Resumo
Propósito do tema: As políticas e definições sobre ecoturismo abordam basicamente três aspectos: a conservação do meio ambiente, a conscientização ambiental dos visitantes e o envolvimento da comunidade local. A partir desse enfoque, como objetivo analisou-se os resultados das políticas públicas para o desenvolvimento do uso público em Unidades de Conservação.
Metodologia e abordagem: A análise foi realizada em duas áreas protegidas, o Parque Estadual Turístico Alto do Ribeira (PETAR), localizado no Estado de São Paulo, no Brasil, e o Strathcona Provincial Park, situado na província de British Columbia, no Canadá. O estudo de casos múltiplos se utilizou de duas fontes de evidências, os documentos das políticas públicas identificadas e as entrevistas com os atores envolvidos: poder público, comunidade local e visitantes. A análise dos documentos e das entrevistas foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo. Tais políticas públicas foram discutidas à luz de bases conceituais sobre áreas protegidas e uso público, bem como sobre os atos normativos sobre uso público em Unidade de Conservação nos dois países. Entre os principais resultados, destaca-se que o foco das políticas públicas em atividades mais permissivas, no caso canadense, ou na restrição de atividades, no caso brasileiro, não é preponderante para a conservação do meio ambiente.
Originalidade do documento: A política de terceirizações, adotada em British Columbia e que começa a ser implantada em São Paulo, tem impactado de forma mais direta os três aspectos analisados.
Palavras-chave: Política pública; Unidade de Conservação; Uso público; Ecoturismo
Abstract
Purpose of topic: Policies and definitions of ecotourism address, basically, three aspects: environmental conservation, environmental awareness of visitors, and involvement of local communities. From that approach, the objective of this study is to analyze the results of public policies for public use development in protected areas.
Methodology and approach: Through case study methodology we analyzed two protected areas, Alto Ribeira Tourist State Park (PETAR), located in the State of Sao Paulo, in Brazil, and Strathcona Provincial Park, situated in the province of British Columbia, Canada. The multiple case study was based on two sources of evidence, the identified public policies documents, and interviews with the various stakeholders: government, local community, and visitors. The analysis of documents and interviews was performed through content analysis. The public policies were discussed within the conceptual and legal frameworks for protected areas and public use in both countries. Among the key findings, we observe that public policies focus on more permissive activities, as in the Canadian case, or on its restriction, like in Brazil, is not the most significant aspect for the conservation of the environment.
Originality of the document: The outsourcing policy, already adopted by British Columbia and beginning to be implemented in São Paulo, has impacted more directly the three analyzed aspects.
Keywords: Policy; Protected area; Public use; Ecotourism
Resumen
Propósito del tema: Las políticas y definiciones de ecoturismo abordan básicamente tres aspectos: la conservación del medio ambiente, la concienciación ambiental de los visitantes y la participación de la comunidad local. A partir de ese enfoque, como objetivo se analizaron los resultados de las políticas públicas para el desarrollo del uso público en áreas protegidas.
Metodología y enfoque: El análisis se realizó en dos áreas protegidas, el Parque Estatal de Turismo de Alto Ribeira (PETAR), ubicado en el Estado de São Paulo, en Brasil, y Strathcona Provincial Park, situado en la provincia de British Columbia, en Canadá. El estudio de caso múltiple se utilizó de dos fuentes de evidencia, los documentos de las políticas públicas identificadas, y las entrevistas con los diferentes actores: gobierno, comunidad local y visitantes. El análisis de los documentos y de las entrevistas se realizó mediante la técnica de análisis de contenido. Estas políticas públicas se discutieron a la luz de bases conceptuales sobre áreas protegidas y el uso público, así como sobre los actos normativos acerca del uso público en las áreas protegidas en ambos países. Entre los principales resultados, se destaca que el enfoque de las políticas públicas en las actividades más permisivas, en el caso de Canadá, o en la restricción de las actividades, en Brasil, no es lo más significante para la conservación del medio ambiente.
Originalidad del documento: La política de subcontratación, adoptada en British Columbia y que empieza a desplegarse en São Paulo, ha impactado de manera más directa los tres aspectos analizados.
Palabras clave: Políticas públicas; Áreas protegidas; Uso público; Ecoturismo
1 INTRODUÇÃO
Turismo tem sido uma das principais razões para a criação de áreas protegidas ao redor do mundo, desde o estabelecimento do Yellowstone National Park em 1872 nos Estados Unidos (EUA), reconhecida como a primeira Unidade de Conservação (UC) moderna do mundo (Runte, 2010). Os legisladores americanos buscavam alternativas para o desenvolvimento econômico do que eram percebidas como terras sem valor no oeste do país, e a atividade turística foi sugerida como a melhor opção. Desde então os objetivos das áreas protegidas vêm evoluindo, incluindo também questões relacionadas a proteção da biodiversidade, atendimento as demandas das comunidades locais e conservação de ecossistemas (Watson et al., 2014). O desenvolvimento econômico e o turismo, porém, nunca deixaram de ser prioridades.
O Canadá criou o seu primeiro Parque Nacional (PN) em 1885, o Banff National Park, também localizado no oeste do país. As Unidades de Conservação canadenses seguiram esse mesmo modelo e possuem um caráter voltado para o lazer e a recreação. Porém, o equilíbrio entre recreação e conservação apresenta variações, de acordo com a esfera governamental responsável pela gestão das áreas. Conforme estabelecido em uma das políticas da província de British Columbia, “enquanto os Parques municipais servem como pontos de recreação local, Parques Nacionais colocam a pre-servação como mais importante e Parques Provinciais buscam um equilíbrio entre os dois” (Ministry of Lands and Parks, 1991, p.17, tradução nossa).
Já no Brasil, o primeiro Parque Nacional foi criado apenas em 1937, o PN Itatiaia. Diferentemente do modelo norte-americano, de modo geral as áreas protegidas brasileiras tiveram um foco maior na conservação do meio ambiente, com um modelo de gestão mais voltado para o controle das atividades realizadas no interior das UCs. O desenvolvimento de atividades de lazer e recreação e o fomento ao turismo nessas áreas só começou a se desenvolver nos anos 1980 (Matheus & Raimundo, 2016).
Os dados sobre visitação no sistema de Unidades de Conservação do Brasil e do Canada também sugerem essa diferença de foco. De acordo com o Parks Canada (2017), órgão responsável pela gestão dos parques nacionais canadenses, as áreas protegidas federais receberam mais de 23 milhões de visitantes a lazer na temporada 2015/2016. O BC Parks (2014a), instituição responsável pela gestão das áreas protegidas da província de British Columbia, destaca que 60% dos seus moradores utilizam algum Parque todos os anos.
Já as Unidades de Conservação federais brasileiras, também em 2016 receberam 8,3 milhões de visitantes, o que representou um crescimento de 13,6% em relação a 2014. Tal crescimento tem relação com as políticas públicas, tanto federal quanto estaduais que têm fomentado o ecoturismo como uma ferramenta para a conservação do patrimônio natural e a geração de emprego e renda para as comunidades do entorno das áreas protegidas. Contudo, Canto-Silva e da Silva (2017) apontam que apenas 33,42% dos Parques estão abertos à visitação. O maior percentual de unidades abertas à visitação é observado entre os parques geridos pela esfera federal (45,07%) ou municipal (44,55%), assim como entre aqueles localizados nos biomas Caatinga (40,00%) ou Mata Atlântica (38,91%).
