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Tomografia computadorizada em trauma torácico fechado: validação de instrumentos de decisão

RESUMO

Objetivo:

realizar validação externa de dois instrumentos de decisão clínica (IDCs) - TC de tórax-All e TC de tórax-Major - em uma coorte de pacientes com trauma torácico fechado submetidos a tomografia computadorizada de tórax em centro de referência para trauma, e determinar se esses IDCs são opções seguras para solicitação seletiva de tomografias computadorizadas de tórax em pacientes com trauma torácico fechado admitidos em unidades de emergência.

Métodos:

estudo retrospectivo transversal de pacientes com trauma torácico fechado submetidos a tomografia computadorizada de tórax, por período de 11 meses. Os laudos da TC de tórax foram cruzados com os dados do prontuário eletrônico dos pacientes. A sensibilidade e especificidade de ambos os instrumentos foram calculadas.

Resultados:

o estudo incluiu 764 pacientes. O IDC TC de tórax-All apresentou sensibilidade de 100% para todas as lesões e especificidades de 33,6% para lesões de maior significado clínico e 40,4% para qualquer lesão. O IDC TC de tórax Major teve sensibilidade de 100% para lesões de maior significado clínico, que diminuiu para 98,6% para quaisquer lesões, e especificidades de 37,4% para lesões de maior significado clínico e 44,6% para todas as lesões.

Conclusão:

ambos os instrumentos de decisão clínica validados neste estudo mostraram sensibilidade adequada para detectar lesões torácicas na TC e podem ser usados com segurança para dispensar a avaliação da TC de tórax em pacientes sem nenhum dos critérios que definem o IDC. Se os IDCs TC de tórax-All e TC de tórax Major de tórax tivessem sido aplicados nesta coorte, o número de tomografias realizadas teria diminuído em 23,1% e 24,6%, respectivamente, resultando em redução de custos e evitando exposição desnecessária à radiação.

Palavras chave:
Tomografia; Tórax; Lesões Torácicas; Feridas Não Penetrantes; Sensibilidade e Especificidade

ABSTRACT

Objective:

to perform an external validation of two clinical decision instruments (DIs) - Chest CT-All and Chest CT-Major - in a cohort of patients with blunt chest trauma undergoing chest CT scanning at a trauma referral center, and determine if these DIs are safe options for selective ordering of chest CT scans in patients with blunt chest trauma admitted to emergency units.

Methods:

cross-sectional study of patients with blunt chest trauma undergoing chest CT scanning over a period of 11 months. Chest CT reports were cross-checked with the patients’ electronic medical record data. The sensitivity and specificity of both instruments were calculated.

Results:

the study included 764 patients. The Chest CT-All DI showed 100% sensitivity for all injuries and specificity values of 33.6% for injuries of major clinical significance and 40.4% for any lesion. The Chest CT-Major DI had sensitivity of 100% for injuries of major clinical significance, which decreased to 98.6% for any lesions, and specificity values of 37.4% for injuries of major clinical significance and 44.6% for all lesions.

Conclusion:

both clinical DIs validated in this study showed adequate sensitivity to detect chest injuries on CT and can be safely used to forego chest CT evaluation in patients without any of the criteria that define each DI. Had the Chest CT-All and Chest CT-Major DIs been applied in this cohort, the number of CT scans performed would have decreased by 23.1% and 24.6%, respectively, resulting in cost reduction and avoiding unnecessary radiation exposure.

Keywords:
Tomography; Thorax; Thoracic Injuries; Wounds, Nonpenetrating; Sensitivity and Specificity

INTRODUÇÃO

O uso de imagens de tomografia computadorizada (TC) em traumas contusos aumentou exponencialmente em centros de trauma em todo o mundo, principalmente nas últimas duas décadas11 Broder J, Warshauer DM. Increasing utilization of computed tomography in the adult emergency department, 2000-2005. Emerg Radiol. 2006;13(1):25-30.,22 Korley FK, Pham JC, Kirsch TD. Use of advanced radiology during visits to US emergency departments for injury-related conditions, 1998-2007. JAMA. 2010;304(13):1465-71.. A alta precisão desse método na identificação de lesões não detectadas no exame clínico tem permitido manejo mais rápido e eficiente dos pacientes33 Newbury A, Dorfman JD, Lo HS. Imaging and management of thoracic trauma. Semin Ultrasound CT. 2018;39(4):347-54.

