Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da associação entre doença arterial obstrutiva periférica e níveis aumentados de proteína C-reativa em população nipo-brasileira

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a relação entre a doença arterial obstrutiva periférica e níveis elevados de proteína C-reativa em população nipo-brasileira de alto risco cardiovascular.

MÉTODOS:

estudo transversal derivado de estudo de base populacional sobre a prevalência de diabetes e doenças associadas em população nipo-brasileira. Mil trezentos e trinta indivíduos com idade >30 foram submetidos a exame clínico e laboratorial, incluindo a dosagem da proteína C-reativa ultrassensível. O diagnóstico da doença arterial obstrutiva periférica foi realizado através do cálculo do índice tornozelo-braço. Foram considerados portadores de doença arterial obstrutiva periférica os pacientes que apresentaram índice tornozelo-braço <0,9. Após aplicação dos critérios de exclusão, 1038 indivíduos completaram o estudo.

RESULTADOS:

a média de idade da população foi 56,8 anos, 46% pertencentes ao sexo masculino. A prevalência da doença arterial obstrutiva periférica foi 21%, sem diferença entre os sexos. A análise dos dados não mostrou associação entre doença arterial obstrutiva periférica e proteína C-reativa ultrassensível. Os pacientes com índice tornozelo-braço <0,70 apresentaram valores mais elevados de proteína C-reativa ultrassensível e o pior perfil cardiometabólico. Encontramos associação positiva e independente da doença arterial obstrutiva periférica com hipertensão arterial e tabagismo. .

CONCLUSÃO:

a associação encontrada entre valores baixos de índice tornozelo-braço e níveis elevados de proteína C-reativa ultrassensível pode sugerir uma relação de gravidade auxiliando mapeamento dos pacientes de maior risco.

Doença arterial periférica; Proteína C-reativa; Aterosclerose; Homocisteina


OBJECTIVE:

To evaluate the relationship between peripheral arterial disease and elevated levels of C-reactive protein in the Japanese-Brazilian population of high cardiovascular risk.

METHODS:

We conducted a cross-sectional study derived from a population-based study on the prevalence of diabetes and associated diseases in the Japanese-Brazilian population. One thousand, three hundred and thirty individuals aged e" 30 underwent clinical and laboratory examination, including measurement of ultrasensitive C-reactive protein. The diagnosis of peripheral arterial disease was performed by calculating the ankle-brachial index. We considered with peripheral arterial disease patients who had ankle-brachial index d" 0.9. After applying the exclusion criteria, 1,038 subjects completed the study.

RESULTS:

The mean age of the population was 56.8 years; 46% were male. The prevalence of peripheral arterial disease was 21%, with no difference between genders. Data analysis showed no association between peripheral arterial disease and ultrasensitive C-reactive protein. Patients with ankle-brachial index d" 0.70 showed higher values of ultrasensitive C-reactive protein and worse cardiometabolic profile. We found a positive independent association of peripheral arterial disease with hypertension and smoking.

CONCLUSION:

The association between low levels of ankle-brachial index and elevated levels of ultrasensitive C-reactive protein may suggest a relationship of gravity, aiding in the mapping of high-risk patients.

Peripheral arterial disease; C-reactive protein; Atherosclerosis; Homocysteine


INTRODUÇÃO

Apesar das mudanças no estilo de vida e do crescente arsenal terapêutico, as doenças cardiovasculares continuam sendo a maior causa de morbimortalidade, principalmente nos países desenvolvidos emergentes. Dados do Ministério da Saúde relativos a 20 anos de Sistema Único de Saúde mostraram que as doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte no Brasil para ambos os sexos. Em 2006, foram responsáveis por 29,4% dos óbitos no país, enquanto as neoplasias foram 15,1%11. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde 2008: 20 anos de Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, Brasília/DF, 2009. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rat_brasil_2008_web_20_11.ppf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
.

As doenças cardiovasculares são, em grande parte, decorrentes do processo aterosclerótico, portanto o estudo e a compreensão de novos fatores de risco para aterosclerose são necessários para identificar indivíduos de risco e também para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas. A doença arterial obstrutiva periférica de etiologia aterosclerótica é cada vez mais prevalente na sociedade moderna devido, em parte, ao aumento da expectativa de vida, acometendo 202 milhões de indivíduos no mundo, no ano de 2010. Na última década foi registrado um aumento de 28,7% na prevalência da doença nos países de baixa e média renda per capita e de 13,1% nos de alta renda22. Fowkers F, Rudan D, Rudan I, Aboyans V, Denenberg JO, McDermott MM, et al. Comparison of global estimates of prevalence and risk factors for peripheral artery disease in 2000 and 2010: a systematic review and analysis. Lancet. 2013;382(9901):1329-40..

