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CARACTERÍSTICAS QUANTITATIVAS E QUALITATIVAS DE CAATINGA RALEADA SOB PASTEJO DE OVINOS, SERRA TALHADA (PE)

QUANTITATIVE AND QUALITATIVE CHARACTERISTICS OF THINNED CAATINGA UNDER SHEEP GRAZING, SERRA TALHADA (PE)

RESUMO:

Objetivou-se estudar no período de um ano as características quantitativas e qualitativas da Caatinga raleada sob pastejo de ovinos em lotação contínua. A pesquisa consistiu em levantamento de dados da vegetação e dos ovinos em 38 hectares de Caatinga em propriedade particular. Foi avaliada a massa de forragem, composição bromatológica e botânica, solo descoberto, serrapilheira, altura média de plantas, taxa de lotação, desempenho animal e oferta de forragem. A massa de forragem variou de 422 ± 42 a 1.262 ± 95 kg MS.ha-1 no período de janeiro/2011 a janeiro/2012, com consequente variação da oferta de forragem de 13,1 ± 1,3 a 56,4 ± 4,2 kg MS.kg PV-1. O ganho de peso vivo dos ovinos observados foram 2,0 ± 2,2 kg.cabeça-1.ciclo-1 e 3,8 ± 4,0 kg.ha-1.ciclo-1. A serrapilheira no período seco foi maior nos meses de outubro/2011 (38,8 ± 4,1%) e janeiro/2012 (41,4 ± 4,3%). Elevados valores de solo descoberto foram observados principalmente ao longo do período seco, apresentando em média 24,4 ± 1,5 % em relação ao período total. Com o avanço do período seco os teores de MS, FDN, FDA e CHOT do pasto aumentaram, enquanto que os teores de PB, MM e CNF reduziram. A Caatinga raleada apresenta variações, ao longo do ano, na massa de forragem, composição bromatológica e desempenho animal.

Palavras-chave:
Composição bromatológica; Lotação contínua; Oferta de forragem; Solo descoberto.

ABSTRACT:

The aim was to study during a year, the quantitative and qualitative characteristics of the thinning Caatinga grazing sheep at continuous stocking, in Serra Talhada-PE. The research consisted of data collection of vegetation and sheep, in 38 hectares of Caatinga from a private farm. We evaluated the herbage mass, herbal chemical composition, botanical composition, bare soil, litter, plants height, stocking rate, animal performance and herbage allowance. Herbage mass ranged from 422 ± 42 to 1262 ± 95 kg DM.ha-1within the period January 2011 to January 2012, which led to decreased herbage allowance (13,1± 1,3 a 56,4± 4,2 kg MS.kg PV-1). The weight gain of sheep observed was 2.0 ± 2.2 kg. head-1.period-1 and 3.8 ± 4.0 kg.ha-1.period-1. The litter during the dry season was higher in October 2011 (38.8 ± 4.1%) and January 2012 (41.4 ± 4.3%). Increased values were observed on bare soil, mainly in dry season, averaging 24.4 ± 1.5%. With the advance of the dry season, the concentrations of DM, NDF, ADF and TC of pasture increased, while the CP, MM, and NFC decreased. In general, the Caatinga show varieties in the range of herbage mass, forage chemical composition, and animal performance, over the year.

Keywords:
Bare soil; Chemical composition; Continuous stocking; Herbage allowance.

INTRODUÇÃO

No semiárido brasileiro, o recurso forrageiro de maior expressão é a vegetação de Caatinga, a qual cobre cerca de 86,1% da sua área, 53% da área do Nordeste e 9,8% do Brasil (IBGE, 2012IBGE. 2012 Mapa de Biomas e de Vegetação 2012. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/default_prod.shtm#MAPAS. Acesso em: 08/05/2012.
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), sendo tradicionalmente utilizado como pastagem nativa.

