RESUMO
Objetivo: estudar o perfil das mulheres submetidas a cirurgia abdominal com suspeita de endometriose de parede abdominal ou tumor de parede abdominal e analisar a associação com a faixa etária, cor e cesariana prévia.
Métodos: estudo retrospectivo e analítico realizado no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2019, no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Analisaram-se prontuários de 100 pacientes com endometriose de parede abdominal e com outros tipos de tumoração de parede abdominal. Idade, cor, histórico prévio de cesariana ou cirurgia abdominal e resultado histopatológico foram avaliados. As pacientes foram classificadas em adultas jovem (idade entre 18 e 28 anos e 11 meses) e adultas. Utilizou-se para a análise dos dados o programa SPSS e, teste de Fisher com nível de significância de 0,05.
Resultados: Endometriose de parede abdominal com confirmação histopatológica foi encontrada em 22% dos casos. A média de idade foi 52.28 ±18,66, menor quando comparada a outros diagnósticos. Observou-se associação entre cesariana prévia e endometriose de parede abdominal (p<0,005).
Conclusão: as mulheres atendidas pelo Setor de Cirurgia da UFF com diagnóstico de endometriose de parede abdominal, na maioria, realizaram cesariana prévia e estavam em idade ativa, reprodutiva. Apesar da cor parda ter sido mais frequente, não se observou diferença estatística.
Palavras chave:
Endometriose; Parede Abdominal; Cirurgia
ABSTRACT
Objective: to study the characteristics of women undergoing abdominal surgery with suspected abdominal wall endometriosis or abdominal wall tumor, and to assess the association with age, race and previous cesarean delivery.
Method: retrospective and analytical study carried out from January 2000 to December 2019, at the General Surgery Service of Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) at Universidade Federal Fluminense (UFF). Medical records of 100 patients with abdominal wall endometriosis and other types of abdominal wall tumors were analyzed. Age, color, previous history of cesarean section or abdominal surgery and histopathological data were verified. The patients were classified as young adults (aged between 18 and 28 years and 11 months) and adults. The SPSS program was used for data analysis, Fisher’s test with a significance level of 0.05.
Results: abdominal wall endometriosis with histopathological confirmation was found in 22%, the mean age was 52.28 ± 18.66 which was lower when compared to other diagnoses. There was an association between previous cesarean section and abdominal wall endometriosis (p <0.005).
Conclusion: the women with a diagnosis of abdominal wall endometriosis had undergone previous cesareans (the majority) and were in an active reproductive age. Although the brown skin women were the most frequent, there was no statistical difference.
Keywords:
Endometriosis; Abdominal Wall; General Surgery
INTRODUÇÃO
A endometriose de parede abdominal é doença rara1 caracterizada pela presença de tecido endometrial em qualquer segmento ou espessura da parede abdominal, ou seja, fora do endométrio e do miométrio. A localização extra pélvica é menos recorrente do que a pélvica. Já foi observada nos mais variados órgãos e sistemas como pulmões, brônquios, pleura, vesícula biliar, rim, bexiga, intestino delgado, intestino grosso, apêndice cecal, omentos, linfonodos, espaço subaracnoideo2-4.
A endometriose geralmente acomete mulheres na faixa etária de reprodução, com incidência máxima na terceira e quarta décadas5. Acredita-se que a incidência seja maior em mulheres jovens com idade entre 18 e 29 anos6,7. Os focos endometriais ectópicos estão quase sempre sob influência dos hormônios ovarianos, apresentando todas as alterações do ciclo menstrual, inclusive sangramento. A transformação maligna da endometriose é rara, mas não pode ser descartada8.
Estudo realizado em 2007 evidenciou que histerotomia precoce, associada a gestação interrompida a partir do procedimento conhecido como microcesariana, está altamente relacionada com o risco para o desenvolvimento de endometriose quando comparado com cesariana realizada no final da gestação9. Esse fator está diretamente associado com a teoria de que o endométrio do início da gravidez é mais favorável para o desenvolvimento de endometriose do que o endométrio do final da gestação10.
