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Metástase cervical de tumor primário oculto: estudo de 107 casos

Cervical metastasis from an unknown primary cancer: study of 107 cases

Resumos

Foram avaliados retrospectivamente 107 pacientes com metástases cervicais de tumor primário oculto, atendidos entre 1977 e 1995 no Hospital Heliópolis. Considerou-se a influência de fatores epidemiológicos e características clínicas na recorrência da doença e sobrevida. O carcinoma epidermóide foi o tipo histológico mais freqüente, acometendo predominantemente as cadeias júgulo-carotídeas alta e média (níveis II e III). Noventa e três por cento dos pacientes apresentavam doença avançada (estadiamento N2 ou N3). A sobrevida livre de doença (SLD) aos 5 anos foi de 24%, sendo 40% para os pacientes com 55 anos ou menos e 8% para aqueles com mais de 55 anos (p = 0,01). Todos os pacientes com doença na cadeia júgulo-carotídea baixa (nível IV) apresentaram recidiva nos primeiros 12 meses após o tratamento. Os tumores indiferenciados apresentaram recidiva mais precocemente. Na análise multivariada os fatores idade, tipo de tratamento e estadiamento foram significativos (p<0,05).

Metástases; Tumor primário oculto; Câncer


A retrospective outcome analysis of 107 patients with neck metastasis from an occult primary tumor, was performed at the Head and Neck Service of Heliópolis Hospital, São Paulo, Brazil from 1977 to 1995, being the squamous-cell carcinoma, the more frequent neoplasia. Ninety three percent of patients had advanced disease (stage N2 or N3). The 5-year free of disease survival was 24%, forty percent for patients up to 55 years old and 8% for patients more than 55 years (p = 0,01). Patients with undifferentiated tumors and those with disease at level IV had an earlier relapse of disease. The treatment, stage and age were significant in multivariate analysis (p < 0,05).

Cancer; Occult primary; Metastasis


ARTIGO ORIGINAL

Metástase cervical de tumor primário oculto: estudo de 107 casos

Cervical metastasis from an unknown primary cancer: study of 107 cases

Ali AmarI; Marcos Ribeiro MagalhãesI; Abrão Rapoport, TCBC-SPII; Marcos Brasilino de CarvalhoIII

ICirurgião do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo

IICoordenador do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo

IIIChefe do Serviço de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Abrão Rapoport Praça Amadeu Amaral, 47/cj. 82 01327-010 – São Paulo-SP

RESUMO

Foram avaliados retrospectivamente 107 pacientes com metástases cervicais de tumor primário oculto, atendidos entre 1977 e 1995 no Hospital Heliópolis. Considerou-se a influência de fatores epidemiológicos e características clínicas na recorrência da doença e sobrevida. O carcinoma epidermóide foi o tipo histológico mais freqüente, acometendo predominantemente as cadeias júgulo-carotídeas alta e média (níveis II e III). Noventa e três por cento dos pacientes apresentavam doença avançada (estadiamento N2 ou N3). A sobrevida livre de doença (SLD) aos 5 anos foi de 24%, sendo 40% para os pacientes com 55 anos ou menos e 8% para aqueles com mais de 55 anos (p = 0,01). Todos os pacientes com doença na cadeia júgulo-carotídea baixa (nível IV) apresentaram recidiva nos primeiros 12 meses após o tratamento. Os tumores indiferenciados apresentaram recidiva mais precocemente. Na análise multivariada os fatores idade, tipo de tratamento e estadiamento foram significativos (p<0,05).

Unitermos: Metástases; Tumor primário oculto; Câncer.

ABSTRACT

A retrospective outcome analysis of 107 patients with neck metastasis from an occult primary tumor, was performed at the Head and Neck Service of Heliópolis Hospital, São Paulo, Brazil from 1977 to 1995, being the squamous-cell carcinoma, the more frequent neoplasia. Ninety three percent of patients had advanced disease (stage N2 or N3). The 5-year free of disease survival was 24%, forty percent for patients up to 55 years old and 8% for patients more than 55 years (p = 0,01). Patients with undifferentiated tumors and those with disease at level IV had an earlier relapse of disease. The treatment, stage and age were significant in multivariate analysis (p < 0,05).

Key words: Cancer; Occult primary; Metastasis.

