Utilização da raspa integral de mandioca na alimentação de coelhos

Use of cassava root scrapings in the feeding of rabbits

MONOGÁSTRICOS

Utilização da raspa integral de mandioca na alimentação de coelhos¹

Use of cassava root scrapings in the feeding of rabbits

Andrea Cristiane Michelan^I; Cláudio Scapinello^II; Antonio Claudio Furlan^II; Elias Nunes Martins^II; Haroldo Garcia de Faria^III; Márcia Aparecida Andreazzi^IV

^IDoutora em Zootecnia - DZO/UEM

^IIDepartamento de Zootecnia da UEM

^IIIZootecnista do Biotério Central da UEM

^IVCurso de Medicina Veterinária do CESUMAR/Maringá - PR

RESUMO

Dois experimentos foram conduzidos com o objetivo de avaliar a utilização da raspa integral de mandioca (RIM) para coelhos em crescimento. No ensaio de digestibilidade, foram utilizados 22 coelhos com 50 dias de idade, distribuídos em delineamento inteiramente casualizado com dois tratamentos e 11 repetições. Foram utilizadas duas rações, uma ração-referência e uma teste, na qual a RIM substituiu 25% da MS da ração-referência. Os teores digestíveis de MS, PB, FDN, FDA, energia e amido (% MS) foram, respectivamente, de 83,84; 1,89; 8,34 e 3,31%; 3.447 kcal/kg e 55,35%. No ensaio de desempenho, foram utilizados 180 coelhos no período de 35 a 70 dias de idade. Os coelhos foram distribuídos em delineamento inteiramente casualizado com seis tratamentos (0, 20, 40, 60, 80 e 100% de RIM em substituição à energia digestível do milho) e 15 repetições de dois animais por unidade experimental. No período de 35 a 50 dias de idade, houve efeito quadrático do fornecimento de RIM na dieta sobre a conversão alimentar. No período de 35 a 70 dias de idade, houve também efeito quadrático sobre o PV aos 70 dias, o ganho de peso diário, a conversão alimentar e o custo de ração/kg de ganho de PV. Efeito quadrático também foi observado para o peso da carcaça. Nos períodos de 35 a 50 e de 35 a 70 dias de idade, a conversão alimentar dos animais alimentados com as dietas com 20 e 100% de substituição do milho pela raspa de mandioca foi melhor em comparação à dos demais animais. A raspa integral de mandioca pode ser incorporada a rações para coelhos em crescimento em até 27,32% em substituição a 100% da energia digestível do milho.

Palavra-chave: carcaça, desempenho, digestibilidade, subproduto

ABSTRACT

Two experiments were carried out with the objective to evaluate the use of cassava root scrapings (CRS) for growing rabbits. In the digestibility assay, 22 rabbits with 50 days of age were distributed in a completely randomized design with two treatments and 11 replicates. Two diets were used, one as reference-diet and one test, in which CRS substituted 25% of DM reference-diet. The digestible values of the DM, CP, NDF, ADF, energy and starch (%DM), were respectively 83.84%, 1.89%, 8.34%, 3.31%, 3,447 kcal/kg and 55.35%. In the performance trial, 180 rabbits were used, in the period from 35 to 70 days of age. The rabbits were distributed in a completely randomized design, with six treatments (0, 20, 40, 60, 80 and 100% of CRS in replacement of corn digestible energy) and 15 replicates of two animals per experimental unit. In the period from 35 to 50 days of age, there was a quadratic effect of feeding CRS in the diet on feed conversion. In the period from 35 to 70 days of age, there was a quadratic effect on LW at 70 days of age, daily weight gain and feed conversion and cost of ration/kg of LW gain. A quadratic effect also was found for carcass weight. In the period from 35 to 50 and from 35 to 70 days of age, the feed conversion of the animals fed diets with 20% and 100% of replacement of corn by CRS was better in relationship to the others animals. The cassava root scrapings could be incorporated in growing rabbits rations up to of 27.32%, substituting 100% of corn digestible energy.

Key Words: by-product, carcass, digestibility, performance

Introdução

Os dados de composição química e de valores energéticos dos alimentos para coelhos disponíveis no Brasil são bastante escassos para a correta formulação de rações para esses animais (Furlan et al., 2003).

O milho é a principal fonte de energia em rações para animais, o que incorre na necessidade de se avaliar alimentos alternativos para formulação de rações. A mandioca, em virtude de suas características nutricionais, pode ser considerada um alimento alternativo ao milho, podendo reduzir o custo das rações (Mazzuco & Bertol, 2000).