Quando na parede abdominal, a endometriose localiza-se, preferencialmente, próximo de uma cicatriz cirúrgica. Embora ocorra na maioria dos casos em pacientes com passado de cesariana11,12, tem sido observada também em incisão operatória pós histerectomia convencional ou laparoscópica13,14, apendicectomia e hérnia inguinal, assim como já foi descrita em pacientes sem qualquer intervenção prévia15. A sintomatologia clássica da endometriose de parede abdominal consiste em tumoração bastante sensível à palpação, intermitentemente dolorosa, que aumenta de volume e sensibilidade de acordo com a fase do ciclo menstrual.
Em relação à patogenia, nenhuma teoria consegue explicar completamente o mecanismo exato de formação da endometriose de parede abdominal, sendo provável que resulte de combinação de eventos. No entanto, há duas teorias que sugerem a ocorrência de endometriose de parede abdominal16, sendo a hipótese mais aceita a contaminação da parede abdominal particularmente durante procedimentos de abertura do útero8,17. A outra seria a ocorrência de refluxo através das tubas uterinas, de partículas do endométrio para cavidade abdominal, vasos sanguíneos e linfáticos. Outra possibilidade seria a presença de células multipotenciais primitivas extra útero, que em certas condições produziriam endometriose, o que explicaria a presença de endometriose de parede abdominal em indivíduos que não realizaram cirurgia prévia5,17,18.
Como sinais e sintomas, pode-se destacar a presença de tumoração na parede abdominal que aumenta de volume e provoca dor, principalmente, no período menstrual8,19. De fato, a suspeita diagnóstica deve ocorrer quando os sinais e sintomas nitidamente coincidem com as fases do período menstrual20,21. Entretanto, nem sempre essa relação se apresenta de forma clara, dificultando, dessa forma, o estabelecimento da causa do problema. Nesse sentido, é importante estabelecer diagnóstico diferencial com os seguintes tumores: sarcomas, carcinomas metastático, hérnias, hematomas e granulomas, entre outros. Ressalta-se que a nítida relação dos sinais e sintomas com a menstruação pode favorecer a correta impressão diagnóstica de endometriose8,22. Vale ressaltar, ainda, que quase sempre há influência dos hormônios ovarianos, o que promove alterações associadas ao ciclo menstrual, incluindo sangramento8,22.
O tratamento da endometriose de parede abdominal é essencialmente cirúrgico e tem como objetivo principal a completa ressecção da tumoração, uma vez que não deve permanecer nenhum resto de tecido endometrial na área comprometida8,23. Por isso, a excisão deve ser ampla para retirar todos os segmentos de pele, tecido subcutâneo, músculos, aponeuroses e peritônio potencialmente envolvidos2,24-27. A literatura tem recomendado que se possível, o defeito criado pela excisão alargada deve ser corrigido com os próprios músculos e aponeuroses abdominais. No entanto, quando isto implica em alguma tensão nas linhas de suturas, a opção mais utilizada é o uso de prótese de polipropileno8,28. Vale ressaltar que em endometrioses de parede abdominal, quando há uma infiltração acima de 5mm de espessura da parede, acometendo o peritônio parietal, pode haver complicações pós-operatórias graves29-31.
É entidade clínica bastante conhecida na literatura ginecológica, porém, ainda não é bem compreendida entre cirurgiões gerais8. Nesse sentido, como não há nenhum marcador clínico seguro, o diagnóstico ocorre mediante análise histopatológica de amostra coletada a partir de procedimento invasivo. Assim, é importante traçar o perfil de indivíduos com essa doença com o objetivo de contribuir para o diagnóstico. Acredita-se que a incidência de endometriose de parede abdominal é maior em mulheres jovens com idade entre 18 e 29 anos6,7. Assim, o objetivo do presente estudo é relatar a experiência de 22 casos de endometriose de parede abdominal, elucidando a importância do tratamento cirúrgico utilizado, além de evidenciar o perfil das mulheres com endometriose de parede abdominal atendidas pelo Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense e observar a associação com a faixa etária, cor e cesariana prévia.
