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Fatores de risco para óbito no trauma abdominal fechado com abordagem cirúrgica

RESUMO

Objetivo:

identificar fatores de risco para óbito em pacientes submetidos à laparotomia exploradora após trauma abdominal contuso.

Métodos:

estudo retrospectivo, caso-controle, no qual foram revisados prontuários dos pacientes vítimas de trauma contuso submetidos à laparotomia. Foram avaliados: variáveis epidemiológicas, mecanismo de trauma, lesões anatômicas das vísceras abdominais, lesões associadas, necessidade de operação para controle de danos reoperação e desfecho.

Resultados:

dos 86 pacientes, 63% foram curados, 36% foram a óbito e um paciente foi excluído do estudo. Ambos os grupos possuíam epidemiologia e mecanismo de trauma semelhantes, predominantemente adultos jovens do sexo masculino, vítimas de acidente automobilístico. A maioria dos casos que evoluíram a óbito teve instabilidade hemodinâmica como indicação de laparotomia - 61% contra 38% do outro grupo. A presença de lesão de víscera maciça foi maior no grupo óbitos - 80% vs. 48%, e 61% destes tinham outra lesão abdominal associada contra 25% dos curados. Dos pacientes que faleceram, 96% apresentavam lesões graves associadas. Pacientes que necessitaram de cirurgia de controle de danos tiveram maior taxa de mortalidade. Apenas um de 18 pacientes com lesão de víscera oca isolada evoluiu a óbito. A média do escore de trauma TRISS dos curados (91,7%) foi significativamente maior do que a dos óbitos (46,3%).

Conclusão:

os fatores de risco para óbito encontrados para vítimas de trauma abdominal fechado que necessitam de laparotomia exploradora são: instabilidade hemodinâmica como indicação para laparotomia, presença de lesão de víscera maciça, múltiplas lesões intra-abdominais, necessidade de cirurgia de controle de danos, lesões graves associadas e índice de trauma baixo.

Descritores
Traumatismo Múltiplo; Traumatismos Abdominais; Ferimentos e Lesões; Fatores de Risco

ABSTRACT

Objective:

identify risk factors for mortality in patients who underwent laparotomy after blunt abdominal trauma.

Methods:

retrospective study, case-control, which were reviewed medical records of blunt trauma victims patients undergoing laparotomy, from March 2013 to January 2015, and compared the result of the deaths group with the group healed.

Results:

of 86 patients, 63% were healed, 36% died, and one patient was excluded from the study. Both groups had similar epidemiology and trauma mechanism, predominantly young adults males, automobilistic accident. Most cases that evolved to death had hemodynamic instability as laparotomy indication - 61% against 38% in the other group (p=0.02). The presence of solid organ injury was larger in the group of deaths - 80% versus 48% (p=0.001) and 61% of them had other associated abdominal injury compared to 25% in the other group (p=0.01). Of the patients who died 96% had other serious injuries associated (p=0.0003). Patients requiring damage control surgery had a higher mortality rate (p=0.0099). Only one of 18 patients with isolated hollow organ lesion evolved to death (p=0.0001). The mean injury score of TRISS of cured (91.70%) was significantly higher than that of deaths (46.3%) (p=0.002).

Conclusion:

the risk factors for mortality were hemodynamic instability as an indication for laparotomy, presence of solid organ injury, multiple intra-abdominal injuries, need for damage control surgery, serious injury association and low index of trauma score.

Key words
Multiple Trauma; Abdominal Injuries; Wounds and Injuries; Risk Factors

INTRODUÇÃO

O manejo do trauma abdominal contuso (TAC) é desafiador, as lesões intra-abdominais são menos óbvias e as indicações para laparotomia não são tão claras quanto no trauma penetrante 11. Starling SV, Drumond DAF. Tratamento não operatório de 1.768 pacientes portadores de lesões das vísceras maciças abdominais por trauma contuso atendidos no Hospital João XXIII. Rev Med Minas Gerais. 2014;24(4):432-40.. O tratamento conservador para lesões de vísceras maciças em pacientes estáveis hemodinamicamente é padrão-ouro atualmente. A suspeita ou confirmação de lesão de víscera oca exige intervenção cirúrgica 22. Ribas-Filho JM, Malafaia O, Fouani MM, Justen MS, Pedri LE, Silva LMA, et al. Trauma abdominal: estudo das lesões mais frequentes do sistema digestório e suas causas. ABCD, arq bras cir dig. 2008;21(4):170-4..