4 Mokrane F, Revel-Mouroz P, Saint Lebes B, Rousseau H. Traumatic injuries of the thoracic aorta: The role of imaging in diagnosis and treatment. Diag Interv Imaging. 2015;96(7-8):693-706.

5 American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support. 10th ed. Chicago (IL): American College of Surgeons; 2018.
-66 Oikonomou A, Prassopoulos P. CT imaging of blunt chest trauma. Insights Imaging. 2011;2(3):281-95., a tal ponto que a investigação secundária baseada na TC de corpo inteiro (pan scan) se tornou comum na avaliação de pacientes hemodinamicamente estáveis com trauma fechado77 Lee WS, Parks NA, Garcia A, Palmer BJ, Liu TH, Victorino GP. Pan computed tomography versus selective computed tomography in stable, young adults after blunt trauma with moderate mechanism: a cost-utility analysis. J Trauma Acute Care Surg. 2014;77(4):527-33.,88 Weninger P, Mauritz W, Fridrich P, Spitaler R, Figl M, Kern B, et al. Emergency room management of patients with blunt major trauma: evaluation of the multislice computed tomography protocol exemplified by an urban trauma center. J Trauma Acute Care Surg. 2007;62(3):584-91.. Porém, diversos estudos indicam que o aumento do uso da tomografia computadorizada está diretamente relacionado a riscos reais e quantificáveis para o paciente, devido à exposição à radiação ionizante99 Smith-Bindman R, Lipson J, Marcus R, Kim KP, Mahesh M, Gould R, et al. Radiation dose associated with common computed tomography examinations and the associated lifetime attributable risk of cancer. Arch Intern Med. 2009;169(22):2078-86.

10 Rodriguez RM, Baumann BM, Raja AS, Langdorf MI, Anglin D, Bradley RN, et al. Diagnostic yields, charges, and radiation dose of chest imaging in blunt trauma evaluations. Acad Emerg Med. 2014;21(6):644-50.
-1111 Brenner DJ, Hall EJ. Computed tomography-an increasing source of radiation exposure. N Engl J Med. 2007;357(22):2277-84., além de aumentar os custos hospitalares e prolongar a permanência do paciente em unidades de emergência1010 Rodriguez RM, Baumann BM, Raja AS, Langdorf MI, Anglin D, Bradley RN, et al. Diagnostic yields, charges, and radiation dose of chest imaging in blunt trauma evaluations. Acad Emerg Med. 2014;21(6):644-50..

Uma única TC de tórax expõe o paciente a quantidade de radiação semelhante a 117 radiografias de tórax99 Smith-Bindman R, Lipson J, Marcus R, Kim KP, Mahesh M, Gould R, et al. Radiation dose associated with common computed tomography examinations and the associated lifetime attributable risk of cancer. Arch Intern Med. 2009;169(22):2078-86.. Estimativas sugerem que a prática de solicitar TC de tórax após radiografia de tórax normal pode induzir novo caso de câncer para cada 108 lesões torácicas diagnosticadas em mulheres e a cada 231 lesões torácicas diagnosticadas em homens1010 Rodriguez RM, Baumann BM, Raja AS, Langdorf MI, Anglin D, Bradley RN, et al. Diagnostic yields, charges, and radiation dose of chest imaging in blunt trauma evaluations. Acad Emerg Med. 2014;21(6):644-50.. Além disso, estima-se que entre 1,5 e 2,0% de todos os casos de câncer nos Estados Unidos estejam relacionados à radiação da tomografia computadorizada1111 Brenner DJ, Hall EJ. Computed tomography-an increasing source of radiation exposure. N Engl J Med. 2007;357(22):2277-84.. Portanto, o uso criterioso da tomografia computadorizada é crucial.