MÉTODOS
Realizou-se estudo descritivo, retrospectivo, de caráter quantitativo. A pesquisa foi realizada no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense - HUAP/UFF, situado na Rua Marquês de Paraná, 303, Centro - Niterói - RJ. Além disso, a coleta de dados foi realizada a partir de pesquisa documental, por meio de consultas ao prontuário do Setor de Documentação Médica do HUAP. As variáveis utilizadas neste estudo foram: ano de procura do setor, idade, cor, diagnóstico de endometriose de parede abdominal, cesariana prévia e resultado histopatológico dos espécimes, utilizado apenas para confirmar endometriose da parede abdominal. Além disso, houve a classificação da idade em adultas jovem (idade entre 18 e 28 anos e 11 meses) e adultas (mais de 29 anos)6,7.
O tamanho da amostra foi definido por conveniência, dessa forma, não foi utilizado cálculo para o tamanho amostral. Com o auxílio do software SISAIH 01, foram pesquisados CIDs de doenças de parede abdominal. Além disso, realizou-se pesquisa no Setor de Anatomopatologia do HUAP/UFF para obtenção dos prontuários desejados. Assim, foram selecionados 100 pacientes, observando-se os casos de endometriose de parede abdominal, além de pacientes com outros tipos de tumoração de parede abdominal para que fosse verificada a maior incidência ou não de casos ocorridos com mulheres jovens, a cor e o histórico prévio de cesariana ou cirurgia abdominal. Logo, os indivíduos não sofreram nenhuma intervenção pessoal ou entrevista.Foram coletados os dados do prontuário em que as pacientes possuíam quadro clínico de endometriose de parede abdominal e outros tipos de tumores também de parede abdominal O período de coleta dos dados foi de janeiro de 2000 até dezembro de 2019.
Os critérios de inclusão foram pacientes do sexo feminino, submetidas a cirurgia de endometriose confirmada com exame histopatológico e também portadoras de outros tumores de parede abdominal. Os critérios de exclusão foram pacientes do sexo feminino com diagnóstico de hérnias incisionais e umbilicais não encarceradas (redutíveis) e doenças intra-abdominais dando efeito de massa palpável.
O trabalho foi avaliado e aprovado pelo CEP/UFF em 24 de maio de 2019 (protocolo de pesquisa nº 12123219.1.0000.5243) e por se tratar de pesquisa de caráter retrospectivo, houve a dispensa de apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
ANÁLISE DOS DADOS
Os dados colhidos foram submetidos à análise estatística usando-se o programa IBM SPSS Statistics versão 20.0.
Os dados referentes à idade foram analisados quanto à normalidade pelo teste Kolmogorov-Smirnov e expressos como média ± desvio padrão, quando houve distribuição normal, como mediana (mínimo-máximo), caso contrário. Os demais resultados referentes à cor, à cesariana prévia, à faixa etária e ao diagnóstico foram apresentados como frequência e porcentagem. Para comparar a idade, foi utilizado o teste t-Student, caso distribuição normal, ou teste Mann-Whitney, caso contrário. Para analisar a associação entre o diagnóstico de endometriose com cor, faixa etária e cesariana prévia foi utilizado o teste Exato de Fisher. O nível de significância foi de p<0,05.
RESULTADOS
A Tabela 1 tem o registro dos achados referentes às características das pacientes estudadas. Evidenciou-se que a idade média das mulheres era de 33,23 anos, sendo a maioria classificada como adulta (81,8%). Além disso, houve maior prevalência de pardas (54,5%) e de mulheres que foram submetidas a cesariana prévia (95,5%).
Dos casos avaliados, 22 possuíam endometriose de parede abdominal. A Tabela 2 mostra os dados clínicos, método diagnóstico, tratamento e evolução pós-operatória. A idade variou entre 26 e 40 anos (idade média de 33,23 anos) e 21 pacientes tinham passado por cesariana prévia. Em relação ao tempo de sinais e sintomas, a média encontrada foi de 2,66 anos, variando de 6 meses a 7 anos.
A queixa principal em todos os casos foi de tumoração na parede abdominal que aumentava de volume e se tornava mais dolorosa com o início do período menstrual. O tumor localizava-se nas fossas ilíacas em 18 pacientes (8 à direita e 10 à esquerda), e um no flanco esquerdo. Todos localizaram-se nas proximidades da cicatriz operatória de cesariana. Em três casos, estava localizado na região umbilical. Todas tinham, à palpação, limites imprecisos, consistência macia e sensibilidade aumentada.