INTRODUÇÃO

A avaliação do significado da linfonodopatia metastática originária de tumor primário oculto persiste como um desafio. Embora muitos tumores sejam diagnosticados no atendimento referenciado,1 o sítio primário não é identificado em 2 a 9% dos pacientes que se apresentam com metástases uni ou bilaterais.2,3

Quando diagnosticado nas vias aerodigestivas superiores, geralmente o tumor primário tem origem em locais cujas características anatômicas dificultam a visibilização de lesões iniciais, tais como: hipofaringe, orofaringe (amígdala e base da língua) e rinofaringe.

A metastatização é um indicador de agressividade biológica, mas é a freqüente manifestação de doença regional avançada que sinaliza o mau prognóstico associado a esta condição.

Este trabalho tem por objetivo identificar características epidemiológicas, resultado do tratamento e fatores prognósticos desta condição.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliados os registros de 107 pacientes atendidos no Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Heliópolis, no período compreendido entre 1977 e 1995, com queixa de linfonodopatia metastática de tumor primário oculto.

A avaliação diagnóstica inicial incluiu a propedêutica tradicional das vias aerodigestivas superiores, realizada consecutivamente por dois médicos da equipe, com a adição de laringoscopia direta, radiografia de tórax, endoscopia digestiva alta ou esofagograma e tomografia computadorizada.

O tratamento consistiu em cirurgia e radioterapia, isoladamente ou em associação.

Os pacientes foram reestadiados conforme a proposta da UICC-AJC de 1997.

Foram considerados os seguintes fatores: idade, sexo, tabagismo, etilismo, estadiamento TNM, tempo de evolução da doença, cadeia linfonodal acometida, lateralidade da lesão, histologia e tipo de tratamento.

O diagnóstico histológico empregou cortes corados pela hematoxilina-eosina avaliados à microscopia óptica.

Na análise de sobrevida foram excluídos 47 pacientes, por não completarem o tratamento ou apresentarem seguimento inferior a 12 meses, sem evidências de recidiva; e também os pacientes com adenocarcinoma ou submetidos à quimioterapia, por não constituírem uma amostra significativa.

A sobrevida livre de doença foi estimada pelo método de Kaplan-Meier4. As diferenças observadas entre os subgrupos de cada variável foram avaliados pelo teste de Gehan-Wilcoxon.5

A análise multivariada empregou o método de Cox.6

A significância estatística foi aceita com erro a inferior a 5%.

RESULTADOS

Os 107 pacientes com tumor primário oculto correspondem a 5% dos pacientes com linfonodopatia cervical metastática atendidos no Hospital Heliópolis – São Paulo entre 1977 e 1995.

Noventa pacientes pertenciam ao sexo masculino e 17 ao feminino, constituindo uma relação de aproximadamente 5:1, com idade média de 59,4 ± 12 anos, sendo 82% tabagistas e 70% etilistas.

Não foi observado predomínio de lateralidade da lesão. Em 46% dos casos acometeu o lado direito, em 43% o lado esquerdo e em 10% foi bilateral.

O intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a primeira consulta apresentou média de 5 meses, sem influência na sobrevida livre de doença.

As cadeias júgulo-carotídeas alta e média (níveis II e III) foram as mais atingidas (Figura 1).


O carcinoma epidermóide foi o tipo histológico predominante, especialmente nas formas menos diferenciadas (Figura 2), sendo que 93% dos pacientes apresentavam doença cervical avançada, com estadiamento N2 ou N3 (Figura 3).



A média etária no grupo que desenvolveu recidiva da doença (n = 44) foi de 59 anos (IC95% = 56 a 61,9), e no grupo livre de doença à ultima consulta (n = 16) foi de 49 anos (IC95% = 42,9 a 56).

A sobrevida livre de doença (SLD) foi de 24%. Pacientes com idade igual ou inferior a 55 anos apresentaram SLD a cinco anos de 40%, e apenas 8% dos pacientes com 56 anos ou mais encontravam-se assintomáticos ao término deste período (Gráfico 1). Estes dois grupos foram semelhantes quanto à distribuição dos outros fatores analisados (Tabela 1).


A SLD a cinco anos foi de 28% para os tumores epidermóides e 18% para os indiferenciados, sendo que a quase totalidade das recidivas neste último grupo ocorrem nos primeiros seis meses após o tratamento (Gráfico 2).


A SLD foi inversamente proporcional ao estadiamento N (Gráfico 3). Os resultados a cinco anos foram de 75% para pacientes com estádio N1 e 16% para N3.


Os pacientes submetidos somente à cirurgia apresentaram resultados semelhantes aos pacientes que receberam radioterapia adjuvante, e ambos mostraram resultados superiores ao tratamento radioterápico exclusivo. Entre os 18 pacientes deste último grupo, 16 evoluíram com persistência da doença ou recidiva precoce (Gráfico 4).