A fisiopatologia do processo aterosclerótico é complexa e multifatorial. A alteração inicial nesse processo é a disfunção endotelial decorrente de diversos fatores, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, hipercolesterolemia e tabagismo. Durante todas as fases do processo aterosclerótico ocorre a liberação de citoquinas, dentre elas a interleucina-6 (IL6), que é a principal responsável pela estimulação hepática para a liberação de proteína C-reativa (PCR), principal proteína de fase aguda no processo inflamatório33. Ross R. Atherosclerosis-an inflammatory disease. N Engl J Med. 1999;340(2):115-26. , 44. Szmitko PE, Wang CH, Weisel RD, de Almeida JR, Anderson TJ, Verna S. New markers of inflammation and endothelial cell activation: Part I. Circulation. 2003;108(16):1917-23..

Portanto, a aterosclerose é considerada uma doença dinâmica e progressiva, decorrente da combinação de disfunção endotelial e inflamação. A disfunção endotelial é caracterizada pela diminuição da produção de óxido nítrico e aumento da expressão das moléculas de adesão. Estas moléculas promovem a internalização de monócitos que se transformam em macrófagos, liberando IL6, estimulando a liberação de PCR que, por sua vez, promove a diminuição da produção de óxido nítrico, estimula a liberação de IL6 e a expressão das moléculas de adesão endotelial, perpetuando a resposta inflamatória33. Ross R. Atherosclerosis-an inflammatory disease. N Engl J Med. 1999;340(2):115-26.. A PCR é atualmente considerada o principal marcador clínico de inflamação. Sua participação no processo aterosclerótico vem sendo discutida nas últimas décadas.

A relação entre PCR e a doença cardiovascular tem sido investigada principalmente no território coronariano55. Danesh J, Wheeler JG, Hirschfield GM, Eda S, Eiriksdottir G, Rumley A, et al. C-reactive protein and other circulating markers of inflammation in the prediction of coronary heart disease. N Engl J Med. 2004;350(140):1387-97. , 66. Momiyama Y, Kawaguchi A, Kajiwara I, Ohmori R, Okada K, Saito I, et al. Prognostic value of plasma high-sensitivity C-reactive protein levels in Japanese patients with stable coronary artery disease: the Japan NCVC-Collaborative Inflammation Cohort (JNIC) Study. Atherosclerosis. 2009;207(1):272-6.. Estudos observacionais têm consistentemente demonstrado que níveis elevados de PCR estão associados ao aumento do risco para as doenças coronarianas e que a sua dosagem auxiliaria na predição da doença55. Danesh J, Wheeler JG, Hirschfield GM, Eda S, Eiriksdottir G, Rumley A, et al. C-reactive protein and other circulating markers of inflammation in the prediction of coronary heart disease. N Engl J Med. 2004;350(140):1387-97. , 66. Momiyama Y, Kawaguchi A, Kajiwara I, Ohmori R, Okada K, Saito I, et al. Prognostic value of plasma high-sensitivity C-reactive protein levels in Japanese patients with stable coronary artery disease: the Japan NCVC-Collaborative Inflammation Cohort (JNIC) Study. Atherosclerosis. 2009;207(1):272-6.. Entretanto, estes estudos fornecem apenas informações limitadas e indiretas sobre a performance do marcador na predição da doença77. Hingorani AD, Shah T, Casas JP, Humphries SE, Talmud PJ. C-reactive protein and coronary heart disease: predictive test or therapeutic target? Clin Chem. 2009;55(2):339-55..

Existe, atualmente, um grande interesse sobre o real papel da PCR na doença aterosclerótica: um fator causal ou apenas um mediador de doença. A associação entre PCR e doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) tem sido estudada, porém de forma muito menos extensa que no território coronariano88. Ridker PM, Cushman M, Stampfer MJ, Tracy RP, Hennekens CH. Plasma concentration of C-reactive protein and risk of developing peripheral vascular disease. Circulation. 1998;97(5):425-8..

