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Auditoria no uso de antimicrobianos em enfermaria cirúrgica

Audit of the use of antimicrobial therapy in a surgical ward

Resumos

OBJETIVO: Analisar o uso de antimicrobianos em enfermaria cirúrgica de hospital universitário terciário através de uma auditoria por um dia. MÉTODO: Em visita única, aleatória, à enfermaria cirúrgica, dados dos prontuários dos pacientes internados (pré e pós-operatórios) foram analisados. A prescrição de antimicrobianos foi qualificada como profilática, empírica, terapêutica com patógeno conhecido, terapêutica sem patógeno conhecido ou sem base racional, de acordo com critérios pré-estabelecidos. RESULTADOS: Dos 50 pacientes internados, 46 eram pacientes cirúrgicos (N=46). Antibióticos foram prescritos para 13 indivíduos (28,3%). Associação de drogas foi utilizada em sete pacientes (53,8%). Dezenove antibióticos foram prescritos. Oito drogas (42,1%) foram usadas enquadrando-se entre as categorias empírica e sem base racional, quatro em cada. Seis drogas (31,6%) foram utilizadas para tratamento de infecção sem patógeno conhecido, três (15,7%) para tratamento de infecção com patógeno conhecido e duas drogas (10,5%) para profilaxia. CONCLUSÃO: Apesar de todas as preocupações com o uso racional dos antimicrobianos, na população estudada quase metade das drogas foi usada sem diagnóstico ou critério definido. A prescrição de antibióticos persiste tema atual. O assunto deve ser encarado com seriedade pelos cirurgiões, que devem saber quando indicar, como indicar e, ainda, quando não indicar.

Antibióticos; Agentes Antibacterianos; Antibioticoprofilaxia; Cirurgia; Infecção


BACKGROUND: To analyze the use of antibiotics in the surgical ward of a tertiary university hospital through one day audit. METHODS: Data were collected from the charts of hospitalized patients (pre- and postoperative) in a single, random visit in the surgical ward. Antibiotic prescription was classified as prophylactic, empirical, therapeutic intent with a known pathogen, therapeutic intent with an unknown pathogen or without rational basis, according to the preset criteria. RESULTS: From 50 hospitalized patients, 46 were surgical (N=46). Antibiotics were prescribed to 13 subjects (28.3%). Drug association was used in seven patients (53.8%), and nineteen antibiotics were prescribed. Eight drugs (42.1%) were used as empirical or without rational basis, four in each group. Six drugs (31.6%) were used to treat infections with an unknown pathogen, three (15.7%) to treat infections with a know pathogen and two drugs (10.5%) for prophylactic use. CONCLUSION: Despite all concerns about the rational use of antimicrobials, in the studied population, almost half of the drugs were used without proper diagnosis or definite criterion. Antibiotic prescription is still a current problem. It must be faced with seriousness by surgeons, who must know when to indicate, how to indicate, and yet, when not to indicate.

Antibiotics; Anti-bacterial agents; Antibiotic prophylaxis; Surgery; Infection


ARTIGO ORIGINAL

Auditoria no uso de antimicrobianos em enfermaria cirúrgica

Audit of the use of antimicrobial therapy in a surgical ward

Hamilton Petry de Souza, TCBC-RSI; Daniel Weiss VilhordoII; Ricardo Breigeiron, TCBC-RSIII; Matheus Bongers AlessandrettiIV; Edgar DottiIV; Thiago Gonzalez Barbosa e SilvaIV

IProfessor Adjunto e Coordenador do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da PUCRS; Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital São Lucas - Faculdade de Medicina PUCRS; Chefe do Grupo Cirurgia do Pâncreas e Vias Biliares - Hospital São Lucas- Faculdade de Medicina PUCRS; Coordenador da Residência em Cirurgia Geral e do Trauma do Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre; Fellow do American College of Surgeons; Membro da Surgical Infection Society (SIS)

IICirurgião Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital São Lucas da PUCRS