Nesse sentido, o presente artigo teve como objetivo descrever e analisar as políticas públicas de visitação, confrontando os instrumentos utilizados no Canadá e no Brasil e seus resultados para a conservação do meio ambiente das Unidades de Conservação, a conscientização ambiental dos visitantes e o envolvimento das comunidades locais. Tal análise foi realizada por meio do estudo de caso de duas Unidades de Conservação, o Parque Estadual Turístico Alto do Ribeira (PETAR) no Estado de São Paulo, no Brasil, e o Strathcona Provincial Park, na província de British Columbia, Canadá. A escolha dessas áreas protegidas para o estudo de caso teve como um dos principais critérios a representatividade da área frente o sistema de Unidade de Conservação de cada país. Importante destacar também que ambas as áreas estudadas pertencem à mesma categoria de proteção, ou seja, Categoria II (Parks), da IUCN3, mesmo ambos tendo uma administração regional (Estadual no Brasil e Provincial no Canadá).
Por fim, é importante destacar que o objetivo não foi realizar uma comparação entre os modelos, destacando qual é o melhor, mas evidenciar os pontos positivos e negativos de cada um frente a suas realidades e quais lições podem ser aprendidas com as experiências adquiridas. A comparação direta fica prejudicada, tendo em vista as realidades distintas de cada país, com diferenças em suas economias, culturas, sistemas de educação e, até mesmo, sistemas jurídicos.
1 ÁREAS PROTEGIDAS
Áreas protegidas, ou Unidades de Conservação como são mais conhecidas no Brasil, são uma das principais estratégias para a conservação do meio ambiente adotadas internacionalmente (Dudley, 2008; Watson et al., 2014). De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) áreas protegidas são
um espaço geográfico claramente definido, reconhecido, dedicado e gerido, por meios legais ou outros instrumentos eficazes, para garantir a conservação da natureza e dos serviços ambientais e valores culturais associados em longo prazo (Dudley, 2008, p.8, tradução nossa).
De modo a abranger os diferentes tipos de Unidades de Conservação existentes e os seus diferentes objetivos e tipos de uso, a IUCN estabeleceu também seis diferentes categorias de áreas protegidas. Cada uma delas apresenta definições e características específicas, que variam desde aquelas de uso mais restrito (categoria Ia e Ib) até as que admitem uso direto de seus recursos (categoria VI).
A área protegida mais antiga do planeta ainda em operação é o Parque Nacional Bogd Khan Uul, criado na Mongólia em 1778 (Olmos apudJordão, 2011). Entretanto, conforme citado por diversos autores, o Parque Nacional de Yellowstone, decretado em 1872 nos Estados Unidos, pode ser considerado o principal marco das áreas protegidas modernas no mundo (Diegues, 1994; IUCN, 2004). Na sua criação a área foi concebida como “um Parque público ou campo de lazer para o benefício e a recreação das pessoas” (IUCN, 2004, p.10, tradução nossa).
Pouco tempo antes, em 1864, o congresso norte-americano cedeu parte do que hoje é o Yosemite National Park para o Estado da Califórnia para uso público, refúgio e recreação (IUCN, 2004). Schama (1996) enxerga a criação de Yosemite como uma busca por um santuário, um Jardim do Éden, que seria o antídoto para os venenos da sociedade industrial. O autor lembra as descrições de John Muir e as pinturas de Thomas Moran para representar o local como o Parque sagrado do oeste americano, que ajudaram a formar esse conceito de proteção do que se achava ser a natureza intocada. Diegues (1994) cita também a importância dos escritores românticos do século XIX na valorização da natureza selvagem como o paraíso perdido e, consequentemente, na criação de um modelo de áreas protegidas desabitadas, que aceita pessoas apenas como visitantes temporários.
Seguindo o modelo dos EUA, o Canadá transformou uma região das Montanhas Rochosas no Banff National Park, em 1885 (Canada, 2011). O Brasil veio a criar o seu primeiro Parque Nacional apenas em 1937, o Parque Nacional de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, divisa dos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (Urban, 1998).
Os objetivos de criação das áreas protegidas vêm evoluindo desde então e, segundo Runte (2010), incorporando conceitos de proteção da biodiversidade e dos diferentes ecossistemas. Assim, essa evolução se expandiu dos chamados atrativos icônicos, como o vale de Yosemite ou as Cataratas de Iguaçu, com o único objetivo de recreação, para a manutenção da biodiversidade, a pesquisa científica, a reprodução da fauna e flora, a manutenção de valores culturais, a utilização sustentável dos recursos, entre outros objetivos (Oliveira, 2008). Porém, a definição ainda carrega valores do século XIX, principalmente no que diz respeito à exclusão ou à permanência de moradores no interior dessas áreas.
No Brasil, as áreas protegidas são regidas pela Lei Federal n.º 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O objetivo dessa Lei foi consolidar todos os atos normativos referentes às áreas protegidas que já existiam no Brasil, bem como modernizar a gestão e o manejo das Unidades de Conservação do país (São Paulo, 2009).
Com o SNUC foi possível homogeneizar os conceitos de áreas protegidas no Brasil, que é entendida como:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (Brasil, 2000).
As Unidades de Conservação são divididas em dois grandes grupos no Sistema Nacional: as de Proteção Integral, cujo objetivo é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na Lei; e as de Uso Sustentável, que visam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Algumas dessas categorias são similares àquelas propostas pela IUCN, como Parques Nacionais e Monumento Naturais. Outras, como as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Extrativistas, podem ser entendidas como variações da categoria VI da IUCN, Managed Resource Protected Area.
A coordenação do SNUC é realizada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio dos seus órgãos executores, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em 2016, de acordo com o levantamento da World Database of Protected Areas, o Brasil possuía 2.190 Unidades de Conservação entre todas as esferas de governo, o que representa uma proteção de 28,94% do total do território terrestre nacional (UNEP-WCMC, 2016).
De modo similar, no Estado de São Paulo, foi instituído o Sistema Estadual de Florestas - SIEFLOR por meio do Decreto Estadual n.º 51.453/2006. O Sistema Estadual engloba aproximadamente 140 Unidades de Conservação, desde as primeiras áreas protegidas concebidas pelo Estado, como o atual Parque Estadual Alberto Loefgren, antigo Horto Florestal, criado em 1896, até o Parque Estadual Nascentes do Paranapanema, criado em 2012. Com a instituição do SIEFLOR, a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal (FF) passou a gerir as principais categorias de UC estaduais, sendo responsável pela gestão de 94 unidades, incluindo o PETAR, objeto de estudo deste trabalho.
Já o Canadá possui um sistema de Unidades de Conservação quase tão antigo quanto o estadunidense, com a criação do primeiro Parque Nacional em 1885. Além disso, o Canadá foi o primeiro país a criar uma agência específica para gestão dos seus Parques Nacionais e outras categorias de áreas protegidas, a Parks Canada, fundada em 1911 sob o nome de Dominion Parks Service (Canada, 2011).
O Canadá reconhece e adota a definição e o modelo de áreas protegidas proposto pela IUCN, apesar de possuir algumas categorias específicas. Nesse país as áreas protegidas federais são gerenciadas, de forma integrada, por três órgãos distintos, a saber (Environment Canada, 2013): a) Environment Canada, responsável pelo gerenciamento das National Wildlife Areas e Migratory Bird Sanctuaries; b) Fisheries and Oceans Canada, gerencia as Marine Protected Areas, entre outras ações para a melhoria dos ecossistemas marinhos; e c) Parks Canada, instituição responsável pela gestão dos National Parks e National Marine Conservation Areas.
Cada uma dessas instituições possui sistemas integrados de gestão das áreas protegidas sob sua responsabilidade, chamados de Network of Protected Areas, que têm por objetivos planejar, implantar e gerenciar essas áreas de uma forma sistêmica e mais eficiente.
O Canadá abrigava 7.642 áreas protegidas em 2016, de acordo com dados da UNEP-WCMC (2016). Apesar de ser um número bastante superior ao brasileiro, ele representa apenas 9,69% do total do território do país, contra quase 30% no Brasil.
