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O cirurgião de trauma e emergência na era da pandemia de COVID-19

RESUMO

A Organização Mundial de Saúde reconheceu a partir de março de 2020 a existência de uma pandemia do novo coronavírus que surgiu na China no final de 2019, e cuja doença foi denominada COVID-19. Neste contexto, a SBAIT (Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado) realizou pesquisa com 219 cirurgiões de Trauma e de Urgências e Emergências a respeito de disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPI) e do papel do cirurgião nesta pandemia, por meio de formulário eletrônico. Observou-se que os cirurgiões vêm atuando em condições inadequadas, com falta de insumos básicos assim como equipamentos mais específicos, como máscaras N95 e protetores faciais, para a atenção de potenciais vítimas que estejam contaminadas. Isso eleva o risco de contaminação dos profissionais e causa decorrentes baixas na força de trabalho. Medidas imediatas devem ser adotadas para garantir o acesso aos equipamentos de segurança em todo país uma vez que, todos os pacientes vítimas de trauma e/ou portadores de doenças cirúrgicas de urgência devem ser tratados como potenciais portadores do COVID-19.

Palavras chave:
Pandemia; Coronavírus; Equipamento de Proteção Individual; Infecções por Coronavírus

ABSTRACT

The World Health Organization recognized in March 2020 the existence of a pandemic for the new coronavirus that appeared in China, in late 2019, and whose disease was named COVID-19. In this context, the SBAIT (Brazilian Society of Integrated Care for Traumatized Patients) conducted a survey with 219 trauma and emergency surgeons regarding the availability of personal protective equipment (PPE) and the role of the surgeon in this pandemic by means of an electronic survey. It was observed that surgeons have been acting under inadequate conditions, with a lack of basic supplies as well as more specific equipment such as N95 masks and facial shields for the care of potential victims who may be contaminated. The latter increases the risk of contamination of professionals, resulting in potential losses in the working teams. Immediate measures must be taken to guarantee access to safety equipment throughout the country, since all trauma victims and/or patients with emergency surgical conditions must be treated as potential carriers of COVID-19.

Keywords:
Pandemics; Coronavirus; Personal Protective Equipment; Coronavirus Infections

INTRODUÇÃO

A organização mundial de saúde reconheceu a partir de março de 2020 a existência de uma pandemia do novo coronavírus que surgiu na China no final de 2019, e cuja doença foi denominada COVID-19. Apresenta expressiva capacidade de transmissão e propagação, numa população mundial sem defesas naturais contra esta doença, causando com isto mortalidade considerável principalmente em idosos e pessoas com doenças associadas. Além disto, causa colapso no sistema de saúde, com súbita sobrecarga de atendimento em hospitais e unidades de terapia intensiva, consumindo a totalidade de equipamentos essenciais para o tratamento destes doentes, como ventiladores mecânicos, e levando também à falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais que cuidam destes doentes. Isso aumenta ainda mais a contaminação da equipe de saúde, contribuindo com o colapso de todo o sistema.

Além disso, deve-se considerar que outros problemas graves como traumas, urgências que necessitam de tratamento cirúrgico dentre outras doenças continuam a chegar às unidades de urgência e emergência de todo o Brasil. Nestes cenários se encontram inseridos os cirurgiões que têm dificuldades em se proteger com equipamentos adequados e que cuidam destes doentes, paralelamente à admissão de doentes com COVID-19.

Tal falta de equipamentos assim como a sobrecarga de exposição ao COVID-19, fazem com que os profissionais de saúde sejam considerados população altamente vulnerável. Números atuais demonstram que alguns milhares de profissionais de saúde já se contaminaram assim como centenas faleceram em decorrência da doença. Segundo o New York Times, dos mais de 40.000 casos confirmados na Espanha, cerca de 5.400 são profissionais da saúde (14%). Tais números se repetem em outros países com altas taxas de infecção11 Minder R, Peltier E. Virus knocks thousands of health workers out of action in Europe [Internet]. The New York Times. 2020 Mar 24; [citado 2020 Apr 13]. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/03/24/world/europe/coronavirus-europe-covid-19.html
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. Até o início de março, a China notificou mais de 3300 profissionais de saúde infectados e pelo menos 22 mortes22 OMS alerta sobre contaminação de profissionais de saúde por Covid-19. 2020. (publicação na web) (acesso em 2020 Mar 19). Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/02/1704211.
https://news.un.org/pt/story/2020/02/170...
,33 COVID-19: protecting health-care workers. Lancet [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Mar 20];395(10228):922. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30644-9/fulltext.
https://www.thelancet.com/journals/lance...
. Seguir diretrizes de proteção em procedimentos invasivos é essencial neste momento para profissionais da emergência e cirurgiões.