IIICirurgião Geral; Especialista em Cirurgia do Trauma; Mestre em Cirurgia pela PUCRS; Diretor Cultural e Científico da Sociedade de Cirurgia Geral do Rio Grande do Sul; Preceptor da Residência em Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital São Lucas da PUCRS; Preceptor da Residência em Cirurgia Geral e do Trauma do HPS de Porto Alegre; Instrutor do Advanced Trauma Life Support (ATLS) e Diretor do Pré Hospital Trauma Support (PHTLS)

IVAluno da Faculdade de Medicina da PUCRS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hamilton Petry de Souza Rua Antonio Parreiras, 145 ap. 401- Bela Vista 90450-050 - Porto Alegre- RS Tel.: +51- 33322942 Res. +51- 33367505/33205001 Cons. Fax.: +51- 33309192 - +51-33205034 Email: hpetrys@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar o uso de antimicrobianos em enfermaria cirúrgica de hospital universitário terciário através de uma auditoria por um dia.

MÉTODO: Em visita única, aleatória, à enfermaria cirúrgica, dados dos prontuários dos pacientes internados (pré e pós-operatórios) foram analisados. A prescrição de antimicrobianos foi qualificada como profilática, empírica, terapêutica com patógeno conhecido, terapêutica sem patógeno conhecido ou sem base racional, de acordo com critérios pré-estabelecidos.

RESULTADOS: Dos 50 pacientes internados, 46 eram pacientes cirúrgicos (N=46). Antibióticos foram prescritos para 13 indivíduos (28,3%). Associação de drogas foi utilizada em sete pacientes (53,8%). Dezenove antibióticos foram prescritos. Oito drogas (42,1%) foram usadas enquadrando-se entre as categorias empírica e sem base racional, quatro em cada. Seis drogas (31,6%) foram utilizadas para tratamento de infecção sem patógeno conhecido, três (15,7%) para tratamento de infecção com patógeno conhecido e duas drogas (10,5%) para profilaxia.

CONCLUSÃO: Apesar de todas as preocupações com o uso racional dos antimicrobianos, na população estudada quase metade das drogas foi usada sem diagnóstico ou critério definido. A prescrição de antibióticos persiste tema atual. O assunto deve ser encarado com seriedade pelos cirurgiões, que devem saber quando indicar, como indicar e, ainda, quando não indicar.

Descritores: Antibióticos; Agentes Antibacterianos; Antibioticoprofilaxia; Cirurgia; Infecção.

ABSTRACT

BACKGROUND: To analyze the use of antibiotics in the surgical ward of a tertiary university hospital through one day audit.

METHODS: Data were collected from the charts of hospitalized patients (pre- and postoperative) in a single, random visit in the surgical ward. Antibiotic prescription was classified as prophylactic, empirical, therapeutic intent with a known pathogen, therapeutic intent with an unknown pathogen or without rational basis, according to the preset criteria.

RESULTS: From 50 hospitalized patients, 46 were surgical (N=46). Antibiotics were prescribed to 13 subjects (28.3%). Drug association was used in seven patients (53.8%), and nineteen antibiotics were prescribed. Eight drugs (42.1%) were used as empirical or without rational basis, four in each group. Six drugs (31.6%) were used to treat infections with an unknown pathogen, three (15.7%) to treat infections with a know pathogen and two drugs (10.5%) for prophylactic use.

CONCLUSION: Despite all concerns about the rational use of antimicrobials, in the studied population, almost half of the drugs were used without proper diagnosis or definite criterion. Antibiotic prescription is still a current problem. It must be faced with seriousness by surgeons, who must know when to indicate, how to indicate, and yet, when not to indicate.

Key words: Antibiotics; Anti-bacterial agents; Antibiotic prophylaxis; Surgery; Infection.

INTRODUÇÃO

Otimizar a prescrição intra-hospitalar de antimicrobianos é um desafio permanente e exige envolvimento e conscientização multiprofissionais. O uso apropriado ou não de antibióticos afeta inevitavelmente a ecologia bacteriana exercendo força seletiva, o que pode conduzir ao surgimento de resistência1. A resistência bacteriana vem aumentando progressivamente, em paralelo com o uso crescente de drogas antimicrobianas2. A prescrição de antibióticos faz parte do tratamento de 25 a 33% dos pacientes internados3. Estima-se que, nesses casos, 25 a 50% das drogas sejam usadas incorreta ou inapropriadamente3. Vários estudos apontam que a sobrevida é significativamente aumentada quando a escolha inicial do antibiótico é apropriada1. Além disso, o custo da resistência bacteriana oscila anualmente, nos Estados Unidos, entre 100 milhões e 30 bilhões de dólares4.