A mandioca (Manihot esculenta Crantz) é uma planta originária da América do Sul, cultivada praticamente em todo o território brasileiro e com excelente qualidade nutritiva para a alimentação animal. No cultivo de mandioca, a exigência em insumos é menor em relação à maioria das culturas. Além disso, a produtividade em calorias por unidade de área e tempo é bem menor (Bezerra et al.,1996) e a raiz pode ser integralmente aproveitada, tanto na alimentação humana (in natura ou em forma de farinha, amido ou fécula) como na fabricação de raspas.

A raspa integral de mandioca é obtida pela trituração da raiz e posterior desidratação ao sol ou em secadores. Esse processo é necessário também para eliminação dos princípios tóxicos, especialmente os glicosídeos cianogênicos (Carvalho, 1986). O principal componente da raspa é a fécula ou amido, em um percentual muito variável, mas superior a 70% e com umidade de 10 a 12%. De acordo com Ferreira Filho (1997), a raspa de mandioca de boa qualidade apresenta aproximadamente 65% de amido, 14% de umidade, 3% de sílica e 5% de fibra.

A raiz de mandioca e seus subprodutos podem ser utilizados com poucas restrições na alimentação animal e constituem excelente substituto aos grãos de cereais. Buitrago (1990) afirmou que dietas para suínos podem conter até 40% de raspa de mandioca e esse percentual pode ser aumentado nas fases de crescimento e terminação. A mesma porcentagem pode ser utilizada em rações para frangos de corte nas fases inicial e de terminação (Resende et al., 1984; Coelho et al., 1987). Entretanto, níveis superiores a 40% resultam com freqüência em ganhos de peso ligeiramente inferiores aos obtidos com rações contendo cereais.

Diante do exposto, realizou-se este estudo com os objetivos de determinar o valor nutritivo da raspa integral de mandioca por meio de ensaio de digestibilidade e avaliar o desempenho e as características de carcaça de coelhos da desmama ao abate alimentados com rações contendo raspa integral de mandioca em substituição ao milho.

Material e Métodos

Foram conduzidos dois experimentos no Setor de Cunicultura da Fazenda Experimental de Iguatemi, da Universidade Estadual de Maringá, no período de outubro a novembro de 2001. No ensaio de digestibilidade, foram utilizados 22 coelhos (11 machos e 11 fêmeas) com 50 dias de idade, da raça Nova Zelândia Branco, alojados individualmente em gaiolas para estudos de metabolismo, providas de bebedouro automático, comedouro semi-automático e dispositivo para coleta das fezes. O delineamento foi inteiramente casualizado com dois tratamentos e 11 repetições.

Utilizaram-se uma ração-referência, à base de milho, farelo de trigo, farelo de soja, feno de alfafa e feno de tifton 85 e suplementada com minerais e vitaminas (Tabela 1), e uma ração-teste composta, com base na MS, de 75% da ração-referência e 25% de raspa integral de mandioca. As rações foram peletizadas a seco e seu fornecimento e da água foram à vontade.

O experimento teve duração de 14 dias, dez para adaptação às gaiolas e às rações e quatro dias para coleta de fezes, segundo o Método de Referência Europeu para experimento de digestibilidade in vivo (Perez et al., 1995).

As fezes de cada animal foram coletadas, na sua totalidade, uma vez ao dia, no período da manhã, acondicionadas em sacos plásticos e armazenadas em freezer a -10ºC. Posteriormente, foram mantidas em estufa de ventilação forçada a 55ºC, durante 72 horas. Uma parte da amostra (± 50%) foi utilizada para secagem definitiva a 105ºC por 24 horas e a outra foi triturada em moinho com peneira de 1 mm para determinação dos teores de MS, PB, EB, FDN e FDA, de acordo com Silva & Queiroz (2002), e amido, segundo método enzimático citado por Poore et al. (1989), adaptado por Pereira & Rossi (1995).

Os coeficientes de digestibilidade dos nutrientes (MS, PB, EB, FDN e FDA) e do amido da raspa integral da mandioca foram calculados utilizando-se a metodologia de Matterson et al. (1965). Para obtenção dos valores de nutrientes digestíveis, foram aplicados os respectivos valores de coeficiente de digestibilidade sobre a composição química da matéria-prima avaliada. O teor de ácido cianídrico da raspa integral de mandioca foi determinado por colorimetria, conforme metodologia descrita por Greenberg et al. (1992).