Neste contexto, a Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado (SBAIT) realizou pesquisa com cirurgiões de Trauma e de Urgências e Emergências a respeito de disponibilidade de EPI e do papel do cirurgião nesta pandemia.

MÉTODOS

Trata-se de questionário prospetivo realizado com o auxílio da ferramenta Survey Monkey (http://www.surveymonkey.com)44 Survey Monkey [Internet]. Disponível em: https://pt.surveymonkey.com/r/N7GJ7TW
https://pt.surveymonkey.com/r/N7GJ7TW...
e enviado por meio eletrônico (lista de emails e grupos de WhatsApp) aos membros da SBAIT, sociedade composta por cirurgiões de trauma, urgência e emergência, assim como cirurgiões não membros, totalizando um envio de cerca de 1500 formulários. O questionário continha 14 perguntas, sendo 13 objetivas e uma em que o cirurgião poderia escrever observações pertinentes ao tema. As perguntas abordavam sobre o local e a região de trabalho, a segurança e EPI disponíveis para atender doentes traumatizados, considerando doentes com e sem o diagnóstico de COVID-19, e que apresentam doenças potencialmente cirúrgicas. Os dados obtidos foram automaticamente transferidos para planilha de Excel, na qual foram computados.

A participação no questionário foi livre e espontânea e todas as respostas foram anônimas.

RESULTADOS

Dos 1500 formulários enviados foram obtidas 219 respostas (14,6%) por meio do questionário eletrônico, pode-se observar que a maioria dos Cirurgiões é das regiões Sul e Sudeste do Brasil, totalizando 54,3% conforme demonstrado na Figura 1. Destes, 82% trabalham em sala de emergência ou trauma, sendo que apenas pequena parcela referiu ter tido contato com pacientes sabidamente COVID-19 positivos.

Figura 1
Principais locais de trabalho dos Cirurgiões.

Quando se avalia o tipo de instituição onde os profissionais atuam, pode-se observar que a maior parte tem vínculo profissional em Hospitais públicos municipais (22,8%), estaduais (63,9%) ou Organizações sociais de saúde (OSS) (17,3%). Por se tratar de pergunta aberta, nota-se, também, que mais de 50% dos cirurgiões tem atuação em serviços privados de saúde (Figura 2).

Figura 2
Tipo de hospital onde os cirurgiões atuam.

Em relação à segurança pessoal dos cirurgiões, na atual fase da pandemia de COVID-19, pode-se observar que 15,5% dos mesmos responderam que se consideram seguros para realizar os atendimentos, enquanto 49,7% se consideram parcialmente e 32,4% não se consideram seguros para prestar os atendimentos (Figura 3).

Figura 3
Perceção da segurança durante o atendimento das vítimas de trauma durante a pandemia.

Mesmo materiais básicos como luvas (93,6%), máscaras cirúrgicas (89%), gorros cirúrgicos (86,3%), que em tese deveriam estar disponíveis em 100% dos serviços não se encontravam disponíveis em algumas localidades (Figura 4).

Figura 4
Materiais disponíveis para o atendimento de vítimas de trauma (o cirurgião deveria marcar todos os itens disponíveis).

Quando questionados sobre que tipo de equipamento de segurança o cirurgião utiliza enquanto nas dependências do hospital, 115 (52,5%) referiram o uso de máscara cirúrgica convencional, sendo que 30% não utiliza nenhum tipo de dispositivo de proteção individual. Quanto aos tipos de proteção utilizadas para o atendimento de pacientes sem suspeita de COVID-19, observou-se que 43,8% dos cirurgiões utilizam máscaras cirúrgicas convencionais, sendo que no momento atual, mesmo nos casos não suspeitos, observou-se que 36,5% dos mesmos referiram o uso de máscara do tipo N95 (Figura 5). Quando questionados sobre a utilização de EPI para procedimentos cirúrgicos em pacientes sem suspeita de infecção pelo vírus, as respostas foram praticamente iguais às obtidas para o atendimento das vítimas sem suspeita clínica.

Figura 5
Tipos de equipamentos de segurança individual utilizados frente a pacientes considerados não suspeitos do COVID-19.

