Necrológio: Atividades científicas de Viktor Sadowsky(1909-1990)
Hitoshi Nomura
ESALQ/USP
Viktor Sadowsky nasceu em Brigitpol, Letônia, em 7 de janeiro de 1909 e faleceu em São Paulo em 2 de fevereiro de 1990. Ele era formado em Biologia Marinha pela Faculdade de Filosofia da Universidade Stefen Botory, localizada em Wilmo, Polônia, em 1932. Desse ano até 1939 foi assistente de Hidrobiologia dessa Faculdade. Especializou-se em biologia marinha na Estação de Hela em 1933 e em limnologia do lago Naroez em 1935. Esteve a bordo do navio oceanográfico polonês Eva por 22 vezes, realizando coletas. Há cinco artigos seus em polonês, versando sobre parasitologia e piscicultura, de 1931 a 1937. Sua vida universitária foi interrompida durante a II Guerra Mundial.
Ele chegou ao Brasil em 1949, sob o patrocínio do Joint Committee Brazil-IRO. Inicialmente dedicou-se à criação de peixes na chácara de Lauro Gomes, localizado em Rudge Ramos, São Bernardo do Campo, SP. Em 1951 o diretor do Instituto Paulista de Oceanografia (em 4/12/51: Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo), Wladimir Besnard, o convidou para montar uma base de pesquisas em Cananéia, SP. Logo a seguir foi designado encarregado da mesma, como hidrobiologista. Ele e Besnard se entendiam muito bem, pois ambos falavam o russo.
Seu primeiro trabalho "Observações sobre as modificações em curso na entrada de Cananéia, de sua barra e da região adjacente - I. Desgaste das costas. Nº 1 - Ponta da Trincheira (1952)" foi iniciado em maio de 1952 (Bol. Inst. Ocean., 3(1/4):202-208, 1952), seguido de "Modificações em curso na entrada da barra de Cananéia" (idem, 4(1/2):191-214, 1953) e "Novas contribuições ao estudo da entrada da barra de Cananéia" (idem, 5(1/2):151-178,1954).
Residindo numa região rica em peixes, Sadowsky começou a realizar pesquisas sobre várias espécies. Quando efetuava pescaria experimental relacionada com os elasmobrânquios, no verão de 1959, na barra de Cananéia, SP, ele capturou várias jamantas jovens, escrevendo o artigo: "Contribuição para o conhecimento da alimentação de jamantas jovens (Manta ehrenbergii Mueller & Henle)" (Bol. Inst. Ocean., 9(1/2):37-38, 1958). Verificou que essa espécie se alimenta de zôo e fitoplâncton, além de lulas, larvas de peixes e crustáceos, principalmente copépodos. Em 18 de outubro de 1958 foram capturados dois camurupins na região lagunar de Cananéia, sendo o primeiro pesquisador a assinalar a sua presença no sul, pois ela é do nordeste ("Ocorrência de "camurupim", Megalops atlanticus Val., na região lagunar de Cananéia" - Bol. Inst. Ocean., 9(1/2):61-62, 1958). No estômago deles ele encontrou bagres, linguados e outros peixes.
Em 1956 Sadowsky trabalhou com Finn Devold, especialista que a FAO enviou ao Brasil para estudar os peixes de importância comercial. O trabalho se concentrou no estudo da migração das tainhas. Nesse ano, ele e o Tenente Nemeraldo Teixeira dos Santos, do Serviço de Caça e Pesca do Rio Grande do Sul, marcaram 300 tainhas, com o auxílio dos pescadores locais. No ano seguinte, de posse de uma autorização especial para pescar dentro da barra da Lagoa dos Patos, RS, Sadowsky usou uma rede traineira para capturar tainhas. As marcações foram realizadas a bordo de uma embarcação. A marca usada foi do tipo hidrostático, composto de um tubo de matéria plástica transparente, de 3 cm de comprimento por 0,5 cm de diâmetro, contendo um bilhete numerado e uma mensagem no seu interior. A marca foi fixada no dorso do peixe com o auxílio de uma agulha cirúrgica e um fio de nylon. Mais tarde optou pela marca opercular, para os trabalhos na região de Cananéia.
Duas tainhas, marcadas em 1956, na barra da Lagoa dos Patos, foram capturadas no litoral pernambucano três meses depois. Esse trabalho de marcação trouxe algumas informações quanto ao comportamento das tainhas: as zonas de desova estariam localizadas na região de Cananéia e elas retomariam às zonas de alimentação na Lagoa dos Patos. Esse trabalho foi motivo de dois artigos no jornal O Estado de S. Paulo, de 10 e 17 de agosto de 1958, sob o título "O romance das tainhas".
