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Cistos não inflamatórios de pâncreas: do diagnóstico ao tratamento (série de 97 casos)

RESUMO

Objetivo:

descrever as implicações do diagnóstico e tratamento dos cistos não inflamatórios do pâncreas em série de pacientes.

Metódos:

foram incluídos pacientes com cisto de pâncreas ≥1,0cm excluindo aqueles com diagnóstico presuntivo de pseudocisto. Exames de imagem, ecoendoscopia e anatomia-patológica determinaram o diagnóstico do tipo de cisto. As diretrizes da Associação Internacional de Pancreatologia foram aplicadas, com algumas modificações, nos pacientes com lesões mucinosas ou indeterminadas.

Resultados:

noventa e sete pacientes adultos participaram do estudo. A neoplasia cística de pâncreas foi diagnosticada em 82,5% dos casos. O diagnóstico foi feito principalmente por ressonância magnética (46% dos casos). Os dois diagnósticos mais frequentes foram a neoplasia papilar intraductal mucinosa (43,3%), e o cistoadenoma seroso (26%). Vinte e nove pacientes foram submetidos a operação (33,3%). O procedimento cirúrgico mais comum foi a pancreatectomia corpo-caudal associada à esplenectomia em 19 casos (65,5%). Entre os pacientes operados, 11 tiveram o diagnóstico de câncer. Nenhum dos pacientes seguidos teve o diagnóstico de câncer.

Conclusões:

a ressonância magnética apresentou boa acurácia, particularmente no diagnóstico da neoplasia papilar intraductal mucinosa. As diretrizes da Associação Internacional de Pancreatologia da forma que foram aplicadas no presente estudo, mostraram valor preditivo negativo para o câncer de 100%. O desenvolvimento de estratégias diagnósticas com melhor acurácia podem reduzir o número de cirurgias desnecessárias.

Palavras-chave:
Cisto Pancreático; Diagnóstico; Terapêutica; Pâncreas; Procedimentos Cirúrgicos do Sistema Digestório

ABSTRACT

Objective:

to describe the implications of the diagnosis and treatment of non-inflammatory pancreatic cysts in a series of patients.

Methods:

we included patients with pancreatic cysts ≥1.0 cm, excluding those with a presumptive diagnosis of a pseudocyst. Imaging tests, echoendoscopy, and histopathology determined the diagnosis of the type of cyst. We applied the guidelines of the International Association of Pancreatology, with some modifications, in patients with mucinous or indeterminate lesions.

Results:

97 adult patients participated in the study. A cystic neoplasm of the pancreas was diagnosed in 82.5% of cases. Diagnosis was mainly made by magnetic resonance (46% of cases). The two most common diagnoses were intraductal papillary mucinous neoplasm (43.3%) and serous cystadenoma (26%). Twenty-nine patients underwent surgery (33.3%). The most common surgical procedure was distal pancreatectomy associated with splenectomy in 19 cases (65.5%). Among the operated patients, 11 were diagnosed with cancer. None of the followed, non-operated patients had a diagnosis of cancer.

Conclusions:

magnetic resonance showed good accuracy, particularly in the diagnosis of intraductal papillary mucinous neoplasm. The guidelines of the International Association of Pancreatology, as applied in this study, showed a negative predictive value for cancer of 100%. A development of better diagnostic tests can reduce the number of unnecessary operations.

Keywords:
Pancreatic Cyst; Diagnosis; Therapy; Pancreas; Digestive System Surgical Procedures