Ao se questionar sobre o uso da cirurgia laparoscópica no momento atual, frente ao risco potencial de propagação do vírus pelo pneumoperitônio, observou-se que a maioria dos cirurgiões (52,9%) não tem realizado tais procedimentos, 23,7% não tem realizado somente em casos suspeitos e/ou confirmados e 16,4% mantem as indicações habituais (Figura 6).

Figura 6
Conduta dos cirurgiões de urgência e trauma frente a realização de procedimentos laparoscópicos durante a pandemia.

Quanto a conduta atual para indicar e operar um caso de urgência (traumática ou não) observou-se que 81 cirurgiões (36,9%) mantem suas indicações e abordagens habituais sem mudanças nas mesmas, entretanto 51,6% dos mesmos tem realizado tomografia de tórax sempre ou em casos selecionados e 7,7% tem optado por tratamento não operatório sempre que possível (Figura 7).

Figura 7
Conduta atual para indicar e operar um caso de urgência (traumática ou não) dentre os cirurgiões de urgência e trauma.

Considerando-se que a obtenção de uma via aérea definitiva faz parte das tarefas do dia-a-dia deste grupo de profissionais, avaliamos o tipo de material disponível para realização da intubação orotraqueal. A maioria dos cirurgiões (55,7%) relatam ter disponível o protetor facial (face shield) e o filtro de ventilador (42%). Apenas uma pequena parcela dos profissionais relata ter disponível o vídeo-laringoscópio para intubação (Figura 8).

Figura 8
Materiais disponíveis para intubação orotraqueal por cirurgiões de urgência e trauma.

Quanto aos EPI disponíveis para estes cirurgiões realizarem um procedimento operatório, se observou que menos da metade dispunha de equipamentos de proteção conforme preconizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (46,5%). Setenta e nove cirurgiões (36,1%) relatam contar com menos do que o preconizado e 14,6% reportam não conhecer tais recomendações

Destaca-se neste estudo que 63% dos cirurgiões relatam ter dificuldades na obtenção de EPI em seus hospitais, sendo que 53,4% (116) dos cirurgiões conhece algum profissional de saúde que tenha sido contaminado pelo vírus.

DISCUSSÃO

Sabe-se que as lesões decorrentes de trauma representam a principal causa de óbito na população abaixo de 45 anos em todo o mundo55 Institute of Medicine (US) Committee on Injury Prevention and Control; Bonnie RJ, Fulco CE, Liverman CT , editors. Reducing the burden of injury: advancing prevention and treatment. Washington (DC): National Academy Press; 1999.. Estima-se que cerca de 6 milhões de pessoas morram por ano como resultado de tais lesões. Este número corresponde a cerca de 10% das mortes no mundo, matando mais do que a malária, tuberculose e HIV juntas66 World Health Organization [Internet]. World Health Statistics 2011. Geneva: WHO, 2011 [cited 2020 Apr 14]. Available from: http://www.who.int/whosis/whostat/2011/en/indext.html
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,77 Sakran JV, Greer SE, Werlin E, McCunn M. Care of the injured worldwide: trauma still the neglected disease of modern society. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2012;20:64. https://doi.org/10.1186/1757-7241-20-64
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.

De acordo com o Coronavirus resource center da Johns Hopkins University a atual pandemia do COVID-19, a qual acometeu até 15 de abril de 2020, mais de 2 milhões pessoas em todo o mundo e causando a morte de mais de 140.000 pessoas, sendo que no Brasil mais de 35.000 pessoas têm a doença com até o momento mais de 1.90088 Johns Hopkins University. Coronavirus Resource Center [Internet]. New cases of COVID-19 in World Countries [cited 2020 Apr 14]. Available from: https://coronavirus.jhu.edu/data/new-cases
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.

Em nosso meio a grande maioria dos atendimentos às vítimas de trauma se dá em hospitais públicos e OSS, onde cerca de 62% dos cirurgiões que responderam a esta pesquisa exercem suas atividades. A Associação Médica Brasileira, até o dia 12 de abril, recebeu 3031 denuncias de todo o Brasil sobre a falta de EPI para o atendimento aos pacientes99 Associação Médica Brasileira [Internet]. Faltam EPI´s em todo o país [citado 2020 Abr 14]. Disponível em: https://amb.org.br/epi/
https://amb.org.br/epi...
. Estima-se que a no momento atual tanto a rede pública, em maior proporção, mas também a rede privada esteja sofrendo com a falta de materiais e equipamentos, colocando em risco os profissionais da saúde. Das 826 instituições consultadas pela AMB, 95% estavam com problemas de fornecimento99 Associação Médica Brasileira [Internet]. Faltam EPI´s em todo o país [citado 2020 Abr 14]. Disponível em: https://amb.org.br/epi/
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.