Assim como o Brasil, o Canadá também possui áreas protegidas em outras esferas governamentais. Porém, tendo em vista a nomenclatura das subdivisões políticas do país, são chamados de Provincial Protected Areas. O Strathcona Provincial Park, objeto do estudo de caso deste trabalho, localizado na província de British Columbia, é administrado pelo BC Parks. O BC Parks é a instituição responsável pela criação, gestão e conservação do sistema de Ecological Reserves, Provincial Parks e Recreation Areas localizadas na província de British Columbia. Esse sistema é formado por mais de 1.000 áreas protegidas pertencentes às diferentes categorias citadas, o que representa 14,4% do território da província (BC Parks, 2014b).
Destacamos, a seguir, as políticas públicas ligadas a visitação (uso público) nessas áreas.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO USO PÚBLICO EM ÁREAS PROTEGIDAS
Existe uma ampla discussão em torno do tema políticas públicas. Souza (2006) destaca os principais pontos debatidos na literatura:
Política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes; a política pública é abrangente e não se limita a leis e regras; e a política pública é uma ação intencional, com objetivos e metas a serem alcançados (p.36).
De modo direto e resumido, neste artigo, política pública é entendida como as ações do governo para a gestão de temas específicos, nesse caso, as ações do governo para desenvolver o uso público nas Unidades de Conservação. Essas ações são formalizadas e materializadas por meio dos atos normativos, programas e projetos implantados pelo Estado.
Similarmente, uso público em Unidades de Conservação pode ser entendido de diferentes formas, dependendo do tipo de público avaliado: turistas, comunidade local, pesquisadores, escolas, etc. No Brasil, as políticas de uso público têm um grande foco em atividades turísticas, ou seja, voltadas para o lazer de pessoas que não tem a Unidade de Conservação como seu uso habitual. De modo geral as políticas usam o termo ecoturismo para identificar o tipo de atividade que pretendem regulamentar (Matheus & Raimundo, 2015). A definição de ecoturismo adotada no Brasil e utilizada por grande parte das políticas de uso público em Unidades de Conservação é apresentada no documento “Diretrizes para uma política nacional de ecoturismo” é:
(...) um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações (Brasil, 1994, p.19).
Essa definição é bastante similar à utilizada pela Organização Mundial de Turismo e por outras organizações internacionais, e possui três componentes principais: conservação do meio ambiente; conscientização ambiental dos visitantes; e envolvimento das comunidades locais (São Paulo, 2010a). O quadro 1, sistematiza as políticas públicas sobre uso público adotadas no Brasil, com uma indicação de suas principais regulamentações e que incidem diretamente no parque escolhido para servir de estudo de caso: PETAR.
Além das normas federais e estaduais, o PETAR possui instrumentos próprios que normatizam as atividades de uso público em seu interior. Apesar de o Parque ter sido um dos primeiros a serem criados no Estado de São Paulo, em 1958, apenas nos últimos anos foram elaborados os seus principais documentos normatizadores, como o seu Plano de Manejo e o Plano de Gerenciamento de Riscos e Contingências para Emergências, finalizados em 2010, bem como os Planos de Manejo Espeleológico, em 2012. O PETAR conta também com um Conselho Consultivo, criado em 2001 e regulamentado, atualmente, por meio da Portaria Fundação Florestal n.º 313/2013.
Com relação ao Canadá, salienta-se que a Parks Canada possui diversos atos normativos que regulam o uso público e demais atividades relacionadas nas áreas protegidas sob sua administração. Entre as principais regulamentações federais, destacam-se: Parks Canada Agency Act; Canada National Parks Act; e National Parks General Regulations.
Contudo, diferentemente do Brasil, as áreas protegidas estabelecidas pelas províncias canadenses não estão sujeitas aos atos normativos federais, devendo seguir apenas a legislação provincial.
Os atos normativos identificados que estabelecem a política pública para o desenvolvimento do uso público nos Parques da província de British Columbia estão apresentados no quadro 2.
Da mesma forma como acontece com o PETAR, o Strathcona Provincial Park possui instrumentos próprios de gestão, além daqueles da província. O principal deles é o seu Plano de Manejo, elaborado em 1993, tendo sido revisado duas vezes desde então, em 2001 e 2010, respectivamente. O parque também possui um Conselho Consultivo, denominado Strathcona Park and Strathcona-Westmin Public Advisory Committee (SPPAC), que tem como objetivo prover conselhos sobre a gestão e o manejo de ambas as UCs.
3 METODOLOGIA
A pesquisa se baseou em estudo de casos múltiplos, uma vez que desta forma é possível confrontar os resultados obtidos e, também, ter uma maior precisão nas análises (YIN, 2010). Os dois casos escolhidos para o desenvolvimento dos estudos, conforme mencionado anteriormente foram: o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), uma das unidades mais representativas do Sistema Estadual de Florestas do Estado de São Paulo (SIEFLOR), no Brasil; e o Strathcona Provincial Park, na província de British Columbia, escolhido para exemplificar o modelo de áreas protegidas do Canadá, com grande quantidade de atividades e produtos ofertados é o Parque mais antigo do sistema da referida província.
Baseada na técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2012) que se vale de indicadores objetivos e quantitativos para a análise dos textos (Richardson, 1999), foram estabelecidas “unidades de registro” ligadas aos objetivos desse artigo, ou seja, analisar as políticas públicas para o desenvolvimento do uso público em UCs. Tal unidade de análise foi composta por três elementos básicos que formam esse tipo de política pública e que estão relacionadas ao conceito de ecoturismo, são elas: a) conservação do meio ambiente; b) envolvimento das comunidades locais; e c) conscientização ambiental dos visitantes.
As fontes de evidência utilizadas para o levantamento de dados foram os documentos das políticas públicas, destacados no Item 3, e entrevistas. Optou-se pela utilização de duas fontes, pelo fato de o estudo de caso possuir uma “capacidade de lidar com uma completa variedade de evidências - documentos, artefatos, entrevistas e observações" (Yin, 2010, p.19). Essa escolha teve como objetivo mesclar provas quantitativas e qualitativas, onde, de modo geral, as informações quantitativas serviram para verificar, embasar e validar os dados qualitativos.
A análise das fontes de evidência (análise de conteúdo) foi desenvolvida com o auxílio do software NVivo, versão 10. A utilização desteprograma contribuiu para organizar as informações do corpus e das entrevistas, especialmente para o desenvolvimento das etapas de codificação, estabelecimento das regras de enumeração e categorização. O corpus foi composto por todos os documentos relacionados com a política de uso público em Unidades de Conservação identificados, de acordo com a regra da exaustividade (Bardin, 2012).
Por meio das entrevistas pretendeu-se compreender e mensurar o envolvimento da comunidade local com as áreas protegidas, o nível de consciência ambiental dos visitantes e o estado de conservação do meio ambiente, a partir das percepções dos entrevistados. As entrevistas foram escolhidas por se configurarem como uma das fontes de pesquisa mais importantes dos estudos de caso, uma vez que elas possibilitam capturar a visão dos participantes diretamente envolvidos com os casos escolhidos (Yin, 2010).
Foram realizados dois tipos de entrevistas: quantitativas e qualitativas. A pesquisa qualitativa foi aplicada por meio de um instrumento de coleta de informações semiestruturado, elaborado com base nos resultados encontrados a partir da análise de conteúdo dos documentos. A entrevista semiestruturada foi escolhida por permitir que o entrevistado “discorra sobre o tema em questão, sem se prender à indagação formulada” (Minayo, 2010, p.261). Ao todo foram realizadas 19 entrevistas, incluindo representantes das instituições responsáveis pela gestão das UCs, organizações não governamentais, prefeituras locais e membros das comunidades.