INTRODUÇÃO

O diagnóstico do cisto de pâncreas, cada vez mais frequentemente encontrado na prática clínica, pode causar ansiedade aos pacientes, além de levar a sobrecarga na utilização do sistema de saúde pela necessidade de exames de imagem e endoscópicos, e até mesmo demanda de tratamento operatório11 DiMaio CJ. Current Guideline Controversies in the Management of Pancreatic Cystic Neoplasms. Gastrointest Endosc Clin N Am. 2018; 28(4):529-47. doi: 10.1016/j.giec.2018.05.005
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,22 Larson A. Natural History of Pancreatic Cysts. Dig Dis Sci. 2017;62(7):1770-7. doi: 10.1007/s10620-017-4542-x.
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. A preocupação com o diagnóstico de lesões malignas ou potencialmente malignas é legítima, uma vez que, diferentemente das lesões císticas em fígado e rim, no pâncreas as lesões mucinosas com potencial para transformação maligna são mais frequentes33 Lee LS. Evaluation and management of pancreatic cystic lesions. J Clin Outcomes Manage. 2013;20(3):129-42.. Uma vez afastada a possibilidade de pseudocisto, a conduta para os cistos de pâncreas permanece difícil, uma vez que o diagnóstico, baseado em exames de imagem e endoscópicos não é totalmente confiável44 Moris M, Raimondo M, Woodward TA, Skinner V, Arcidiacono PG, Petrone MC, et al. Diagnostic Accuracy of Endoscopic Ultrasound-Guided Fine-Needle Aspiration Cytology, Carcinoembryonic Antigen, and Amylase in Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm. Pancreas. 2016;45(6):870-5. doi: 10.1097/MPA.0000000000000559.
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,55 Tirkes T, Aisen AM, Cramer HM, Zyromski NJ, Sandrasegaran K, Akisik F. Cystic neoplasms of the pancreas; findings on magnetic resonance imaging with pathological, surgical, and clinical correlation. Abdom Imaging. 2014;39(5):1088-101. doi: 10.1007/s00261-014-0138-5.
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; além disso, o tratamento cirúrgico ainda está associado, mesmo nos dias atuais, com riscos significativos de morbi-mortalidade66 Gaujoux S, Brennan MF, Gonen M, D´Angelica MI, DeMatteo R, Fong Y, et al. Cystic Lesions of the Pancreas: Changes in the Presentation and Management of 1,424 Patients at a Single Institution over a 15-Year Time Period. J Am Coll Surg. 2011;212(4):590-600. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2011.01.016.
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. Ao analisar-se o panorama nacional, observa-se apenas poucos trabalhos sobre o assunto, normalmente baseados em relatos de caso77 Soares-Junior C, Gomes CA, Peixoto RO, Gomes CC, Juste LA. Spleen-preserving distal pancreatectomy in the management of solid papillary-cystic tumor of the pancreas - case report and literature review. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2010;23(3):206-8. doi: 10.1590/S0102-67202010000300015.
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, séries de casos já operados88 Sia GB, Soares PFC, Gestic MA, Chaim EA, Callejas-Neto F, Cazzo E. Surgical management of cystic lesions of the pancreas: a single-centre experience. Arq Gastroenterol. 2018;55(4):412-6. doi: 10.1590/S0004-2803.201800000-89.
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,99 Costa DAPD, Guerra JG, Goldman SM, Kemp R, Santos JS. Ana´lise comparativa entre colangiopancreatoressona^ncia magne´tica (CPRM) e punc¸a~o ecoguiada com agulha fina (EPAAF) para diagno´stico e seguimento das neoplasias intraductais mucinosas papili´feras pancrea´ticas. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2019;32(4):e1471. doi: 10.1590/0102-672020190001e1471.
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, ou ainda séries de casos submetidos a algum exame específico e sem seguimento clínico ou radiológico adequado1010 Falqueto A, Pelandré GL, Costa MZG, Nacif MS, Marchiori E. Prevale^ncia de leso~es ci´sticas pancrea´ticas em exames de imagem e associac¸a~o com sinais de risco de malignidade. Radiol Bras. 2018;51(4):218-24. doi: 10.1590/0100-3984.2017.0105.
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. O objetivo deste estudo foi avaliar série consecutiva de pacientes que procuraram o consultório de doenças do aparelho digestivo com cisto de pâncreas cujo diagnóstico de pseudocisto foi excluído e o diagnóstico de neoplasia cística de pâncreas (NCP) era mais provável. As dificuldades diagnósticas e terapêuticas para esses pacientes foram estudadas.

MÉTODOS

Foram avaliados os pacientes de banco de dados atendidos no Centro de Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva de Natal e do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL - UFRN), entre 2006 e 2020, com diagnóstico de cisto de pâncreas com tamanho igual ou superior a 1,0cm de diâmetro. Os pacientes foram estratificados em três grupos: 1) NCP típica em exames de imagem tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear magnética (RM) e ecoendoscopia (EE) (com ou sem punção e análise do líquido aspirado); 2) NCP confirmada em exame anátomo-patológico nos casos submetidos à ressecção cirúrgica; e ainda 3) Cisto pancreático inespecífico (CPI) - quando, após a investigação diagnóstica, não foi possível estabelecer a etiologia do cisto. Foram excluídos os pacientes que apresentavam: ingestão de álcool (etanol) superior a 40 gramas por dia por mais de cinco anos; diagnóstico de pancreatite crônica; antecedentes pregressos de pancreatite aguda anterior ao diagnóstico do cisto, no caso de lesão inespecífica; e tempo de seguimento menor que um ano para os pacientes com CPI.

O diagnóstico por imagem das NCP foi baseado na classificação de Sahani e cols1111 Sahani DV, Kadavigere R, Saokar A, Fernandez-del Castillo C, Brugge WR, Hahn PF. Cystic pancreatic lesions: a simple imaging-based classification system for guiding management. Radiographics. 2005;25(6):1471-84. doi: 10.1148/rg.256045161.
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e nas diretrizes de Fukuoka1212 Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, Chari S, Falconi M, Jang JY. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-97. doi: 10.1016/j.pan.2012.04.004.
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,1313 Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-53. doi: 10.1016/j.pan.2017.07.007.
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. No momento da inclusão do paciente, era também decidido se o tipo de tratamento seria cirúrgico ou conservador. O tratamento cirúrgico da neoplasia papilar intraductal mucinosa (NPIM) e do CPI foi baseado nas diretrizes da Associação Internacional de Pancreatologia (AIP) conforme as distintas publicações: Sendai, 20061414 Tanaka M, Chari S, Adsay V, Fernandez-del Castillo C, Falconi M, Shimizu M. International consensus guidelines for management of intraductal papillary mucinous neoplasms and mucinous cystic neoplasms of the pancreas. Pancreatology. 2006;6(1-2):17-32. doi: 10.1159/000090023.
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e Fukuoka, 20121212 Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, Chari S, Falconi M, Jang JY. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-97. doi: 10.1016/j.pan.2012.04.004.
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e 20171313 Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-53. doi: 10.1016/j.pan.2017.07.007.
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. Foram considerados fatores “preocupantes”, de acordo com a diretriz de Fukuoka (2012): tamanho do cisto ≥3cm; espessamento/realce da parede do cisto; ducto pancreático principal (DPP) medindo entre 5 e 9mm; presença de nódulo mural sem realce e mudança abrupta do calibre do DPP com atrofia do pâncreas distal. Segundo a diretriz de Fukuoka (2017), a presença de nódulo mural sem realce foi excluída como fator preocupante, enquanto foram incluídos: nódulo mural <5mm com realce; linfadenopatia; Ca 19-9 elevado e crescimento do cisto em ≥5mm em dois anos.

