RESUMO
Introdução: as infecções do sítio cirúrgico são um dos principais agravos relacionados à assistência à saúde. No Brasil, são responsáveis por 14 a 16% das infecções relacionadas à assistência à saúde. Esse estudo buscou analisar o efeito da implementação de um pacote de medidas para redução de infecções de sítio cirúrgico (ISC) em cirurgias cardíacas, transplantes renais e herniorrafias e avaliar adesão ao checklist de cirurgia segura em um hospital universitário.
Métodos: trata-se de um estudo de coorte retrospectivo com coleta de dados em série temporal relativo ao período de 2018 a 2020.
Resultados: foram analisados 222 prontuários referentes às cirurgias em estudo realizadas no ano de 2020, nos quais foram coletados dados dos pacientes e do pacote de medidas de prevenção. Dados de ISC e adesão ao checklist de cirurgia segura foram analisados nos anos de 2018, 2019 e 2020, totalizando 268, 300 e 222 procedimentos analisados, respectivamente.
Conclusão: o estudo evidenciou uma redução significativa da taxa de ISC com a maior adesão ao protocolo, a qual não foi mantida e sofreu influência da pandemia de COVID-19. Assim, a sustentabilidade dessa ação representa um desafio a ser contornado, a fim de estabelecer um ambiente mais seguro para o paciente e uma melhor qualidade do serviço.
Palavras-chave: Infecção da Ferida Cirúrgica; Pacotes de Assistência ao Paciente; Transplante de Rim
ABSTRACT
Introduction: Surgical site infections are one of the main problems related to health care. In Brazil, they are responsible for 14 to 16% of infections related to health care. This study sought to analyze the effect of implementing a package of measures to reduce surgical site infections (SSI) in heart surgeries, kidney transplants and herniorrhaphies and to evaluate adherence to the safe surgery checklist in a university hospital.
Methods: this is a retrospective cohort study with data collection in a time series for the period from 2018 to 2020.
Results: we analyzed 222 medical records referring to the surgeries under study performed in the year 2020, in which data were collected from the patients and the care package prevention measures. SSI data and adherence to the safe surgery checklist were analyzed in the years 2018, 2019 and 2020, totaling 268, 300 and 222 procedures analyzed, respectively.
Conclusion: the study showed a significant reduction in the SSI rate with greater adherence to the protocol, which was not maintained and was influenced by the COVID-19 pandemic. Thus, the sustainability of this action represents a challenge to be overcome, in order to establish a safer environment for the patient and a better quality of service.
Keywords: Surgical Wound Infection; Bundle; Kidney Transplantation
INTRODUÇÃO
As infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são eventos adversos resultantes de um processo assistencial em ambiente hospitalar ou outra modalidade de unidade de saúde e representam um grande desafio para os sistemas de saúde a nível mundial1. Entre as IRAS, merece destaque a Infecção de Sítio Cirúrgico (ISC), uma complicação que ocorre no local da operação nos primeiros 30 dias após a realização de procedimento cirúrgico, ou até 90 dias em caso de colocação de prótese2.
A ISC é de causa multifatorial e tem íntima relação com o ambiente do hospital e sua equipe profissional. Apesar de evitável, é um dos principais riscos à segurança dos pacientes nos serviços de saúde no Brasil, considerada preditor significativo de óbito, com risco de mortalidade de 2 a 11 vezes maior, se comparado a pacientes sem infecção. Do mesmo modo, está associada a maior tempo de permanência hospitalar, em média de 7 a 11 dias; por conseguinte demanda custos mais altos de assistência médica e maiores taxas de reinternação, além de um impacto negativo na qualidade de vida do paciente2-4.
Nos países de baixa e média renda, 11% dos pacientes submetidos à cirurgia são infectados no processo, sendo o tipo mais frequente de infecção adquirida durante a prestação de serviços de saúde1. Nos Estados Unidos, esse índice é de 2,6% e, em países europeus, de 1,6%5. Já no Brasil, a ISC ocupa o terceiro lugar entre as IRAS, compreendendo de 14% a 16% destas6.
