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Panorama do câncer de mama em mulheres no norte do Tocantins - Brasil

RESUMO

Objetivo:

avaliar a variação temporal dos percentuais de câncer mamário feminino em estádios precoce e tardio e analisar as variáveis sócio-demográficas associadas com esses estádios.

Métodos:

estudo de dados secundários realizado entre 2000 e 2015 no Hospital Regional de Araguaína, Araguaína, TO, Brasil.

Resultados:

foram diagnosticados 51,1% de casos de câncer mamário em fase avançada e 48,9% em fase precoce. Não houve diferença significativa dos percentuais de pacientes com estádios precoces e tardios ao longo dos anos avaliados. As mulheres de raça/cor preta, analfabeta e de procedência do sudeste do Pará apresentaram maior porcentagem de estadiamento tardio no momento do diagnóstico.

Conclusões:

a maioria das mulheres foi diagnosticada com doença avançada; a evolução temporal da proporção de casos (avançado/precoce) não demonstrou mudanças variacionais ao longo dos anos; foi identificado associação da doença em estádio avançado nas mulheres de raça/cor preta, analfabetas e provenientes do sudeste do Pará.

Descritores:
Neoplasias da Mama; Epidemiologia Descritiva; Estadiamento de Neoplasias; Diagnóstico Tardio

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the temporal variation of the percentages of female breast cancer in early and late stages and analyze socio-demographic variables associated with these stages.

Methods:

study of secondary data performed between the years of 2000 and 2015 in the Araguaína Regional Hospital - Araguaína - TO - Brasil.

Results:

breast cancer in advanced stages were diagnosed in 51.1% of the cases and at an early stage in 48.9%. There was no difference between the percentages of patients with early and late stages over the years. Women of race/black, illiterate and origin of the southeast of Pará presented a higher percentage of late staging at diagnosis.

Conclusions:

most women was diagnosed with advanced disease; the time evolution of the proportion of cases (advanced/early) did not demonstrate variational changes over the years; association of the disease has been identified in advanced stage in women of race/black, illiterate and from the southeast of Pará state.

Keywords:
Breast Neoplasms; Epidemiology, Descriptive; Neoplasm Staging; Delayed Diagnosis

INTRODUÇÃO

O câncer de mama está inserido no desafiante contexto das doenças e agravos não transmissíveis impelidas pela rápida transição demográfica, nutricional e social da população mundial11 Hunter DJ, Reddy KS. Noncommunicable diseases. N Engl J Med. 2013;369(14):1336-43.. Este cenário de saúde pública é pior nas localidades com sistemas de saúde precários22 Mills A. Health care systems in low- and middle-income countries. N Engl J Med. 2014;370(6):552-7.. As estatísticas globais revelam que aproximadamente 60% das mortes relacionadas ao câncer de mama ocorrem em países em desenvolvimento33 Torre LA, Bray F, Siegel RL, Ferlay J, Lortet-Tieulent J, Jema A. Global cancer statistics, 2012. CA Cancer J Clin. 2015;65(2):87-108.. Tal fato tem sido atribuído ao frágil sistema de saúde desses países que possuem um acesso limitado ao diagnóstico precoce e não oferecem tratamento eficaz às pacientes44 World Health Organization. Cancer 2016. [Internet]. Geneva: WHO; 2016. Available from: http://www.who.int/cancer/en/
http://www.who.int/cancer/en/...
. Assim, mesmo diante do grande progresso na detecção precoce e tratamento do câncer de mama alcançado nos últimos anos, esta doença continua impondo um ônus à população mundial devido à sua incidência progressiva e à sua complexidade epidemiológica44 World Health Organization. Cancer 2016. [Internet]. Geneva: WHO; 2016. Available from: http://www.who.int/cancer/en/
http://www.who.int/cancer/en/...
. Eis que então, as análises epidemiológicas de conjunturas regionais específicas de populações se fazem essenciais para o desenvolvimento de ações voltadas para as distintas demandas de saúde.

Este trabalho teve como objetivos avaliar a variação temporal dos percentuais de casos de câncer de mama em mulheres, cadastrados em estádios precoce e tardio, e analisar a associação das variáveis sócio-demográficas com esses estádios no momento do primeiro atendimento no Hospital Regional de Araguaína/TO (HRA/TO).