A região semiárida brasileira apresenta déficit hídrico (VELLOSO et al., 2002VELLOSO, A. L.; SAMPAIO, E. V. S. B.; PAREYN, F. G. C. Ecorregiões propostas para o bioma caatinga. Recife: Associação Plantas do Nordeste; Instituto de Conservação Ambiental, The Nature Conservancy do Brasil, 2002. 76 p.) que influencia marcadamente a oferta e a qualidade da forragem (MOREIRA et al., 2006MOREIRA, J. N. et al. Caracterização da vegetação e da dieta de ovinos em área de caatinga no sertão de Pernambuco. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 41, n. 11, p. 1643-1651, 2006.), com os solos e a vegetação de Caatinga formando um grande mosaico dos mais variados tipos (VELLOSO et al., 2002VELLOSO, A. L.; SAMPAIO, E. V. S. B.; PAREYN, F. G. C. Ecorregiões propostas para o bioma caatinga. Recife: Associação Plantas do Nordeste; Instituto de Conservação Ambiental, The Nature Conservancy do Brasil, 2002. 76 p.). Nesse sentido, diversos estudos apontaram valores de massa de forragem variando de 6.454 a 378 kg de MS.ha-1, na qual parte deste material se encontra indisponível aos animais (MOREIRA et al., 2006MOREIRA, J. N. et al. Caracterização da vegetação e da dieta de ovinos em área de caatinga no sertão de Pernambuco. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 41, n. 11, p. 1643-1651, 2006.; YDOYAGA-SANTANA et al., 2011YDOYAGA-SANTANA, D.F. et al. Caracterização da caatinga e da dieta de novilhos fistulados, na época chuvosa, no semiárido de Pernambuco. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 40, n. 1, p. 69-78, 2011.). Naturalmente, o baixo desempenho animal tem associação positiva com a baixa produtividade e qualidade de forragem da Caatinga (ARAÚJO FILHO; CRISPIM, 2002ARAÚJO FILHO, J. A.; CRISPIM, S. M. A. Pastoreio combinado de bovinos, caprinos e ovinos em áreas de caatinga no nordeste do Brasil. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1, 2002, [s. l.].2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/03pt08.pdf , Acesso em: 18/05/2012.
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).

Assim, objetivou-se avaliar as características do pasto (massa de forragem, altura de plantas, porcentagem de serrapilheira, porcentagem de solo descoberto e oferta de forragem) e de ovinos (peso vivo, taxa de lotação e ganho de peso) em Caatinga raleada sob pastejo, ao longo do ano, em Serra Talhada (PE).

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada durante o período de janeiro de 2011 a janeiro de 2012 na Fazenda São Miguel, em Serra Talhada (PE). O município está localizado na microrregião Pajeú, com altitude de 429 m. O clima é do tipo Tropical Semiárido com temperatura média anual de 25,7 °C e precipitação pluvial de 696 mm (Figura 1). E está inserido na Depressão Sertaneja, com relevo predominantemente suave-ondulado. A predominância de solo é do tipo Luvissolos, rasos e drenados, com fertilidade natural média a alta. A vegetação é basicamente composta por Caatinga hiperxerófila, com trechos de floresta caducifólia (CPRM, 2005CPRM - Serviço Geológico do Brasil. 2005. Diagnóstico do Município de Serra Talhada - PE. Ministério de Minas e Energia: Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Recife - PE, 22 p. Disponível em: Disponível em: http://www.cprm.gov.br/rehi/atlas/pernambuco/relatorios/SETA148.pdf . Acesso em: 25/09/2011.
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).

Figura 1:
Precipitação pluvial (mm) durante o período experimental e média histórica anual (2001 - 2011). Fonte: Fazenda São Miguel, Serra Talhada (PE).

A pesquisa consistiu no levantamento de dados da vegetação e dos ovinos, cuja área em estudo foi de 38 ha. Atualmente, a área é utilizada como pastagem nativa com introdução de capim-buffel (Cenchrus ciliaris L.) e capim-corrente (Uruchloa mosambicensis Hackel.) e vem sendo utilizada sob pastejo de ovinos desde 2001.