No experimento para análise do desempenho, foram utilizados 180 coelhos Nova Zelândia Branco, 90 machos e 90 fêmeas, no período de 35 a 70 dias de idade, alojados em gaiolas de arame galvanizado providas de bebedouro automático e comedouro semi-automático de chapa galvanizada, localizadas em galpão de alvenaria com cobertura de telha francesa, pé-direito de 3,0 m, piso de alvenaria, paredes laterais de 50 cm em alvenaria e o restante em tela e cortina de plástico para controle de ventos.

Os animais foram distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado com seis tratamentos e 15 repetições de dois animais por unidade experimental (um macho e uma fêmea). Foram utilizadas uma ração-referência, à base de milho, farelo de trigo, farelo de soja, feno de alfafa e feno de tifton 85 e suplementada com minerais e vitaminas, de acordo com exigências para coelhos em crescimento (Lebas, 1989), e outras cinco rações obtidas com inclusão de 20, 40, 60, 80 ou 100% de raspa integral de mandioca em substituição à energia digestível do milho (Tabela 2). As rações foram peletizadas a seco e seu fornecimento e da água foram à vontade.

Os animais foram pesados no início do experimento, aos 35 dias de idade, aos 50 dias e ao final do experimento, aos 70 dias de idade. As características de desempenho avaliadas foram o peso vivo, o ganho de peso diário, o consumo diário de ração, a conversão alimentar e o peso e o rendimento de carcaça.

O abate dos animais foi realizado sem jejum prévio, por corte da jugular após atordoamento. Em seguida, procedeu-se à retirada da pele e à evisceração. Para determinação do peso da carcaça e do peso relativo de carcaça, considerou-se a carcaça quente com cabeça e sem vísceras comestíveis.

Diariamente, durante o período experimental, foram registradas as temperaturas máxima e mínima, cujos valores foram, respectivamente, de 29 e 19ºC e a média durante o experimento, de 24ºC.

A análise estatística das variáveis estudadas foi realizada utilizando-se o programa SAEG - Sistema para Análises Estatísticas e Genéticas – UFV (1997) e o modelo:

em que: Y_ij = valor observado das variáveis estudadas, obtidos com o indivíduo j alimentado com a ração com o nível i de raspa integral de mandioca; µ = constante geral; b_i1 = coeficiente linear de regressão da variável Y em função dos níveis i de inclusão de raspa de mandioca para todo i diferente de 0%; b_i2 = coeficiente quadrático de regressão da variável Y em função dos níveis i de raspa de mandioca, para todo i diferente de 0%; b_i3 = coeficiente linear de regressão da variável Y, em função do peso vivo aos 35 dias de idade; N_i = efeito do nível i de raspa de mandioca, para todo i diferente de 0%; N₁ = média dos níveis de raspa de mandioca, para todo i diferente de 0%; PV35_i = efeito do peso vivo aos 35 dias de idade; PV35₁ = média dos pesos vivos aos 35 dias de idade; e_ij = erro aleatório associado a cada observação Y_ij.

As médias das características estudadas obtidas com o fornecimento da ração-referência foram comparadas às obtidas com cada uma das rações contendo diferentes níveis de raspa de mandioca, por meio do teste Dunnett (P<0,05).

Resultados e Discussão

O teor de amido, principal componente na raspa de mandioca utilizada neste experimento, foi inferior (Tabela 3) ao indicado (65%) por Ferreira Filho (1997).

Os valores de composição química observados para a raspa de mandioca neste experimento, com exceção ao valor de PB, foram semelhantes aos dados obtidos por Scapinello et al. (1995), Moreira et al. (2002) e Furlan et al. (2003) para a composição química do milho, de 87 a 90% de MS, 8 a 9% de PB, 3.800 a 4.450 kcal de EB/kg e 60 a 70% de amido. Os valores de composição química da raspa de mandioca foram similares aos obtidos por Albino et al. (1981) para a raspa de mandioca integral (89% MS, 3,8% PB e 3.980 kcal EB/kg).