Em estudo recente publicado na PLOS Medicine, um grupo de pesquisadores desenvolveu e validou dois instrumentos de decisão clínica (IDCs) - NEXUS TC de tórax-All e NEXUS TC de tórax-Major - que descartam, com alta sensibilidade, a presença de lesões torácicas clinicamente significativas em pacientes com trauma torácico fechado. Esses instrumentos são baseados em lista de critérios clínicos que devem ser avaliados durante o atendimento inicial da vítima de trauma torácico fechado. Se nenhum dos critérios listados estiver presente, o médico pode dispensar a tomografia computadorizada com segurança, uma vez que a possibilidade de esse exame mostrar lesão torácica é extremamente pequena. Os critérios a serem avaliados em cada um dos instrumentos de decisão, de acordo com o artigo original, são:

NEXUS TC de tórax-All NEXUS TC de tórax-Major Dor à palpação da parede torácica Dor à palpação da parede torácica Dor à palpação do esterno Dor à palpação do esterno Dor à palpação escapular Dor à palpação escapular Dor à palpação da coluna torácica Dor à palpação da coluna torácica Lesão distrativa Lesão distrativa Mecanismo de desaceleração rápida Anormalidade na radiografia de tórax Anormalidade na radiografia de tórax

O primeiro instrumento, NEXUS TC de tórax-All, tem grande sensibilidade para todas as lesões torácicas. O segundo, NEXUS TC de tórax-Major, tem grande sensibilidade apenas para lesões de maior significado clínico, aceitando pequena margem de erro, permitindo, portanto, maior especificidade. A aplicação desses instrumentos pode reduzir o número de tomografias computadorizadas de tórax desnecessárias entre 25 e 37% em pacientes com trauma torácico fechado1212 Rodriguez RM, Langdorf MI, Nishijima D, Baumann BM, Hendey GW, Medak AJ, et al. Derivation and validation of two decision instruments for selective chest CT in blunt trauma: a multicenter prospective observational study (NEXUS Chest CT). PLoS Med. 2015;12(10):e1001883.

O objetivo do presente estudo foi realizar validação externa de ambos os IDCs de TC de tórax NEXUS, estimando a acurácia dos instrumentos em coorte de pacientes de um centro de referência para trauma. A confirmação da validade externa e da alta sensibilidade desses instrumentos ampliará a aplicabilidade baseada em evidências em centros de emergência em todo o mundo, contribuindo para a redução substancial nas solicitações de tomografias em pacientes que não se beneficiam desse exame.

MÉTODOS

Este estudo transversal foi conduzido no Hospital do Trabalhador, centro de referência para atendimento ao trauma na cidade e região metropolitana de Curitiba (PR). O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o número de protocolo 07533519.8.0000.5225.

A análise incluiu todos os prontuários eletrônicos de pacientes admitidos na unidade de emergência do hospital que foram submetidos à TC de tórax durante um período de 11 meses, de 1º de setembro de 2018 a 31 de julho de 2019.

Ao todo, 2.091 registros de TC de tórax foram encontrados durante o período do estudo e foram comparados com os dados do prontuário eletrônico dos pacientes. Os pacientes foram incluídos quando apresentavam: (1) trauma torácico fechado, (2) idade acima de 18 anos, (3) pontuação na escala de coma de Glasgow > 12 na admissão e (4) radiografia de tórax obtida antes da tomografia computadorizada. Foram excluídos os pacientes que não atenderam aos critérios de inclusão ou cujos prontuários foram considerados com informações insuficientes. A análise final incluiu 764 pacientes.