Publicou um único trabalho sobre o assunto, em colaboração com E.R.A. Dias -1986 - "Migração da tainha (Mugil cephalus, 1758 sensu lato) na costa sul do Brasil" (Bol. Inst. Pesca, 13(1):31-50, 5 figs.). Ele marcou 5.941 exemplares, de 1954 a 1962, na região de Cananéia, na Barra do Rio Grande, RS (1956-1958) e na Ilha de Santa Catarina (1960). Viktor obteve 12% de devolução de marcas. Segundo eles, o período de reprodução se estende de fevereiro a novembro (10 meses), com picos em maio-junho no Rio Grande do Sul e junho-julho em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Essa migração tem início na Argentina e chega até 23º latitude sul, em Cabo Frio, RJ. Os locais de desova não foram localizados, supondo que ocorre ao longo do litoral, perto das praias.
Sadowsky se interessou também pela sardinha-verdadeira, Sardinella brasiliensis, tendo registrado o peso total desembarcado em Cananéia, de 1949 a 1957 e realizado medições quinzenais, de outubro de 1956 a outubro de 1957. Conforme o artigo de I.D. Richardson e V. Sadowsky: "Note on the sampling of sardine (Sardinella allecia) at Cananéia, State of São Paulo, Brazil" (Bol. Inst. Ocean., 11(1):87-97,1960), nessa região são capturadas sardinhas jovens em outubro, que crescem rapidamente até janeiro e quando estão com 14 cm de comprimento total, em abril, saem dessa região e provavelmente se dirigem para o litoral fluminense, onde crescem até atingirem o tamanho comerciável.
Em colaboração com A. Radasewsky ele examinou "Dados sobre modificação do peso do camarão provocada pelo método de conservação empregado no Entreposto de Pesca de Cananéia" (Contr. Avs. Inst. Ocean., Tecnologia (1):1-5,1960).
Em 1959, usufruindo uma bolsa da UNESCO, estagiou durante seis meses nos laboratórios de biologia marinha da Dinamarca, Suécia, Alemanha Ocidental, França e Itália. Nesse mesmo ano foi-lhe outorgado o título de Doutor Honoris Causa pela International Federation of Scientific Societies, da Asia Free University, pelos trabalhos de parasitologia que havia realizado na Polônia.
Após a publicação de vários artigos sobre elasmobrânquios, seu nome começou a ter projeção internacional. As pesquisas sobre peixes cartilaginosos ele as iniciou em 1952. Quando visitamos a base de Cananéia em 1960, vimos inúmeros esqueletos de cações e tubarões, preparados por Sadowsky (fazem parte do Museu de Peixes Cartilaginosos). Em 1964 ele começou a divulgar os primeiros resultados, começando pelos "Elasmobrânquios do gênero Sphyrna Rafinesque, 1810 da região de Cananéia" (Ci. e Cult., 16(2):161-162 (também em inglês: "Elasmobranchs of the genus Sphyrna Rafinesque from coastal waters of São Paulo" (Symp. Ocean. West. South Atlantic, 4:15-16, 1964 e An. Acad. Bras. Ci., 37(Supl.):394, 1965), seguido da descrição de "Sphyrna nana, nov. sp. de cação martelo" (Ci. e Cult., 16(2):169-170, 1964), nome específico dedicado à sua esposa Nana. O artigo definitivo foi publicado em 1965, sob o título: "The hammerhead sharks of the littoral zone of São Paulo, Brazil, with the description of a new species" (Bull. Mar. Sci., 15:1-12). No artigo seguinte "Selachier aus dem Litoral von São Paulo, Brasilien" (Beitr. Neotr. Fauna, 5(2):71-88, 1967), ele examinou 6.141 cações pertencentes a 19 espécies, capturados de janeiro de 1962 a dezembro de 1965: registrou Carcharhinus maculipinnis e Aprionodon isodon como novos para o Brasil; Ginglymostoma cirratum, Carcharhinus milberti e C. porosus como novos para o sul do Brasil.