Nosso grupo conduziu um estudo de base populacional sobre a prevalência de diabetes mellitus e doenças associadas em imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil. Populações de origem japonesa migrantes apresentam altas taxas de diabetes mellitus e outros fatores de risco cardiovasculares99. Fujimoto WY, Leonetti DL, Kinyoun JL, Newell-Morris L, Shuman WP, Stolov WC, et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance among second-generation Japanese-American men. Diabetes. 1987;36(6):721-9.. A alta prevalência de doenças crônicas sugere que a exposição a um diferente estilo de vida exacerbaria uma tendência genética de acumular gordura, aumentando o risco cardiovascular. São populações geneticamente homogêneas com perfil cardiometabólico desfavorável, o que contribui para o estudo da DAOP e outras complicações do processo aterosclerótico1010. Lerario DDG, Gimeno SG, Franco LJ, Iunes M, Ferreira SRG. Excesso de peso e gordura abdominal para a síndrome metabólica em nipo-brasileiros. Rev Saúde Pública. 2002;36(1):4-11. , 1111. Gimeno SG, Ferreira SR, Cardoso MA, Franco LJ, Iunes M. Weight gain in adulthood and risk of developing glucose tolerance disturbance: a study of a Japanese-Brazilian population. Japanese-Brazilian Study Group. J Epidemiol. 2002;10(2):103-10.. Portanto, essa população representa uma oportunidade para investigar a relação da DAOP com novos fatores de risco, como a PCR.

MÉTODOS

O estudo foi realizado em população nipo-brasileira residente em Bauru, São Paulo, Brasil. Indivíduos do sexo masculino e feminino, com idade e"30 anos, foram convidados a participar. Detalhes sobre o recrutamento e seleção dessa amostra da população foram previamente descritos pelos autores1010. Lerario DDG, Gimeno SG, Franco LJ, Iunes M, Ferreira SRG. Excesso de peso e gordura abdominal para a síndrome metabólica em nipo-brasileiros. Rev Saúde Pública. 2002;36(1):4-11. , 1111. Gimeno SG, Ferreira SR, Cardoso MA, Franco LJ, Iunes M. Weight gain in adulthood and risk of developing glucose tolerance disturbance: a study of a Japanese-Brazilian population. Japanese-Brazilian Study Group. J Epidemiol. 2002;10(2):103-10..

O estudo foi aprovado pelo Comitê Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob o número 1544/10 e o termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes. Mil trezentos e trinta participantes foram entrevistados sobre o estado clínico e nutricional e programados para avaliação clínica e laboratorial. Dados sobre tabagismo e história de doenças prévias foram obtidos. O exame clínico incluiu medidas antropométricas, de pressão arterial e índice tornozelo-braço (ITB). Amostra de sangue foi obtida após período de 12 horas de jejum para realização dos testes laboratoriais, incluindo proteína C-reativa ultrassensível (PCR-us). Após aplicação dos critérios de exclusão (dados incompletos, PCR >10mg/L e ITB >1,40), 1038 indivíduos finalizaram o estudo.

Fatores de risco convencionais e não convencionais, como a população é de origem asiática, optamos por utilizar os valores de Indice de massa corporal (IMC) preconizados pelo Japan Society for the Study of Obesity (JASO)1212. Examination Committee of Criteria for 'Obesity Disease' in Japan; Japan Society for the Study of Obesity. New criteria for 'obesity disease' in Japan. Circ J. 2002;66(11):987-92.. Os valores da relação cintura-quadril utilizados foram os preconizados pela World Health Organization(WHO)1313. WHO Expert Consultation. Appropriate body-mass index for Asian populations and its implications for policy and intervention strategies. Lancet. 2004;363(9403):157-63..

Hipertensão arterial sistêmica foi diagnosticada naqueles que, durante a coleta de dados, referiram serem portadores da doença, estavam em tratamento medicamentoso e aqueles que apresentaram, durante o exame físico, valor pressórico superior à 140x90mmHg1414. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report. JAMA. 2003;289(19):2560-72.. Foram utilizados para o diagnóstico de dislipidemias os valores de referência preconizados pelo National Cholesterol Education Program (NCEP)1515. Grundy SM, Cleeman JI, Merz CN, Brewer HB Jr, Clark LT, Hunninghake DB, et al. Implications of recent clinical trials for the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III guidelines. Circulation. 2004;110(2):227-39. Erratum in: Circulation. 2004;110(6):763. . Foram considerados diabéticos os pacientes que referiram e estavam em tratamento medicamentoso para a doença, e aqueles que foram diagnosticados durante o estudo segundo os critérios da American Diabetes Association (ADA)1616. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2011. Diabetes Care. 2011;34 Suppl 1:S11-61..