A escassez de equipamentos relatadas à AMB compromete principalmente a disponibilidade de máscaras N95 (87%), seguida de óculos ou face shield (70%) e avental impermeável (66%). O grau de exposição e risco é tamanho que 26% relatam falta de luvas e 35% de álcool gel. Tais dados corroboram os achados do presente estudo conforme demonstrado na Figura 4.

O atendimento às vítimas de trauma segue protocolos bem estabelecidos como o de Suporte Avançado de Vida no Trauma (Advanced Trauma Life Support - ATLS©), que pressupõe que os profissionais atendam os pacientes usando EPI, como máscara facial, proteção ocular, avental impermeável e luvas, sendo que, tais recomendações vêm sendo feitas há décadas pelo Colégio Americano de Cirurgiões, por meio do Comitê de Trauma1010 ATLS® Advanced Trauma Life Support®. Student Course Manual. Initial assessment and management. 10th ed. Chicago: American College of Surgeons; 2018.. Lamentavelmente, poucos são os serviços públicos e mesmo universitários, em nosso meio que seguem tais regras de forma correta. Desta forma, os profissionais estão expostos a contaminação pessoal por líquidos corporais, secreções e, agora, mais recentemente ao aerossol proveniente das vias aéreas de pacientes potencialmente contaminados.

A ANVISA recentemente publicou nota técnica que prevê que profissionais da saúde que realizem procedimentos a menos de um metro de distancia de pacientes suspeitos ou confirmados para infecção pelo coronavírus sigam o seguinte fluxo: higienização das mãos, óculos de proteção ou protetor facial (face shield), máscara cirúrgica, a qual deve ser substituída por máscara N95/PFF2 ao realizar procedimentos geradores de aerossóis, avental, luvas e gorro1111 ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA No 04/2020 - Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) [Internet].Brasília (DF): ANVISA; 2020 [atualizado 2020 Mar 31; citado 2020 Apr 14]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33852/271858/Nota+T%C3%A9cnica+n+04-2020+GVIMS-GGTES-ANVISA/ab598660-3de4-4f14-8e6f-b9341c196b28.
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,1212 World Health Organization. WHO Guidelines on hand hygiene in health care. First global patient safety challenge clean care is safer care [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2009 [cited 2020 Apr 13]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44102/9789241597906_eng.pdf?sequence=1
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No presente estudo observou-se que, lamentavelmente, entre os 219 cirurgiões que responderam à pesquisa, 32 não tinham conhecimentos das recomendações da ANVISA. Isso reforça a necessidade de ações por parte das sociedades de classe, assim como das autoridades de saúde, para que os cuidados sejam otimizados a fim de garantir o conhecimento e o acesso a tais recursos.

Em recente publicação eletrônica, Machado Jr recomenda para todos os centros de trauma que os cirurgiões tenham amplo acesso aos EPI assim como a políticas institucionais para o manejo das vias aéreas1313 Machado Jr HV. Trauma. Recomendações das Sociedades Médicas. In: Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Cirurgia e o COVID-19: recomendações das sociedades médicas [Internet]. 2020 [citado 2020 Apr 14]. Disponível em: https://cbc.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Trauma.pdf
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. Da mesma maneira Lima et al. apresentam recomendações para cirurgia de emergência durante a pandemia. Os autores apontam que o uso de equipamentos de proteção aliados a técnica operatória adequada e corretas decisões cirúrgicas representam a melhor forma de reduzir as taxas de contaminação entre os profissionais da saúde1414 Lima DS, Leite Filho JAD, Gurgel MVSA, Aguiar Neto AF, da Costa EFM, Maia Filho FXF, et al. Recomendações para cirurgia de emergência durante a pandemia de COVID-19. J Health Biol Sci. 2020;8(1):1-3..