Já a pesquisa quantitativa foi realizada por meio de um instrumento de coleta de informações estruturado (formulário). Ela foi realizada junto aos visitantes do PETAR e do Strathcona Provincial Park. A amostra foi definida por saturação, ou seja, quando os dados obtidos podem ser considerados redundantes ou repetitivos, não sendo considerado relevante continuar na coleta de dados (Fontanella et al., 2008). Tendo em vista que não é possível dimensionar quantas entrevistas são necessárias para atingir a saturação, a pesquisa de campo foi planejada de acordo com o proposto por Guest et al. (2006), que sugere que os resultados podem ser considerados repetitivos após a realização de seis a 12 entrevistas. Resultados esses também comprovados por Thiry-Cherques (2009). Dessa forma, foram realizadas 12 entrevistas em cada Parque, totalizando 24 visitantes. Ressalva-se que a opção pelo estabelecimento da amostra por saturação foi realizada uma vez que não se pretendia expandir os resultados obtidos para o universo tratado, mas sim conhecer as opiniões e percepções dos visitantes sobre as unidades de análise.
4 RESULTADOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A partir dos resultados obtidos pela análise de conteúdo das políticas públicas foi possível perceber características marcantes nas ações desenvolvidas no Estado de São Paulo e na província de British Columbia. Uma das características mais marcantes e que repercute em todas as tomadas de decisões sobre as áreas protegidas da província canadense diz respeito ao foco duplo da política do BC Parks, que prima tanto pela conservação quanto pela recreação. Conforme estabelecido na política Striking the Balance, os “Parques são reservados para recreação... mas também para conservação. Eles têm tanto um papel na atração de turistas... quanto na preservação da natureza” (Ministry of Lands and Parks, 1991, p.7, tradução nossa).
Outro elemento diagnosticado com relação à gestão das áreas protegidas de BC, diz respeito à pequena quantidade de atos normativos existentes, especialmente relacionados ao uso público. Tal fato foi também uma das conclusões da auditoria conduzida pela província sobre o Ministério do Meio Ambiente, incluindo o BC Parks, (British Columbia, 2010b). Soma-se a isso o fato dos instrumentos de gestão dessas áreas serem datados. Com exceção do BC Parks Program Plan 2007-2012, os demais marcos legais foram elaborados há mais de 20 anos.
Porém, um dos principais aspectos das ações desenvolvidas pelo governo de British Columbia não fica evidenciado pela análise de seus atos normativos. Esse aspecto é a terceirização dos serviços de uso público e de recreação nos Parques. Conforme aponta Eagles et al. (2010, p.1246), desde 1989 o governo de BC mudou do chamado “modelo de gestão de Parques Nacionais” (tradução nossa) para o “modelo combinado de gestão pública e organizações com fins lucrativos” (tradução nossa). O modelo de gestão de Parques Nacionais pode ser entendido como aquele onde a propriedade da terra, os investimentos, a manutenção e a gestão são de responsabilidade do governo, custeados principalmente por meio dos impostos. Já o modelo combinado de gestão pública e organizações com fins lucrativos é aquele em que o órgão estatal de gestão das UCs utiliza empresas privadas para prover serviços de recreação e turismo, normalmente justificado em razão da eficiência (Eagles, 2009).
Assim, desde 1989 os serviços de recreação e turismo ofertados nas áreas protegidas da província, principalmente relacionados à hospedagem, são operados por empresas privadas, chamados de Park Facility Operators, por meio de contratos estabelecidos por regiões de British Columbia. As empresas são responsáveis pela manutenção, operação e gestão desses serviços, bem como pelo atendimento ao público, pela cobrança das taxas e, em alguns casos, por programas de interpretação ambiental e de informação aos usuários (Eagles et al., 2010).
A princípio, esse novo modelo trouxe resultados positivos, pelo menos em termos quantitativos, para o sistema de áreas protegidas de BC, possibilitando um aumento de, aproximadamente, 400 áreas protegidas e 20 milhões de visitantes em 1990 para 800 áreas protegidas e 25 milhões de visitantes no começo dos anos 2000 (British Columbia, 2001). O número de áreas protegidas continua aumentando, sendo que dados mais recentes do BC Parks (2016) apontam que a província alcançou 1.029 Unidades de Conservação em 2015. Por outro lado, o número de visitantes apresentou uma queda no final da década de 2000 e se mantém estável desde então, em torno de 21 milhões, apesar do crescimento do número de Parques (BC Parks, 2016). Porém, além dos números, o novo modelo também teve impacto significativo nas três unidades de análise da presente pesquisa, que estão apresentados nos próximos itens.
Diferente dos parques de BC, as políticas de uso público do estado de São Paulo têm um foco maior na conservação do meio ambiente. Mesmo quando tratam da visitação, os documentos mencionam prioritariamente atividades de interpretação e educação ambiental. Além disso, grande parte das normas, especialmente as Portarias Normativas da Fundação Florestal, tem como objetivo o controle das atividades de uso público no interior das unidades, como o rafting e o passeio de bicicleta. Esse controle de atividades de uso público também é estabelecido pelas UCs, por meio dos seus próprios instrumentos normativos, tais como os planos emergenciais para visitação nas cavernas do PETAR. No PETAR, Lobo (2015) apontou uma série de impactos negativos que geram consequências danosas ao espeleoturismo. Contudo, segundo esse autor, os impactos negativos não devem ser tomados como impedimentos para o turismo em cavernas. Para ele, conhecer tais impactos é a chave para respostas prévias que permitem a ampliação da sustentabilidade das cavernas turísticas.
As políticas paulistas também se valem muito do termo ecoturismo, para se referir ao uso público em áreas protegidas, ao invés de recreação ou lazer. Nesse sentido, as políticas deixam claro que o objetivo das UCs é atender as demandas de uso público de turistas e excursionistas, normalmente provenientes de grandes centros urbanos, e não das comunidades locais (Matheus & Raimundo, 2015). Esse aspecto será melhor debatido no item envolvimento das comunidades locais.
Assim como aconteceu em BC no final da década de 1980, as terceirizações vêm ganhando cada vez mais importância no estado de São Paulo. Dois atos normativos apontam a intenção do governo de São Paulo de aumentar a presença da iniciativa privada na gestão das áreas protegidas, principalmente por meio da oferta de serviços de uso público, são eles: o Decreto Estadual n.º 57.401/11, que estabelece o Programa de Parcerias para as Unidades de Conservação; e a Lei Estadual n° 16.260, de 29/06/2016, que propõem a concessão de uso remunerado, por até 30 anos, de 25 Unidades de Conservação estaduais. O Programa de Parcerias traz poucas novidades em termos legais para a celebração de contratos entre a iniciativa privada e o poder público, que já são regidos pela Lei Federal n.º 8.666/93. Entretanto esta Lei apresenta uma proposta mais agressiva de terceirizações, ao propor o aumento do prazo da concessão de uso remunerado de 5 para 30 anos, com o objetivo de atrair parceiros privados para a construção, manutenção e operação de estruturas de uso público, como já haviam destacado Matheus & Raimundo (2015).
Os textos dessas normas, de modo geral, incluem artigos que estabelecem objetivos de garantir a participação das comunidades locais nas concessões e parceiras com UCs, bem como a geração de emprego e renda. No entanto, esses objetivos são contrários ao disposto na Lei Federal n.º 8.666/93, que estabelece a igualdade de condições entre as empresas sediadas no território brasileiro para firmar contratos com o poder público.