MÉTODOS

Trata-se de um estudo analítico, de dados secundários do programa Sis-RHC do HRA, de câncer de mama em mulheres atendidas entre janeiro de 2000 e dezembro de 2015. O estadiamento clínico utilizado foi o sistema proposto pela União Internacional Contra o Câncer55 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Classificação de tumores malignos. 7ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2012.. Posteriormente, essas informações foram agrupadas para análise em dois grupos: o grupo de casos de doença em estádio precoce (0, I e II) e estádio tardio (III e IV).

As variáveis de caracterização sócio-demográficas foram descritas conforme as categorizações propostas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) na Ficha de Registro de Tumor 66 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Rotinas e Procedimentos. 1ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2000.,77 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Manual de procedimentos do registro hospitalar de câncer. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2011. como: idade, raça/cor da pele, grau de escolaridade, estado conjugal, procedência, alcoolismo, tabagismo e origem do encaminhamento.

As análises foram realizadas com o uso do software estatístico SPSS 20.0. As existências de associações entre duas variáveis categóricas foram verificadas utilizando-se o teste de Qui-Quadrado, ou alternativamente, em casos de amostras pequenas, o teste exato de Fisher. Em se verificando diferenças na distribuição, foi utilizado o resíduo ajustado padronizado para identificar as diferenças locais (caselas) com valores absolutos acima de 1,96 indicando evidências de associações (locais) entre as categorias relativas a essas caselas. As comparações de médias entre dois grupos foram realizadas utilizando-se o teste t de Student para amostras independentes. Já para se comparar as médias entre mais de dois grupos, empregou-se se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis devido à violação da suposição de normalidade nos dados requerida pela Análise de Variâncias (ANOVA). Em se identificando diferenças de médias, a localização de tais diferenças foi realizada empregando-se as comparações múltiplas de Dunn-Bonferroni. Para todos os testes estatísticos foram utilizados um nível de significância de 5%. O projeto deste estudo foi cadastrado na Plataforma Brasil tendo sido apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer de número 639460).

RESULTADOS

Durante o período estudado (2000 a 2015), 1409 casos analíticos e não analíticos de mulheres com câncer de mama foram cadastrados nos Sis-RHC do HRA. No momento do primeiro atendimento na Instituição, os estadiamentos clínicos mais frequentemente encontrados nessas pacientes foram: IIA, IIB, IIIB e IV (Figura 1). Dessa forma, o grupamento por estádios mais comumente constatado nas mulheres com câncer de mama cadastradas no HRA foi o estádio III, seguido pelo estádio II, com 35,2% e 33,7% respectivamente (Figura 2). Quando se agrupou os estádios 0, I e II como estádios precoces e, os estádios III e IV como tardios, notou-se que 51,8% de casos foram diagnosticados em fase avançada da doença, enquanto 48,2% em fase precoce (Figura 3).

Figura 1.
Estádios do câncer de mama no HRA de 2000 a 2015.

Figura 2.
Grupamentos do câncer de mama no HRA de 2000 a 2015.

Figura 3.
Status do câncer de mama no HRA de 2000 a 2015.

A análise evolutiva dos estádios de câncer de mama não mostrou diferença significante nas proporções dos percentuais (p=0,757) entre estádios precoces e tardios no momento do diagnóstico ao longo dos anos avaliados (Figura 4).

Figura 4.
Status temporal do câncer de mama no HRA de 2000 a 2015.

Da amostra total de 1.409 mulheres, apenas 2,2% (28 casos) não apresentaram registro da variável estadiamento (registro sem informação) e, dessa mesma forma, isso também ocorreu com algumas das variáveis sócio-demográficas. Assim, a etapa de análise das variáveis sócio-demográficas com estadiamento (precoce e tardio) apresenta quantitativos distintos de registros. Portanto, tem-se que as mulheres de raça/cor preta (p=0,012), analfabeta (p=0,003) e de procedência do sudeste do Pará (p=0,009) apresentaram maior porcentagem de estadiamento tardio. Por outro lado, as mulheres brancas, com ensino superior completo, de procedência descrita como outros tiveram porcentagem maior de estadiamento precoce. As demais variáveis como: faixa etária, origem do encaminhamento, estado conjugal, histórico familiar, alcoolismo e tabagismo não apresentaram associação com estádio precoce ou tardio da doença (Tabela 1).

Tabela 1
Dados sócio-demográficos e status do câncer de mama.