O coeficiente de digestibilidade aparente da EB da raspa de mandioca obtido neste trabalho se assemelha aos encontrados por Scapinello et al. (1995) e Furlan et al. (2003) para o milho (respectivamente, 87,24 e 90,24%). Resultados semelhantes foram observados para o amido (98,63%) por Furlan et al. (2003), em experimento com coelhos em crescimento, o que confirma a similaridade do valor energético do milho ao da raspa integral de mandioca avaliada neste experimento. O resultado de energia digestível (ED) da raspa integral de mandioca obtido neste trabalho (Tabela 4) foi similar ao encontrado por Scapinello et al. (1995) para o milho (3.412 kcal/kg), em estudo com coelhos em crescimento. Wu (1991) verificou, para a raspa de mandioca fornecida a suínos em crescimento, valor de ED de 3.580 kcal/kg.

Utilizando frangos de corte, Fonseca et al. (2000) obtiveram valor de 3.307 kcal/kg de EMA para a farinha integral de mandioca. Considerando que a energia metabolizável representa aproximadamente 95% do valor da energia digestível, o valor obtido neste experimento foi semelhante ao encontrado por esses autores.

A análise de regressão sobre os dados de desempenho (Tabela 5) demonstrou que a substituição do milho pela raspa integral de mandioca no período de 35 a 50 dias de idade influenciou de forma quadrática a conversão alimentar, com ponto de mínimo em 60,78% de substituição da energia digestivel do milho pela raspa de mandioca.

No período de 35 a 70 dias de idade, todas as características foram influenciadas de forma quadrática (P<0,05), com exceção do consumo diário de ração. Os pontos de mínimo para o peso vivo aos 70 dias, o ganho de peso diário e a conversão alimentar foram, respectivamente, de 63,73; 63,66 e 57,88% de substituição da energia digestível do milho pela raspa de mandioca.

O peso da carcaça também sofreu efeito quadrático (P<0,05) dos níveis de raspa de mandioca, de modo que o ponto de mínimo foi de 62,53% de substituição da energia do milho, no qual os animais apresentaram carcaças mais leves. O rendimento de carcaça, no entanto, não foi influenciado (P>0,05) pela substituição do milho pela raspa integral de mandioca.

Aplicando-se o teste de Dunnett, observou-se que a conversão alimentar, tanto no período de 35 a 50 dias como no período de 35 a 70 dias de idade, dos animais alimentados com as rações com 20% de substituição e com substituição total da energia digestível do milho pela raspa integral de mandioca foi melhor (P<0,05) em relação à dos animais alimentados com a ração-referência.

A semelhança nos resultados de desempenho entre os animais alimentados com a ração-referência e aqueles alimentados com a ração com substituição total do milho confirmam o elevado valor energético da raspa de mandioca (3.447 kcal de ED/kg).

Nicolaiewsky et al. (1986) observaram redução no ganho de peso de suínos em crescimento somente a partir do nível de 30% de inclusão de raspa de mandioca. Buitrago (1990), no entanto, não observou problemas no desempenho de suínos alimentados com rações com até 40% de raspa de mandioca.

Em experimento com frangos de corte alimentados com rações contendo raspa integral de mandioca em níveis de até 40%, Resende et al. (1984) não verificaram diferenças significativas no ganho de peso, no consumo de ração e na conversão alimentar das aves.

A substituição total do milho por raspa integral de mandioca em uma dieta para frangos de corte durante os primeiros 21 dias de idade não comprometeu o desempenho das aves (Coelho et al., 1987). Na fase de terminação (22 a 42 dias de idade), os melhores resultados para o ganho de peso foram obtidos com o nível de 75% e os de conversão alimentar, com o nível de 50%.

O bom desempenho dos coelhos alimentados com a ração com substituição total do milho (inclusão de 27% de raspa de mandioca) neste experimento indica a viabilidade de utilização deste subproduto também para esta espécie.

Conclusões

Os teores de nutrientes digestíveis da raspa integral de mandioca, com base na MS, para coelhos em crescimento são de 83,84% de MS; 1,89% de PB; 8,34% de FDN; 3,31% de FDA, 3.447 kcal ED/kg e 55,35% de amido. A raspa integral de mandioca pode ser incorporada a rações para coelhos em crescimento em níveis de até 27,32% em substituição total à energia digestível do milho.

Literatura Citada

Recebido: 1/9/2006

Aprovado: 28/3/2007

Correspondências devem ser enviadas para: [e-mail]; [e-mail]

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1

Parte da tese de Doutorado apresentada pelo primeiro autor ao Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UEM/Maringá - PR.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Nov 2007
• Data do Fascículo
  Out 2007

Histórico

• Recebido
  01 Set 2006
• Aceito
  28 Mar 2007