Para a condução do presente estudo, as seguintes modificações nas diretrizes foram realizadas: 1) Na diretriz de Sendai, utilizada entre 2006 e 2012, a EE estava indicada para todos os cistos entre 1 e 3cm, o que não foi praticado, uma vez que cistos pequenos têm pequena frequência de câncer e a EE não estava disponível em nosso meio nesse período; 2) Alguns pacientes com dois ou mais fatores “preocupantes” que apresentavam baixo risco cirúrgico, após o esclarecimento dos riscos e benefícios e aceitação por parte do paciente, foram submetidos a operação sem realização da EE; 3) Embora a EE tenha sido realizada em todos os pacientes com indicação na avaliação inicial segundo as diretrizes de Fukuoka de 20121212 Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, Chari S, Falconi M, Jang JY. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-97. doi: 10.1016/j.pan.2012.04.004.
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e 20171313 Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-53. doi: 10.1016/j.pan.2017.07.007.
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, tal exame não foi realizado no seguimento de pacientes sem fatores “preocupantes” em que a indicação do exame decorria apenas do tamanho do cisto ser entre 2 e 3cm. Para esses casos, quando a EE não pôde ser feita, a RM a substituiu.

Resumidamente, de forma geral, a indicação cirúrgica ocorreu nas seguintes situações: 1) Na presença de sinais e sintomas típicos relacionados ao cisto; 2) No diagnóstico de cistoadenoma mucinoso e tumor sólido pseudopapilar de pâncreas; 3) No diagnóstico da neoplasia papilar intraductal mucinosa de ducto principal (NPIM-DP); 4) Nos pacientes com neoplasia papilar intraductal mucinosa de ducto secundário (NPIM-DS) ou neoplasia papilar intraductal mucinosa mista (NPIM-M) quando indicados pelas diretrizes; e ainda 5) Naqueles pacientes com NPIM-DS ou NPIM-M usualmente com dois ou mais fatores “preocupantes” após avaliação da condição clínica do paciente, do tipo de pancreatectomia e da concordância do paciente após o esclarecimento dos riscos e benefícios do procedimento.

Naqueles pacientes operados, o tipo de operação foi determinado pela natureza e localização da lesão. As complicações dos procedimentos foram categorizadas segundo a classificação Clavien-Dindo1515 Dindo D, Demartines N, Clavien PA. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004;240(2):205-13. doi: 10.1097/01.sla.0000133083.54934.ae.
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, sendo o diagnóstico de fístula pancreática e sangramento definidos a partir do Grupo de Estudo Internacional de Cirurgia Pancreática1616 Bassi C, Dervenis C, Butturini G, Fingerhut A, Yeo C, Izbicki J. Postoperative pancreatic fistula: an international study group (ISGPF) definition. Surgery. 2005;138(1):8-13. doi: 10.1016/j.surg.2005.05.001.
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. Desta forma, a fístula pancreática foi definida quando a partir do 3º dia de pós-operatório o valor da amilase do líquido dos drenos era maior que três vezes o limite superior da amilase sérica. A hemorragia pós-pancreatectomia foi definida como perda de sangue pelo dreno abdominal, trato digestivo ou cavidade abdominal, com queda dos níveis de hemoglobina sérica no período pós-operatório. Foi considerado como mortalidade pós-operatória os óbitos que ocorreram em até 90 dias após a operação.

Naqueles pacientes incluídos no grupo de seguimento, os exames de imagem, de preferência a RM, foram repetidos com intervalos de tempo variáveis de acordo com as diretrizes. O seguimento foi definido de forma individual para cada caso e mantido até à idade em que o paciente mantivesse risco cirúrgico aceitável, habitualmente entre 80 e 85 anos. Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CAAE: 37529020.5.0000.5292).