Os pontos cruciais para o uso de antimicrobianos incluem: o conhecimento do(s) fármaco(s) (farmacocinética, farmacodinâmica, dose, posologia, para-efeitos, interações, contra-indicações e necessidade de ajustes de dose), saber quando indicar a profilaxia ou a terapia, tempo de uso e análise dos exames coletados para testes culturais e antibiogramas5.

A seguir, será descrita a análise do uso de drogas antimicrobianas em enfermaria cirúrgica de hospital universitário terciário. Um protocolo semelhante conduzido por Nicholas Namias foi divulgado pela University of Miami para análise "fotográfica" do uso de antibióticos em unidades de cuidados intensivos cirúrgicas de diversos hospitais, estudo intitulado Survey of Surgical Infections Currently Known - SOSICK (comunicação pessoal).

MÉTODO

A análise envolveu os pacientes adultos do sistema previdenciário internados na enfermaria cirúrgica do Hospital São Lucas da PUCRS. Em visita única à unidade, dados referentes aos 50 pacientes internados foram coletados. A aferição foi conduzida exclusivamente baseada em dados dos prontuários, sem qualquer contato com os indivíduos. Os pacientes foram categorizados de acordo com especialidade cirúrgica, período pré- ou pós-operatório, diagnóstico ou não de neoplasia e uso de imunossupressores. Quando detectado o uso de antibiótico, a indicação foi tipificada em profilática, empírica, terapêutica com patógeno conhecido, terapêutica sem patógeno conhecido ou sem base racional. O uso profilático foi considerado como o de duração limitada (máximo 24 horas) estritamente visando a evitar potencial infecção diante de procedimento cruento. Foi considerada empírica a indicação baseada na alta suspeita de infecção representada por dados clínicos ou bacterioscopia, mas não confirmada. Infecção definida em contexto clínico, laboratorial e/ou imaginológico, porém sem isolamento de germe foi tipificada como uso terapêutico com patógeno desconhecido. A variante semelhante, em teste cultural positivo, definiu a indicação terapêutica com patógeno conhecido. O uso sem base racional foi aquele que ocorreu fora das especificações acima, adotado por outras razões do médico assistente. Dose do antimicrobiano e data provável de término da terapia também foram computadas.

RESULTADOS

Dos 50 pacientes internados, 46 eram pacientes cirúrgicos (N=46). A tabela 1 apresenta a distribuição por especialidade. Vinte e oito pacientes (60,8%) encontravam-se em período pré-operatório e 15 (32,6%) em pós-operatório. Os pacientes internados por outros motivos (complicações tardias, pós-operatório tardio, observação pós-trauma sem indicação de cirurgia) foram três (6,5%).

Diagnóstico inequívoco de neoplasia esteve presente em quatro pacientes (8,6%), nenhum dos quais estava usando antibiótico. Nenhum dos dois pacientes recebendo imunossupressores estava recebendo antimicrobianos. Os antibióticos foram prescritos para 13 indivíduos (28,3%). A associação de drogas foi utilizada em sete pacientes (53,8%). A tabela 2 aponta as drogas prescritas. O uso de antibióticos foi predominante nos pacientes internados para Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo. Os 13 indivíduos com drogas antimicrobianas prescritas são sumarizados na figura 1 de acordo com a especialidade cirúrgica. Dezenove antibióticos foram prescritos. A indicação de oito drogas (42,1%) distribuiu-se entre as categorias empírica e sem base racional. A figura 2 sumariza as informações sobre o tipo de uso de antimicrobianos.



O término de uso foi previsto para apenas três antimicrobianos (15,7%). Culturais foram isolados em três casos. Foram encontrados Corynebacterium sp (aspirado traqueal e líquido sinovial de indivíduos distintos) e Staphylococcus sensível à vancomicina em úlcera de membro inferior.