As cirurgias limpas, realizadas em tecidos estéreis na ausência de processo infeccioso ou inflamatório local ou falhas técnicas grosseiras, apresentam baixos índices de infecção, de 1% a 5%, representando, assim, um importante indicador de qualidade em cirurgia4,7. Dentre elas, estão as cirurgias cardíacas e herniorrafias. Nos países desenvolvidos, o índice de ISC em cirurgia cardíaca varia entre 0,5% a 10%8,9. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, esse valor pode variar de 3,5% a 21,0%, enquanto as herniorrafias possuem um valor próximo ao de países desenvolvidos, com 4,1%10,11.
Já as cirurgias potencialmente contaminadas contemplam aquelas em que ocorre manuseio de tecidos colonizados por microbiota pouco numerosa, ou em tecidos colonizados ausentes de processo infeccioso, inflamatório ou falhas técnicas, a exemplo das cirurgias de trato urinário, como o transplante renal. O índice de ISC em transplante renal varia de 4,0% a 7,5%8,9. No Brasil, segundo lugar em transplantes renais no mundo, o valor de ISC nessas cirurgias é em torno de 13,6%12.
No hospital em que o estudo foi desenvolvido, a ISC é a infecção mais prevalente nos últimos três anos, segundo o Serviço de Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (SCIRAS). No período de junho de 2017 a julho de 2018, as taxas de infecção em cirurgias limpas como cardíaca e hérnia foram 19% e 7% respectivamente e, em cirurgia de transplante renal, de 18,7% (SCIRAS - dados não publicados). Esses dados fomentaram o desenvolvimento do projeto REDISC (Redução da Infecção do Sítio Cirúrgico), um projeto de melhoria multifacetado iniciado em junho de 2019 no hospital universitário, o qual agrupa iniciativas relacionadas à prevenção de infecção de sítio cirúrgico, baseado nas medidas preconizadas pela OMS. Tais medidas foram reunidas em um conjunto de práticas que, juntas, resultam em melhoria13.
O projeto deu-se de forma a implementar ciclos de melhoria com o modelo Plan, Do, Study and Act (PDSA), utilizado para sistematizar o processo de mudança - planejando-a, experimentando-a, observando os resultados e agindo de acordo com o que foi aprendido14. Foram testadas e implantadas as seguintes medidas de prevenção: banho pré-operatório, tricotomia adequada, antibioticoprofilaxia adequada, manutenção da normoglicemia e normotermia perioperatórias (Quadro 1).
Além desses, foi realizado o estímulo à adesão da checklist de cirurgia segura, uma ferramenta de segurança do paciente já implementada no hospital desde maio de 2016 e que contribui para redução de eventos adversos relacionados ao procedimento cirúrgico, dentre eles a ISC.
Dessa forma, o presente estudo buscou descrever os efeitos da implantação do pacote de medidas de prevenção sobre a infecção do sítio cirúrgico em cirurgias cardíacas, transplantes renais (Tx Renal) e herniorrafias no hospital universitário e a adesão a checklist de cirurgia segura.
MÉTODOS
Esta pesquisa trata de um estudo de coorte retrospectivo com coleta de dados em série temporal relativa ao período de janeiro de 2018 a dezembro de 2020. No período de janeiro a dezembro de 2019 trabalhou-se com os dados de adesão a checklist de cirurgia segura e infecção do sítio cirúrgico. Considerando que a intervenção para prevenção de infecção deu-se a partir de junho de 2019, os dados relativos a esta, foram obtidos para o período de janeiro a dezembro de 2020 a partir da análise de prontuários de pacientes submetidos às cirurgias em estudo.
Contexto
O hospital do estudo possui 247 leitos, desses, 87 cirúrgicos, 87 clínicos, 19 de terapia intensiva adulto e cinco de terapia intensiva pediátrica. O centro cirúrgico conta com sete salas operatórias gerais, além das salas de cirurgia ambulatorial e oftalmológicas. O hospital realizava, em média, 550 cirurgias/mês no período pré-pandêmico.