Concentrações de ácido úrico até 6mg/dL para mulheres e até 7mg/dL para homens foram consideradas normais. Para homocisteína o valor de corte foi 15µmol/L1717. Garofolo L, Barros N Jr, Miranda F Jr, D'Almeida V, Cardien LC, Ferreira SR. Association of increased levels of homocysteine and peripheral arterial disease In Japanese-Brazilian population. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;34(1):23-8., enquanto que para PCR-us, aquele correspondente à mediana da população que foi o valor 1,1mg/L. Os indivíduos com valores de PCR-us superior 10mg/L foram excluídos. Glicose plasmática e lipoproteínas foram determinadas por meio de métodos enzimáticos. As concentrações de PCR-us foram determinadas por quimioluminescência.

O diagnóstico da DAOP foi realizado através da utilização de aparelho de Doppler de onda contínua da marca Imbracios(r) de 8mHz. O valor do ITB foi calculado pelo quociente da pressão auscultada nas artérias do tornozelo pela maior pressão obtida nas artérias braquiais. Conforme preconizado pelo TASC II (Transatlantic Society Consensus)1818. Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67. foi considerado alterado índice d"0,9 e >1,40. Realizou-se também a estratificação do ITB em três categorias: d"0,70, 0,71 a 0,90 e >0,901919. McDermott MM, Green D, Greenland P, Liu K, Criqui MH, Chan C, et al. Relation of levels of hemostatic factors and inflammatory markers to the ankle brachial index. Am J Cardiol. 2003;92(2):194-9..

Em análise descritiva dos dados utilizaram-se os valores percentuais, médios e dos desvios padrão de variáveis dos indivíduos agrupados segundo a presença de DAOP ou de acordo com os valores do ITB (d"0,70; 0,71-0,90; e"0,90). Verificou-se a existência de associações entre as variáveis mediante o emprego do qui-quadrado e das razões de prevalências (RP). Utilizou-se na comparação dos valores médios de variáveis, segundo a presença de DAOP ou de acordo com os valores do ITB, o teste t de Student ou a análise de variância, respectivamente. Empregou-se o modelo de regressão de Poisson com utilização da variância robusta na obtenção das RP de DAOP segundo a mediana de PCR-us. Adotou-se procedimento semelhante na obtenção dos valores das razões de chance segundo os valores do ITB (d"0,70; 0,71-0,90; e"0,90) e mediana de PCR-us.

RESULTADOS

A média de idade dos 1038 nipo-brasileiros avaliados, 46% do sexo masculino, foi 56,8 anos. Os valores médios de IMC, razão cintura-quadril, pressão arterial, glicemia de jejum, triglicérides, ácido úrico e homocisteína foram significantemente mais elevados nos homens. Colesterol total, LDL-colesterol, HDL-colesterol e PCR foram significantemente mais elevados nas mulheres.

A tabela 1 mostra as prevalências dos fatores de risco convencionais, PCR-us e homocisteína na população analisada. Especialmente entre os homens, observou-se elevada frequência de tabagismo (p<0,01). A hipertensão arterial não diferiu entre os sexos. Quanto aos distúrbios de tolerância à glicose, a prevalência de DM foi significantemente maior nos homens (38,7% versus 31,7%, p=0,008), que também apresentaram mais frequentemente hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo, hiperuricemia e hiper-homocisteinemia. Valores maiores de LDL-colesterol e PCR-us foram mais frequentes nas mulheres.

Tabela 1
Prevalências dos principais fatores de risco cardiovascular na população nipo-brasileira.

A prevalência de DAOP foi 21,1% (n=219), sem diferença entre os sexos (19,2% vs. 22,7%) e foi maior nos indivíduos com idade e"60 anos, hipertensos e com hiper-homocisteinemia. A PCR-us não apresentou associação com DAOP (Tabela 2). Na análise ajustada encontramos relação da DAOP com hipertensão e tabagismo atual e não encontramos relação da DAOP com PCR-us (Tabela 3). Na análise estratificada do ITB encontramos relação da DAOP com hipertensão e tabagismo atual e não encontramos relação da DAOP com PCR-us (Tabela 4).

Tabela 2
Número, porcentagem e razões de prevalências (RP) com respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%) para nipo-brasileiros segundo a presença de DAOP e variáveis demográficas, antropométricas, clínicas e bioquímicas.