Conforme mencionado anteriormente, o uso público em Unidades de Conservação brasileiras começou a ganhar mais importância nos últimos anos, quando ecoturismo começou a ser entendido como uma estratégia de conservação. Tal constatação também é ratificada pela análise das datas dos marcos legais aqui apresentados. A maior parte dos atos normativos identificados foram editados após a aprovação do SNUC, em 2000, sendo que uma parte significativa das políticas estaduais paulistas foi formalizada após a instituição do SIEFLOR em 2006.
A análise de conteúdo dos documentos identificados permitiu uma avaliação quantitativa das políticas públicas que incidem sobre os dois casos avaliados. Entretanto, uma análise quantitativa isolada não é suficiente para confirmar o foco e o objetivo das políticas públicas. Nesse sentido, a partir dos próximos itens, são apresentadas individualmente as três unidades de análise escolhidas, acrescidas por informações qualitativas.
4.1 Conservação do meio ambiente
A primeira unidade de análise a ser apresentada é aquela percebida como principal foco das políticas públicas vigentes no Estado de São Paulo, a conservação do meio ambiente.
Apesar de não existir nenhum programa de monitoramento contínuo da qualidade ambiental das Unidades de Conservação ou dos impactos causados nas áreas protegidas, a percepção geral dos entrevistados é de que a conservação do meio ambiente tem melhorado no PETAR. Todos os atores questionados nas pesquisas qualitativas, bem como os visitantes abordados na sondagem de opinião, analisaram esse aspecto de forma positiva.
Por outro lado, esse grande foco na conservação do meio ambiente pode ser entendido como restritivo ao desenvolvimento de atividades que seriam compatíveis com os objetivos da área protegida. O entrevistado de uma organização de espeleologia entende que as novas normas de visitação às cavernas são excessivamente restritivas e podem comprometer a atividade turística no entorno do Parque. Segundo ele, esse excesso pode prejudicar o envolvimento da comunidade local, principalmente daquelas pessoas inseridas na cadeia produtiva do turismo, além de não respeitar o estabelecido em outros marcos legais, como a Resolução SMA n.º 59/2008, art. 2º, inciso I, “compatibilização do uso público com a proteção dos recursos naturais e os processos ecológicos inseridos nas Unidades de Conservação”.
Apesar dos resultados positivos para a conservação, não é possível afirmar que essa melhoria é consequência direta das ações do governo. O entrevistado de uma empresa de turismo local declara que a redução dos impactos no PETAR é decorrência de um processo natural de conscientização da sociedade, e não fruto de uma ação direta da Unidade de Conservação.
O Plano de Manejo do Parque (São Paulo, 2010b) apresenta dados que comprovam que as ações de fiscalização desenvolvidas pela gestão do Parque e pela polícia ambiental diminuíram nos últimos anos, assim como o número de apreensões de equipamentos de caça e pesca e de palmito extraído no interior da UC. Exemplo disso é a redução do número de quilômetros rodados em ações de fiscalização, que caiu de quase 100 mil km em 1998 para 455 km em 2009.
Assim como no Brasil, o Parque canadense não possui um sistema de monitoramento dos impactos ou do nível de conservação dos ambientes por ele protegidos. Porém, os atores locais entrevistados, de modo geral, declararam que os impactos negativos no Strathcona Provincial Park apresentaram um aumento nos últimos anos. Vestígios de fogueira e rastros de trenós de neve motorizados podem ser encontrados em áreas não permitidas, além de impactos nas estruturas de visitação, consequência do uso intensivo em outras áreas do Parque. De acordo com os entrevistados de organizações não-governamentais esse aumento dos impactos é resultado da falta de fiscalização.
Os funcionários do BC Parks também afirmaram que a falta de recursos, tanto humanos quanto financeiros, é uma das principais razões pela queda da qualidade da conservação do ambiente e da manutenção das estruturas de uso público. O número de funcionários da instituição apresentou uma redução significativa nos últimos anos, assim como o seu orçamento. Do total dos funcionários, apenas 12 são guardas-parque, responsáveis pela fiscalização de mais de 1.000 áreas protegidas distribuídas pela província. Durante o verão, a instituição contrata 87 guardas-parque temporários para auxiliar nas atividades da alta temporada (BC Parks, 2013).
A entrevista com os funcionários envolvidos com a gestão do Parque resume os desafios de administrar uma área protegida que precisa conciliar as atividades recreativas com a conservação do patrimônio natural. De acordo com eles, a recreação vai impactar os valores de conservação. Porém, eles defendem a importância de as unidades serem abertas à visitação, pois quando o público é excluído, o apoio aos Parques diminui.
É importante ressalvar que a avaliação dos resultados das políticas para a conservação do ambiente fica comprometida, uma vez que os dois sistemas de UC não dispõem de ferramentas de monitoramento. Para McCool (1996), o monitoramento periódico e sistemático é essencial para o planejamento, justamente por possibilitar o registro formal das alterações dos recursos naturais ao longo do tempo e não depender de percepções informais dos envolvidos com as áreas protegidas.
Contudo, é possível perceber que o estado de conservação do meio ambiente no Parque canadense está abaixo das expectativas dos entrevistados e que os impactos negativos causados pelo uso público têm aumentado nos últimos anos. Documentos e estudos consultados, como o relatório da auditoria realizada no Ministério do Meio Ambiente de British Columbia (British Columbia, 2010b), reafirmam esse fato. Fica claro também que o aumento desses impactos negativos tem uma relação maior com a falta de fiscalização, reflexo da diminuição dos recursos humanos e financeiros, do que com o tipo de uso público. Ainda assim, os impactos se limitam a vestígios de fogueiras e de utilização de equipamentos motorizados em locais não permitidos, o que pode ser considerado pequeno, dado o alto número de visitantes e a baixa quantidade de guardas-parque para fiscalização, apenas um funcionário para 100 UCs, em média.
Por sua vez, o meio ambiente protegido pela UC paulista apresenta um bom estado de conservação, de acordo com a percepção dos entrevistados. No entanto, os efeitos das políticas de terceirizações já aparecem, conforme mostrado anteriormente, com uma grande redução nas ações de fiscalização, o que pode comprometer os valores de conservação em um futuro próximo. As atividades de uso público não foram citadas em nenhum momento como um vetor de pressão sobre a conservação, pelo contrário, o controle parece ser excessivo e, mais do que contribuir para a conservação, ele restringe as opções econômicas para a comunidade local, bem como o desenvolvimento de ações de interpretação ambiental por meio da recreação.
4.2 Envolvimento das comunidades locais
O envolvimento das comunidades locais é a unidade de análise que menos aparece nos documentos das políticas públicas. Além disso, é importante ressaltar a diferença de interpretação desse tema nos dois países. No Brasil, tanto as políticas públicas quanto os atores entrevistados citam a importância de envolver as comunidades locais nas oportunidades econômicas criadas pelo Parque, principalmente relacionadas ao ecoturismo. Assim, o envolvimento é entendido como a geração de emprego e renda para as comunidades que residem nas regiões onde o Parque se insere. Por outro lado, no Canadá, o envolvimento é entendido, de modo geral, como as oportunidades de lazer e recreação ofertadas para as populações que vivem próximas às áreas protegidas. Ou seja, os Parques têm um papel importante nas políticas como estratégia de aumentar a qualidade de vida dos moradores locais.
Essas concepções são reflexo direto das realidades socioeconômicas e culturais de cada país, que são retratadas em suas políticas públicas. No Canadá, os Parques provinciais são espaços utilizados, tipicamente, pela população residente em seus arredores. Dados disponibilizados na entrevista com o Strathcona Wilderness Institute, responsável pelo atendimento nos centros de visitantes do Parque, revelam que 45% das pessoas que passaram por esses locais em 2012 eram residentes do entorno da UC e outros 30% residiam em Vancouver Island, macro-região onde a mesma está inserida. Já o PETAR é mais utilizado por turistas e excursionistas que, de acordo com os registros do Parque, compõem 95% dos seus visitantes (São Paulo, 2014a).