RESULTADOS

Cento e cinquenta e dois pacientes compunham o banco de dados de cisto de pâncreas. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 97 pacientes para participar do estudo. A idade média foi de 62,9 anos (22-89 anos), e o sexo feminino foi o mais prevalente (83,5%). A maioria dos pacientes era assintomático (71,4%), e os sintomáticos apresentaram-se com quadro exclusivo de dor inespecífica em abdome superior (25,5%), ou com manifestações clínicas típicas de pancreatite aguda (4,1%). Quanto ao número de lesões, em 71,1 % dos pacientes a lesão foi única, em 12,3% havia 2 ou 3 lesões, e em 16,3% quatro ou mais cistos. Naqueles pacientes com cisto único, a distribuição no parênquima pancreático foi: corpo/cauda: 52,2%; cabeça: 34,8%; colo: 7,2% e processo uncinado: 5,8% (Tabela 1).

Tabela 1
Características da amostra (n=97 pacientes).

Oitenta pacientes tiveram o diagnóstico de NCP, enquanto 17 pacientes foram considerados com CPI. Nos pacientes com NCP, o diagnóstico foi feito principalmente e exclusivamente pela RM em 46% dos casos, pela TC em 16%, pela anatomia-patológica em 15%, pela associação dos dados entre a RM e a EE em 15% e, exclusivamente pela EE em 8% dos casos (Figura 1).

Figura 1
Casos de NCP típicas em exames de imagem. A. RM evidencia lesão microcística típica de CAS; B. RM evidencia um cisto de pâncreas com septos incompletos, típico de cistoadenoma mucinoso; C. RM com múltiplas NPIM-DS; observa-se o DPP principal com diâmetro normal em toda a sua extensão. D. TC que mostra paciente com NPIM-DP; observa-se DPP dilatado (11mm) em corpo pancreático sem fator obstrutivo identificável. NCP: neoplasia cística pancreática; RM: ressonância magnética; NPIM-DS: neoplasia papilar intraductal mucinosa; CAS: cistadenoma seroso; DPP: ducto pancreático principal; TC: tomografia computadorizada; NPIM-DP: neoplasia papilar intraductal mucinosa de ducto principal.

Vinte e dois dos 97 pacientes foram submetidos a operação imediata (22,6%). Setenta e cinco pacientes foram submetidos a seguimento (77,3%). Foram realizados média de 1,6 exames de imagem por paciente, no seguimento. Os pacientes foram seguidos por meio de avaliação clínica e radiológica por tempo médio de 27,3 meses (1-127 meses). No seguimento, apenas 7 de 75 (9,3%) dos pacientes foram operados. O diagnóstico final de toda a série foi o NPIM (42%), o CAS (26%), o CPI (17,5%), o cistoadenoma mucinoso (8%), o tumor sólido pseudopapilar de pâncreas (4%) e o tumor neuroendócrino (1%) (Figura 2).

Figura 2
Casos de NPIM em exames endoscópicos e de imagem. A. EE em paciente com NPIM-DS em que se encontra nódulo na parede do cisto; B. RM mostrando NPIM-M (DPP com 7mm); C. RM mostrando NPIM-DP (DPP com 20mm); D. Peça cirúrgica de NPIM-DP mostrando componente sólido (adenocarcinoma invasivo). NPIM: neoplasia papilar intraductal mucinosa; EE: ecoendoscopia; NPIM-DS: neoplasia papilar intraductal mucinosa de ducto secundário; RM: ressonância magnética; NPIM-M: neoplasia papilar intraductal mucinosa mista; NPIM-DP: neoplasia papilar intraductal mucinosa de ducto principal; DPP: ducto pancreático principal..

Os pacientes com diagnóstico de NPIM foram conduzidos de acordo com as diretrizes de Sendai, e as de Fukuoka de 2012 e 2017 em 4, 25 e 13 pacientes, respectivamente. Sete pacientes tiveram indicação cirúrgica imediata após o exame inicial de imagem com base no algoritmo (5 por componente sólido; 2 por DPP≥10 m). Sete pacientes tiveram indicação de EE. Destes, em 1 caso a operação foi indicada sem a realização do exame (>2 “fatores preocupantes”) e em 6 os pacientes foram submetidos ao exame, 3 dos quais tiveram indicação cirúrgica após o exame (2 por comprometimento do DPP; 1 por componente sólido). De todos os pacientes com NPIM, 90,4% foram seguidos com pelo menos mais um exame de imagem. O tempo médio de seguimento radiológico nos pacientes com NPIM foi de 25,2 meses (1-117 meses). Quase dois terços dos pacientes com NPIM (64,3%) foram acompanhados com exames de imagem por tempo mínimo de 6 meses. No seguimento, onze pacientes tiveram a indicação de EE, um dos quais pela segunda vez. Dos 5 pacientes que fizeram a EE, em um caso houve indicação cirúrgica (suspeita de acometimento do DPP), o paciente foi operado e o diagnóstico foi de NPIM-DS sem displasia de alto grau ou câncer. Dezenove pacientes foram seguidos apenas com exames de imagem (TC ou RM). A figura 3 mostra o algoritmo seguido para determinar a indicação cirúrgica, tipo de exames realizados e seguimento dos pacientes do grupo NPIM.