DISCUSSÃO

Esta análise permitiu conhecer algumas características epidemiológicas das mulheres atendidas com câncer de mama na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) de Araguaína - TO durante os dezesseis anos pesquisados (2000 a 2015). Vale ressaltar que o Hospital Regional de Araguaína é referência para tratamento oncológico para todo estado do Tocantins, sudeste do Pará e sul do Maranhão. Além do que, o HRA contou com o único serviço público de radioterapia do estado até o ano de 2015.

Considerando possíveis limitações deste trabalho, durante o período estudado, o percentual de mulheres com câncer de mama em estádios avançados nesta região foi elevado (cerca de 50% dos casos). Resultados semelhantes e até piores aos deste estudo são encontrados entre as mulheres indianas e africanas subsaarianas. Nesses Países, 70 a 90% dos casos são diagnosticados em estádios III e IV88 Ezeome ER. Delays in presentation and treatment of breast cancer in Enugu, Nigeria. Niger J Clin Pract. 2010;13(3):311-6.,99 Chintamani, Tuteja A, Khandelwal R, Tandon M, Bamal R, Jain S, et al. Patient and provider delays in breast cancer patients attending a tertiary care centre: a prospective study. JRSM Short Rep. 2011;2(10):76.. Percentuais elevados de casos de câncer de mama diagnosticados em fase avançada geralmente são constatados em vários locais do planeta, principalmente nas regiões menos desenvolvidas88 Ezeome ER. Delays in presentation and treatment of breast cancer in Enugu, Nigeria. Niger J Clin Pract. 2010;13(3):311-6.

9 Chintamani, Tuteja A, Khandelwal R, Tandon M, Bamal R, Jain S, et al. Patient and provider delays in breast cancer patients attending a tertiary care centre: a prospective study. JRSM Short Rep. 2011;2(10):76.
-1010 Espinosa de Los Monteros K, Gallo LC. The relevance of fatalism in the study of Latinas' cancer screening behavior: a systematic review of the literature. Int J Behav Med. 2011;18(4):310-8..

Especificamente, o estado do Tocantins (antigo norte do estado de Goiás) caracterizou-se por ter sido uma região pouco desenvolvida e considerada uma das áreas vulneráveis em saúde do Brasil por décadas. Porém, após a criação do estado do Tocantins em 1988, houve crescimento gradativo de vários setores da economia como o comércio, a construção civil, assim como a melhoria considerável na área da saúde e educação principalmente no município de Araguaína1111 IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios 2014. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2014/default.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Portanto, diante da aparente transformação de desenvolvimento na região, era de se esperar que o número de casos de câncer de mama em estádios avançados reduzisse ao longo dos anos, fato que não ocorreu. A análise detalhada dos estadiamento dos casos revelou que as elevadas proporções de percentuais de casos avançados persistiram com pequenas oscilações anuais para mais e para menos da faixa próxima dos 50% durante os 16 anos estudados. Logo, estes resultados demonstraram que os desempenhos local e regional das ações de controle do câncer tiveram pouca eficiência ao longo desses anos.

Alguns Pesquisadores brasileiros verificaram que, mesmo nas regiões mais desenvolvidas do país, percentuais elevados de casos avançados de câncer de mama podem ser encontrados1212 Soares PBM, Quirino Filho S, Souza WP, Gonçalves RCR, Martelli DRB, Silveira MF, et al. Características das mulheres com câncer de mama assistidas em serviços de referência do Norte de Minas Gerais. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(3):595-604.. Não obstante, outros têm demonstrado melhoras significativas na redução do número de casos avançados e taxa de mortalidade1212 Soares PBM, Quirino Filho S, Souza WP, Gonçalves RCR, Martelli DRB, Silveira MF, et al. Características das mulheres com câncer de mama assistidas em serviços de referência do Norte de Minas Gerais. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(3):595-604.,1313 Leite TKM, Fonseca RMC, França NM, Parra EJ, Pereira RW. Genomic ancestry, self-reported "color" and quantitative measures of skin pigmentation in Brazilian admixed siblings. PLoS One. 2011;6(11):1-9.. Assim, de forma geral, o percentual de pacientes em estádio avançado e taxa de mortalidade por câncer de mama vem sofrendo queda progressiva nas regiões do sul, sudeste e centro-oeste. Contudo, vale ressaltar que, muitas dessas análises, refletiram apenas a realidade de Centros de Saúde isolados e melhor qualificados para a atenção oncológica1515 Haddad CF. Características clínico-patológicas e estadiamento ao diagnóstico de pacientes com câncer de mama em um centro de saúde do interior de Minas Gerais. Rev Bras Mastol. 2014;24(4):103-8.,1616 Tiezzi DG. [Breast cancer screening in Brazil: there is still time to rethink]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):385-7. Portuguese.. De fato, quando se analisa, trabalhos mais abrangentes envolvendo instituições públicas com representatividade regional, percebe-se que o percentual de casos diagnosticados em estádio avançado de doença é consideravelmente superior ao encontrado nessas unidades de saúde mais focadas em assistência oncológica1616 Tiezzi DG. [Breast cancer screening in Brazil: there is still time to rethink]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(9):385-7. Portuguese..