Realizou-se ultrassonografia em 20 e tomografia computadorizada em 14 casos. Em três exames tomográficos houve a captação de contraste pela tumoração (apenas uma delas encontrava-se menstruada durante o exame).
Em todos os casos, foi realizado exérese ampla do tumor e dos tecidos adjacentes comprometidos (Figura 1). Em 6 casos, foi necessário o uso de tela de polipropileno na reconstrução da parede abdominal, associada à drenagem por aspiração ativa durante 48 horas em duas ocasiões.
Após o acompanhamento até a alta ambulatorial, foi observado que a evolução pós-operatória das pacientes foi satisfatória e efetiva, sem nenhuma recidiva ou intercorrência, além de melhora da dor, desconforto e tumoração. Além disso, o exame histopatológico dos espécimes confirmou, em todos os casos, a impressão diagnóstica pré-operatória de endometriose.
A Figura 2 demonstra a comparação das idades de acordo com o diagnóstico encontrado. Notou-se que as pessoas com endometriose de parede abdominal têm média de idade menor (p=0,0001) (endometriose de parede abdominal - sim: 33,23 ± 4,46 anos; não: 57,65 ± 17,59 anos).
Entretanto, quando houve a análise da endometriose de acordo com a faixa etária, não foi observada diferença significativa. De fato, as mulheres com endometriose são mais jovens, no entanto, a maior frequência se encontra na faixa etária considerada adulta e não adulta jovem (Tabela 3). A Tabela 3 mostra também a associação entre endometriose e a cor. Observou-se que não houve diferença significativa entre esses fatores, ou seja, a cor da paciente não interferiu na endometriose. Em relação a cesariana prévia, foi observado que existe associação com a endometriose, ou seja, a maioria (95%) das mulheres com endometriose realizaram cesariana prévia (Tabela 3).
DISCUSSÃO
A endometriose é doença bastante conhecida na literatura ginecológica, porém ainda não é bem compreendida entre os cirurgiões gerais8. No presente estudo, foi observado que as pacientes com endometriose de parede abdominal apresentaram menor idade quando comparadas a pacientes com outros diagnósticos e realizaram cesariana prévia. Assim, pôde-se inferir que a endometriose de parede abdominal está relacionada com cesariana prévia.
Como podemos observar a partir da análise dos casos, a endometriose de parede abdominal geralmente acomete mulheres na faixa etária de reprodução, com incidência máxima na terceira e quarta década5,32. A idade média dos indivíduos diagnosticados com endometriose de parede abdominal foi de 33,23 anos, semelhante ao que foi encontrado por Khamechian, Alizargar, e Mazoochi (2014)33, Khan et al. (2017)34, Yela et al., (2017)35, Satyanarayana et al. (2018)36, Marras et al. (2019)37, Ramos-Mayo & Gil-Galindo (2019)38 e Zhang et al. (2019)12. Essa idade representa a fase em que a mulher se encontra como reprodutivamente ativa, o que foi descrito inicialmente por Chun, Nelson e Maull (1990)24 e encontrado também em estudo mais recentes12,35,38. Entretanto, não foi encontrada associação entre a endometriose de parede abdominal e a faixa etária de adultas jovens, de fato, havia mais mulheres adultas (88%).
Na comparação entre as médias das idades, Khan et al. (2017)34 não encontraram diferença significativa entre os grupos, o que vai em desacordo com o presente estudo, em que os pacientes com diagnóstico de endometriose de parede abdominal apresentaram idade menor quando comparadas às demais.
Apesar da maioria das mulheres serem pardas, não foi observada diferença significava em relação à associação da cor com a endometriose de parede abdominal. Não há na literatura trabalhos que estudaram esse quesito.