Coleta de dados
Os dados relativos à infecção do sítio cirúrgico foram disponibilizados pelo SCIRAS, através do sistema de vigilância das ISC, que utiliza os seguintes critérios diagnósticos2:
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Incisional superficial: ocorre nos primeiros 30 dias após a cirurgia e envolve apenas pele e subcutâneo. Com, pelo menos, um dos seguintes:
Drenagem purulenta da incisão superficial;
Cultura positiva de secreção ou tecido da incisão superficial, obtido assepticamente;
A incisão superficial é deliberadamente aberta pelo cirurgião, na vigência de, pelo menos, um dos seguintes sinais ou sintomas: dor, aumento da sensibilidade, edema local, hiperemia ou calor, exceto se a cultura for negativa;
Diagnóstico de infecção superficial pelo médico assistente.
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Incisional profunda: ocorre nos primeiros 30 dias após a cirurgia ou até 90 dias, se houver colocação de prótese, e envolve tecidos moles profundos à incisão. Com, pelo menos, um dos seguintes:
Drenagem purulenta da incisão profunda, mas não de órgão/cavidade;
Deiscência parcial ou total da parede abdominal ou abertura da ferida pelo cirurgião, quando o paciente apresentar, pelo menos, um dos seguintes sinais ou sintomas: temperatura axilar ≥37,8ºC, dor ou aumento da sensibilidade local, exceto se a cultura for negativa;
Presença de abscesso ou outra evidência que a infecção envolva os planos profundos da ferida;
Diagnóstico de infecção incisional profunda pelo médico assistente.
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Órgão cavidade: ocorre nos primeiros 30 dias após a cirurgia ou até 90 dias após o procedimento, se houver colocação de prótese, e envolve qualquer órgão ou cavidade que tenha sido aberta ou manipulada durante a cirurgia. Com, pelo menos, um dos seguintes:
Cultura positiva de secreção ou tecido do órgão/cavidade obtido assepticamente;
Presença de abscesso ou outra evidência que a infecção envolva os planos profundos da ferida;
Diagnóstico de infecção de órgão/cavidade pelo médico assistente.
Dados demográficos, comorbidades dos pacientes e os relativos ao pacote de medidas de prevenção foram coletados para o período de janeiro a dezembro de 2020, nos prontuários dos pacientes sob estudo, totalizando 222 pacientes.
Os dados foram organizados em uma planilha do Google Sheets elaborada pelos pesquisadores. As seguintes variáveis foram coletadas:
Variáveis relativas ao paciente: idade, sexo, permanência hospitalar, classificação ASA com a graduação de I a V, comorbidades, das quais foram selecionadas: obesidade, diabetes mellitus e doença autoimune, além de tabagismo e uso de corticosteroides ou outros imunossupressores.
Variáveis relativas ao pacote de medidas de prevenção de ISC e seus respectivos critérios estão organizados no Quadro 1.
Cirurgias de hérnia foram avaliadas apenas em relação ao componente antibioticoprofilaxia, pois os demais itens do pacote de medidas de prevenção de ISC não foram utilizados nesses procedimentos. Os antibióticos considerados incorretos são aqueles diferentes da recomendação proposta pelo Protocolo de Antibioticoprofilaxia Cirúrgica do Hospital Universitário 2018.
Os itens relativos à adesão do pacote de medidas foram inseridos em diagramas de Pareto a fim de estratificar os erros mais comuns de adesão aos elementos estudados, direcionados para cada tipo de cirurgia, com o intuito de identificar e quantificar os problemas.
Para a coleta de dados da checklist de cirurgia segura, utilizou-se o mesmo método usado pelo SCIRAS nos dois anos anteriores (2018 e 2019). Foram selecionadas 17 amostras mensais relativas ao ano de 2020, de forma aleatória pelo método Lot Quality Assurance Sampling (LQAS). Na condição de meses com o número de procedimentos inferior a 17, utilizou-se o número total de procedimentos do mês, contabilizando, em 2020, o total de 162 procedimentos. Dados da checklist do período de 2018 a 2019 foram fornecidos pela Unidade de Gestão de Riscos Assistenciais (URGA). As informações coletadas serviram como base para averiguar a adesão à checklist nas cirurgias em estudo.