No Hospital do Trabalhador é utilizado o tomógrafo Bright Speed GE de 16 canais. Somente laudos oficiais assinados por um radiologista foram aceitos para definir a presença de lesão torácica na TC. Em relatórios com informações vagas (por exemplo, possível contusão pulmonar), uma lesão torácica foi considerada como estando presente. Os achados tomográficos incluídos na análise foram aqueles considerados no estudo original que definiu ambos os IDCs, a saber, pneumotórax, hemotórax, múltiplas fraturas de costelas, fratura do esterno, contusão pulmonar, fratura da coluna torácica, fratura escapular, lesão de grandes vasos, ruptura do diafragma, hematoma mediastinal ou pericárdico, lesão esofágica, lesão brônquica ou traqueal e pneumomediastino. Esses achados foram posteriormente categorizados em lesões de significância clínica maior ou menor de acordo com o manejo de cada caso, conforme definido no estudo original.

As variáveis analisadas incluíram idade, sexo e achados tomográficos, além dos sete critérios que compõem os IDCs, a saber: (1) presença de anormalidade na radiografia de tórax realizada à admissão, (2) mecanismo de desaceleração rápida associado ao trauma, (3) lesões distrativas e dor à palpação da (4) parede torácica, (5) esterno, (6) escápula e (7) coluna torácica. A ausência desses critérios indicava provável ausência de lesão na TC de tórax.

Desaceleração rápida foi definida como qualquer trauma de alta energia envolvendo mecanismo de desaceleração, por exemplo, acidente de veículo motorizado contra anteparo em velocidade acima de 60 km/h, ou queda de altura maior que seis metros. Na ausência de informações precisas, os mecanismos de desaceleração descritos no prontuário com termos como “alta energia” e “alto impacto” foram considerados associados à desaceleração rápida. Lesões distrativas incluíram qualquer lesão extratorácica considerada (e descrita no prontuário) pelo médico como suficientemente relevante para desviar a atenção e comprometer a validade do exame clínico, como fratura de osso longo e membros desenluvados.

Pacientes com pelo menos um dos sete critérios de IDC foram considerados como tendo resultado de triagem de IDC positivo. Os pacientes foram divididos em quatro grupos, da seguinte forma:

  • Verdadeiro-positivo: resultado de triagem IDC positivo e lesão na TC de tórax.

  • Verdadeiro-negativo: resultado de triagem IDC negativo e sem lesão na TC de tórax.

  • Falso-positivo: resultado de triagem IDC positivo e sem lesão na TC de tórax.

  • Falso-negativo: resultado de triagem IDC negativo e lesão na TC de tórax.

Essa categorização foi realizada para ambos os IDCs. A sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) dos IDCs foram então calculados com base nesses dados.

Análise estatística

Os dados são representados como porcentagens e medianas (± desvios padrão). Foi avaliada a relação entre a presença de lesão torácica e cada um dos critérios clínicos que compõem os IDCs. Como medida de efeito, foi utilizada a razão de chances (OR) com intervalo de confiança (IC) de 95%. A significância estatística foi avaliada pelo teste do qui-quadrado de Pearson para controle de possíveis variáveis de confusão, considerando-se valores de p < 0,05 como significantes.

RESULTADOS

O estudo incluiu 764 pacientes, dos quais 77,2% (n = 590) eram do sexo masculino. A idade dos pacientes variou de 18 a 97 anos (média de 43,9 ± 17,9 anos) (Tabela 1). Os mecanismos de trauma mais prevalentes foram os acidentes automobilísticos e de caminhões (21,7%, n = 166), os acidentes motociclísticos (20%, n = 153) e as quedas de alturas (17,7%, n = 135) (Tabela 2).

Tabela 1
Dados epidemiológicos.

Tabela 2
Mecanismos de trauma.

As imagens de TC de tórax mostraram lesões de grande significado clínico em 20 pacientes (2,6%), e lesões de menor significado clínico em 125 (16,4%). As lesões mais frequentes foram fratura de duas ou mais costelas (n = 119), hemotórax (n = 43), contusão pulmonar (n = 37) e pneumotórax (n = 36) (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3
Lesões de grande significado clínico.
Tabela 4
Lesões de menor significado clínico.