Ambos os sistemas de Unidades de Conservação estabelecem diversas formas de envolvimento das populações locais, tanto em relação à geração de emprego e renda, quanto ao aumento da qualidade de vida, além da participação na gestão das unidades. Porém, fica claro o enfoque de cada um dos locais estudados. Assim, essa unidade de análise será avaliada sob estes três prismas: geração de emprego e renda; aumento da qualidade de vida; e participação na gestão, apresentados a seguir.
No caso do Parque paulista, as comunidades mais afetadas são aquelas residentes nos municípios onde a UC se insere, Apiaí e Iporanga. Os núcleos Santana e Ouro Grosso estão localizados dentro do bairro da Serra, em Iporanga. Outro bairro com bastante ligação com o Parque é o Betari, localizado às margens da estrada que dá acesso aos núcleos citados. Conforme apontado por quase todos os entrevistados, os dois bairros dependem diretamente da atividade turística motivada pelo PETAR.
Mais um elemento que atesta a importância do turismo para a região é o número de monitores ambientais cadastrados pelo PETAR. De acordo com a entrevista realizada com os funcionários da UC, o cadastro de monitores ambientais aptos a prestar serviços no interior do Parque possui mais de 300 pessoas registradas. Tais dados confirmam a importância da monitoria ambiental como uma das principais oportunidades de emprego nas localidades próximas ao Parque.
Outras ações diretas para a geração de emprego e renda para as comunidades locais são as terceirizações da lanchonete e da loja de artesanato, construídas em 2010. No momento da inauguração do novo centro de visitantes, foi celebrada uma autorização de uso para a administração desses espaços para a Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Bairro Garcias e para a Associação dos Artesãos de Apiaí - Custódia de Jesus da Cruz, ambas sediadas no município de Apiaí (São Paulo, 2013). Porém, iniciativas desse tipo esbarram na Lei Federal n.º 8.666/93, já citada anteriormente, que garante a igualdade de condições a todos os interessados em celebrar contratos com o governo. Dessa forma, a FF optou por realizar uma licitação desses espaços, conforme declarado pelos funcionários do Parque, sendo que os mesmos se encontravam fechados em 2014.
Esse conflito entre as legislações ambientais e a Lei n.º 8.666/93 com relação às possibilidades de concessão dos espaços públicos geram expectativas irreais nas populações tradicionais, que vislumbram oportunidades econômicas nas Unidades de Conservação. Exemplo disso é o art. 10º da Resolução n.º SMA 59/2008, que diz que “atividades de uso público nas Unidades de Conservação poderão ser desenvolvidas por comunidades tradicionais locais em conformidade com o que dispuser o Plano de Manejo e demais disposições legais que tratem da matéria” (São Paulo, 2008). A própria redação do artigo estabelece esse conflito, na medida em que as disposições legais que tratam da matéria não permitem o direcionamento da concessão dos serviços para as comunidades tradicionais.
Com relação ao Strathcona Provincial Park, não existe um foco das políticas públicas para a geração de emprego e renda para as comunidades do seu entorno. No entanto, o Parque não deixa de gerar benefícios econômicos para a região, por meio, principalmente, da exploração de atividades de recreação em seu interior.
Um estudo sobre os impactos econômico dos Parques no Canadá (Canadian Parks Council, 2011), envolvendo as instituições provinciais, aponta que, para cada CA$4 1 investido pelo BC Parks nas áreas protegidas, CA$ 8,42 são gastos pelos visitantes na região em serviços e produtos como hospedagem, alimentação, transporte etc. O mesmo estudo aponta que, em 2009, os recursos públicos para investimentos e custeio das áreas protegidas de BC e os gastos dos seus visitantes geraram 4.336 postos de trabalho na província, 80% deles resultado dos gastos dos turistas. Em função do efeito multiplicador do turismo, ainda de acordo com o mesmo estudo, outros 1.000 empregos foram gerados em outras localidades do país.
Embora o Parque seja um importante atrativo de turistas e excursionistas para a região, foram identificados poucos estabelecimentos comerciais e profissionais que trabalham diretamente com a UC nas cidades de entorno. Segundo entrevista realizada com o Centro de Visitantes de Campbell River, não existem guias turísticos que atuam na área protegida e poucos meios de hospedagem na região usam o Parque como forma de atrair clientes e possuem autorizações para a exploração de trilhas e outras atividades de ecoturismo no seu interior.
O segundo aspecto a ser avaliado, dentro dessa unidade de análise, é o impacto das Unidades de Conservação na qualidade de vida das comunidades locais. Tendo em vista a amplitude do tema qualidade de vida e dado o objeto do presente trabalho, as análises se limitaram às questões relacionadas ao uso público.
Conforme já mencionado, as políticas públicas paulistas pouco abordam o tema oportunidades de recreação, seja para a população local, seja para os turistas, focando sempre na conservação do meio ambiente e na educação ambiental. A única ação governamental formalizada identificada para incentivar o uso das Unidades de Conservação por parte das populações do entorno foi a isenção da cobrança de ingressos, estabelecida pela Portaria Normativa FF n.º 191/2013, art. 10, inciso XI. Entretanto, funcionários do PETAR entrevistados afirmaram que tal política não resultou no aumento do número de visitantes da localidade na UC.
De acordo com os representantes das prefeituras locais e empresas de turismo, a restrição nas regras de visitação à unidade foi responsável pela diminuição da participação da comunidade local na mesma. A exigência de acompanhamento de monitores ambientais e a proibição de realizar churrascos e consumir bebidas alcoólicas no interior do PETAR fizeram com que esses visitantes deixassem de ir à UC. Soma-se a isso a dificuldade de acesso por conta das más condições das estradas e da falta de opções de transporte público.
Já o governo canadense desenvolve mais ações para incentivar o uso das Unidades de Conservação por parte dos moradores locais. Além disso, atividades ao ar livre e visitas a áreas protegidas fazem parte da cultura local, em que 60% dos cidadãos utilizam Parques frequentemente. A pesquisa de sondagem de opinião com os visitantes do Strathcona Park revela que diversos entrevistados realizavam atividades rotineiras, como passear com o cachorro e correr, demonstrando um tipo de uso diferente daquele que ocorre no Brasil. Ou seja, a pesquisa quantitativa sugere que o Parque tem uma grande importância para a qualidade de vidas das pessoas que residem na região, justamente por oferecer oportunidades de recreação em um ambiente conservado.
O último aspecto analisado em relação ao envolvimento da comunidade local diz respeito à participação na gestão da UC. Nos dois sistemas de áreas protegidas o Conselho Consultivo é o principal meio de participação da sociedade civil na gestão dos Parques, com diferenças significativas entre si.
No Brasil, a legislação federal exige a criação do Conselho Consultivo em todas as UCs, com representação paritária entre órgãos públicos e sociedade civil, incluindo representantes da população do entorno e da população tradicional. A paridade é uma forma de buscar o equilíbrio no Conselho, porém, apenas números iguais de representantes do governo e da sociedade civil não garantem condição de igualdade, (Mussi, 2007). Geralmente, as atividades do Conselho fazem parte do expediente dos funcionários públicos, que têm maior acesso aos dados e às informações e possuem suporte logístico, como transporte e ajuda de custo. Já a maioria dos representantes da sociedade civil não tem apoio em nenhum desses aspectos.