Os nove pacientes com comprometimento de linfonodo júgulo-carotídeo baixo (nível IV) apresentaram recidiva nos primeiros 12 meses após o tratamento.

Seis pacientes (10%) desenvolveram doença primária.

Na análise multivariada, os fatores tratamento, faixa etária e estadiamento pN foram significativos (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Índices elevados no diagnóstico de tumores primários ocultos podem acusar, mais propriamente, uma propedêutica deficiente. Como estes índices não sofreram variação significativa nas últimas décadas,2,3,7 os exames complementares não devem ser superestimados. A tomografia com emissão de pósitrons (PET) pode ser útil na orientação de biópsias, mas apresenta baixa sensibilidade diagnóstica.8

A manifestação clínica pode refletir um tumor cujos clones iniciais apresentam elevada capacidade de metastatização. O linfonodo pode constituir um ambiente favorável ao crescimento destes clones, mas provavelmente também desencadeia respostas imunológicas que repercutem no sítio primário. Ronan et al.9 notaram a regressão local de melanomas na presença de metástases linfonodais. Assim, primários ocultos podem representar tumores que sofreram regressão parcial ou completa em seu sítio de origem. Isto pode explicar o não desenvolvimento de doença primária em alguns pacientes tratados exclusivamente com esvaziamento cervical.

Raramente se desenvolvem carcinomas em cistos branquiais; e apenas poucos casos preenchem os critérios necessários para este diagnóstico. Mais freqüentemente se desenvolvem metástases císticas originárias de tumores da orofaringe.6,10

Apenas seis pacientes desenvolveram doença primária, porém não é possível determinar se representam a lesão inicial ou um segundo tumor. Em outras casuísticas foram observados índices entre 7 e 16% 10,11,12 de identificação posterior do sítio primário, afetados pela prática de ampliação do campo de irradiação. A incidência de segundo tumor primário em pacientes com carcinoma de cabeça e pescoço é estimada em 4% ao ano.13

Os índices de sobrevida global a cinco anos variam entre 22 e 55%.14-17. No presente estudo a SLD a cinco anos foi de 28%, refletindo tumores com estadiamento avançado na maioria dos pacientes (93% N2 e N3), além dos maus resultados obtidos com a radioterapia exclusiva. Embora este último grupo não seja comparável, a radioterapia, isoladamente, é pouco efetiva no controle da doença cervical avançada.18

Medini et al.18 apontaram SLD a cinco anos de 14% para pacientes N3 e 70% para pacientes N1-2, resultados semelhantes aos encontrados no presente estudo.

A presença de doença extensa, com o envolvimento de múltiplas cadeias, dificulta a avaliação prognóstica do comprometimento linfonodal conforme os critérios anatômicos já estabelecidos. Porém, o envolvimento de cadeias cervicais baixas está fortemente relacionado com a recidiva da doença.19 Todos os pacientes com doença nos linfonodos da cadeia IV apresentaram recidiva no primeiro ano pós-tratamento.

O grau de diferenciação dos tumores epidermóides não influiu significativamente nos resultados; a variação observada corresponde provavelmente ao efeito de outros fatores. Os tumores indiferenciados apresentaram recidiva mais precoce, possivelmente relacionada ao menor tempo de replicação.

Os pacientes com idade igual ou inferior a 55 anos apresentaram resultados significativamente melhores, diferentemente do observado em adenocarcinomas20 ou carcinomas epidermóides com sítio primário evidente, e confirmado pela análise multivariada. A idade, assim como outros fatores prognósticos, não é um indicador absoluto. A caracterização de uma faixa etária com pior prognóstico sugere a existência de um fenômeno biológico distinto dentro do processo de envelhecimento, talvez relacionado ao sistema imunológico. A eventual não correspondência entre as idades cronológica e biológica não permite a consideração individual dos valores encontrados.

Em conclusão, a idade constitui um fator prognóstico em tumores primários ocultos; o tratamento cirúrgico/radioterápico é pouco efetivo no controle da doença cervical baixa e os tumores indiferenciados apresentam recidivas precoces.

Recebido em 28/7/99

Aceito para publicação em 10/2/2000

Trabalho realizado no Hospital Heliópolis – São Paulo – SP

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  • Endereço para correspondência:
    Prof. Abrão Rapoport
    Praça Amadeu Amaral, 47/cj. 82
    01327-010 – São Paulo-SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Aceito
      10 Fev 2000
    • Recebido
      28 Jul 1999
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