O IDC de TC de tórax-All mostrou sensibilidade e VPN de 100% para lesões de grande significado clínico e qualquer lesão, uma vez que nenhum dos 764 pacientes no estudo teve resultado falso-negativo. A especificidade desse instrumento foi de 33,6% para lesões de maior significado clínico e 40,4% para todas as lesões. A baixa especificidade reflete grande número de resultados falso-positivos (n = 369).

O IDC TC de tórax-Major também teve sensibilidade e VPN de 100% para lesões de grande significado clínico, mas para lesões de menor ou maior significado clínico, a sensibilidade diminuiu para 98,6%, e o VPN, para 99,3%. Este IDC produziu dois resultados falso-negativos. O primeiro foi em um homem de 44 anos e o segundo foi em um homem de 50 anos. Ambos apresentavam contusão pulmonar na avaliação por imagem. O primeiro recebeu alta no primeiro dia após o atendimento, e o segundo permaneceu internado por 2 dias para observação. A especificidade desse instrumento foi de 37,4% para lesões de grande significado clínico e de 44,6% para todas as lesões.

Os pacientes do grupo verdadeiro-negativo não preencheram nenhum dos critérios no exame clínico inicial e não teriam sido avaliados com TC de tórax. A porcentagem de resultados verdadeiro-negativos representa estimativa da redução nas tomografias computadorizadas de tórax se os IDCs fossem aplicados. Essa estimativa considerou apenas os pacientes que realizaram TC de tórax seletiva (n = 329, 43%) e exclui aqueles que realizaram TC de corpo inteiro. Nessa coorte, o número de tomografias de tórax solicitadas teria sido reduzido em 23,1% com o IDC TC de tórax-All, e em 24,6%, com o IDC TC de tórax-Major, que apresentaram maior especificidade (Tabela 5).

Tabela 5
Desempenho dos instrumentos de decisão clínica no presente estudo de validação externa.

Cada um dos sete critérios que compõem os IDCs também foi analisado em relação à presença das lesões torácicas avaliadas (Tabela 6). Associações estatisticamente significativas (p<0,05) foram identificadas para radiografia torácica anormal e dor à palpação da parede torácica, esterno e escápula. A chance de lesão torácica foi, respectivamente, 144, 6, 2 e 15 vezes maior em pacientes que atendiam a esses critérios em comparação com aqueles que não os atendiam.

Tabela 6
Razão e chances (OR) entre os critérios clínicos e a presença de lesão torácica.

DISCUSSÃO

A relevância da tomografia computadorizada no diagnóstico de lesões traumáticas está bem estabelecida33 Newbury A, Dorfman JD, Lo HS. Imaging and management of thoracic trauma. Semin Ultrasound CT. 2018;39(4):347-54.

4 Mokrane F, Revel-Mouroz P, Saint Lebes B, Rousseau H. Traumatic injuries of the thoracic aorta: The role of imaging in diagnosis and treatment. Diag Interv Imaging. 2015;96(7-8):693-706.

5 American College of Surgeons. Advanced Trauma Life Support. 10th ed. Chicago (IL): American College of Surgeons; 2018.
-66 Oikonomou A, Prassopoulos P. CT imaging of blunt chest trauma. Insights Imaging. 2011;2(3):281-95.. No entanto, os altos níveis de radiação associados a esse método de imagem dividem opiniões sobre a necessidade de recomendar a TC para todas as vítimas de trauma fechado99 Smith-Bindman R, Lipson J, Marcus R, Kim KP, Mahesh M, Gould R, et al. Radiation dose associated with common computed tomography examinations and the associated lifetime attributable risk of cancer. Arch Intern Med. 2009;169(22):2078-86.

10 Rodriguez RM, Baumann BM, Raja AS, Langdorf MI, Anglin D, Bradley RN, et al. Diagnostic yields, charges, and radiation dose of chest imaging in blunt trauma evaluations. Acad Emerg Med. 2014;21(6):644-50.
-1111 Brenner DJ, Hall EJ. Computed tomography-an increasing source of radiation exposure. N Engl J Med. 2007;357(22):2277-84..