Em relação a cesariana prévia, foi encontrada associação entre o diagnóstico e a realização de cesariana, sendo que 21% apresentam esses quesitos. Além disso, dentre as mulheres com endometriose de parede abdominal, a porcentagem de cesariana prévia aumenta para 95%, ou seja, dos 22 casos de endometriose, 21 realizaram cesariana prévia. Esse fator já é bem descrito na literatura, visto que pode acontecer o transporte de tecido endometrial para a cicatriz ou para tecidos adjacentes durante a cirurgia12,33-43. Houve apenas um caso, na presente casuística, em que não houve operação prévia, visto que houve parto normal.
Horton et al. (2008)40 realizaram revisão contendo 455 casos de endometriose de parede abdominal e evidenciaram que 57% dos casos estava associado com parto cesariana, elucidando também relações com histerectomia (11%) e outras operações (13%).
Khamechian, Alizargarl e Mazoochi (2014)33 estudaram 30 mulheres diagnosticadas com endometriose de parede abdominal e evidenciaram que todas tinham tido parto por cesariana.
Ecker et al. (2014)42 relataram os casos de endometriose de parede abdominal a partir de experiência de 12 anos, num instituto acadêmico. Observaram que das 65 pacientes, 91,5% havia realizado cesariana prévia e somente 6 nunca tinham realizado qualquer operação.
Oh et al. (2014)41 ao realizarem estudo de caso com 9 pacientes, observaram que 6 participantes tinham sido submetidas a cesariana prévia. Esse estudo ainda ressaltou a importância da utilização de exame de imagem para ajudar no diagnóstico.
Em 2017, em estudo realizado na Universidade Estadual de Campinas - SP, foram avaliados os casos de endometriose de parede abdominal num período de 10 anos. Observou-se que 94% havia realizado cesariana prévia, sendo que 98% sentiam dor e 36,5% apresentavam tumoração35.
Celik et al. (2019)39 efetuaram estudo com 53 pacientes, observando um total de 49 casos de cesariana prévia, o que representa, aproximadamente, 92% dos casos. Destacaram ainda que esse diagnóstico tem se tornado comum, em decorrência do aumento nas taxas de cesariana.
Khan et al. (2017)34 investigaram os fatores de risco de mulheres que foram submetidas a cirurgia de exérese da tumoração da endometriose de parede abdominal e observaram que 88,2% realizaram cesariana prévia. Destacaram ainda, que 94,1% tinham sido submetidas a laparotomia.
Satyanarayana et al. (2018)36 estudaram 29 casos com endometriose e encontram 16 casos associados à cesariana prévia, sendo que em 56,25% a lesão estava localizada próxima à região da cicatriz.
Marras et al. (2019)37 realizaram estudo retrospectivo observacional com duração de 11 anos e incluíram 37 mulheres com endometriose de parede abdominal. Elucidaram que, em relação as operações prévias, 65,7% tinham sido submetidas a cesariana.
Zhang et al. (2019)12 em estudo com 198 casos de endometriose em cicatriz de cesariana, todas as pacientes tinham realizado cesariana prévia. Observaram, além disso, que 98,5% apresentaram massa abdominal e 86,9% relataram dor.
Wasfie et al. (2002)11 relataram que quando a endometriose ocorre na região abdominal, localiza-se preferencialmente próximo de ou em cicatriz cirúrgica. Além desses autores corroborarem com o presente estudo, vale ressaltar que um dos principais fatores de risco para a endometriose de parede abdominal é a cesariana. Grigore et al. (2017)44 ratificaram a importância de reavaliar o melhor método cirúrgico e o cuidado durante o procedimento, sendo esses, inclusive, métodos profiláticos. Wasfie et al. (2002)11 recomendam a irrigação vigorosa da ferida pós-operatória com solução salina antes do fechamento da parede abdominal. Koger et al. (1993)2, Patterson e Winburn (1999)25 e Calabrese et al. (1997)45 defendem ainda a punção biópsia aspirativa com agulha fina, que conforme o presente estudo, estaria contraindicada pela possibilidade de disseminar a doença nos tecidos sadios no trajeto da punção.
Não há relatos na literatura sobre a associação entre endometriose de parede abdominal e múltiplas cesarianas. No entanto, Solak et al. (2013)43 observaram forte associação entre o número de cesarianas e tamanho da tumoração, visto que as grandes (4,1 cm de diâmetro) estavam mais presentes em mulheres que foram submetidas a entre 2 e 4 cesarianas e, as pequenas (1,9 cm de diâmetro) em mulheres com entre 1 e 2 cesarianas.
