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Aspectos da história natural de Mimon bennettii (Gray) na Escarpa Devoniana, Estado do Paraná, Brasil (Chiroptera, Phyllostomidae)

Notes on the natural history of Mimon bennettii (Gray) in the Devonian Scarp, State of Paraná, Brazil (Chiroptera, Phyllostomidae)

Resumos

A despeito de sua ampla distribuição, Mimon bennettii (Gray, 1838) é uma espécie pouco conhecida. Cinco indivíduos foram capturados com redes de neblina no Distrito do Bugre (25º29'52"S, 49º39'24"W) e quatro no Distrito de São Luiz do Purunã (25º28'18"S, 49º42'53"W) ambos no Município de Balsa Nova, Estado do Paraná, sul do Brasil. As áreas encontram-se nos domínios da Floresta Ombrófila Mista, e na região da Escarpa Devoniana. Além do registro de dois novos pontos de ocorrência de uma espécie pouco amostrada no Estado, este trabalho também apresenta alguns dados sobre a biologia reprodutiva e utilização de abrigo diurno por M. bennettii.

Floresta com Araucária; morcegos; distribuição


Despite its broad geographical distribution, Mimon bennettii (Gray, 1838) is a poorly studied species. Five individuals were captured using mist nets in the District of Bugre (25º29'52"S, 49º39'24"W) and four in the District of São Luiz do Purunã (25º28'18"S, 49º42'53"W), both in the Municipality of Balsa Nova, State of Paraná, Southern Brazil. These areas are located within the domain of the Araucaria Pine Forest, in the region of the Devonian Scarp. In addition to the record of two new points of occurrence of this poorly know species in the State of Paraná, this study also reports on data on reproductive biology and use of daily roost by M. bennettii.

Araucaria Pine Forest; bats; distribution


COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Aspectos da história natural de Mimon bennettii (Gray) na Escarpa Devoniana, Estado do Paraná, Brasil (Chiroptera, Phyllostomidae)1 1 Contribuição número 1655 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná.

Notes on the natural history of Mimon bennettii (Gray) in the Devonian Scarp, State of Paraná, Brazil (Chiroptera, Phyllostomidae)

João M. D. Miranda; Itiberê P. Bernardi

Laboratório de Biodiversidade, Conservação e Ecologia de Animais Silvestres Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: guaribajoao@yahoo.com.br

RESUMO

A despeito de sua ampla distribuição, Mimon bennettii (Gray, 1838) é uma espécie pouco conhecida. Cinco indivíduos foram capturados com redes de neblina no Distrito do Bugre (25º29'52"S, 49º39'24"W) e quatro no Distrito de São Luiz do Purunã (25º28'18"S, 49º42'53"W) ambos no Município de Balsa Nova, Estado do Paraná, sul do Brasil. As áreas encontram-se nos domínios da Floresta Ombrófila Mista, e na região da Escarpa Devoniana. Além do registro de dois novos pontos de ocorrência de uma espécie pouco amostrada no Estado, este trabalho também apresenta alguns dados sobre a biologia reprodutiva e utilização de abrigo diurno por M. bennettii.

Palavras-chave: Floresta com Araucária; morcegos; distribuição.

ABSTRACT

Despite its broad geographical distribution, Mimon bennettii (Gray, 1838) is a poorly studied species. Five individuals were captured using mist nets in the District of Bugre (25º29'52"S, 49º39'24"W) and four in the District of São Luiz do Purunã (25º28'18"S, 49º42'53"W), both in the Municipality of Balsa Nova, State of Paraná, Southern Brazil. These areas are located within the domain of the Araucaria Pine Forest, in the region of the Devonian Scarp. In addition to the record of two new points of occurrence of this poorly know species in the State of Paraná, this study also reports on data on reproductive biology and use of daily roost by M. bennettii.

Key words: Araucaria Pine Forest; bats; distribution.