Vários são os fatores que podem contribuir para o diagnóstico tardio em mulheres com câncer de mama como à acessibilidade difícil aos cuidados médicos, à escassa oferta de serviços especializados, à dificuldade para realização de diagnóstico, além do escasso conhecimento sobre o câncer de mama por profissionais da área de saúde99 Chintamani, Tuteja A, Khandelwal R, Tandon M, Bamal R, Jain S, et al. Patient and provider delays in breast cancer patients attending a tertiary care centre: a prospective study. JRSM Short Rep. 2011;2(10):76.,1414 Gonzaga CMR, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa AL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health. 2015;15(1):96.,1717 Gebrim LH, Shida JY, Hegg R, Topis T, Mattar A. Avaliação do tempo de início do tratamento, estadiamento histopatológico e positividade dos biomarcadores (RE, RP, HER-2) em 3.566 pacientes tratadas pelo SUS no período de 2012 a 2014, no Hospital Pérola Byington. Rev Bras Mastol. 2014;24(3):65-9.,1818 Rêgo IK, Nery IS. Acesso e adesão ao tratamento de mulheres com câncer de mama assistidas em um Hospital de Oncologia. Rev Bras Cancerol. 2013;59(3):379-90.. Percebe-se então que a funcionalidade de tudo isto requer um sistema de saúde bem estruturado, proativo, voltado para o "cuidar", ou seja, capaz de antecipar as ocorrências numa sociedade participativa com cidadãos mais ativos.

Em países desenvolvidos, com redes de saúde funcionais, as taxas de mortalidade pelo câncer de mama vêm reduzindo ao longo dos últimos anos e está intimamente relacionada ao diagnóstico mais precoce da doença. O desenvolvimento de programas efetivos de combate ao câncer de mama inclui o rastreamento com mamografias direcionadas para cobertura da população alvo, exames com boa qualidade e tratamento adequado da doença1919 Coldman A, Phillips N, Wilson C, Decker K, Chiarelli AM, Brisson J, et al. Pan-Canadian study of mammography screening and mortality from breast cancer. J Natl Cancer Inst. 2014;106(11).,2020 Renck DV, Barros F, Domingues MR, Gonzalez MC, Sclowitz ML, Caputo EL, et al. Equidade no acesso ao rastreamento mamográfico do câncer de mama com intervenção de mamógrafo móvel no sul do Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(1):88-96.. Isso significa níveis equivalentes de uma boa atenção à saúde desde sua promoção até o próprio cuidado paliativo na fase final da doença. Nesses Países aproximadamente menos de 10% dos tumores são detectados em estádio avançado2121 Siegel R, Ward E, Brawley O, Jemal A. Cancer statistics, 2011: the impact of eliminating socioeconomic and racial disparities on premature cancer deaths. CA Cancer J Clin. 2011;61(4):212-36..

No Brasil, as ações de combate ao câncer de mama têm sido pouco eficientes e não tem tido uma abrangência satisfatória. Isso tem resultado nas altas taxas de diagnóstico em estádios avançados contribuindo com as altas taxas de mortalidade das mulheres brasileiras com câncer de mama1717 Gebrim LH, Shida JY, Hegg R, Topis T, Mattar A. Avaliação do tempo de início do tratamento, estadiamento histopatológico e positividade dos biomarcadores (RE, RP, HER-2) em 3.566 pacientes tratadas pelo SUS no período de 2012 a 2014, no Hospital Pérola Byington. Rev Bras Mastol. 2014;24(3):65-9.. A mais baixa cobertura entre as mulheres em idade alvo para o rastreamento com mamografias ocorre na região norte do País2222 Azevedo e Silva G, Teixeira MTB, Aquino EML, Tomazelli JG Silva SI. Acesso à detecção precoce do câncer de mama no Sistema Único de Saúde: uma análise a partir dos dados do Sistema de Informações em Saúde. Cad Saúde Pública. 2014;30(7):1537-50..