Os dados coletados levaram em consideração a adesão ou não a checklist de cirurgia segura, sendo considerados em conformidade as checklists que apresentavam todos os 30 itens preenchidos e antibioticoterapia profilática correta. Os procedimentos que não se enquadraram em um dos dois critérios citados foram considerados como não adesão.
Análise de dados
Para descrever a adesão ao pacote de medidas de prevenção de infecções, foi utilizada estatística descritiva, por meio do cálculo de frequências absolutas e relativas (porcentagem) de conformidade ao pacote de medidas preconizadas, bem como as frequências de infecções de sítio cirúrgico estratificadas por procedimento ou especialidade cirúrgica (herniorrafias, transplante renal e cirurgias cardíacas). A análise das frequências de não conformidade foi realizada também de forma gráfica com auxílio de um Diagrama de Pareto, que se trata de um gráfico de barras representando a frequência de não conformidades por medida de prevenção, adicionada de uma linha de frequência acumulada de não conformidades no conjunto de critérios.
A análise estatística inferencial foi realizada por meio de gráficos de tendência, que são gráficos de série temporal com uma linha central de referência (mediana). Estes possibilitam a identificação de variação significativa nos indicadores a partir de uma sequência de pontos acima ou abaixo da mediana, bem como de tendências crescentes ou decrescentes. Estas variações rejeitam a hipótese nula de ausência de variação com um nível de significância de 5%15.
Aspectos éticos
Esta pesquisa está inserida em um projeto de melhoria da qualidade em cirurgia do Hospital Universitário, desenvolvida em conformidade com as normas vigentes expressas na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 47208321.5.0000.5292.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2018 a dezembro de 2020, o hospital realizou, em média, 263,4 cirurgias/ano para os procedimentos: herniorrafias, transplantes renais e cirurgias cardíacas, com medianas de ISC de 5,8%, 4,4% e 6,5% respectivamente em 2018, 2019 e 2020 (Tabela 1).
Vale destacar ainda a expressiva redução do movimento cirúrgico geral no ano de 2020, em razão da pandemia de COVID-19, que refletiu na redução de 46% do número de herniorrafias; porém, com um acréscimo de cerca de 20% em cirurgias cardíacas no mesmo período.
A análise retrospectiva dos pacientes operados em 2020 mostrou que 59,5% possuíam ASA maior ou igual a III e 12,2%, do total da amostra, possuía duas ou mais comorbidades.
O tempo de permanência hospitalar foi de 20 dias para pacientes sem infecção e de 39,9 dias para aqueles que evoluíram com ISC.
A taxa de ISC teve um declínio significativo (p<0,05) a partir de julho de 2019, com seis pontos consecutivos abaixo da mediana, rejeitando a hipótese nula de ausência de diferenças (Figura 1). Em 2020 a mediana de ISC retorna ao nível pré-intervenção.
Curva de tendência da infecção em cirurgias limpas (hérnia, transplante renal e cardíaca) no período de 2018 a 2020.
Quanto à adesão a checklist de cirurgia segura, observou-se uma mediana de 85,3% no ano de 2019 e de 55% no ano de 2020 (Figura 2).
Curva de tendência de adesão ao checklist de cirurgia segura no período de 2018 a 2020. *No período de Junho a Agosto de 2020 o total de cirurgias limpas foi menor que a amostra mensal pelo LQAS. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A adesão completa ao pacote de medidas se deu em apenas duas cirurgias cardíacas e um transplante renal, ambos sem ISC (Tabela 2). Antibioticoprofilaxia e tricotomia foram os itens mais aplicados, com mais de 80% de cumprimento em cirurgias de transplante renal e mais de 70% nas cirurgias cardíacas (Tabela 2).