Mimon bennettii (Gray, 1838) é um Phyllostomidae de médio porte (20-25 g, 85-95 mm de comprimento cabeça/corpo e 51-55 mm de comprimento do antebraço) (VIZOTTO & TADDEI 1973, JONES JR & CARTER 1976). Aparentemente a dieta dessa espécie é composta por insetos, pequenos vertebrados e frutos (ORTEGA & ARITA 1997). Sua distribuição geográfica estende-se desde a península de Yucatan no Sudeste do México até o Sul do Brasil (CABRERA 1957, JONES JR & CARTER 1976, KOOPMAN 1992, NOWAK 1994, ORTEGA & ARITA 1997, MIRETZKI 2003), passando por parte do território brasileiro, geralmente associado à Mata Atlântica (KOOPMAN 1976, MARINHO-FILHO 1996, REIS et al. 2002, MIRETZKI 2003, CHEREM et al . 2004). Até o presente momento a espécie conta com apenas oito registros no Estado do Paraná, todos na porção Centro-Leste e Leste (REIS et al. 1999, 2000, 2002, MIRETZKI 2003), sendo considerado ameaçado de extinção sob a categoria vulnerável para o Estado do Paraná (MARGARIDO & BRAGA 2004).

Os registros aqui apresentados foram feitos durante os levantamentos de mamíferos realizados no Distrito do Bugre (25º29'52"S e 49º39'24"W) e no Distrito de São Luiz do Purunã (25º28'18"S e 49º42'53"W), Município de Balsa Nova, Paraná, Brasil (Fig. 1). Ambas as áreas são formadas por um mosaico de ambientes, entre eles se encontram: Floresta Ombrófila Mista (em vários estágios de sucessão), Campos Gerais e ambientes alterados (principalmente pequenas propriedades rurais). As áreas estão inseridas na Área de Proteção Ambiental Estadual da Escarpa Devoniana (MIKICH & BÉRNILS 2004). O clima da região é Cfb (temperado) segundo a classificação de Köeppen (IAPAR 1978), com a altitude variando de 935 a 1145 m, com uma precipitação anual de aproximadamente 1600 mm e com temperatura média de 18º apresentando invernos rigorosos (dados obtidos na Estação Meteorológica do Município da Lapa). Os morcegos foram capturados com redes de neblina (6 x 2 e 7 x 2,5 m) durante seis meses em cada área totalizando 600 redes/noite nas duas áreas. Os exemplares coletados como material testemunho foram fixados de acordo com VIZOTTO & TADDEI (1973), e posteriormente tombados na Coleção Científica de Mastozoologia da Universidade Federal do Paraná (DZUP) sob os números tombo: 208, 209, 210, 211, 212 e 241 respectivamente.


No Distrito do Bugre foram coletados cinco exemplares de Mimon bennettii dentre outras sete espécies em 96 capturas. Esses exemplares foram um macho e uma fêmea, imaturos (10-I-2005), uma fêmea adulta lactante (12-I-2005) e dois machos imaturos (14-I-2005). Em São Luiz do Purunã foram coletados quatro exemplares dentre outras 14 espécies e 168 capturas. Esses exemplares foram dois machos adultos (10-VII-2005 e 25-XII-2005), além de uma fêmea adulta lactante e um indivíduo lactente agarrado ao ventre da mãe (25-XII-2005) que foram mensurados, marcados e liberados.

Os caracteres morfológicos diagnósticos para a espécie foram observados nos exemplares em questão o que permitiu sua segura identificação de acordo com as chaves artificiais de VIZOTTO & TADDEI (1973) e JONES JR & CARTER (1976).