O pastejo foi realizado por 70 ovinos mestiços (Santa Inês x Dorper), machos e fêmeas, em lotação contínua, com peso vivo médio inicial de 30,9 ± 4,4 kg e 10 meses de idade. Sete animais foram pesados a cada ciclo de avaliação para monitoramento do desempenho e da taxa de lotação animal (UA.ha-1, onde 1 UA = 97,7 kg PV0,75). É válido ressaltar que todos os resultados relacionados ao peso vivo animal (PV) foram convertidos para peso vivo animal metabólico (PV0,75).

No monitoramento da vegetação, a massa de forragem, altura das plantas e solo descoberto foram avaliados a cada ciclo de 56 dias. As avaliações foram realizadas ao longo de nove transectos distribuídos a cada 100 m. Neles foram observados 20 pontos amostrais, cuja distância entre estes foi de 10 m.

O método do rendimento visual comparativo, desenvolvido por Haydock e Shaw (1975HAYDOCK, K. P.; SHAW, N. H. The comparative yield method for estimating dry matter yield of pasture. Australian Journal of Experimental Agriculture and Animal Husbandry, Melbourne, v. 15, n. 76, p. 663-670, 1975.), foi utilizado na estimativa da massa de forragem, utilizando-se padrões de um a cinco (1 = menor massa; 5 = maior massa; 2, 3 e 4 intermediários entre 1 e 5).

Para estimativa da massa de forragem, plantas herbáceas foram colhidas rente ao solo, enquanto que para as plantas arbóreo-arbustivas foram consideradas como forragem ramos com diâmetro de até 6 mm colhidos até 1,5 m de altura. O tamanho do quadrado utilizado para coleta foi de 1x1 m. Foram realizados 15 cortes pré-definidos (três cortes para cada padrão), além de dois cortes aleatórios por transecto para calibração das notas visuais. A partir da massa de forragem seca (kg MS.ha-1) e do peso dos ovinos foi estimada a oferta de forragem, em kg MS.kg PV-1.

A composição bromatológica da forragem realizada a partir de subamostras da massa de forragem foi analisada no Laboratório de Nutrição Animal e de Forragicultura da UFRPE. Foram determinados os teores de matéria seca (MS), matéria mineral (MM), proteína bruta (PB) e extrato etéreo (EE), segundo metodologias descritas por Silva e Queiroz (2002SILVA, D. J.; QUEIROZ, A. C. Análise de alimentos: métodos químicos e biológicos. Viçosa, MG, UFV, 2002. 235 p.). As determinações da fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA) foram realizadas em aparelho autoclave, utilizando-se metodologia descrita por Pell e Schofield (1993PELL, A. N.; SCHOFIELD, P. Computerized monitoring of gas production to measure forage digestion in vitro. Journal of Dairy Science, Champaign, v. 76, n. 9, p. 1063-1073, 1993.). Os teores de carboidratos totais (CHOT = 100 - (%PB + %EE + %MM)) foram estimados segundo Sniffen et al. (1992SNIFFEN, C. J. et al. A net carbohydrate and protein system for evaluating cattle diets: II. Carbohydrate and protein availability. Journal of Animal Science, Champaign, v. 70, p. 3562-3577, 1992.), e os teores de carboidratos não-fibrosos (CNF = 100 - (%PB + %FDN + %EE + %MM) obtidos conforme sugestão de Mertens (1997MERTENS, D. R. Creating a system for meeting the fiber requirements of dairy cows. Journal of Dairy Science, Champaign, v. 80, n. 7, p. 1463-1481, 1997.).

As estimativas de solo descoberto e serrapilheira (em relação a área coberta) foram realizadas visualmente, consistindo em notas variando de 0 a 100%. A altura das plantas foi mensurada por meio de uma régua graduada de 2 m de comprimento.