Figura 3
Fluxograma dos pacientes com NPIM em que se observam os tipos de exames realizados, momento da indicação cirúrgica e forma de seguimento. Em vermelho são destacados os casos de indicação cirúrgica fora da diretriz de Fukuoka. Motivos da indicação cirúrgica: (*1) 5 pacientes por suspeita de componente sólido e 2 pacientes por DPP >10mm; (*2) por >2 fatores “preocupantes”; (*3) 2 pacientes por suspeita comprometimento do DPP e 1 paciente por componente sólido; (*4) por >2 fatores “preocupantes”; (*5) por suspeita de comprometimento do DPP. NPIM: neoplasia papilar intraductal mucinosa; DPP: ducto pancreático principal.

Em 8 dos 13 pacientes com NPIM, que tiveram indicação cirúrgica, foram operados. Em 4 casos operados havia câncer (2 casos NPIM-DS com adenocarcinoma; 1 caso NPIM-DS com adenocarcinoma sincrônico e; 1 caso NPIM-DP com adenocarcinoma). Cinco pacientes não foram operados: três deles pela idade avançada (>80 anos), associada a alto risco cirúrgico, um por recusa e o último por perda do seguimento.

Em todos os 5 pacientes com NPIM e comprometimento do DPP (3 deles com NPIM-DP e; 2 com NPIM-M) a operação foi indicada. O motivo da indicação nos 3 casos de NPIM-DP foi a presença de DPP maior de 10mm. Em um dos casos de NPIN-M, a EE foi realizada, sendo encontradas projeções papilares compatíveis com comprometimento do DPP. No outro caso de NPIM-M, a opeação foi indicada pela presença de 2 fatores “preocupantes”, (cisto maior que 3 cm e a dilatação de 6 mm do DPP). Em apenas 2 desses 5 pacientes a operação foi de fato realizada. Todos os pacientes que não foram operados estavam vivos com 5, 6 e 8 anos de seguimento.

Em 17 pacientes o diagnóstico foi de CPI. A idade média nesse grupo foi de 64,2 anos (46-89). A relação mulher:homem foi de 3,25:1. Todos os pacientes eram assintomáticos. O tempo médio de seguimento radiológico foi de 27,5 meses. A maior parte dos casos correspondeu a cisto único (70,6%), com o tamanho médio da maior lesão de 1,7cm e geralmente localizado no corpo-cauda do pâncreas (47,2%). Múltiplos cistos em toda a extensão do DPP foram encontrados em 17,6% dos casos. Em 41,2% dos casos houve aumento da lesão no seguimento. A EE foi indicada em 2 pacientes (11,7%) e em 1 caso houve indicação de tratamento cirúrgico pelo diagnóstico de nódulo na parede do cisto (componente sólido). O paciente recusou o procedimento. A figura 3 mostra o algoritmo seguido para determinar a indicação cirúrgica, tipo de exames realizados e seguimento dos pacientes do grupo NPIM.

No total, 29 pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico (33,3%) Os três diagnósticos mais frequentes foram o CAS (34,5%), e a NPIM (24,1%) e o cistoadenoma mucinoso (24,1%). O tipo de procedimento cirúrgico mais indicado foi a pancreatectomia corpo-caudal associada à esplenectomia em 19 casos (65,5%), 10 dos quais pelo acesso laparoscópico. A pancreatoduodenectomia foi realizada em 6 casos (20,7%), a pancreatectomia central em 2 casos (6,9%), a enucleação em 1 caso (3,4%) e a laparotomia exploradora em paciente com cistoadenoma mucinoso com câncer e carcinomatose peritoneal em 1 caso (3,4%). Dos pacientes submetidos à pancreatectomia (n=28), o índice de complicações Clavien-Dindo foi de 33,3%, 14,8%, 48,1%, e 3,7% para os graus 0, I, II e IIIA, respectivamente. O índice de fístula graus B e C foi de 29,6%. A mediana de tempo de permanência do dreno foi de 9 dias. A mortalidade foi nula.

Com base no quadro clínico, exames de imagem e anatomo-patológicos, identificamos 16 pacientes (55,2%) que se beneficiaram com o procedimento cirúrgico, sendo 7 casos de cistoadenoma mucinoso; 4 casos de tumor sólido pseudopapilar de pâncreas; 2 casos de NPIM-DS com adenocarcinoma; 1 caso de NPIM-DP com adenocarcinoma; 1 caso de tumor neuroendócrino; e 1 caso de adenocarcinoma. Por outro lado, 13 pacientes (44,8%) foram operados por lesões que podiam ter sido seguidas. Incluiram-se nesse grupo, 10 pacientes com CAS que tiveram outros diagnósticos no pré-operatório, e 3 com diagnóstico de comprometimento do DPP (um pela RM e outros 2 pela EE) não confirmados ao exame anatomo-patológico que de acordo com o exame anatomo-patológico tinham NPIM-DS sem displasia ou câncer infiltrativo.

Entre os pacientes operados, 11 tiveram o diagnóstico de câncer, todos no grupo da operação imediata. O mais comum foi o tumor sólido pseudopapilar de pâncreas (4 casos), seguidos do NPIM-DS (2 casos), cistoadenoma mucinoso (2 casos), NPIM-DP (1 caso), NPIM-DS com adenocarcinoma sincrônico (1 caso) e tumor neuroendócrino (1 caso). Considerando-se toda a casuística, a incidência de câncer nos casos de NPIM-DP foi de 33,3%, nos de cistoadenoma mucinoso de 25%, e nos casos NPIM-DS de 8,3%.