Vale ressaltar ainda a associação com o índice de massa corporal, Khan et al. (2017)34 evidenciaram que a média foi maior em mulheres que foram diagnosticadas com endometriose de parede abdominal (casos: 29,2 ± 6,6 kg/m² vs controle: 26,4 ± 8,8 kg/m²), justificando esse achado ao fato de ocorrer maior dificuldade cirúrgica em pacientes obesas, principalmente, relacionado ao fechamento subótimo do útero após incisão. Corroborando esse achado, Marras et al. (2019)37 observaram que das 35 pacientes com endometriose 54,3% estavam acima do peso (índice de massa corporal acima de 24,9 kg/m²). Além disso, Celik et al. (2019)39 observaram média de 25,5 ± 3,5 kg/m², ou seja, valor que também é considerado como acima do peso.
Com o objetivo de promover maiores dados para a colaboração do diagnóstico e conduta terapêutica perante a endometriose de parede abdominal, mais estudos seriam necessários. Estudo recente de Azhar et al. (2019)46 mostra o que inicialmente foi diagnosticado como hérnia inguinal e, após histopatologia, foi confirmado ser endometriose. Os autores ressaltaram, assim, a importância de diagnóstico diferencial de endometriose em mulheres em idade reprodutiva com ou sem histórico de endometriose, especialmente em pacientes pós-cesariana.
Além disso, a sintomatologia clássica da endometriose de parede abdominal consiste em tumoração com alta sensibilidade à palpação, intermitentemente dolorosa, que aumenta de volume e sensibilidade de acordo com a fase do ciclo menstrual8. Na presente casuística, a evolução pós-operatória das pacientes foi satisfatória, sem nenhuma recidiva, assim, esses fatores contribuíram para melhorar a dor, desconforto e tumoração.
A suspeição diagnóstica deve sempre ser aventada quando os sinais e sintomas nitidamente coincidem com as fases do período menstrual. Entretanto, essa relação nem sempre está clara, o que prejudica o estabelecimento da etiologia do problema6. Assim, é importante que haja o estabelecimento de diagnóstico diferencial com os seguintes tumores: sarcomas, carcinoma metastático, hérnias, hematomas e granulomas, entre outros. No presente estudo, foi observada nítida relação dos sinais e sintomas com a menstruação, o que favoreceu a correta impressão diagnóstica de endometriose, a qual foi confirmada pelo exame histopatológico.
O tratamento da endometriose da parede abdominal é essencialmente cirúrgico e tem como objetivo principal a completa ressecção do processo, visto que não deve permanecer nenhum tecido endometrial remanescente na área comprometida. Dessa forma, a excisão deve ser ampla para, assim, haver a retirada completa de todos os segmentos de pele, tecido subcutâneo, músculos, aponeuroses e peritônio potencialmente envolvidos2,24,26,27,47. O defeito criado pela excisão alargada deve ser corrigido com os próprios músculos e aponeuroses abdominais. Entretanto, quando ocorre alguma tensão nas linhas de suturas, o uso da prótese de polipropileno é o mais utilizado8.
Existe a necessidade de estudos mais detalhados no que concerne à análise do número de filhos e de cesarianas, com o intuito de avaliar se há influência no tamanho da tumoração. A associação com laparotomia e histerectomia prévias e a análise do estado nutricional dessas pacientes também necessitam ser mais bem elucidadas.
Em suma, a endometriose de parede abdominal é condição rara que promove dor ao paciente, apresentando diagnóstico a partir da análise histopatológica. O tratamento é essencialmente cirúrgico e tem como objetivo principal a completa ressecção do processo. Assim, foi observado que todas as pacientes apresentaram satisfatória evolução pós-operatória e foi elucidada a relação da cesariana prévia com a endometriose de parede abdominal em mulheres em idade reprodutiva ativa.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Set 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
27 Mar 2020 -
Aceito
14 Abr 2020



Fonte: Caso próprio
Legenda: Teste t-student; *p<0,05.