Tabela 3
Valores das razões de prevalências (RP) com os respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%) para nipo-brasileiros segundo a presença de DAOP e demais variáveis (modelo inicial e final).

Tabela 4
Valores das razões de chance com os respectivos intervalos com 95% de confiança (IC95%) para nipo-brasileiros segundo valores dos terços do índice tornozelo-braço e demais variáveis (modelo inicial e final).

A análise das médias, segundo a estratificação do ITB, mostrou média de PCR-us mais elevada nos pacientes com ITBd"0,70, mas sem relevância estatística. Ainda, a média da idade dos participantes com ITBd"0,70 foi maior do que nas outras categorias. O mesmo ocorreu com as médias de glicemia de jejum e de duas horas, homocisteína, pressão arterial sistólica e número de cigarros fumados por dia (Tabela 5). Setenta por cento dos pacientes com ITBd"0,70 apresentaram diabetes mellitus e valores de RCQ aumentados (Tabela 6).

Tabela 5
Valores médios e do desvio padrão (DP) de variáveis demográficas, antropométricas, clínicas e bioquímicas de nipo-brasileiros segundo valores do índice tornozelo-braço.
Tabela 6
Número e porcentagem de nipo-brasileiros segundo valores do índice tornozelo-braço e variáveis demográficas, antropométricas, clínicas e bioquímicas.

Ainda, 70% dos com ITBd"0,70 apresentaram diabetes mellitus e valores de RCQ aumentados (Tabela 6).

DISCUSSÂO

Encontramos alta prevalência de DAOP (21,1%) nessa população de nipo-brasileiros. Considerando que a população estudada apresenta perfil cardiometabólico desfavorável, esta alta prevalência era esperada. Outro estudo, analisando pacientes com alto risco cardiovascular, encontrou, assim como o nosso, altas taxas de DAOP2020. Belch J, MacCuish A, Campbell I, Cobbe S, Taylor R, Prescott R, et al. The prevention of progression of arterial disease and diabetes (POPADAD) trial: factorial randomised placebo controlled trial of aspirin and antioxidants in patients with diabetes and asymptomatic peripheral arterial disease. BMJ. 2008;337:a1840..

Os fatores de risco associados independentemente à DAOP foram tabagismo e hipertensão arterial sistêmica em ambos os sexos. A PCR-us não se mostrou associada de forma independente à DAOP, entretanto, com a estratificação do ITB, encontramos valores mais elevados desta variável naqueles com ITB<0,70, mas sem relevância estatística. Contudo, esse subgrupo de pacientes com ITB<0,70 foi composto por apenas 20 indivíduos, o que dificulta a análise estatística. Ainda, os indivíduos com doença mais avançada (ITB<0,70) foram os que apresentaram o pior perfil cardiometabólico, o que também pode interferir nos valores de PCR, fenômeno chamado de causalidade reversa, ou seja, sendo a placa aterosclerótica um foco de inflamação, alterações observadas nos valores de PCR poderiam refletir apenas atividade inflamatória na placa causada por outros fatores de risco2121. Schunkert H, Samani NJ. Elevated C-reactive protein in atherosclerosis-chicken or egg? N Eng J Med. 2008;359(18):1953-5.. A concentração elevada de PCR pode ser secundária a diversos fatores, como tabagismo, alteração nas concentrações de colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol, triglicérides e glicemia, hipertensão arterial e IMC, em até 78% dos homens e 67% das mulheres2222. Miller M, Zhan M, Havas S. High attributable risk of elevated C-reactive protein level to conventional coronary heart disease risk factors: the Third National Health and Nutrition Examination Survey. Arch Intern Med. 2005;165(18):2063-8.. A PCR participa, portanto, do processo aterosclerótico, entretanto, é ainda discutível o seu real papel, ou seja, se ela é apenas um mediador de doença, de gravidade ou se está causalmente associada à doença.

Estudo transversal, "The Tsurugaya Project", semelhante ao nosso, também avaliando uma população de origem nipônica observou que pacientes com os níveis mais elevados de PCR-us apresentaram os menores valores de ITB (OR 2,10 [IC 95% 1,13 - 3,88]), independentemente dos demais fatores de risco cardiovasculares2323. Hozawa A, Ohmori K, Kuriyama S, Shimazu T, Niu K, Watando A, et al. C-reactive protein and peripheral arterial disease among Japanese elderly: the Tsurugaya Project. Hypertens Res. 2004;27(12):955-61..