IDCs são ferramentas importantes na prática clínica1313 Green SM. When do clinical decision rules improve patient care? Ann Emerg Med. 2013;62(2):132-5.,1414 Childs JD, Cleland JA. Development and application of clinical prediction rules to improve decision making in physical therapist practice. Phys Ther. 2006;86(1):122-31.. Com base em critérios clínicos objetivos e facilmente avaliáveis, os IDCs ajudam a decidir a melhor abordagem terapêutica. Um exemplo bem conhecido é o escore CURB-65, que recomenda a hospitalização de pacientes com pneumonia adquirida na comunidade com base em cinco critérios1515 Lim WS, Van der Eerden M, Laing R, Boersma W, Karalus N, Town G, et al. Defining community acquired pneumonia severity on presentation to hospital: an international derivation and validation study. Thorax. 2003;58(5):377-82..

Para prever a ausência de lesão torácica em imagens de TC de tórax com base em critérios clínicos, Rodriguez et al.1212 Rodriguez RM, Langdorf MI, Nishijima D, Baumann BM, Hendey GW, Medak AJ, et al. Derivation and validation of two decision instruments for selective chest CT in blunt trauma: a multicenter prospective observational study (NEXUS Chest CT). PLoS Med. 2015;12(10):e1001883 desenvolveram e validaram os IDCs TC de tórax All e TC de tórax Major. Esses instrumentos de decisão identificam, com alta sensibilidade, pacientes com trauma torácico fechado sem lesão torácica clinicamente relevante, dispensando, assim, a TC de tórax nesses pacientes com segurança1212 Rodriguez RM, Langdorf MI, Nishijima D, Baumann BM, Hendey GW, Medak AJ, et al. Derivation and validation of two decision instruments for selective chest CT in blunt trauma: a multicenter prospective observational study (NEXUS Chest CT). PLoS Med. 2015;12(10):e1001883.

No presente estudo, realizamos validação externa desses dois IDCs, aplicando-os retrospectivamente em pacientes internados em um hospital de referência em trauma em uma grande cidade do sul do Brasil. Em coorte de 764 pacientes, as sensibilidades de ambos os IDCs para essa população foram maiores que as relatadas no estudo original que descreve os dois instrumentos.

Para o IDC TC de tórax-All, a sensibilidade foi de 100% para todas as lesões em comparação com 99,2% para lesões de grande significado clínico e 95,4% para qualquer lesão no estudo original. Para TC de tórax-Major, encontramos sensibilidade de 100% para lesões de grande significado clínico e 98,6% para qualquer lesão em comparação com 99,2% e 90,7%, respectivamente, no estudo original.

Os pacientes que não atendiam a nenhum dos critérios clínicos dos IDCs, mas apresentavam lesão torácica na TC, foram considerados como tendo resultado de rastreamento falso-negativo. A principal preocupação com a aplicação desses IDCs é com esses pacientes, uma vez que as lesões não teriam sido diagnosticadas apenas com base nesses instrumentos. No entanto, encontramos apenas dois resultados falso-negativos em nosso estudo. O primeiro era um homem de 44 anos com contusão pulmonar sem dor torácica, que teve alta no primeiro dia após o atendimento inicial. O segundo era um homem de 50 anos, também com contusão pulmonar, que foi internado para observação em decorrência de piora do quadro clínico, com dor à inspiração. Este paciente recebeu alta dois dias depois, sem intervenção. A detecção de contusão pulmonar pela TC não alterou o manejo ou o prognóstico desses pacientes, de modo que a TC poderia ter sido dispensada nesses casos.

O IDC de TC de tórax-All teve alta sensibilidade para todas as lesões, enquanto o IDC de TC de tórax-Major teve maior especificidade, reduzindo ainda mais o uso de TC com pequena taxa de resultados falso-negativos (0,3%). Como o manejo de ambos os pacientes com resultados falso-negativos não foi afetado pelo exame de imagem, consideramos preferível o IDC TC de tórax-Major, uma vez que a capacidade de reduzir a solicitação de TC de tórax é consideravelmente maior.