DISCUSSÃO

Estudos evidenciaram que 50 a 60% das infecções nosocomiais são produto de patógenos resistentes e tratamento inapropriado6. Em estudo de coorte retrospectivo, Cosgrove et al demonstraram que o surgimento de resistência à cefalosporina de terceira geração resultou em maior mortalidade (risco relativo, RR, = 5,02; p = 0,01), maior permanência hospitalar (RR = 1,47; p <0,001) e maiores despesas hospitalares (RR = 1,5; p<0,001) entre os pacientes com infecções não suscetíveis ao tratamento7. Em estudo prospectivo com 2000 pacientes internados em unidade de tratamento intensivo cirúrgica ou clínica, Kollef et al relataram que a antibioticoterapia inadequada foi o fator determinante mais importante de mortalidade hospitalar em todo o estudo de coorte8.

Dallal et al encontraram, em estudo realizado no University of Pittsburgh Medical Center, Pensilvânia, um aumento na incidência de colite pseudomembranosa de uma média de 0,62% ao ano durante a década de 90 para 1,2% em 20009, tendência que também vem sendo observada no Reino Unido10. A administração de antibióticos é o fator de risco mais significativo e freqüente para essa entidade causada pelo Clostridium difficile11. A maior defesa contra a colite pseudomembranosa é a preservação do "ecossistema" intestinal, visto que o C. difficile é suprimido por demais componentes da microbiota entérica, que podem ser eliminados por certos antibióticos. A associação clássica do quadro à clindamicina cada vez mais vem sendo observada também em relação aos antibióticos de maior espectro, como cefalosporinas11. Sob particular atenção também está o uso de ciprofloxacin, que aparece em alguns estudos como fator de risco importante12. Gentamicina, trimetoprim, ampicilina, entre outros, também estão entre as drogas capazes de induzir colite pseudomembranosa11.

Exemplos de usos inapropriados de antimicrobianos incluem ausência de evidência de infecção, administração de antibióticos para pacientes que estão colonizados (não infectados) com microorganismos, administração de antibióticos que são inadequados para os microorganismos causadores da doença, desrespeito à posologia, tempo de tratamento inadequado, antibioticoprofilaxia cirúrgica inapropriada, incluindo erro de dose e posologia e desrespeito do momento de início e de término, administração de antibióticos para tratar infecções resistentes à(s) droga(s), administração de fármacos de amplo espectro quando drogas de menor espectro seriam suficientes e disponíveis, administração de múltiplas drogas com espectros superponíveis, entre outros13.

No presente estudo, dois casos foram computados no grupo das indicações sem base racional. O primeiro envolveu a prescrição claramente profilática de norfloxacin após sondagem vesical de demora, o que carece de embasamento científico. No segundo, um indivíduo internado por traumatismo crânio-encefálico contuso recebeu cefepime e clindamicina por seis dias, com justificativa de profilaxia de infecção do sistema nervoso central. Metanálise avaliando o papel da antibioticoprofilaxia na prevenção de meningite pós-fratura basilar evidenciou que o uso dos antimicrobianos não diminui o risco de meningite14. De correta indicação, porém mal aplicada, foi a prescrição pré-operatória profilática de cefalotina iniciada ainda na enfermaria, com inadequação do momento ideal de início, durante a indução anestésica15. O atraso no transporte do paciente ao centro cirúrgico, a antecipação ou o retardo na administração do fármaco pela equipe de enfermagem e o adiamento da operação, entre outros, tornam essa prática inviável. Entre as indicações empíricas, destacou-se a prescrição de amoxacilina-clavulanato por suspeita clínica, não confirmada, de abscesso submandibular. Na mesma categoria, observou-se a indicação de ciprofloxacin e metronidazol para indivíduo em pós-operatório recente de reconstituição de trânsito colônico com pico febril, leucocitose e imagem de coleção subaponeurótica e exame abdominal normal. Nesse caso, cultural de punção do líquido realizada previamente ao início do esquema antimicrobiano não havia detectado crescimento bacteriano. Embora não tenha figurado entre os problemas encontrados, o tempo de uso da antibioticoprofilaxia cirúrgica deve sempre ser enfatizado, com a recomendação de encerrar ao término do ato operatório ou, no máximo, em 24 horas 5,15.