Adesão aos elementos do pacote de medidas de prevenção de infecção do sítio cirúrgico em Cirurgias Cardíacas, Transplantes Renais e Herniorrafias no ano de 2020.
Segundo o resultado do Pareto, 33,8% dos problemas de adesão ao pacote de medidas de prevenção em cirurgias cardíacas no ano de 2020 foram ocasionados pela inadequação do segundo banho, 13,7% pelo não registro ou controle da glicemia e 12,3% por hipotermia intraoperatória (Figura 3).
Problemas de adesão aos elementos do pacote de medidas para prevenção de infecção do sítio cirúrgico nas cirurgias cardíacas 2020.
Já nas cirurgias de transplante renal, 24,3% dos problemas foram relativos ao período superior a duas horas entre o último banho e o início da cirurgia, 20,4% na glicemia não registrada e 19,4% na temperatura não registrada (Figura 4).
Problemas de adesão ao pacote de medidas para prevenção de infecção do sítio cirúrgico nos Transplantes renais 2020.
Nas cirurgias de hérnia verificou-se que o antibiótico profilático foi utilizado de forma adequada em 89,4% das herniorrafias, no entanto, apenas 24,7% dos pacientes receberam orientações em relação ao banho (Tabela 3).
DISCUSSÃO
O presente estudo mostra que a adoção do pacote de medidas para prevenção de infecção em cirurgia traz resultados positivos12,16,17. Isso é corroborado pelos indicadores de infecção observados durante o processo de implantação do projeto de melhoria, considerando que houve uma redução significativa (queda de 1,4% da mediana anual) de ISC em 2019, com seis pontos abaixo da mediana entre os meses de julho a dezembro de 2019. Além disso, observou-se aumento de 26% da mediana anual de adesão a checklist de cirurgia segura, no período inicial de realização do REDISC.
O hospital vinha em curva ascendente de adesão a checklist de cirurgia segura quando o pacote de medidas de prevenção de ISC foi implantado em julho de 2019, atingindo uma mediana de 85,3% de adesão naquele ano. No ano de 2020, observa-se um declínio para os níveis abaixo da média registrada em 2018.
Outrossim, o índice de ISC de herniorrafia no período de realização do projeto mostrou-se compatível com os índices de países desenvolvidos, com a taxa inferior a 4,1%11. Destaca-se também uma boa aplicabilidade da antibioticoprofilaxia, com mais de 85,3% de adesão.
A elevação do índice de ISC em transplantes renais e cirurgias cardíacas no ano de 2019 pode ter pertencido ao primeiro semestre do ano, como demonstrado na curva de tendência. Nesse período, pré-intervenção, houve o maior número de procedimentos infectados em comparação aos demais semestres analisados.
Segundo o resultado do Pareto, 33,8% dos problemas de adesão ao pacote de medidas em cirurgias cardíacas em 2020 foram ocasionados pela inadequação do segundo banho, estando incluídos nesse parâmetro o período superior a duas horas entre o último banho e o início da cirurgia, a ausência de orientação para o banho ou sua não realização. Já o segundo problema mais frequente foi a glicemia não registrada, que no mesmo período obteve 13,7%. Em terceiro lugar, encontra-se a hipotermia intraoperatória, com 12,3%. Um importante dado é que somam juntos um percentual acumulado de 59,8% dos problemas ocorridos.
Já nas cirurgias de transplante renal, o problema mais frequente de adesão ao conjunto de medidas foi o período superior a duas horas entre o último banho e o início da cirurgia, com 24,3%. A glicemia não registrada com 20,4% e a temperatura não registrada com 19,4% estão, respectivamente, no segundo e terceiro lugares. Somando essas três principais causas, teremos a porcentagem acumulada de 64,1%.
Observa-se, ainda, a elevação dos indicadores de infecção no ano de 2020, período referente à pandemia de COVID-19. Nesse contexto, a interrupção das estratégias resultou em um aumento de 2,1% na mediana de ISC. Porém, isso não se repetiu em outros serviços, que observaram redução na incidência global de ISC durante o período em que foram adotadas medidas de contenção da COVID-19, como uso de máscara e redução da circulação de pessoas17.