As amostras de solo, coletado a diferentes profundidades (0 a 20 cm e de 20 a 40 cm), foram analisadas no Laboratório de Física do Solo (análise granulométrica pelo método da pipeta (EMBRAPA, 2011EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solos / organizadores, Guilherme Kangussú Donagema, et al. - Dados eletrônicos - Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2011. 230 p. - (Documentos / Embrapa Solos, 132).) e de Fertilidade do Solo da UFRPE. O solo foi considerado areno-siltoso, eutrófico, com acidez fraca e fertilidade média a alta (P = 11,84 mg.dm-3; Na = 0,17 cmolc.dm-3; K+ = 0,21 cmolc.dm-3; Ca++ = 3,49 cmolc.dm-3; Mg++ = 1,54 cmolc.dm-3; Al+3 = 0,08 cmolc.dm-3; H + Al = 3,11 cmolc.dm-3; C.O. = 7,30 g.kg-1; e M.O. = 12,59 g.kg-1) (CAVALCANTI, 1998CAVALCANTI, F. J. A. C. Recomendação de adubação para o estado de Pernambuco: 2ª aproximação, 2ª Revisão. Recife: IPA, EMBRAPA, UFRPE, UFPE, EMATER, 1998, 198 p.).

Para estimativa da massa de forragem por ciclo foi obtida a equação de regressão, em que a variável independente foi o padrão e a variável dependente foi o peso, onde: y = 86 + 280 x, R2 = 0,86 (jan/2011); y = 41 + 596 x, R2 = 0,93 (mar/2011); y = - 471 + 828 x, R2 = 0,91 (abr/2011); y = 50 + 370 x (jun/2011) R2 = 0,90; y = - 344 + 509 x, R2 =0,94 (ago/2011); y = -223 + 549 x, R2 = 0,97 (out/2011); y = 231 + 152 x, R2 = 0,93 (dez/2011); y = -142 + 435 x, R2 = 0,96 (jan/2012).

Nas demais características estudadas foram estimadas as médias e intervalos de confiança (5% de probabilidade) utilizando-se o programa computacional GENES versão 7.0, conforme Cruz (2006CRUZ, C. D. Programa Genes: Biometria. Editora UFV. Viçosa, MG, 2006, 382 p.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A altura média das plantas arbustivo-arbóreas variou de 103,4 ± 71,3 cm a 146,8 ± 125,9 cm. Já para as plantas herbáceas foram observadas alturas médias variando de 18,2 ± 23,2 cm a 50,7 ± 71,2 cm nos períodos de avaliação (Figura 2). A altura das plantas que compõe uma pastagem é de fundamental importância na alimentação dos animais. Assim, quando o rebanho é composto por ovinos a pastagem deve ter altura de planta entre o estrato herbáceo e arbustivo, já que estes são considerados pastejadores não tão seletivos quanto os caprinos, se assemelhando aos bovinos.

Figura 2:
Solo descoberto (%), serrapilheira (%) e altura das plantas (cm) em Caatinga raleada sob pastejo, em diferentes períodos de avaliação, Serra Talhada (PE).

O solo descoberto da pastagem foi em média 26,0 ± 5,9%, sendo maior no início do período chuvoso (43,6 ± 5,9%), provavelmente pelo restabelecimento das plantas em relação ao período seco antecedente. No solo descoberto, em média de 5,1 ± 1,6% correspondeu na presença de rocha. O resultado elevado do solo descoberto no presente trabalho (Figura 2) indica que se deve permitir restabelecimento da pastagem para diminuir a exposição do solo às intempéries ambientais e ao pisoteio animal.

A presença de serrapilheira correspondeu em média a 17,7 ± 12,5% da área de solo coberto, tendo maior contribuição (38,8 ± 4,1% e 41,4 ± 4,3%) nos períodos de menor incidência de chuvas (Figura 2). O referido resultado pode ser associado ao fato das plantas da Caatinga perderem as folhas (caducifólias) para reduzirem as perdas por respiração como mecanismo de adaptação (SILVA et al., 2001SILVA, V. M. et al. Desempenho de bovinos e da pastagem em diferentes níveis de manipulação da caatinga. Pesquisa Agropecuária Pernambucana, Recife, v. 12, n. especial, p. 99-107, 2001.).