DISCUSSÃO

Pacientes com cistos não inflamatórios de pâncreas são cada vez mais frequentes nos ambulatórios de gastroenterologia. O presente estudo objetivou mostrar as implicações do diagnóstico e tratamento desses pacientes a partir da perspectiva da “vida real” do consultório. De forma geral, em nossa série, o cisto não inflamatório de pâncreas ocorreu com mais frequência como lesão única em corpo/cauda do pâncreas, em mulheres assintomáticas, na sexta década de vida. Apesar da extensa investigação, 17,5% dos pacientes o diagnóstico específico não pôde ser feito. Embora 22,6% dos pacientes tenham sido submetidos a tratamento cirúrgico imediato, o seguimento clínico/radiológico foi o mais comum e demonstrou-se seguro uma vez que apenas 7,2% dos pacientes necessitaram de operação posteriormente, e em nenhum desses casos foi encontrado displasia de alto grau ou câncer.

Em quase metade dos pacientes o diagnóstico foi dado exclusivamente pela RM, considerado o método de escolha na identificação da comunicação entre o cisto e o sistema ductal pancreático, o que é essencial para o diagnóstico da NPIM. Além disso, a RM tem o benefício adicional de não emitir radiação ionizante1717 Brewer GOI, Lennon AM. Pancreatic cysts: Sinister findings or incindentalomas? Med Clin North Am. 2019;103(1): 163-72. doi: 10.1016/j.mcna.2018.08.004.
https://doi.org/10.1016/j.mcna.2018.08.0...
. Alguns autores, no entanto, têm demonstrado que não é perfeita a correlação diagnóstica entre a natureza do cisto pancreático e os exames de imagem. Mohamed E. e cols1818 Mohamed E, Jackson R, Halloran CM, Ghaneh P. Role of Radiological Imaging in the Diagnosis and Characterization of Pancreatic Cystic Lesions: A Systematic Review. Pancreas. 2018;47(9):1055-64. doi: 10.1097/MPA.0000000000001134.
https://doi.org/10.1097/MPA.000000000000...
, em revisão sistemática envolvendo 22 publicações, reconheceram que são baixos os índices de especificidade da RM nesse cenário (50-86%). Em nosso estudo observamos com a RM alta especificidade para a NPIM, porém baixa especificidade para o diagnóstico do CAS. Del Chiaro e cols1919 Del Chiaro M, Segersvärd R, Mucelli RP, Rangelova E, Kartalis N, Ansorge C, et al. Comparison of preoperative conference-based diagnosis with histology of cystic tumors of the pancreas. Ann Surg Oncol. 2014;21(5):1539-44. doi: 10.1245/s10434-013-3465-9.
https://doi.org/10.1245/s10434-013-3465-...
, avaliaram retrospectivamente 141 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico por NCP e encontraram em pacientes com CAS correta correlação entre o diagnóstico por imagem e o exame histopatológico em apenas 24,2% dos casos. Sob a nossa perspectiva, no entanto, na presente série, em lugar da falta de acurácia da RM, é provável que o grande número de CAS com morfologia atípica (unilocular, bilocular, macrocística e sólida) tenha sido responsável por essa baixa especificidade.

Alguns autores têm sugerido que a EE possa ser útil como exame de rotina para o diagnóstico da natureza do cisto de pâncreas. A dosagem do antígeno carcinoembrionário no líquido do cisto tem sido usada para o diagnóstico diferencial entre as lesões mucinosas e não mucinosas2020 Brugge WR, Lewandrowski K, Lee-Lewandrowski E, Centeno BA, Szydlo T, Regan S, et al. Diagnosis of pancreatic cystic neoplasms: a report of the coopera- tive pancreatic cyst study. Gastroenterology. 2004;126(5):1330-6. doi: 10.1053/j.gastro.2004.02.013.
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. A grande variabilidade entre os valores de cut-off e a necessidade de volume aspirado de pelo menos 1mL são limitações2121 Oppong KW, Dawwas MF, Charnley RM, Wadehra V, Elamin K, White S. EUS and EUS-FNA diagnosis of suspected pancreatic cystic neoplasms: Is the sum of the parts greater than the CEA? Pancreatology. 2015;15(5):531-7. doi: 10.1016/j.pan.2015.08.001.
https://doi.org/10.1016/j.pan.2015.08.00...
. Não foi possível definir a utilidade do antígeno carcinoembrionário no diagnóstico do CAS no presente estudo, uma vez que apenas 36% dos casos de CAS foram submetidos à punção e apenas em 12% dos casos o antígeno carcinoembrionário foi dosado. Em inquérito eletrônico publicado por Westerveld D. e cols2222 Westerveld D, Goddard A, Harris N, Khullar V, Forde J, Draganov PV, et al. Survey study on the practice patterns of the evaluation and management of incidental pancreatic cysts. Dig Dis Sci. 2019;64(3):689-97. doi: 10.1007/s10620-018-5368-x.
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, com membros da American Society for Gastrointestinal Endoscopy, metade dos serviços participantes solicitava a EE para pacientes com cisto incidental de pâncreas menores que 2cm. Além de não haver evidência de maior acurácia com a EE, o estudo alerta para os maiores custos e potenciais riscos do exame, pois esse é mais invasivo que os exames convencionais de imagem. Outras estratégias para melhorar o diagnóstico dos cistos de pâncreas têm sido descritas, como a pesquisa de mutações genéticas e o estudo imunohisto/citoquímico, ambos do líquido aspirado2323 Kadayifci A, Al-Haddad M, Atar M, Dewitt JM, Forcione DG, Sherman S, et al. The value of KRAS mutation testing with CEA for the diagnosis of pancreatic mucinous cysts. Endosc Int Open. 2016;4(4):E391-6. doi: 10.1055/s-0042-101755.
https://doi.org/10.1055/s-0042-101755...
,2424 Steel M, Rao S, Ho J, Donnellan F, Yang HM, Schaeffer DF. Cytohistological diagnosis of pancreatic serous cystadenoma: a multimodal approach. J Clin Pathol 2019;72(9):615-21. doi: 10.1136/jclinpath-2019-205872.
https://doi.org/10.1136/jclinpath-2019-2...
, ou ainda, mais recentemente, a microbiópsia da parede do cisto2525 Kovacevic B, Karstensen JG, Havre RF, Pham KD, Giovannini M, Dabizzi E. Initial experience with EUS-guided microbiopsy forceps in diagnosing pancreatic cystic lesions: A multicenter feasibility study (with video). Endosc Ultrasound. 2018;7(6):383-8. doi: 10.4103/eus.eus_16_18.
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, todos não disponíveis no nosso meio.