Entretanto, Wensley et al., em meta-análise que incluiu 194.418 indivíduos sobre os níveis de PCR-us e risco de doença coronariana e cerebral, concluíram que a relação causal entre doença aterosclerótica e níveis de PCR-us é improvável. Apesar de existir uma correlação linear entre os níveis de PCR-us e doença aterosclerótica, a relação enfraquece muito após o ajuste para os demais fatores de risco cardiovasculares. De acordo com estes autores a PCR pode estar relacionada à gravidade da doença aterosclerótica2424. C Reactive Protein Coronary Heart Disease Genetics Collaboration (CCGC), Wensley F, Gao P, Burgess S, Kaptoge S, Di Angelantonio E, et al. Association between C reactive protein and coronary heart disease: mendelian randomization analysis based in individual participant data. BMJ. 2011;342:d548..

A epidemiologia genética tem auxiliado na obtenção de evidências sobre o envolvimento da PCR na doença aterosclerótica. A concentração da PCR é um traço hereditário, já tendo sido identificada a presença de polimorfismos no gene da PCR capazes de influenciar o nível circulante desta proteína. Esses achados abrem uma nova oportunidade de pesquisa, já que a alocação aleatória dos alelos durante a concepção, permite uma distribuição balanceada dos fatores de confusão entre os genótipos. Ainda, o genótipo não é influenciado pela presença de doença, estando, então, as associações genéticas protegidas de causalidade reversa2525. Brull DJ, Serrano N, Zito F, Jones L, Montgomery HE, Rumley A, et al. Human CRP gene polymorphism influences CRP levels: implications for the prediction and pathogenesis of coronary heart disease. Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2003;23(11):2063-9. Erratum in: Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2004;24(7):1328. .

Com esse objetivo, Zacho et al. estudaram a evolução de 51.286 indivíduos portadores de genótipos de PCR responsáveis pela manutenção, em longo prazo, de níveis plasmáticos elevados de PCR e a ocorrência de doença coronariana ou cerebral. Concluíram que o polimorfismo no gene da PCR estava associado a níveis plasmáticos elevados, mas não ao aumento do risco de isquemia coronariana ou cerebral2626. Zacho J, Tybjaerg-Hansen A, Jensen JS, Grande P, Sillesen H, Nordestgaard BG. Genetically elevated C-reactive protein and ischemic vascular disease. N Eng J Med. 2008;359(18):1897-908.. Outros estudos avaliando a epidemiologia genética são concordantes com a ausência de relação causal entre polimorfismos do gene da PCR com doença coronariana2626. Zacho J, Tybjaerg-Hansen A, Jensen JS, Grande P, Sillesen H, Nordestgaard BG. Genetically elevated C-reactive protein and ischemic vascular disease. N Eng J Med. 2008;359(18):1897-908.

27. Elliot P, Chambers JC, Zhang W, Clarke R, Hopewell JC, Peden JF, et al. Genetic Loci associated with C-reactive protein levels and risk of coronary heart disease. JAMA. 2009;302(1):37-48.
- 2828. Casas JP, Shah T, Cooper J, Hawe E, McMahon AD, Gaffney D, et al. Insight into the nature of the CRP-coronary event association using Mendelian randomization. Inter J Epidemiol. 2006;35(4):922-31..

Em suma, os estudos genéticos publicados2424. C Reactive Protein Coronary Heart Disease Genetics Collaboration (CCGC), Wensley F, Gao P, Burgess S, Kaptoge S, Di Angelantonio E, et al. Association between C reactive protein and coronary heart disease: mendelian randomization analysis based in individual participant data. BMJ. 2011;342:d548.

25. Brull DJ, Serrano N, Zito F, Jones L, Montgomery HE, Rumley A, et al. Human CRP gene polymorphism influences CRP levels: implications for the prediction and pathogenesis of coronary heart disease. Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2003;23(11):2063-9. Erratum in: Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2004;24(7):1328.

26. Zacho J, Tybjaerg-Hansen A, Jensen JS, Grande P, Sillesen H, Nordestgaard BG. Genetically elevated C-reactive protein and ischemic vascular disease. N Eng J Med. 2008;359(18):1897-908.