A massa de forragem total variou de 422 ± 42 a 1.262 ± 95 kg MS.ha-1 nos meses de janeiro/2011 a janeiro/2012 (Figura 3), o que está associado principalmente pela variação ocorrida na distribuição e ocorrência de chuva. Verificou-se que a massa de forragem foi menor do que a considerada limitante (2.000 kg MS.ha-1) para o consumo voluntário máximo (NRC, 1987NRC. Predicting feed intake of food-producing animals. National Academy Press, Washington, DC, 1987.), sendo este valor obtido em pastagem cultivada e homogênea. Entretanto, neste de tipo de exploração animal o desempenho animal é mais satisfatório no fator terra, ou seja, em sistemas de latifúndio.

Figura 3:
Massa de forragem total (MFT), Poáceas (MFP), Malváceas (MFM), Dicotiledôneas (MFD) em kg MS.ha-1 e precipitação pluvial (mm) em Caatinga raleada, em diferentes períodos de avaliação, Serra Talhada (PE).

A massa de forragem das Dicotiledôneas foi superior às demais no período chuvoso, com valor médio de 366 ± 155 kg MS.ha-1 (Figura 3). Este resultado é importante, pois ovinos quando submetidos a condições adversas da composição botânica da pastagem e dependendo de suas exigências nutricionais selecionam mais as dicotiledôneas do que as Poáceas (ARAÚJO FILHO et al., 1998ARAÚJO FILHO, J. A; LEITE, E. R.; SILVA, N. L. Contribution of woody species to the diet composition of goat and sheep in Caatinga vegetation. Pasturas Tropicales, Colombia, v. 20, n. 2, p. 41-45, 1998.; SANTOS et al., 2008SANTOS, G. R. A. et al. Determinação da composição botânica da dieta de ovinos em pastejo na Caatinga. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 37, n. 10, p. 1876-1883, 2008.), apesar de suas preferências por estas (VAN SOESTt, 1994VAN SOEST, P. J. Nutritional ecology of the ruminant. 2. ed. Ithaca: Comstock, 1994. 476 p.).

A massa de forragem das Poáceas foi baixa 181 ± 43 kg MS.ha-1, porém se manteve durante o período seco, principalmente por este componente ser formado, em sua maioria, pelo capim-buffel, que é de ciclo perene e tolerante a seca (Figura 3). Desta forma, para um bom manejo da Caatinga é necessário que se preconize espécies vegetais com boas características forrageiras, como as citadas acima, além da resistência ao pastejo e boa cobertura de solo.

A massa de forragem das Malváceas foi semelhante as das Poáceas, com valor médio de 241 ± 52 kg MS.ha-1 (Figura 3) e que também se manteve durante o período seco, por serem adaptadas ao ambiente. Porém, para promover um melhor desempenho dos ovinos seria necessário o raleamento das malvas, haja vista não apresentarem bom valor forrageiro, e o capim-buffel teria maior poder de competição.

O peso vivo médio dos animais no início da pesquisa foi de 30,9 ± 4,4 kg. Durante o período experimental houveram aumentos progressivos do peso até o final do período seco (Figura 4), provavelmente pelo acesso dos animais a forragem anteriormente inacessível do estrato arbustivo-arbóreo, representada pela serrapilheira (Figura 2).

Figura 4:
Oferta de forragem, peso vivo e taxa de lotação animal em área de Caatinga raleada sob pastejo, em diferentes períodos de avaliação, Serra Talhada (PE).

A oferta de forragem variou de 13,1 ± 1,3 a 56,4 ± 4,2 kg MS.kg PV-1, sendo consideravelmente maior que o consumo médio estimado pelo NRC (2007NRC. Nutrient requirements of small ruminants: Sheep, goats, cervids, and new world camelids. Washington, D.C.: National Academy Press, 2007. 384 p.) para a categoria animal utilizada (2,9 kg MS.100 kg PV-1). Além disso, os valores também foram superiores aos estudados na literatura (4 a 20 kg MS.100 kg PV-1) (ROMAN et al., 2007ROMAN, J. et al. Comportamento ingestivo e desempenho de ovinos em pastagem de azevém anual (Lolium multiflorum Lam.) com diferentes massas de forragem. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa v. 36, n. 4, p. 780-788, 2007.; OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, R. G. Características produtivas e qualitativas dos pastos e desempenho produtivo de ovinos criados em pastagens de capim-bufel com diferentes ofertas de forragem. 2012. 68 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal: Área de Concentração em Forragicultura) - Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina, 2012.). Todavia, provavelmente não houve limitação do consumo pela quantidade de forragem ofertada, resultando em desempenho animal positivo (Figura 4), e a Caatinga pode se regenerar.