Notou-se também neste estudo que houve forte associação entre estadiamento de doença em fase tardia com a raça/cor preta (p=0,012). Resultados semelhantes também foram encontrados por outros autores que verificaram que mulheres de raça negra apresentaram maiores atrasos tanto no diagnóstico quanto no tratamento da doença, quando comparadas àquelas de raça branca2323 U.S. Department of Health and Human Services. National Cancer Institute. Estimated new cases and deaths from breast cancer in the United States in 2014 [Internet]. Bethesda: NCI; 2015. Available from: http://www.cancer.gov/types/breast
http://www.cancer.gov/types/breast...
. Nos Estados Unidos, onde a miscigenação racial é menos evidente, as mulheres brancas apresentam maior incidência de câncer de mama em comparação a outras raças e etnias. No entanto, as mulheres afro-americanas são mais propensas a morrer da doença. Essas disparidades resultam da oportunidade de acesso aos serviços de saúde e ao tratamento2121 Siegel R, Ward E, Brawley O, Jemal A. Cancer statistics, 2011: the impact of eliminating socioeconomic and racial disparities on premature cancer deaths. CA Cancer J Clin. 2011;61(4):212-36.,2323 U.S. Department of Health and Human Services. National Cancer Institute. Estimated new cases and deaths from breast cancer in the United States in 2014 [Internet]. Bethesda: NCI; 2015. Available from: http://www.cancer.gov/types/breast
http://www.cancer.gov/types/breast...
.

Contudo, a coleta dessas informações sobre raça/cor com câncer de mama ainda se mostra deficiente, pois o procedimento mais recomendado é a autoclassificação. Deve-se destacar que o alto grau de miscigenação entre as raças no Brasil, bem como o perfil de subjetividade na determinação de cor da pele, também pode gerar viés na interpretação dos dados coletados1313 Leite TKM, Fonseca RMC, França NM, Parra EJ, Pereira RW. Genomic ancestry, self-reported "color" and quantitative measures of skin pigmentation in Brazilian admixed siblings. PLoS One. 2011;6(11):1-9.. Além disso, outro ponto relevante sobre o caráter mais agressivo do câncer de mama em mulheres de raça/cor preta pode estar relacionado ao fenótipo triplo-negativo que parece ocorrer com maior frequência em mulheres jovens afrodescendentes predominantemente na pré-menopausa2424 Lund MJ, Trivers KF, Porter PL, Coates RJ, Leyland-Jones B, Brawley OW, et al. Race and triple negative threats to breast cancer survival: a population-based study in Atlanta, GA. Breast Cancer Res Treat. 2009;113(2):357-70..

Quanto ao grau de escolaridade, neste estudo, houve uma associação significante com estadiamento clínico (p=0,003), ou seja, as mulheres analfabetas apresentaram maior porcentagem de estadiamento tardio, enquanto as mulheres com ensino superior completo tiveram uma porcentagem maior de estadiamento precoce. Estes achados estão de acordo com outros relatos na literatura, inclusive estudos demonstrando correlação direta entre grau de escolaridade e taxa de mortalidade por câncer de mama. A maior parte desses óbitos em mulheres com baixa escolaridade está associada aos diagnósticos em fase tardia do câncer de mama2525 Barros AF, Uemura G, Macedo JLS. Tempo para acesso ao tratamento do câncer de mama no Distrito Federal, Brasil Central. Rev Bras Ginecol Obstet. 2013;35(10):458-63..

Nas regiões mais pobres do planeta e com nível de escolaridade muito baixo, o estigma associado ao câncer também contribui para que essas pacientes demorem a procurar assistência médica. A taxa de sobrevida em cinco anos para câncer de mama é menos de 50% na Gâmbia, Uganda e na Argélia, em comparação com a taxa de quase 90% nos Estados Unidos44 World Health Organization. Cancer 2016. [Internet]. Geneva: WHO; 2016. Available from: http://www.who.int/cancer/en/
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. Por outro lado, as mulheres com maior escolaridade apresentam-se com mais frequência às oportunidades de diagnóstico precoce do câncer de mama através do comparecimento em consultas com profissionais capacitados e na realização de mamografia2626 Pedraza AM, Pollán M, Pastor-Barriuso R, Cabanes A. Disparities in breast cancer mortality trends in a middle income country. Breast Cancer Res Treat. 2012;134(3):1199-207..