O diagnóstico preciso e oportuno de lesão intraabdominal contusa é um dilema. A precisão do exame físico tem sido questionada por muitos, enquanto outros têm sugerido que o melhor método de diagnóstico é feito através de exames seriados realizados por cirurgião experiente 33. Lima SO, Cabral FLD, Pinto Neto AF, Mesquita FNB, Feitosa MFG, Santana VR. Avaliação epidemiológica das vítimas de trauma abdominal submetidas ao tratamento cirúrgico. Rev Col Bras Cir. 2012;39(4):302-6.. O abdômen é a terceira região mais acometida no trauma contuso e lesão traumática importante pode não ser reconhecida de forma suficientemente rápida, tornando-se uma causa de morte evitável 44. Farrath S, Parreira JG, Perlingeiro JAG, Soldá SC, Assef JC. Fatores preditivos de lesões abdominais em vítimas de trauma fechado. Rev Col Bras Cir. 2012;39(4):295-301..

A fim de minimizar a mortalidade em casos de trauma abdominal, fatores de risco para mortalidade devem ser identificados e sistematicamente estudados. Nos últimos anos, fatores de risco, incluindo sexo, a duração do intervalo entre a lesão e a cirurgia abdominal, choque no momento da admissão e traumatismo craniano foram demonstrados 55. Wang SY, Liao CH, Fu CY, Kang SC, Ouyang CH, Kuo IM, et al. An outcome prediction model for exsanguinating patients with blunt abdominal trauma after damage control laparotomy: a retrospective study. BMC Surg. 2014;14:24..

Verifica-se na literatura uma escassez de dados relacionados ao trauma abdominal contuso que necessitou de laparotomia. O objetivo do nosso trabalho foi, portanto, identificar fatores de risco relacionados com a mortalidade em pacientes submetidos à laparotomia exploradora após trauma abdominal contuso.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo realizado em pacientes vítimas de trauma abdominal fechado submetidos à laparotomia exploradora no Hospital do Trabalhador (HT) - centro de referência no atendimento ao paciente traumatizado 66. Hospital do Trabalhador [homepage na Internet]. Tipos de Atendimento no Pronto Socorro [acesso em 15 jan 2015]. Disponível em: http:www. hospitaldotrabalhador.saude.pr.gov.br.
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. Foram selecionados todos os pacientes vítimas de trauma que tiveram intervenção cirúrgica (laparotomia exploradora), no período de março de 2013 a janeiro de 2015, identificados a partir do registro de operações. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital do Trabalhador (protocolo 44364215.6.0000.5225).

Foram excluídos do estudo todos os pacientes vitimados por trauma penetrante. Foi realizado um estudo analítico, caso controle comparando o resultado do grupo de pacientes que evoluíram para o óbito (grupo óbitos) com o resultado do grupo de pacientes que receberam alta hospitalar (grupo curados). Analisamos e comparamos entre os grupos as variáveis epidemiológicas, mecanismo de trauma, lesões anatômicas abdominais intraoperatórias, lesões associadas, indicações de laparotomia, índices de trauma (Trauma and Injury Severity Score - TRISS), necessidade de cirurgia de controle de danos e reintervenção cirúrgica e desfecho. Os dados foram avaliados por estatística descritiva com exposição de médias e desvio-padrão. Utilizamos o teste qui-quadrado para avaliar as variáveis categóricas e o teste T de Student para comparação de variáveis contínuas. Consideramos p<0,05 como estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Um total de 86 pacientes foi selecionado para o estudo. Destes, 54 foram curados (63%), 31 evoluíram a óbito (36%) e um paciente foi transferido e excluído do estudo. Em relação à epidemiologia, a idade dos pacientes variou de três a 82 anos (média 32,72 anos ± 15,93); no grupo óbitos, a média foi 33,2 anos (±16,23) e no grupo curados, 32,4 anos (±16,22). Do total de pacientes, 66 (77%) eram do sexo masculino ( Tabela 1). Em ambos os grupos a maioria dos pacientes era do sexo masculino, curados com 42 homens e 12 mulheres e óbitos 24 homens e sete mulheres, e na quarta década de vida. O principal mecanismo de trauma tanto no grupo de curados quanto no de óbitos foi acidente automobilístico (83% vs. 87% e p=0,84) - incluindo pacientes vítimas de acidentes com automóveis (carros, caminhonetes, caminhões), motociclistas e atropelamentos. Foram relatados também: quedas de nível (3 vs. 4 e p=0,08) e trauma abdominal direto em seis dos pacientes curados e em nenhum do grupo dos óbitos (6 vs. 0 e p=0,027). A média de dias de internamento no grupo dos óbitos foi 4,6 (±6,71), estatisticamente menor do que aqueles pacientes curados, estes permaneceram internados em média 19 dias (±23,6) (p=0,000791).