27. Elliot P, Chambers JC, Zhang W, Clarke R, Hopewell JC, Peden JF, et al. Genetic Loci associated with C-reactive protein levels and risk of coronary heart disease. JAMA. 2009;302(1):37-48.
- 2828. Casas JP, Shah T, Cooper J, Hawe E, McMahon AD, Gaffney D, et al. Insight into the nature of the CRP-coronary event association using Mendelian randomization. Inter J Epidemiol. 2006;35(4):922-31. não foram capazes de atribuir um papel causal da PCR na doença aterosclerótica. O desenvolvimento de inibidores específicos para a PCR deverá ser de grande auxílio para se chegar a esta resposta. Em fase de desenvolvimento encontra-se o 1,6 hexano-bifosfocolina, que apresenta meia-vida muito curta2929. Pepys MB, Hirschfield GM, Tennent GA, Gallimore JR, Kahan MC, Bellotti V, et al. Targeting C-reactive protein for the treatment of cardiovascular disease. Nature. 2006;440(7088):1217-21.. Portanto, até o momento, o real papel da PCR no processo aterosclerótico é controverso. De acordo com Pepys, a PCR está presente nas placas ateroscleróticas geralmente colocalizada com os elementos do complemento, entretanto a presença na cena do crime não necessariamente é evidência de culpa3030. Pepys MB. CRP or not CRP? That is the question. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2005;25(6):1091-4..

Os nossos achados sugerem ser a PCR um marcador de gravidade ou intensidade da doença. Sendo a PCR liberada em resposta a um processo inflamatório na placa, quanto maior o seu valor mais importante a reação inflamatória local. Considerando que a intensidade da resposta inflamatória corresponde à intensidade da doença aterosclerótica, a dosagem da PCR poderá auxiliar no mapeamento dos doentes, identificando aqueles que podem evoluir com pior prognóstico.

