está interconectado com tudo, homem e natureza), e a sua auto-ecoprodução (só é possível o ser, a existência e a vida em um sistema-organização), pois ele está envolvido em um ambiente externo que se encontra, ele mesmo, integrado a um sistema eco-organizador, o ecossistema

(Beni & Moesch, 2017Beni, M. C., & Moesch, M. M. (2017). A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Revista Turismo - visão e ação, 19(3). 430-457. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n3.p430-457.
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, p. 449).

Assim, a corrente Complexa preconiza o objeto de estudo do turismo como um objeto em construção (Beni & Moesch, 2017Beni, M. C., & Moesch, M. M. (2017). A teoria da complexidade e o ecossistema do turismo. Revista Turismo - visão e ação, 19(3). 430-457. https://doi.org/10.14210/rtva.v19n3.p430-457.
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), cuja episteme deve levar em conta a centralidade das dimensões turísticas da sociedade – e não o turismo como um fenômeno isolado – em suas reflexões (Darbellay & Stock, 2012Darbellay, F., & Stock, M. (2012). Tourism as complex interdisciplinary research object, Annals of Tourism Research, v. 39(1), 441-458. https://doi.org/10.1016/j.annals.2011.07.002.
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).

Por outro lado, ainda levando em conta as proposições de Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, nos demonstrativos presentes nas sínteses de autores e textos mais referenciados, não foi possível identificar nenhum representante das abordagens marxista e hermenêutica que se destacasse nos índices de referência.

Entretanto, Dean MacCannell é referenciado 19 vezes no recorte, e sua obra, “The tourist: a new theory of the leisure class” é referenciada 8 vezes. Logo, se “A visão marxista aplicada ao turismo tem relação com aquilo que MacCannell, em 1976, apontou como ‘semiótica da produção capitalista’” (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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, p. 130), tem-se então, em MacCannell o expoente da abordagem marxista, ainda que autor e texto não sejam evidenciados no grupo dos mais citados.

Já no que diz respeito à abordagem Hermenêutica, Napoleon Conde Gaxiola e Jost Krippendorf – tidos como representantes desta abordagem por Panosso Netto e Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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– são referenciados 19 e 14 vezes, respectivamente, no recorte. Tais autores, entretanto, não se destacam no quantitativo de referências de sua autoria, enquanto “Sociologia do Turismo. Para uma nova compreensão do lazer e das viagens” de Krippendorf é citado 4 vezes, a soma dos textos de autoria de Conde Gaxiola corresponde a 5 ocorrências.

Por conseguinte, na medida em que se observam os demonstrativos, o processo de organização do arquivo e a abordagem proposta, pode-se dizer que o arquivo que representa o campo de documentos pertinentes e disponíveis no site Publicações em Turismo sobre a questão da epistemologia do turismo, assinala para a estruturação de sete correntes teóricas distintas: a Positivista, a Sistemista, a Marxista, a Hermenêutica, a Fenomenológica, a Crítica (Panosso Netto & Castillo Nechar, 2014) e a Complexa/Ecossistêmica, esta última, proposta a partir deste estudo.

Destas sete abordagens, observa-se uma menor aderência àquelas que representam os pensamentos marxista e hermenêutico, entretanto, não é possível afirmar que o fato de determinados textos serem mais referenciados que outros poderia significar que esses textos sejam considerados como mais adequados pela comunidade acadêmica. Publicações científicas estão sempre suscetíveis a críticas, reformulações e revisões, no mesmo grau em que podem ser corroboradas.

A descrição dos limites do arquivo ainda suscita alguns questionamentos, na medida em que dá a entender que a fragmentação da literatura ilustra na prática, o modo como o Campo do Turismo ainda diverge sobre seus limites epistemológicos. Os sessenta artigos selecionados a partir do site ultrapassam as fronteiras do turismo e se espraiam buscando respostas nas epistemologias de outros campos, como a geografia, a antropologia, a sociologia e a história. Ou seria o inverso? Essa fragmentação sinalizaria o interesse dos outros Campos em travar uma luta filosófica entre si, todos disputando o turismo como um objeto de estudo? O que é o turismo?

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do processo de montagem de um arquivo composto por textos de epistemologia do turismo indexados no site Publicações de Turismo, pode-se refletir e problematizar sobre os sentidos produzidos no intervalo em questão. A organização de dados quantitativos permitiu observar a pulverização das referências – de autores e obras – articuladas em torno do tema da epistemologia do turismo. Dessa pulverização foram apresentadas algumas considerações, como por exemplo, a corroboração com as reflexões de Panosso Netto & Castillo Nechar (2014)Panosso Netto, A., & Castillo Nechar, M. (2014). Epistemologia do turismo: escolas teóricas e proposta crítica. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo 8(1), 120-144. https://doi.org/10.7784/rbtur.v8i1.719.
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acerca da estruturação de abordagens teóricas.

Seguindo a proposta dos autores citados, os achados relativos aos índices de referências de autores e obras, e considerando o arquivo enquanto intervalo entre textualização e acontecimento, propôs-se outra abordagem teórica nomeada de Complexa/Ecossitêmica, baseada nos preceitos da Teoria da Complexidade. Esta proposta foi sustentada pela relevância das referências de autores como Edgar Morin, Mario Beni e Marutschka Moesch.

Com vistas a propor um fechamento desta reflexão, pode-se dizer que a montagem do arquivo assinala para algumas tendências em analisar teoricamente o turismo, entretanto, as proposições epistemológicas existentes ainda refletem uma fragmentação do campo científico.

Ressalta-se ainda, que este trabalho foi feito a partir de um recorte específico do site Publicações de Turismo. A construção do arquivo nas circunstâncias descritas pressupõe uma limitação da análise, uma vez que o trabalho é limitado aos 40 periódicos indexados pelo site. Ainda reconhecendo as limitações deste trabalho, sugere-se a possibilidade de novas pesquisas neste escopo, a partir de outras bases de dados ou indexadores, bem como a articulação de outras teorias como a Teoria das Redes, como forma de observar a montagem de redes de colaboração científica entre os pesquisadores do tema.

Acredita-se que o Turismo tem muito a se beneficiar com trabalhos que, como este, buscam desenvolver uma crítica interna ao próprio campo como forma de problematizar seus limites teóricos, fortalecendo suas bases e sinalizando novos horizontes.

  • Como citar: Tadioto, M. V.; Jung de Campos, L.; Vianna, S. L. G. (2022). Epistemologia do turismo: um estudo sobre as correntes teóricas predominantes nas publicações em turismo Ibero-Americanas. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, 16, e-2361. http://doi.org/10.7784/rbtur.v16.2361

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Editado por

Editor:

Leandro B. Brusadin.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2021
  • Aceito
    08 Ago 2021
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