A principal indicação para abordagem cirúrgica nos pacientes que evoluíram a óbito foi instabilidade hemodinâmica - 61% vs. 38% (OR=2,4, IC95% 1,005-6,1 e p=0,02). Nos pacientes curados, as alterações na tomografia computadorizada (TC) foram o parâmetro essencial 50% vs. 31% e p=0,47) para indicação de laparotomia - sendo o principal achado líquido livre na cavidade abdominal sem lesão de víscera maciça (70% das TC). Outros achados na TC foram presença de lesão de víscera maciça e pneumoperitônio ( Tabela 2). Dor abdominal e sinais de peritonite não foram indicação para intervenção cirúrgica em nenhum paciente no grupo de óbitos, mas foi indicativo em 9% dos pacientes curados (OR=0,03, IC95% 0,005-16 e p=0,04).

A presença de lesão de víscera maciça foi maior no grupo óbitos - 80% vs. 48% (OR=4,4, IC95% 1,599-13,48 e p=0,001), e 61% destes tinham outra lesão intra-abdominal associada contra 25% do outro grupo (OR=3,0, IC95% 1,18-7,816 e p=0,01). Todos os seis pacientes com lesão vesical isolada foram curados (OR=0, IC95% 0,0-13,5 e p=0,02), outros 11 pacientes deste grupo apresentavam lesão apenas de intestino e apenas um entre os 18 pacientes com lesão de víscera oca isolada (lesão de duodeno, intestino delgado, cólon ou bexiga) evoluiu a óbito (OR=0,07, IC95% 0,003-0,4 e p=0,0001).

Dos pacientes que evoluíram a óbito, 96% tinham lesões extra-abdominais graves associadas (trauma crânio encefálico, trauma grave de tórax, fraturas pélvicas, de fêmur ou de coluna em qualquer segmento), enquanto no grupo de curados, esse número representou 51% (OR=7,3, IC95% 2,132-33,49 e p=0,0003). O resultado também foi estatisticamente significativo quando comparado o escore de trauma TRISS do grupo curados, média de 91,7% e óbitos, 46,3% com p=0,002.

Houve diferença estatística no desfecho comparando a necessidade ou não de cirurgia de controle de danos com confecção de peritoneostomia - 34% dos pacientes necessitaram de peritoneostomia na primeira intervenção cirúrgica, destes 45% evoluíram com cura e 55% a óbito (OR=3,3, IC95% 1,29-8,72 e p=0,0099) ( Tabela 3).

DISCUSSÃO

A maioria absoluta dos casos de trauma e, especificamente de trauma abdominal, tem como vítimas homens jovens, sendo acidente automobilístico o mecanismo de trauma mais prevalente. No presente estudo ambos os grupos, curados e óbitos, possuíam epidemiologia semelhante e em concordância com a literatura, predominantemente adultos jovens do sexo masculino 33. Lima SO, Cabral FLD, Pinto Neto AF, Mesquita FNB, Feitosa MFG, Santana VR. Avaliação epidemiológica das vítimas de trauma abdominal submetidas ao tratamento cirúrgico. Rev Col Bras Cir. 2012;39(4):302-6. 77. Leite S, Taveira-Gomes A, Sousa H. Lesão visceral em trauma abdominal: um estudo retrospetivo. Acta Med Port. 2013;26(6):725-30., resultado se melhante ao encontrado em Porto Alegre por Espino et al. 88. Espino JAR, Dominguez LCA, Barthelemy IR, Hernández IG, Ojeda MJO. Traumas abdominales. Experiência en un servicio cirugia general, 1986 a 1993. Rev Cubana Cir. 2002;(2):24-9.e, em Santa Catarina, por Kruel et al. 99. Kruel NF, Oliveira VL, Oliveira VL, Honorato RD, Di Pinatti B, Leão FR. Perfil epidemiológico de trauma abdominal submetido à laparotomia exploradora. ABCD, arq bras cir dig. 2007;20(2):10610., que também avaliaram trauma abdominal submetido à laparotomia. Sabe-se que idade de 55 anos ou mais é um fator de vulnerabilidade em pacientes do trauma 1010. Berg RJ, Okoye O, Teixeira PG, Inaba K, Demetriades D. The double jeopardy of blunt thoracoabdominal trauma. Arch Surg. 2012;147(6):498-504. 1111. Gad MA, Saber A, Farrag S, Shams ME, Ellabban GM. Incidence, patterns, and factors predicting mortality of abdominal injuries in trauma patients. N Am J Med Sci. 2012;4(3):129-34.. No entanto, não encontramos associação entre a média de idade ou idade superior a 55 anos e mortalidade nesta amostra. Acidente automobilístico, acidentes com motociclistas e atropelamentos foram os principais mecanismos de trauma, apesar de não haver relação estatística com a mortalidade. Farrath et al. apontam para uma maior frequência de lesões abdominais nas vítimas de atropelamentos, enquanto que, nas vítimas de queda da própria altura, esta incidência foi menor 44. Farrath S, Parreira JG, Perlingeiro JAG, Soldá SC, Assef JC. Fatores preditivos de lesões abdominais em vítimas de trauma fechado. Rev Col Bras Cir. 2012;39(4):295-301.. Verificamos uma associação negativa entre traumas abdominais diretos, como agressão e quedas de nível, e óbitos. São mecanismos de ação mecânica de menor energia, consequentemente com menos lesões associadas extraabdominais, proporcionando menor gravidade na visão global do paciente.