REFERENCES

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Saúde 2008: 20 anos de Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, Brasília/DF, 2009. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rat_brasil_2008_web_20_11.ppf
    » http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/rat_brasil_2008_web_20_11.ppf
  • 2
    Fowkers F, Rudan D, Rudan I, Aboyans V, Denenberg JO, McDermott MM, et al. Comparison of global estimates of prevalence and risk factors for peripheral artery disease in 2000 and 2010: a systematic review and analysis. Lancet. 2013;382(9901):1329-40.
  • 3
    Ross R. Atherosclerosis-an inflammatory disease. N Engl J Med. 1999;340(2):115-26.
  • 4
    Szmitko PE, Wang CH, Weisel RD, de Almeida JR, Anderson TJ, Verna S. New markers of inflammation and endothelial cell activation: Part I. Circulation. 2003;108(16):1917-23.
  • 5
    Danesh J, Wheeler JG, Hirschfield GM, Eda S, Eiriksdottir G, Rumley A, et al. C-reactive protein and other circulating markers of inflammation in the prediction of coronary heart disease. N Engl J Med. 2004;350(140):1387-97.
  • 6
    Momiyama Y, Kawaguchi A, Kajiwara I, Ohmori R, Okada K, Saito I, et al. Prognostic value of plasma high-sensitivity C-reactive protein levels in Japanese patients with stable coronary artery disease: the Japan NCVC-Collaborative Inflammation Cohort (JNIC) Study. Atherosclerosis. 2009;207(1):272-6.
  • 7
    Hingorani AD, Shah T, Casas JP, Humphries SE, Talmud PJ. C-reactive protein and coronary heart disease: predictive test or therapeutic target? Clin Chem. 2009;55(2):339-55.
  • 8
    Ridker PM, Cushman M, Stampfer MJ, Tracy RP, Hennekens CH. Plasma concentration of C-reactive protein and risk of developing peripheral vascular disease. Circulation. 1998;97(5):425-8.
  • 9
    Fujimoto WY, Leonetti DL, Kinyoun JL, Newell-Morris L, Shuman WP, Stolov WC, et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance among second-generation Japanese-American men. Diabetes. 1987;36(6):721-9.
  • 10
    Lerario DDG, Gimeno SG, Franco LJ, Iunes M, Ferreira SRG. Excesso de peso e gordura abdominal para a síndrome metabólica em nipo-brasileiros. Rev Saúde Pública. 2002;36(1):4-11.
  • 11
    Gimeno SG, Ferreira SR, Cardoso MA, Franco LJ, Iunes M. Weight gain in adulthood and risk of developing glucose tolerance disturbance: a study of a Japanese-Brazilian population. Japanese-Brazilian Study Group. J Epidemiol. 2002;10(2):103-10.
  • 12
    Examination Committee of Criteria for 'Obesity Disease' in Japan; Japan Society for the Study of Obesity. New criteria for 'obesity disease' in Japan. Circ J. 2002;66(11):987-92.
  • 13
    WHO Expert Consultation. Appropriate body-mass index for Asian populations and its implications for policy and intervention strategies. Lancet. 2004;363(9403):157-63.
  • 14
    Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report. JAMA. 2003;289(19):2560-72.
  • 15
    Grundy SM, Cleeman JI, Merz CN, Brewer HB Jr, Clark LT, Hunninghake DB, et al. Implications of recent clinical trials for the National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III guidelines. Circulation. 2004;110(2):227-39. Erratum in: Circulation. 2004;110(6):763.
  • 16
    American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes-2011. Diabetes Care. 2011;34 Suppl 1:S11-61.
  • 17
    Garofolo L, Barros N Jr, Miranda F Jr, D'Almeida V, Cardien LC, Ferreira SR. Association of increased levels of homocysteine and peripheral arterial disease In Japanese-Brazilian population. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;34(1):23-8.
  • 18
    Norgren L, Hiatt WR, Dormandy JA, Nehler MR, Harris KA, Fowkes FG; TASC II Working Group. Inter-Society Consensus for the Management of Peripheral Arterial Disease (TASC II). J Vasc Surg. 2007;45 Suppl S:S5-67.
  • 19
    McDermott MM, Green D, Greenland P, Liu K, Criqui MH, Chan C, et al. Relation of levels of hemostatic factors and inflammatory markers to the ankle brachial index. Am J Cardiol. 2003;92(2):194-9.
  • 20
    Belch J, MacCuish A, Campbell I, Cobbe S, Taylor R, Prescott R, et al. The prevention of progression of arterial disease and diabetes (POPADAD) trial: factorial randomised placebo controlled trial of aspirin and antioxidants in patients with diabetes and asymptomatic peripheral arterial disease. BMJ. 2008;337:a1840.
  • 21
    Schunkert H, Samani NJ. Elevated C-reactive protein in atherosclerosis-chicken or egg? N Eng J Med. 2008;359(18):1953-5.
  • 22
    Miller M, Zhan M, Havas S. High attributable risk of elevated C-reactive protein level to conventional coronary heart disease risk factors: the Third National Health and Nutrition Examination Survey. Arch Intern Med. 2005;165(18):2063-8.
  • 23
    Hozawa A, Ohmori K, Kuriyama S, Shimazu T, Niu K, Watando A, et al. C-reactive protein and peripheral arterial disease among Japanese elderly: the Tsurugaya Project. Hypertens Res. 2004;27(12):955-61.
  • 24
    C Reactive Protein Coronary Heart Disease Genetics Collaboration (CCGC), Wensley F, Gao P, Burgess S, Kaptoge S, Di Angelantonio E, et al. Association between C reactive protein and coronary heart disease: mendelian randomization analysis based in individual participant data. BMJ. 2011;342:d548.
  • 25
    Brull DJ, Serrano N, Zito F, Jones L, Montgomery HE, Rumley A, et al. Human CRP gene polymorphism influences CRP levels: implications for the prediction and pathogenesis of coronary heart disease. Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2003;23(11):2063-9. Erratum in: Atheroscler Thromb Vasc Biol. 2004;24(7):1328.
  • 26
    Zacho J, Tybjaerg-Hansen A, Jensen JS, Grande P, Sillesen H, Nordestgaard BG. Genetically elevated C-reactive protein and ischemic vascular disease. N Eng J Med. 2008;359(18):1897-908.
  • 27
    Elliot P, Chambers JC, Zhang W, Clarke R, Hopewell JC, Peden JF, et al. Genetic Loci associated with C-reactive protein levels and risk of coronary heart disease. JAMA. 2009;302(1):37-48.
  • 28
    Casas JP, Shah T, Cooper J, Hawe E, McMahon AD, Gaffney D, et al. Insight into the nature of the CRP-coronary event association using Mendelian randomization. Inter J Epidemiol. 2006;35(4):922-31.
  • 29
    Pepys MB, Hirschfield GM, Tennent GA, Gallimore JR, Kahan MC, Bellotti V, et al. Targeting C-reactive protein for the treatment of cardiovascular disease. Nature. 2006;440(7088):1217-21.
  • 30
    Pepys MB. CRP or not CRP? That is the question. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2005;25(6):1091-4.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2013
  • Aceito
    10 Maio 2013
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br