Em 1967 descreveu "The adult stage of the shark Carcharhinus remotus (Duméril, 1865)" (Senck. BioL, 48(5/6):327-334) e, em 1968 teceu considerações "On the measurement of the total lenght of sharks" (Zool. Anz., 181(3/4):197-199). Em 1970 saiu o artigo "On the dentition of the sand shark, Odontaspis taurus, from the vicinity of Cananéia, Brazil" (Bol. Inst. Ocean., 18(1):37-44), analisando a variação do número de dentes da mandíbula de 528 exemplares de mangona; a variação foi de 30 a 44 dentes.
Registrou a presença de Notorhynchus pectorosus "First record of broad-snouted seven-gilled shark from Cananéia, coast of Brazil" (Bol. Inst. Ocean., 18(1):33-35, 1970) e de um cação-martelo (fêmea capturada a 28 m de profundidade, perto da Ilha do Bom Abrigo, Cananéia, SP, em 5 de março de 1970: "First record of the occurrence of an adult hammerhead shark (Sphyrna mokarran) in southern Brazilian waters" (Contr. Inst. Ocean., Sér. Ocean. Biol., (24):1-3, 1971). Com Stewart Springer publicou "Subspecies of the western Atlantic cat shark, Scyliorhinus retifer" (Proc. BioL Soc. Wash., 83(7):83-98, 1970); esse gênero abrange um grupo de cações morfologicamente homogêneos, que são separáveis em seis categorias por diferenças de colorido, sendo até então conhecidas seis formas, e nesse trabalho os autores descrevem uma nova subespécie, S. r. besnardi (nome dado em homenagem a Wladimir Besnard - 1890-1960), capturada a 190 m de profundidade, perto da borda da plataforma continental do Uruguai, em 2 de novembro de 1968.
De 1970 a 1973 Sadowsky foi membro executor do projeto Gedip (RS) e de 1975 a 1979 colaborou com Plínio Soares Moreira (1932-1988) no estudo dos isópodos parasitas de elasmobrânquios.
Analisando as espécies de cações e tubarões que aparecem na região de Cananéia, ele realizou um estudo sobre a sua importância comercial: "Estudio economico sobre los elasmobranquios de la zona litoral paulista" (CARPAS, Mar del Plata, Doe. Téc. (1):1-11, 1971). Examinou cerca de 7.000 exemplares, capturados de 1962 a 1965 e verificou que a carne da mangona, Odontaspis taurus, é a mais procurada para consumo humano.
Ainda em 1971 ele publicou uma "Relação dos peixes cartilaginosos capturados pelo N/OC. "Prof. W. Besnard" ao longo da costa do Estado do Rio Grande do Sul (Programa Rio Grande do Sul)" (Contr. Inst. Ocean. Sér. Ocean. Biol., (25), apêndice III: 40-43). Entre Torres e Chuí ocorrem 11 famílias de elasmobrânquios, com 17 gêneros e 30 espécies, abrangendo as famílias Rajidae (4 gêneros e 13 espécies), Carcharhinidae (3 gêneros e 5 espécies), Triakidae (1 gênero e 3 espécies), Rhinobatidae (2 gêneros e 2 espécies), sendo as demais famílias representadas por apenas 1 gênero e 1 espécie cada uma.
Num congresso de 1976 apresentou as seguintes comunicações: "Formação de dentículos basais nos dentes de um feto de mangona, Odontaspis taurus (Rafinesque, 1810)" (Ci. e Cult., 28(7-supl.):420-421); "Anomalias no esqueleto do esqualo, cabeça-chata, Carcharhinus leucas (Val. em Müller &. Henle, 1841)" (Ci. e Cult., 28(7-supl):421). De 1965 a 1975 examinou centenas de esqueletos de elasmobrânquios e verificou que as anomalias na coluna vertebral são raras, tendo detectado apenas nessa espécie; "Primeiro registro da ocorrência do peixe elétrico, Torpedo puelcha Lahille, 1928 (Família Torpedinidae) nas águas do Brasil (Ci. e Cult., 28(7-supl):421. Verificou que em seis anos de pescarias apenas apareceram 2 peixes-elétricos Em outro congresso de 1977 apresentou a nota "A espécie Galeorhinus vitaminicus de Buen, 1950 é um sinônimo da espécie cosmopolita Galeorhinus galeus (L., 1758)" (Ci. e Cult, 29(7-supl.):801-802) e "Primeiro registro de ocorrência de espécimes adultos de cação-malhado, Mustelus fasciatus (Garman, 1913)" (Ci. e cult., 29(7-supl):802).