A taxa de lotação animal média foi de 0,28 ± 0,03 UA.ha-1, cujo maior valor foi em março/2011, com 0,33 ± 0,05 UA.ha-1, o que pode estar associada ao ganho de peso dos animais (Figura 4). Segundo Guimarães Filho et al. (1995GUIMARÃES FILHO, C.; SOARES, J. G. G.; RICHÉ, G. R. Sistema caatinga-buffel-leucena para produção de bovinos no semi-árido. Petrolina: Embrapa-CPATSA, 1995. 39 p. (Embrapa-CPATSA. Circular Técnica, 34).), a capacidade de suporte anual da Caatinga varia de 0,07 a 0,08 UA.ha-1 para ganhos de até 8 kg de PV.ha-1. Porém, os autores ora citados propõem que durante o período chuvoso a capacidade suporte pode ser em torno de 0,20 a 0,25 UA.ha-1.

Na composição bromatológica (Tabela 1) fora observado que o teor de MS do pasto aumentou com a redução da precipitação pluvial (Figura 1). Os teores médios de FDN e FDA do pasto foram de 62,3% e 35,4%, respectivamente. Naturalmente com o avanço do período seco, o teor de FDN e FDA das plantas aumentaram devido a formação de novas paredes celulares e espessamento das demais (MERTENS, 1993MERTENS, D. R. Kinetics of cell wall digestion and passage in ruminant. In: JUNG, H. G. et al. (Ed.). Forage cell wall structure and digestibility. Madison: America Society of Agronomy; Crop Science Society of America; Soil Science Society America, p. 535-570, 1993.). Entretanto, quando ocorreu precipitação pluvial em novembro/2011 e janeiro/2012 (Figura 1), os teores de FDN e FDA observados nas plantas reduziram. Os teores médios de CHOT (80,1%) e CNF (17,8%) tiveram relações positivas e negativas, respectivamente, com o resultado de FDN e FDA (Tabela 1). Os respectivos resultados se aproximam dos encontrados por Ydoyaga-Santana et al. (2011YDOYAGA-SANTANA, D.F. et al. Caracterização da caatinga e da dieta de novilhos fistulados, na época chuvosa, no semiárido de Pernambuco. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 40, n. 1, p. 69-78, 2011.), que foram de 57% de FDN e 45% de FDA, e pelos observados por Moreira et al. (2006MOREIRA, J. N. et al. Caracterização da vegetação e da dieta de ovinos em área de caatinga no sertão de Pernambuco. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 41, n. 11, p. 1643-1651, 2006.), que foram de 53,0% de FDN e 39,9% de FDA, cujas pesquisas foram realizadas no período chuvoso.

Tabela 1:
Composição bromatológica da forragem em Caatinga raleada pastejada por ovinos, em diferentes períodos de avaliação, Serra Talhada (PE).