Petrillo et al relataram, em 1989, auditoria semelhante no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, porém envolvendo enfermarias de diferentes especialidades16. Na população estudada, foi observado que 42% dos pacientes internados estavam usando antibióticos e que 42% desses receberam tais fármacos inadequadamente. Os motivos da inadequação foram uso injustificado, uso profilático inadequado, dose errada ou droga mais onerosa16.

A Infectious Diseases Society of America publicou recentemente diretrizes baseadas em evidências enfocando a implementação de programa formal desenhado para otimizar o uso de antimicrobianos no meio intra-hospitalar17. As recomendações incluem formação de equipe multidisciplinar consistindo de infectologista, farmacêutico ligado à área de doenças infecciosas, microbiologista clínico, especialista em sistemas de informação, profissional de controle de infecção e epidemiologista. Além disso, são previstas auditorias com possibilidade de intervenções, formulários de restrição de uso de drogas e pré-autorização, programa educacional e desenvolvimento de diretrizes e a prática do descalonamento17. "Descalonar", neologismo que visa a reduzir o espectro da terapia antimicrobiana baseado nos resultados de culturas e eliminação de combinações redundantes, pode ser mais efetivo contra o agente causal, resultando em redução da exposição aos antimicrobianos e redução de custos18. Tal prática, em nossa opinião, deve ser vista com cautela, especialmente em doentes críticos, pois para praticá-la deve-se estar seguro do diagnóstico etiológico e ter o paciente muito controlado, o que freqüentemente não é a situação encontrada.

O uso rotineiro de diretrizes atualizadas em tratamento antimicrobiano também é objeto de estudo na literatura como forma de melhorar a decisão terapêutica. Bochicchio et al apresentaram estudo piloto prospectivo randomizado na University of Maryland avaliando o uso do periodicamente atualizado Johns Hopkins Antibiotic Guide® em dispositivos eletrônicos portáteis com resultados favoráveis19.

Conforme estudos pessoais anteriores, do ponto de vista do cirurgião, mais especificamente do cirurgião geral e digestivo, é importante que se destaque que o papel dos antibióticos é coadjuvante, sendo o tratamento cirúrgico, com suas variantes, a base da terapêutica. Nada irá substituir preceitos cirúrgicos básicos como o diagnóstico precoce, indicação cirúrgica precisa, técnica e tática corretas, integração multidisciplinar, observância dos cuidados nutricionais, entre outros. Igualmente as drogas não devem ser simplesmente "trocadas" ou "acrescidas" por não corresponderem ao antibiograma recebido. A resistência bacteriana é um flagelo que atinge a todos pelo uso indiscriminado dos antimicrobianos, devendo sempre ser considerada, por tudo aquilo que acarreta5,20,21. Nos casos de infecção pós-operatória, é apropriado que a análise e a decisão de uso de antimicrobianos caibam ao cirurgião, que evidentemente trabalhará em conjunto com colegas de outras especialidades, em particular, o intensivista e o infectologista5. Os objetivos do tratamento são: eliminar os microorganismos infectantes, diminuir a chance de recorrência e de resistência, bem como acelerar o tempo de resolução do quadro infeccioso22.

Em conclusão, a auditoria realizada permite, mesmo em pequeno número de pacientes, uma visão real da utilização de antibióticos em hospital terciário no Brasil, Apesar de todas as preocupações no sentido da racionalização do uso dos antimicrobianos, na população estudada quase metade das drogas foi usada sem diagnóstico ou critério definido ou, ainda, sem base racional, o que está de acordo com dados da literatura. Os achados em enfermaria cirúrgica de hospital universitário terciário endossam a tese de que a prescrição de antibióticos persiste tema atual. O assunto deve ser encarado com seriedade pelos cirurgiões, que devem saber quando indicar, como indicar e, ainda, quando e por que não indicar.

Recebido em 24/10/2007

Aceito para publicação em 17/03/2008

Conflito de interesses: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Hospital São Lucas da PUCRS.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2008
    • Recebido
      24 Out 2007
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