Várias diretrizes têm sido publicadas nos últimos 15 anos para definir, especialmente em caso de NPIM, quais pacientes devem ser operados ou apenas seguidos1212 Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, Chari S, Falconi M, Jang JY. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-97. doi: 10.1016/j.pan.2012.04.004.
https://doi.org/10.1016/j.pan.2012.04.00...

13 Tanaka M, Fernández-Del Castillo C, Kamisawa T, Jang JY, Levy P, Ohtsuka T. Revisions of international consensus Fukuoka guidelines for the management of IPMN of the pancreas. Pancreatology. 2017;17(5):738-53. doi: 10.1016/j.pan.2017.07.007.
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-1414 Tanaka M, Chari S, Adsay V, Fernandez-del Castillo C, Falconi M, Shimizu M. International consensus guidelines for management of intraductal papillary mucinous neoplasms and mucinous cystic neoplasms of the pancreas. Pancreatology. 2006;6(1-2):17-32. doi: 10.1159/000090023.
https://doi.org/10.1159/000090023...
. As diretrizes aplicadas aos nossos pacientes foram aquelas publicadas pela AIP, por terem sido as primeiras diretrizes propostas1414 Tanaka M, Chari S, Adsay V, Fernandez-del Castillo C, Falconi M, Shimizu M. International consensus guidelines for management of intraductal papillary mucinous neoplasms and mucinous cystic neoplasms of the pancreas. Pancreatology. 2006;6(1-2):17-32. doi: 10.1159/000090023.
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e também por terem demonstrado bom fator preditivo negativo para câncer2626 Hasan A, Visrodia K, Farrell JJ, Gonda TA. Overview and comparison of guidelines for management of pancreatic cystic neoplasms. World J Gastroenterol. 2019;25(31):4405-13. doi: 10.3748/wjg.v25.i31.4405.
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. As modificações praticadas no estudo foram adotadas com a intenção de reduzir o número de EE realizadas, que a nosso ver não afetaram a segurança da diretriz, uma vez que todos aqueles pacientes com fatores “preocupantes” foram submetidos ao exame. A EE, de acordo com o nosso protocolo, foi indicada em 1/4 dos casos de NPIM e naqueles pacientes em que foi realizada, na maioria dos casos (70%) apenas endossou o tratamento conservador. Pelo pequeno número de exames realizados, não pudemos chegar a conclusões sobre a eficiência da EE. Se por um lado o exame foi capaz de encontrar em dois casos componente sólido que não havia sido visto no exame de imagem, por outro lado, não foi capaz de definir com precisão o comprometimento do DPP. Em dois de quatro pacientes em que a EE identificou tal comprometimento, esse de fato não foi encontrado no exame anátomo-patológico.

Embora com número pequeno de pacientes, este estudo demonstrou a segurança do manejo da NPIM com os protocolos aplicados, visto que nenhum dos pacientes seguidos por tempo médio de 25,2 meses desenvolveu câncer. A eficiência da diretriz de Fukuoka foi recentemente comparada àquela da Associação Americana de Gastroenterologia em meta-análise de Wu e cols2727 Wu J, Wang Y, Li Z, Miao H. Accuracy of Fukuoka and American Gastroenterological Association Guidelines for predicting advanced neoplasia in pancreatic cyst neoplasm: A Meta-Analysis. Ann Surg Oncol. 2019;26(13):4522-36. doi: 10.1245/s10434-019-07921-8.
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, que incluiram 21 estudos e 3.723 pacientes. Embora os autores tenham encontrado eficácia semelhante entre as diretrizes, a sensibilidade para o diagnóstico de câncer foi maior utilizando a diretriz de Fukuoka.