Em relação ao teor de PB do pasto (Tabela 1), o valor em média foi elevado (8,8 ± 0,5%) se considerarmos a maioria das forrageiras tropicais em condições naturais, sendo ainda superiores aos limites de 7% para o bom funcionamento da fermentação ruminal (VAN SOEST, 1994VAN SOEST, P. J. Nutritional ecology of the ruminant. 2. ed. Ithaca: Comstock, 1994. 476 p.), exceto em outubro/2011 (3,6 ± 0,4%). Provavelmente, os valores reduzidos de proteína podem estar associados à presença de espécies de baixo valor forrageiro. Vale ressaltar que parte desta proteína pode estar ligada a fibra, conforme observado por Moreira et al. (2006MOREIRA, J. N. et al. Caracterização da vegetação e da dieta de ovinos em área de caatinga no sertão de Pernambuco. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 41, n. 11, p. 1643-1651, 2006.) e Santos et al. (2009SANTOS, G. R. A. et al. Composição química e degradabilidade in situ da ração em ovinos em área de Caatinga no sertão de Pernambuco. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, v. 38, n. 2, p. 384-391, 2009.). A proporção que a precipitação de chuva vai diminuindo o teor de proteína bruta e carboidratos não fibrosos das forragens vão decrescendo e o teor de fibra aumentando (TOMICH et al., 2002TOMICH, T. R. et al. Suplementação com mistura múltipla contendo uréia como fonte de nitrogênio para bovinos em pastagens de braquiária no período das águas. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 39. 2002., Recife. Anais... Recife: UFRPE, 2002. 1 CD-ROM.).

Quanto ao desempenho animal, os ganhos de peso vivo foram de 51 g.animal-1.dia-1 e 9,4 kg.ha-1 no período chuvoso e de 32 g.animal-1.dia-1 e 14,2 kg.ha-1 no período seco. Naturalmente, como o período seco foi mais prolongado houve menor ganho de peso diário em relação ao período chuvoso. Quanto aos ciclos avaliados, os animais obtiveram uma produtividade média de 2,0 ± 2,2 kg.animal-1.ciclo-1 e 3,8 ± 4,0 kg.ha-1.ciclo-1, respectivamente (Figura 5). Araújo Filho et al. (1998ARAÚJO FILHO, J. A; LEITE, E. R.; SILVA, N. L. Contribution of woody species to the diet composition of goat and sheep in Caatinga vegetation. Pasturas Tropicales, Colombia, v. 20, n. 2, p. 41-45, 1998.) estudaram o ganho de peso de ovinos e obtiveram 8,1 kg.cabeça-1 e 10,2 kg.ha-1 durante a período seco, em Caatinga sob pastejo. Araújo Filho e Crispim (2002ARAÚJO FILHO, J. A.; CRISPIM, S. M. A. Pastoreio combinado de bovinos, caprinos e ovinos em áreas de caatinga no nordeste do Brasil. In: CONFERÊNCIA VIRTUAL GLOBAL SOBRE PRODUÇÃO ORGÂNICA DE BOVINOS DE CORTE, 1, 2002, [s. l.].2012. Disponível em: Disponível em: http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/03pt08.pdf , Acesso em: 18/05/2012.
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) informaram que a produtividade de ovinos em Caatinga nativa deve ser acima de 31 g.cabeça-1.dia-1, em pastejo solteiro. Vale ressaltar que os dados de desempenho animal podem ser relacionados à composição botânica da pastagem e a massa de forragem presente, cujo aspectos variam conforme o tipo de Caatinga e ações antrópicas.

Figura 5:
Desempenho animal (kg.animal-1.ciclo-1 e kg.ha-1.ciclo-1) e precipitação pluvial (mm) em área de Caatinga raleada pastejada por ovinos, em diferentes períodos de avaliação, Serra Talhada (PE).

CONCLUSÃO

A Caatinga estudada apresenta solo descoberto e serrapilheira principalmente no período seco do ano. A massa de forragem reduz com o avanço do período seco, porém o desempenho animal é positivo devido a oferta de forragem ter sido além da necessidade destes.

Considerando as características quantitativas e qualitativas, a Caatinga estudada oferece condições para o pastejo de ovinos, principalmente durante o período chuvoso. Nos primeiros meses do período seco a Caatinga também permite ganho de peso animal. Porém, são necessários manejos estratégicos que favoreçam a presença de plantas de valor forrageiro e que a taxa de lotação animal utilizada considere as variações da oferta e qualidade da forragem para a busca da sustentabilidade na pecuária em área de Caatinga.

REFERÊNCIAS

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    Autor para correspondência
  • Parte do trabalho da Dissertação em Zootecnia do primeiro autor e parcialmente financiado pelo BNB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2014
  • Aceito
    24 Abr 2015
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