O Conselho Consultivo do PETAR se reúne bimestralmente, desde sua criação em 2008, e trata de diversas questões relacionadas à gestão do Parque (São Paulo, 2010b). De acordo com os funcionários da FF, esse instrumento é bastante efetivo e possibilita a participação da comunidade. Porém, entre os entrevistados da sociedade civil que fazem parte do Conselho Consultivo, a primeira percepção é de que eles não participam da gestão do PETAR, apenas do Conselho. Entrevistados criticaram o fato de o mesmo ser apenas consultivo e que, em alguns casos, as decisões são tomadas na sede da FF, sem a participação dos atores locais envolvidos. Além do Conselho Consultivo, é importante destacar a participação da sociedade civil na elaboração dos instrumentos de gestão da unidade. De acordo com registros do Plano de Manejo (São Paulo, 2010b), foram realizados mais de 30 dias de reuniões e oficinas, que contaram com a participação de 595 pessoas durante a sua elaboração. Com relação aos Planos de Manejo Espeleológico (São Paulo, 2012), foram realizadas 10 reuniões de planejamento participativo, além da criação de um website e a publicação de informativos para divulgação dos resultados parciais das pesquisas. Nota-se uma preocupação dos executores dos Planos em envolver, de alguma forma, a sociedade civil na elaboração dos instrumentos que tem influência direta na região. Essa mesma preocupação não foi identificada com relação à elaboração dos atos normativos aqui avaliados, elaborados, na maior parte das vezes, na sede da FF, com o objetivo de ser aplicável a todas as Unidades de Conservação por ela administradas.
A realização de reuniões e a divulgação dos resultados desses Planos denotam um maior comprometimento com a publicidade das ações realizadas. A transparência, conforme estabelecido por Graham et al. (2003), é parte integrante da prestação de contas, um dos cinco princípios da boa governança de áreas protegidas. Porém, essa transparência não se aplica às demais ações realizadas pela FF, ficando restrita apenas aos Planos de Manejo. Inexistem publicações sistemáticas sobre a gestão das UCs, que apresentem informações sobre os orçamentos das Unidades de Conservação, os recursos arrecadados com ingressos e a venda de produtos florestais, o número de funcionários, entre outras questões. Estão disponíveis apenas publicações esporádicas sobre projetos específicos, na maioria das vezes retratando as ações positivas desenvolvidas (SÃO PAULO, 2013).
O Strathcona Park Public Advisory Committee, por outro lado, tem um regulamento e um funcionamento diferente dos Conselhos Consultivos brasileiros. Ele possui um número menor de membros, escolhidos por suas competências pessoais, e não como representantes de grupos de interesse. Os encontros ocorrem de três a quatro vezes por ano e tratam de diversos temas relacionados com a gestão da UC.
O Strathcona Park é a única área protegida de British Columbia a contar com um Conselho formalizado, com regulamento próprio e membros definidos. Na opinião dos funcionários do BC Parks entrevistados, a existência do Conselho é benéfica, por possibilitar o diálogo com os interessados, porém, sua operacionalização consome muitos dos escassos recursos humanos da instituição. Já a opinião dos entrevistados das ONGs que atuam na região é de que, embora o Conselho seja formalizado, ele não é efetivo, no sentido de que as ações do governo não respeitam as decisões tomadas nesse fórum, como aconteceu no caso da concessão de autorização para exploração da cavalgada por parte de um resort local.
Todos os entrevistados concordam, porém, que a elaboração do Plano de Manejo contou com uma grande participação da sociedade. Funcionários do Parque declararam que esse é um ótimo exemplo de um processo efetivamente engajador, do ponto de vista comunitário, que levou quase 10 anos para ser concluído. Os representantes do Friends of Strathcona concordam com essa afirmação e disseram também que as duas primeiras revisões do Plano de Manejo mantiveram essa diretriz participativa. Porém, de acordo com eles, a última emenda, realizada em 2010, não proporcionou uma participação adequada.
Com relação à transparência, o BC Parks publica, desde 2009, um relatório anual contendo os principais dados sobre a gestão das Unidades de Conservação e sobre a instituição, como orçamento, receita, número de autorizações emitidas, número de visitantes, entre outros. Segundo McCutcheon (2009, p.83), a publicação do primeiro relatório “representou um marco no nível de transparência e prestação de contas aos cidadãos com relação à aplicação dos recursos públicos” (tradução nossa).
A transparência, como citado anteriormente, está diretamente relacionada com o princípio da boa governança de áreas. Entretanto, Eagles (2009) demonstra que o modelo combinado de gestão pública e organizações com fins lucrativos, adotado em British Columbia, figura entre os mais mal avaliados em relação aos critérios de boa governança. Nesse sentido, nota-se que a mudança do modelo de gestão impactou negativamente o envolvimento da comunidade local. A percepção dos entrevistados sobre a falta de voz do Conselho Consultivo e relação dos frequentadores apenas com funcionários das empresas terceirizadas contribuem para essa conclusão. O Strathcona Provincial Park parece assumir um importante papel apenas com relação às oportunidades de recreação para os moradores do seu entorno.
No PETAR, da mesma forma como aconteceu com a unidade de análise anterior, a percepção dos entrevistados é positiva com relação ao envolvimento da comunidade local. O Conselho, apesar de ser apenas consultivo, funciona e a atividade turística motivada pela área protegida se mostra como um dos principais geradores de emprego e renda para os municípios da região. No entanto, a rigidez das regras de visitação limita o potencial de geração de benefícios econômicos do Parque e contribui para a não apropriação do espaço pela comunidade local como opção de lazer. Além disso, a mudança do modelo de gestão que começa a ser adotada no Estado pode levar aos mesmos conflitos encontrados no Canadá.
4.3 Conscientização ambiental dos visitantes
A visitação pública nas Unidades de Conservação brasileiras e canadenses tem distinções marcantes em diversos pontos. O foco na conscientização ambiental, porém, talvez seja uma das mais perceptíveis em termos de políticas públicas. No Estado de São Paulo, a análise dos atos normativos revela que o uso público é aceito no interior das Unidades de Conservação, desde que não comprometa a sua conservação. Ainda assim, as atividades devem ser praticadas dentro de um contexto de interpretação ambiental, e não simplesmente como uma atividade recreativa.
Atualmente, a principal estratégia de conscientização ambiental dos visitantes no PETAR é a monitoria, conforme apontado pelos atores entrevistados e pelos próprios frequentadores na sondagem de opinião. Além disso, o Parque dispõe de um centro de visitantes, sinalização interpretativa nas trilhas, folhetos e informações sobre práticas de mínimo impacto no website da FF.
Embora existam diversos instrumentos para desenvolver a consciência ambiental dos visitantes, não há um programa de educação ambiental estabelecido pelo Parque. Mesmo os instrumentos disponíveis atualmente possuem fraquezas, identificadas por meio das entrevistas e da visita de campo. O centro de visitantes permanece fechado por falta de recursos humanos para supervisionar o espaço. Além disso, não existe nenhum tipo de acompanhamento da qualidade dos serviços prestados pelos monitores ambientais, apesar de os mesmos serem os principais interlocutores entre a unidade e os frequentadores.
Ainda assim, a percepção dos entrevistados é de que o nível de consciência ambiental dos visitantes tem aumentado. Porém, alguns destacaram que isso é resultado de um processo de educação geral, especialmente das pessoas que se interessam por áreas protegidas, e não reflexo de ações diretas da FF, uma vez que não existe nenhum programa estabelecido nesse sentido.
Com o objetivo de identificar o nível de consciência ambiental dos visitantes e como as visitas a áreas protegidas podem alterar essa consciência, foi realizada uma pesquisa de sondagem de opinião. Verificou-se em campo que a grande maioria dos entrevistados visitava o PETAR pela primeira vez e, como citado anteriormente, nenhum deles residia na área de entorno da unidade.