Com A. F. Amorim fez o "Primeiro registro de ocorrência da arraia pelágica Dasyatis violacea (Bonaparte, 1832) nas águas do Atlântico Sul Ocidental" (Ci. e Cult., 29(7-supl):792, 1977 e "Sobre a composição da fauna de esqualos pelágios do Brasil" (Ci. e Cult., 29(7-supl):792,1977).
Com o seu antigo companheiro de marcação de tainhas, P.S. Moreira (1932-1988) preparou uma bibliografia anotada de parasitas (1978 - An annotated bibliography of parasitic lsopoda (Crustácea) of Chondrichthyes. Bol. Inst. Ocean., 27(2):95-152) e "Occurrence of Squalus cubensis Rivero, 1936, in the western South Atlantic Ocean and incidence of its parasitic Isopod Lironeca splendida sp.n. (Stud. Neotr. Fauna Environ., 16(3):137-150,1981).
Com A. F. Amorm e C. A. Arfelli publicou a "Segunda ocorrência de Odontaspis noronhai (Maul, 1955)" (Ci. e Cult., 35(7-supl):761, 1983), que apareceu em 1984 num artigo mais longo: "Second occurrence of Odontaspis noronhai (Maul, 1955)" (Bol. Inst. Pesca, 11:69-79): 9 exemplares dessa espécie foram capturados em outubro de 1981, no sudeste do Brasil (24ºS-44ºW), sendo a primeira ocorrência desde a sua descrição original baseada num único exemplar capturado perto da Ilha da Madeira em 1941; "First record of porbeagle, Lamna nasus (Bonnaterre, 1788), in the Brazilian Atlantic" (Bol. Inst. Pesca, 12(2):49-53,1985): 2 exemplares foram capturados no litoral catarinense, sendo a espécie conhecida popularmente por tubarão-golfinho; "Record of unusual number of dwarf shark, Squaliolus, laticaudus, of the south coast of Brazil" (Bol. Inst. Pesca, 12(4):45-50,1985): foram retirados 47 cações-anões do estômago de duas espécies pelágicas: 2 espadartes, Xiphias gladius e 45 albacoras-bandolins, Thunnus obesus; "Primeiro registro do tubarão-vagalume, Etmopterus gracilispinis Kreft, 1968 (Squalidae), em águas brasileiras" (Ci. e Cult., 37(7-supl):642-643, 1985). "Primeiro registro de ocorrência do tubarão-baleia, Rhiniodon typus, no litoral paulista" (Ci. e Cult., 39(7-supl):778, 1986). "Segundo registro de ocorrência de Isistius brasiliensis (Chondrichthyes, Squalidae) no litoral brasileiro" (Ci. e Cult., 39(7-supl):660-661, 1986).
Com M.T.D. Giamas e H. Vermlm Jr. fez uma "Estimativa do comprimento médio da primeira maturação sexual da manjuba, Anchoviella lepidentostole (Fowler, 1910) (Osteichthyes, Engraulidae), em Registro (SP)" (Bol. Inst. Pesca, 12(3):39-45, 1985).
Com Amorim, Arfelli e F.H.V. Hazin fez o "Registro do tubarão-cachorro, Pseudocarcharias kamoharai (Matsubara, 1936) no nordeste do Brasil" (Ci. e Cult., 41(7-supl):709-799, 1989.
De 1960 a 1979, quando se aposentou, Sadowsky foi oceanógrafo-chefe, lotado na Base de Cananéia.
Foi homenageado pelos seus colegas com as espécies:
1 - Lumbricillus sadovskyi Musarc, 1965 (Naidomorpha, Enchytraeidae) - E. Marcus - Naidomorpha aus brasilianischen Brackwasser. Beitr. z. neotrop. Fauna, 4(2):61-142.
2 - Rafa (Rajella) sadowskii Kreft & Stehmann, 1974 - (Pisces, Chondrichthyes, Rajidae) - G. Kreft & M. Stehmann - Ergebnisse der Forschungsreisen des FFS "Walther Herwig" nach Südamerika. 23. Raja (Rajella) sadowskii spec. nov. (Chondrichthyes: Batoidei: Rajidae), ein weiterer neuer Roch van südwestatlantischen Kontinentalabhang. Archiv. Fisch. Wiss., 25(1):33-50,8 figs.
Durante os 39 anos que trabalhou em Cananéia, Sadowsky acumulou um grande número de dados sobre outras espécies de peixes da região, que ainda serão divulgados pelos seus colaboradores. Ele contribuiu imensamente para o conhecimento dos elasmobrânquios do litoral brasileiro.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
31 Jul 2009 -
Data do Fascículo
1990