Quando questionados sobre o uso da via de acesso laparoscópica para as cirurgias de urgência, observou-se tendência em se evitar ou mesmo não utilizar a mesma, o que está de encontro com as recomendações atuais de diversas sociedades médicas pelo risco da contaminação da equipe por meio da emissão de aerossóis decorrentes do pneumoperitônio1515 Zheng MH, Boni L, Fingerhut A. Minimally invasive surgery and the novel coronavirus outbreak: lessons learned in China and Italy. Ann Surg. 2020; March 26. doi: 10.1097/SLA.0000000000003924
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,1616 Ramos RF, Benevenuto DS. Laparoscopia. Recomendações do Colégio Brasileiro de Cirurgiões para cirurgia Videolaparoscópica em pacientes com suspeita de infecção por COVID-19. In: Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Cirurgia e o COVID-19: recomendações das sociedades médicas [Internet]. 2020 [citado 2020 Apr 14]. Disponível em: https://cbc.org.br/wp-content/uploads/2020/04/Laparoscopia.pdf.
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.

A falta de equipamentos de proteção vem atingindo cirurgiões de todo o mundo. No presente estudo, podemos afirmar que mais de 80% dos cirurgiões relatam sentir-se parcial ou totalmente inseguros para o atendimento. No Reino Unido, Rimmer reporta que um terço dos cirurgiões (32,5% de um total de 1.978 respostas) apontam problemas de abastecimento de equipamentos de proteção em seus hospitais. Mais da metade dos cirurgiões consultados afirmam ter tido problemas de abastecimento de EPI em seus hospitais, nos últimos 30 dias1717 Rimmer A. Covid-19: Third of surgeons do not have adequate PPE, Royal College Warns. BMJ. 2020;369:m1492. doi: 10.1136/bmj.m1492
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.

Frente aos resultados obtidos, podemos esperar, em curto espaço de tempo, as baixas na força de trabalho nos hospitais, quer seja pela contaminação dos cirurgiões que atuam nas linhas de frente, quer seja pelo estresse decorrente da exposição no dia a dia aos casos não só de trauma como de infectados pelo COVID-19. Lai et al. relataram os efeitos psicológicos entre 1.257 profissionais da saúde que atuaram em Wuham durante o pico da pandemia e identificaram altas taxas de depressão (50,4%), ansiedade (44,6%), insônia (34%) e estresse (71,5%) entre os entrevistados1818 Lai J, Ma S, Wang Y, Cai Z, Hu J, Wei N, et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020;3(3):e203976. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.3976
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A situação da pandemia atual é algo inesperado e inimaginável por muitos até três meses atrás. Entretanto, demonstra as várias fragilidades dos sistemas de saúde do mundo todo, que não estavam preparados para tal evento. Alertas por meios científicos1919 Fan Y, Zhao K, Shi Z, Zhou P. Bat Coronaviruses in China. Viruses. 2019;11(3):210. doi:10.3390/v11030210.
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e não científicos20 foram feitos na última década, mas em vão.

A preocupação com a perda de profissionais de saúde contaminados e que ficarão fora de ação temporariamente e alguns que não irão sobreviver é um ônus enorme para a sociedade e para os sistemas de saúde. A proteção destes profissionais deve ser prioritária neste momento, assim como a disponibilização de informação para todos.

Este estudo tem limitações, que apesar de ter abrangência nacional, não consegue atingir igualmente todos os estados e serviços médicos. Além disto, a proporção de respostas não tem cálculos estatísticos que a apoiem, uma vez que foi obtida uma taxa de resposta de 14,6% dos formulários enviados. Entretanto, devido à necessidade de diagnóstico rápido da situação no país, para que recomendações fossem propostas foi considerado como prioritário. Além disto, esta é a primeira pesquisa realizada no país com este enfoque durante a atual pandemia.

A SBAIT preocupada com as condições de trabalho de seus membros publicou no último mês recomendações para os cirurgiões em canais de divulgação, mas acredita-se que que a comunicação deva ainda ser ampliada. Nos momentos de maior crise, o processo de comunicação se torna essencial para que possamos proteger mais vidas2121 SBAIT [Internet]. Recomendações SBAIT COVID-19 para profissionais de saúde [citado 2020 Abr 14]. Disponível em: http://blog.sbait.org.br/2020/03/25/recomendacoes-sbait-covid-19/.
http://blog.sbait.org.br/2020/03/25/reco...
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Conclui-se que o cirurgião de trauma e de emergências se encontra em situação de fragilidade e risco durante a pandemia atual, atendendo doentes traumatizados e de emergências, em grande parte das vezes sem o EPI adequado, expondo-se a contaminação. A disseminação da informação que possa proteger os cirurgiões é peça chave neste momento de crise em todo o sistema de saúde do Brasil e do mundo.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2020
  • Aceito
    17 Abr 2020
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