Tabela 1
Características demográficas.
Tabela 2
Indicação para laparotomia, lesões encontradas.
Tabela 3
Fatores que influenciam no prognóstico de pacientes vítimas de trauma abdominal fechado submetido à laparotomia.

No presente estudo, os pacientes que não sobreviveram tiveram uma média de internamento menor do que aquela dos pacientes que foram curados. Os doentes submetidos à laparotomia exploradora após trauma abdominal fechado falecem mais rapidamente porque são mais graves e, em sua maioria, com graves lesões associadas, o que reflete menor tempo de internamento.

Na avaliação do paciente com suspeita de trauma abdominal, o quadro clínico mais frequente é a presença de choque hemorrágico sem causa aparente, e a principal causa de morte é hemorragia e choque hipovolêmico 1212. Pereira Júnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV. Abordagem geral trauma abdominal. Medicina. 2007;40(4):518-30. 1313. Sánchez Portela CA, Delgado Fernández JC, Robaina Arias LE, Rodríguez Lorenzo S, Díaz Arteaga Y. Morbilidad y mortalidad por traumatismo abdominal (2002 a 2004). Rev Cubana Cir [periódico na Internet]. 2007 [acessado em 15 jan 2015];46(3). Disponível em: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003474932007000300007&lng=es.
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. A conduta para pacientes com instabilidade hemodinâmica e sinais óbvios de trauma abdominal é exploração cirúrgica imediata 1212. Pereira Júnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV. Abordagem geral trauma abdominal. Medicina. 2007;40(4):518-30.. Verificamos que os pacientes, vítimas de trauma abdominal contuso, que vão para laparotomia exploradora instáveis hemodinamicamente tem 2,4 vezes maior chance de óbito do que aqueles sem alterações circulatórias, sendo um fator de risco para mortalidade. Segundo Gad et al., os pacientes instáveis hemodinamicamente, com lesão abdominal ou suspeita de lesão abdominal, que necessitaram de laparotomia têm uma mortalidade acima de 56%, especialmente aqueles com pressão arterial sistólica menor que 60mmHg 1111. Gad MA, Saber A, Farrag S, Shams ME, Ellabban GM. Incidence, patterns, and factors predicting mortality of abdominal injuries in trauma patients. N Am J Med Sci. 2012;4(3):129-34.. Estes pacientes, portanto, necessitam de manejo rápido e eficiente no pré-hospitalar e no atendimento inicial, assim como maior atenção no pós-operatório, uma vez que a conduta cirúrgica agressiva em pacientes com sinais de choque deve ser mantida.

Pacientes com sinais clínicos de lesão intra-abdominal - dor e sinais de peritonite - como indicação para abordagem cirúrgica têm relação significativa com alta hospitalar. Em geral, são pacientes com lesão de víscera oca, sem sangramento importante. Jones et al. demonstraram que pacientes sem indicação imediata de laparotomia e passíveis de acompanhamento com exame físico seriado que necessitaram de intervenção, após trauma contuso, apresentaram sinais ou sintomas da lesão dentro de nove horas, e, a maioria, nos primeiros 60 minutos após a chegada à sala de emergência 1414. Jones EL, Stovall RT, Jones TS, Bensard DD, Burlew CC, Johnson JL, et al. Intra-abdominal injury following blunt trauma becomes clinically apparent within 9 hours. J Trauma Acute Care Surg. 2014;76(4):1020-3.. Podemos concluir que quando presente, alterações no exame físico no paciente são justificativas confiáveis para intervenção, assim como, sinal de melhor prognóstico ao paciente. Ausência destes sinais, porém, não exclui lesão intra-abdominal 1515. Nishijima DK, Simel DL, Wisner DH, Holmes JF. Does this adult patient have a blunt intra-abdominal injury? JAMA. 2012;307(14):1517-27..