Poucos pacientes com NPIM da série apresentavam comprometimento comprovado do DPP (5 casos). Apesar disso, em virtude de três desses pacientes (2 com NPIM-DP e 1 com NPIM-M) não terem sido submetidos à operação indicada, foi possível seguir cada um por pelo menos cinco anos, e acompanhar a evolução natural. Curiosamente, embora um dos pacientes apresentasse pancreatite de repetição, nenhum desses três pacientes desenvolveu câncer até o último exame de seguimento. Isso nos alertou para o fato de que em pacientes idosos, nos quais o risco cirúrgico é conhecidamente maior, mesmo o comprometimento do DPP pode não representar indicação cirúrgica absoluta. Interessante trabalho retrospectivo, multicêntrico, publicado por Crippa e cols2828 Crippa S, Bassi C, Salvia R, Malleo G, Marchegiani G, Rebours V. Low progression of intraductal papillary mucinous neoplasms with worrisome features and high-risk stigmata undergoing non-operative management: a mid-term follow-up analysis. Gut. 2017;66(3):495-506. doi: 10.1136/gutjnl-2015-310162.
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, registra especificamente 281 pacientes com estigmas de alto risco e fatores “preocupantes” de acordo com a diretriz de Fukuoka por meio de seguimento com mediana de 51 meses. Embora 68 pacientes (46%) dos 122 que tinham NPIM-DP ou NPIM-M tenham progredido em aspectos como tamanho do cisto, dilatação do DPP, aparecimento de nódulo mural ou desenvolvimento de sintomas, a sobrevida global e a sobrevida específica da doença para esses pacientes foi respectivamente de 74,1% e 81,2%. Esses dados estão em desacordo com publicações anteriores que reportaram alto índice de câncer em pacientes com NPIM-DP, em torno de 61,6% (36-100%). É importante ressaltar que os autores que indicaram alto índice de câncer utilizaram, na maior parte das vezes, séries de casos ressecados cirurgicamente1212 Tanaka M, Fernández-del Castillo C, Adsay V, Chari S, Falconi M, Jang JY. International consensus guidelines 2012 for the management of IPMN and MCN of the pancreas. Pancreatology. 2012;12(3):183-97. doi: 10.1016/j.pan.2012.04.004.
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, o que certamente superestima a real incidência de câncer pela doença, já que apenas incluem os casos mais avançados.

Nos pacientes com NPIM-DS, a incidência de câncer foi de 8,3%. Em um dos casos na peça cirúrgica foi evidenciado adenocarcinoma sincrônico e sem relação com a lesão cística. Yamaguchi e cols2929 Yamaguchi K, Ohuchida J, Ohtsuka T, Nakano K, Tanaka M. Intraductal papillary-mucinous tumor of the pancreas concomitant with ductal carcinoma of the pancreas. Pancreatology. 2002;2(5):484-90. doi: 10.1159/000064716.
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, em publicação de 2002, foram os primeiros a relatar a associação entre a NPIM e o adenocarcinoma sincrônico de pâncreas sem relação com a NPIM. Os autores encontraram tal associação em 9,2% das peças cirúrgicas de pacientes operados por NPIM, sugerindo, pela primeira vez, na literatura defeito universal do sistema ductal pancreático que transformaria o epitélio em condição pré-maligna. Estudo mais recente, também japonês (Univesidade de Tokyo), incluiu 1.404 pacientes com NPIM-DS seguidos por média de seis anos. Sessenta e oito desses pacientes desenvolveram adenocarcinoma no seguimento, e 30 foram sincrônicos à NPIM. No total, a incidência de câncer na série foi de 3.3%, 6.6%, e 15% em 5, 10, e 15 anos, respectivamente3030 Oyama H, Tada M, Takagi K, Tateishi K, Hamada T, Nakai Y. Long-term risk of malignancy in branch duct intraductal papillary mucinous neoplasms. Gastroenterology. 2020;158(1):226-37. doi: 10.1053/j.gastro.2019.08.032.
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. Esses estudos deixam claro, além da importância de não interromper o seguimento desses pacientes, que todo o órgão deve ser examinado na ocasião dos exames de imagem.

CONCLUSÃO

É possível concluir que os cistos não inflamatórios do pâncreas são mais frequentemente NPIM e CAS. Muitos desses cistos persistem sem diagnóstico específico. O exame mais útil para o diagnóstico é a RM. Enquanto o diagnóstico da NPIM é tipicamente feito com a RM, o CAS, em nossa série, apresentou-se de forma atípica nos exames de imagem em número considerável de pacientes. As diretrizes da AIP, da forma que foram aplicadas no presente estudo, para as NPIM e os CPI, tiveram fator preditivo negativo para o câncer de 100%. O desenvolvimento de alternativas diagnósticas com melhor acurácia poderá reduzir o número de operações desnecessárias, que em nossa casuística foi elevado (44,8%).

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  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2021
  • Aceito
    30 Jun 2021
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