Pode-se observar também, nesta análise, que as pacientes provenientes do sudeste do Pará apresentaram maior percentual de casos com estádios avançados (p=0,009). Tal fato pode estar relacionado à determinadas particularidades desta região. A região do sudeste do estado do Pará caracteriza-se por ser um vazio assistencial, com baixo nível social, econômico e de escolaridade1111 IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios 2014. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2014/default.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. O estado do Pará, de acordo com dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), continua apresentando números absolutos de analfabetos acima da média nacional com 13,8% sendo maior entre os moradores das áreas rurais (23%) do que nas áreas urbanas (7%). Há diferença também dos níveis de analfabetismo entre brancos (5,9%) e negros (13,4%). Outro fator que evidencia as disparidades é a renda familiar per capita dessa população que é menos da metade da média nacional1111 IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios 2014. Rio de Janeiro: IBGE; 2014. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2014/default.shtm
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Portanto, tais características, somadas à baixa qualidade da assistência médica prestada a essa população, a acessibilidade difícil aos serviços de saúde especializados na atenção oncológica e à ineficiência do fluxo da rede justificam os resultados encontrados neste estudo. Resultados similares foram encontrados por outros autores que ratificam que os obstáculos da acessibilidade ao sistema público de saúde são maiores na população com baixo nível social e educacional e, isso dificulta, inclusive, a adoção de ações para o diagnóstico precoce2727 Brinton LA, Figueroa JD, Awuah B, Yarney J, Wiafe S, Wood SN, et al. Breast cancer in Sub-Saharan Africa: opportunities for prevention. Breast Cancer Res Treat. 2014;144(3):467-78.. Nas regiões com índice de desenvolvimento humano baixo, como por exemplo, na África Oriental, mais de 70% das pacientes com câncer de mama foram diagnosticadas em fases III ou IV da doença2727 Brinton LA, Figueroa JD, Awuah B, Yarney J, Wiafe S, Wood SN, et al. Breast cancer in Sub-Saharan Africa: opportunities for prevention. Breast Cancer Res Treat. 2014;144(3):467-78.,2828 Abdulrahman GO Jr, Rahman GA. Epidemiology of breast cancer in europe and Africa. J Cancer Epidemiol. 2012;2012:1-6.. Resultados semelhantes foram verificados também na Líbia e Nigéria2828 Abdulrahman GO Jr, Rahman GA. Epidemiology of breast cancer in europe and Africa. J Cancer Epidemiol. 2012;2012:1-6.. No entanto, em regiões mais desenvolvidas como na Europa e EUA, as mulheres são mais frequentemente diagnosticadas em fases iniciais da doença2828 Abdulrahman GO Jr, Rahman GA. Epidemiology of breast cancer in europe and Africa. J Cancer Epidemiol. 2012;2012:1-6..

Por fim, essa temática para um diagnóstico precoce do câncer de mama nos serviços de saúde públicos vem ganhando importância crescente na sociedade e, sobretudo, vem acarretando discussão a respeito do problema do acesso e da recepção desses usuários nesses serviços. Assim, depreende-se que o enfrentamento desses desafios requer o envolvimento de uma sociedade participativa, além de pesquisadores, profissionais e gestores de saúde.

Podemos concluir com nosso estudo que as ações de combate ao câncer de mama na região se mostraram ineficazes, pois a maioria das mulheres no norte do Tocantins foi diagnosticada com doença avançada e a evolução temporal da proporção de casos entre os percentuais de estádio avançado e precoce da doença não demonstrou mudanças variacionais ao longo dos anos de 2000 a 2015. O câncer de mama em estádios avançados nas mulheres tocantinenses mostrou significante associação com as pacientes de raça/cor preta, com baixo nível de escolaridade e provenientes do sudeste do estado do Pará. Finalmente, tomando como situação ilustrativa o câncer de mama no norte do Tocantins, verifica-se que estes resultados podem retratar uma ideia da assistência em saúde à população na região no diz respeito às doenças e às condições crônicas de saúde. Acredita-se que a produção de informações epidemiológicas em pesquisas futuras fará compreender cada vez mais a realidade do câncer de mama e de outras doenças crônicas nesta região e, assim, direcionar melhor as ações da atenção em saúde para o perfil da população acometida ou com maior risco de acometimento.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2017
  • Aceito
    30 Mar 2017
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