Destaca-se, também, o perfil dos pacientes atendidos no período pandêmico, com um direcionamento da demanda cirúrgica para situação de urgência, tendo em vista a suspensão de procedimentos eletivos, corroborando, assim, para o aumento de ISC em cirurgias cardíacas. Tais pacientes possuem mais comorbidades e tendência a longa permanência hospitalar, condições essas, que possuem relação direta com maior risco de infecção e refletem nos custos de tratamentos relativos aos pacientes com ISC19,20.
Ademais, a não implementação do pacote de medidas de prevenção de ISC, passada a fase de testes PDSA, pode ser reflexo do impacto da emergência sanitária imposta pela COVID-19. Uma vez que a estrutura do gerenciamento da qualidade do cuidado em saúde e segurança do paciente é também testada diante das causas intrínsecas ao ambiente de trabalho hospitalar, como medo e fadiga a que os profissionais foram submetidos, ou, até mesmo, da quebra de liderança com a chegada de novos profissionais para suprir a alta demanda. Sendo assim, tais situações podem influenciar na qualidade do serviço e colocar em risco a segurança do paciente21.
No entanto, resultados antagônicos foram relatados na literatura, com a redução de ISC associada ao aumento do uso de equipamentos de proteção individual, sugerindo a possibilidade de relação causal entre a pandemia de COVID-19, o maior uso de EPI’s e a maior adesão aos cuidados peri-operatórios22.
Dessa forma, é necessário atentar-se à imprescindibilidade do estímulo à adesão das medidas de prevenção de ISC, além dos demais projetos de melhoria realizados no âmbito dos serviços de saúde, dada sua relevância para um desfecho positivo no pós-operatório. Tal estímulo pode ser realizado por meio da formulação de estratégias para implementação do pacote de medidas pela equipe de melhoria do hospital23. Essas estratégias, por sua vez, incluem o feedback para as equipes e atividades educacionais, assim como a identificação e correção de problemas, a exemplo da resolução dos três problemas mais frequentes de má adesão ao pacote de medidas para prevenção de ISC em cirurgias cardíacas e transplantes renais, que pode acarretar uma melhoria de mais de 60% na adoção dos elementos do pacote para redução de ISC.
Logo, a efetividade e continuidade do projeto de melhoria está intimamente relacionado à atenção do indivíduo e da equipe responsável pela execução das ações propostas. Por isso, é essencial o acompanhamento dos índices de ISC, bem como da aplicação do pacote de medidas para redução de infecção de sítio cirúrgico, a fim de atingir resultados condizentes com a literatura e com impacto relevante na melhoria do serviço prestado aos pacientes.
Limitações do estudo
O registro inadequado de informações em prontuário e fichas dificultou a avaliação da adesão ao pacote de medidas de prevenção de ISC, de modo a impossibilitar a acurácia adequada dos dados. Assim, muitos prontuários não apresentavam informações sobre o horário e a orientação para o banho, sobre a realização de tricotomia, medidas de temperatura e glicemia e foram assumidos como não adesão, dificultando uma avaliação precisa da aplicação dos elementos analisados.
CONCLUSÃO
Os dados obtidos evidenciaram que o projeto de melhoria proporcionou uma redução significativa de ISC e uma maior adesão a checklist durante a fase de aplicação dos ciclos de PDSA, em contraste com o período anterior ao ensaio de implementação e durante a pandemia de COVID-19.
Acredita-se, portanto, que o estímulo à incorporação e à sustentabilidade dos projetos de redução de ISC, associados a checklist de cirurgia segura, sejam de importante contribuição para redução de infecções, conferindo, assim, uma maior qualidade ao serviço e segurança ao paciente. No entanto, é necessária a implementação de medidas que assegurem tal sustentabilidade dos protocolos preconizados, de forma a observar os reais impactos e pontos de melhoria.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
25 Maio 2022 -
Aceito
06 Abr 2023