Além dos exemplares capturados observou-se em cinco oportunidades M. bennettii utilizando como abrigo diurno uma caverna calcária na área de São Luiz do Purunã (conhecida regionalmente como Toca da Onça). Os agrupamentos de morcegos observados foram compostos por sete, quatro, três, quatro, dois, um e um indivíduos respectivamente. Os morcegos se encontravam pousados, dependurados no teto, pelos pés, entre 0,4 e 1,7 m do solo, sem contato corporal entre os indivíduos. Estes estavam localizados entre 4 m e 8 m da entrada da caverna, num local com baixa luminosidade natural. Esta caverna apresenta uma abertura elíptica horizontal (3 m de altura e 30 m de largura). Não foi possível avaliar as dimensões internas da caverna.

Além de Mimon bennettii, um exemplar de Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) e um de Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) foram capturados saindo da caverna, no entanto, não foram avistados agrupamentos destas espécies no abrigo.

Os novos pontos de ocorrência de M. bennettii são importantes no quadro da conservação de morcegos, principalmente no âmbito estadual, já que, até o momento eram conhecidas apenas oito pontos com registro desta espécie no Paraná (MIRETZKI 2003, MARGARIDO & BRAGA 2004) (Fig. 1).

A presença de quatro indivíduos imaturos e de uma fêmea lactante no mês de janeiro e uma fêmea lactante e um filhote lactente em dezembro podem indicar que a espécie estava em período reprodutivo. Mesmo que poucas estas informações podem ser importantes para se conhecer alguns aspectos reprodutivos de uma espécie pouco amostrada e pouco conhecida (WILSON 1979).

A caverna, conhecida como Toca da Onça, consta como ponto turístico no Guia Turístico de Balsa Nova e recebe um baixo número de visitantes por final de semana (5-20 pessoas/final de semana). Embora a espécie tenha sido registrada utilizando ocos de árvores como abrigo diurno (TUTTLE 1976), ARITA (1993) descreve a utilização de cavernas como abrigo por M. bennettii no México. MIRETZKI (2003) reporta a ocorrência de M. bennettii em uma caverna calcária paranaense (conjunto Jesuítas/Fada no Parque Estadual de Campinhos). ORTEGA & ARITA (1997) apontam que M. bennettii é uma espécie segregacionista, não partilhando o abrigo com outras espécies ou o dividindo com algumas poucas, como observado por TRAJANO (1984) onde M. bennettii foi encontrado coabitando com Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758), Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810), Diphylla ecaudata Spix, 1823 e Myotis nigricans (Schinz, 1821). O tamanho dos agrupamentos observados condiz com o observado por ARITA (1993) que descreveu colônias pequenas com menos de dez indivíduos. Apesar de D. rotundus e S. lilium terem sido capturadas saindo da caverna, o não avistamento de colônias e o reduzido número de capturas nestas condições não permitiram afirmar, mas sugere a coabitação dessas com M. bennettii. Em nenhuma oportunidade foram observados D. rotundus e S. lilium próximos de M. bennettii ou na mesma galeria ou salão. Isso pode indicar um certo segregacionismo como ORTEGA & ARITA (1997) propuseram em sua revisão.

Apesar de MIRETZKI (2003) considerar a região de Balsa Nova como de baixa prioridade para inventariamentos de quirópteros no Estado, os presentes registros relevam a importância de maiores esforços nessas regiões, bem como a necessidade de estudos em regiões consideradas de alta prioridade para uma melhor caracterização deste grupo animal no Estado do Paraná.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de estudos concedida ao primeiro autor; a Fernando C. Passos (UFPR) pela revisão do texto. À Cerâmica Brasília e Roberto Kulig pela permissão e apoio para trabalhar em suas propriedades. A Kauê C. Abreu, Daniel M. Mellek; Rodrigo F. Moro-Rios, Luana C. Munster, Nathalia Y. Kaku-Oliveira, Cibelle S. Serur-Santos, Maria Fernanda M. Azevedo-Barros e Cleverson Zapellini pelo auxílio nas atividades de campo.

Recebido em 16.II.2006; aceito em 29.IX.2006.

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  • 1
    Contribuição número 1655 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      16 Fev 2006
    • Aceito
      29 Set 2006
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