A desaceleração rápida é conhecida por estar associada à ruptura da aorta torácica1616 Neschis DG, Scalea TM, Flinn WR, Griffith BP. Blunt aortic injury. N Engl J Med. 2008;359(16):1708-16.. Uma possível preocupação ao escolher o TC de tórax Major no lugar do TC de tórax All é que o critério do mecanismo de desaceleração está ausente no primeiro. O presente estudo apresentou três casos de ruptura de aorta, sendo um não associado a mecanismo de desaceleração. Nos três casos, os pacientes apresentavam outro critério - um tinha radiografia de tórax anormal, outro tinha dor à palpação da coluna torácica e o terceiro tinha fratura do fêmur. Portanto, a ausência do mecanismo de desaceleração como critério não afetou os resultados do IDC.

Os resultados do presente estudo apoiam o uso dos IDCs TC de tórax All e TC de tórax Major para a seleção segura e baseada em evidências de pacientes com trauma torácico fechado que não se beneficiam de métodos de imagens avançados, reforçando a importância da aplicação desses IDCs em unidades de emergência em todo o mundo. Além de evitar os riscos de exposição do paciente à radiação ionizante, evitando a tomografia computadorizada, esses IDCs poderiam poupar recursos substanciais, dado o alto custo dos exames avançados. Se ambos os IDCs tivessem sido aplicados aos pacientes avaliados neste estudo, o número de tomografias de tórax ter-se-ia reduzido em 23,1% e 24,6%, respectivamente.

Alguns cuidados inerentes a essas ferramentas devem ser tomados ao utilizá-las. Uma vez que o paciente apresente algum dos critérios, o instrumento de decisão não terá mais utilidade, pois a possibilidade de o paciente apresentar lesão torácica é baixa, dada a baixa especificidade dos critérios. Além disso, podem ser usados apenas em pacientes com mais de 18 anos e escala de coma de Glasgow > 12 na admissão, o que limita a aplicabilidade.

Um viés importante deste estudo é que algumas vítimas de trauma torácico fechado são imediatamente submetidas à tomografia, sem antes passar por radiografia convencional. Um dos critérios dos instrumentos de decisão é a presença de anormalidade na radiografia de tórax. Esses pacientes foram, portanto, excluídos do estudo. A principal limitação deste artigo, entretanto, é que se trata de um estudo retrospectivo. Uma avaliação prospectiva traria dados mais confiáveis sobre a real aplicabilidade dos instrumentos de decisão. Isto, no entanto, não invalida os resultados encontrados aqui. A validade externa determinada neste estudo deve encorajar o uso de protocolos NEXUS em outros centros de trauma.

Os sete critérios que compõem essas ferramentas de decisão são simples, objetivos e de grande relevância na avaliação inicial de pacientes com trauma. O OR estimado mostrou que os pacientes com radiografia de tórax anormal têm 144 vezes mais probabilidade de ter lesões no tórax em comparação com aqueles com radiografia de tórax normal. Dor à palpação da parede torácica, esterno e escápula também mostraram relação significativa com a presença de lesão torácica na TC, e os pacientes com dor à palpação em um desses locais têm 2 a 15 vezes mais probabilidade de ter lesão torácica na TC. Os demais critérios não tiveram relação significativa com a presença de lesão torácica na TC.

O exame clínico inicial é fundamental para o prognóstico das vítimas de trauma1717 Bokhari F, Brakenridge S, Nagy K, Roberts R, Smith R, Joseph K, et al. Prospective evaluation of the sensitivity of physical examination in chest trauma. J Trauma Acute Care Surg. 2002;53(6):1135-8.. Na era da tecnologia e dos exames diagnósticos cada vez mais complexos e caros, princípios básicos da medicina não devem ser esquecidos. A tomografia computadorizada não deve substituir o exame clínico cuidadoso.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2020
  • Aceito
    27 Ago 2020
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