A pesquisa confirmou também a importância do monitor ambiental como agente de educação, uma vez que quase todos os entrevistados disseram que os conhecimentos adquiridos durante a visita foram passados pelos monitores. Com relação ao conhecimento adquirido, as respostas mais comuns foram referentes às cavernas, seus processos de formação e espeleotemas. A sondagem de opinião demonstrou que os visitantes que procuram o PETAR declararam ter um bom nível de consciência ambiental. Entretanto, essa consciência não se reverteu em atitudes concretas, revelando que a dimensão atitudinal ainda precisa ser desenvolvida.
As políticas públicas canadenses, em especial na província de British Columbia, também visam implantar programas de interpretação ambiental nas UCs. No entanto, o planejamento para o desenvolvimento das ações de interpretação e educação ambiental é realizado dentro de um contexto de lazer e recreação. Isso pode ser constatado no Program Plan 2007-2012, em seu capítulo sobre experiência dos visitantes, que visa atender as suas demandas por “maiores oportunidades para educação durante o tempo de lazer e as atividades de esportes de aventura” (BC PARKS, 2008a, p.17, tradução nossa).
Contraditoriamente, as políticas mais recentes, especialmente o Program Plan 2007-2012, são as que mais destacam a importância das ações de interpretação ambiental como estratégia de conservação. Porém, dentro de um modelo de gestão que tem como foco a terceirização e a redução de custos, as verbas para os programas de interpretação foram cortadas. Atualmente, esses serviços são prestados no Strathcona Park por meio de um grupo voluntário, o Strathcona Wilderness Institute. Apesar disso, funcionários do Parque lembram que o fato do BC Parks trabalhar para oferecer oportunidades de recreação em um ambiente natural conservado é, também, uma estratégia para aumentar a consciência ambiental dos frequentadores.
A pesquisa de sondagem de opinião realizada com os visitantes do Strathcona Provincial Park retornou resultados similares àqueles verificados no PETAR, com algumas distinções relevantes. Diferentemente do PETAR, os entrevistados no Strathcona Park eram, em sua maioria, residentes da região do entorno da UC. É possível notar que as atividades realizadas dentro da UC têm relação direta com o aprendizado resultante da visita em questão. Os frequentadores que praticaram atividades mais rotineiras, como passear com o cachorro e correr, declararam que não aprenderam nada de novo durante a visita, já aqueles que caminharam pelas trilhas, nadaram ou acamparam, disseram ter aprendido sobre a flora e a fauna local. Esse aprendizado se deu por meio da sinalização interpretativa existente no Parque. Fica claro também que a pouca variedade de instrumentos de educação ambiental, restrita à sinalização, limita o aprendizado dos visitantes.
Comparativamente, a sondagem de opinião realizada no Strathcona Provincial Park demonstra que o nível de consciência ambiental dos respondentes canadenses pode ser considerado superior ao do público brasileiro, notadamente no que diz respeito à dimensão atitudinal. Outro indicador de consciência ambiental dos frequentadores do Parque canadense é o pequeno impacto negativo da visitação, apesar da completa falta de fiscalização. Porém, a pesquisa realizada não é suficiente para identificar se esse resultado advém das políticas públicas específicas para áreas protegidas ou se refletem a cultura ou o grau de instrução da sociedade canadense.
Destaca-se, mais uma vez, que o modelo de gestão adotado pelo BC Parks também vem afetando negativamente as ações de conscientização ambiental, assim como aconteceu nas primeiras unidades de análise. Nesse caso, as consequências são ainda mais expressivas, com o cancelamento dos programas oficiais de interpretação ambiental e a total dependência do terceiro setor para a disponibilização desse serviço. Da mesma forma, no PETAR, também inexistem programas de interpretação, soma-se a isso o fato de obras recém-construídas para subsidiar essas ações não serem utilizadas. O foco das políticas de uso público na educação ambiental não é revertido em ações práticas de conscientização dos visitantes e o Parque se respalda nos monitores ambientais para desempenhar esse serviço, sem nenhum tipo de controle ou direcionamento por parte da FF.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas para o desenvolvimento do ecoturismo em UCs nos dois países refletem as realidades em que estão inseridas, especialmente com relação ao desenvolvimento econômico e ao combate da desigualdade social. A abordagem do envolvimento das comunidades locais é um bom exemplo disso, com uma preocupação em aumentar as oportunidades de recreação para os moradores das regiões onde as áreas protegidas se inserem na província canadense e em desenvolver uma estratégia de geração de emprego e renda no Estado de São Paulo, com o foco no ecoturismo e não na visitação de moradores do entorno.
A análise sugere que o foco das políticas de uso público em atividades mais permissivas no caso canadense, não gerou um maior impacto negativo no meio ambiente, que está mais relacionado com a falta de fiscalização. Já a limitação excessiva das atividades de uso público, como observado nas UCs estaduais paulistas, não garante uma melhor conservação da natureza e ainda limita benefícios que a atividade pode gerar, tanto no envolvimento da comunidade local, e pela oferta de oportunidades de recreação, quanto na conscientização ambiental dos visitantes.
O estudo mostra que a política de terceirizações observada em British Columbia é que vem causando o maior impacto. A mudança do modelo de gestão, de Parques Nacionais para o modelo combinado de gestão pública e organizações com fins lucrativos, possibilitou o desenvolvimento do sistema de áreas protegidas no início, principalmente, em relação ao aumento do número de UCs. No entanto, em decorrência da crise econômica de 2008, esse aumento do número de unidades e o recuo dos investimentos privados se transformaram em um problema a ser gerido pelo poder público. Resultado disso é a queda na qualidade de todos os aspectos analisados nesse estudo em decorrência da escassez de recursos humanos e financeiros.
O Brasil, e especialmente o Estado de São Paulo, busca seguir um caminho similar ao trilhado pelo governo de British Columbia. Desde a instituição do SIEFLOR, em 2006, observa-se uma rápida mudança de visão da gestão das UCs no Estado, com o foco em conservação dando lugar a estratégias baseadas em instrumentos de mercado. Porém, esse modelo que já se mostrou inadequado em British Columbia, apesar da província possuir condições econômicas favoráveis e um número de visitantes substancial para atrair a iniciativa privada, pode trazer consequências negativas se replicado em São Paulo, onde o cenário é menos favorável. As políticas de terceirização podem diminuir as já escassas oportunidades de desenvolvimento econômico para as comunidades locais e opções de lazer; comprometer o potencial de conscientização ambiental dos visitantes por possuir um modelo de negócio focado no lucro; e, em decorrência disto, aumentar os impactos negativos no meio ambiente.
As concessões de serviços públicos podem se mostrar como uma boa opção em alguns casos, principalmente, nas atividades relacionadas ao uso público em Unidades de Conservação, como hospedagem, alimentação e aluguel de equipamentos. Porém, ela é apenas uma das alternativas, e nem sempre se apresenta como a melhor solução para todas as situações. Ainda assim, caso essa estratégia seja admitida, as instituições responsáveis pela gestão das áreas protegidas precisam encontrar meios para garantir que as comunidades locais sejam efetivamente envolvidas, e não apenas elaborar regulamentações que não podem ser colocadas em prática.
Finalmente, conclui-se que o uso público em Unidades de Conservação no Brasil ainda é incipiente. O número atual de visitantes nas áreas protegidas nacionais é reduzido, tomando como referência as unidades norte-americanas. No entanto, o país possui um grande potencial para crescimento, em função dos atrativos naturais e culturais protegidos pelas UCs. Para que esse potencial se reverta em uma efetiva apropriação dessas áreas por parte da população, ao mesmo tempo em que os seus objetivos sejam alcançados, é necessário que as políticas públicas contribuam, de forma concreta, para o desenvolvimento dos três aspectos do ecoturismo: a conservação do meio ambiente, a conscientização dos visitantes e o envolvimento da comunidade local.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2017
Histórico
-
Recebido
12 Jul 2017 -
Aceito
15 Ago 2017