A maioria dos óbitos, neste estudo, está relacionada às múltiplas lesões intra-abdominais, com predominância de lesão de vísceras maciças, sendo que 80% dos óbitos possuíam outra lesão intra-abdominal associada, a maioria de víscera maciça. Estes achados estão de acordo com o estudo de Hildebrand et al., que avaliou uma série de 342 traumas abdominais fechados submetidos à laparotomia, e todos os pacientes que evoluíram a óbito possuíam lesão hepática ou esplênica, mesmo que em menores graus de gravidade 1616. Hildebrand F, Winkler M, van Griensven M, Probst C, Musahl V, Krettek C, et al. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy: an analysis of 342 polytraumatized patients. Eur J Trauma. 2006;32(5):430-8.. O trauma abdominal fechado com múltiplas lesões de vísceras maciças apresenta maior mortalidade, maior necessidade de UTI, mais dias de internamento, e maior necessidade de transfusões sanguíneas, o que está de acordo com nosso estudo. A presença de qualquer lesão de víscera maciça no intraoperatório aumenta a chance de óbito em 4,4 vezes. O padrão-ouro para tratamento de lesões de vísceras maciças é conservador e, geralmente, aqueles que necessitam de intervenção cirúrgica possuem lesões mais graves, que conferem maior mortalidade.

Verificamos que lesão de víscera oca isolada é fator de bom prognóstico após trauma abdominal contuso. Mesmo que a conduta obrigatória na suspeita de lesão de víscera oca seja a intervenção cirúrgica, a ausência de outras injúrias intra-abdominais concomitantes no trauma condiz com um risco significativamente menor de mortalidade. Apesar de raras no trauma fechado, o diagnóstico e o manejo rápido de pacientes com lesões de vísceras ocas continuam sendo imperiosos, uma demora, maior que 24 horas, para intervir está associada com maior mortalidade do que naqueles com reparo imediato 1717. Swaid F, Peleg K, Alfici R, Matter I, Olsha O, Ashkenazi I, et al. Concomitant hollow viscus injuries in patients with blunt hepatic and splenic injuries: an analysis of a National Trauma Registry database. Injury. 2014;45(9):1409-12. 1818. Watts DD, Fakhry SM; EAST Multi-Institutional Hollow Viscus Injury Research Group. Incidence of hollow viscus injury in blunt trauma: an analysis from 275,557 trauma admissions from the EAST multiinstitutional trial. J Trauma. 2003;54(2):289-94. Erratum in: J Trauma. 2003;54(4):749..

Há uma diferença estatisticamente significativa entre lesão vesical isolada entre os grupos estudados nesta amostra. Nenhum paciente que faleceu possuía lesão vesical isolada. Um estudo, de 2012, sobre lesões vesicais associou que aqueles pacientes que necessitaram de reparo cirúrgico de outros órgãos abdominais além da bexiga, tinham maior risco de mortalidade, principalmente, os idosos 1919. Deibert CM, Spencer BA. The association between operative repair of bladder injury and improved survival: results from the National Trauma Data Bank. J Urol. 2012;186(1):151-5. Erratum in: J Urol. 2012;187(5):1938.. É recomendado que lesões vesicais intraperitoneais tenham reparo cirúrgico imediato e as extraperitoneais, se houver laparotomia exploradora por outras lesões abdominais. Extraperitoneais não complicadas podem ser manejadas com cateter vesical 2020. Gomez RG, Ceballos L, Coburn M, Corriere JN Jr, Dixon CM, Lobel B, et al. Consensus statement on bladder injuries. BJU Int. 2004;94(1):27-32..

As lesões extra-abdominais adicionam morbimortalidade nos traumas fechados, sendo o trauma cranioencefálico um fator classicamente relacionado como causa de mortalidade em pacientes politraumatizados com trauma abdominal fechado 2121. Mohamed AA, Mahran KM, Zaazou MM. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy in poly-traumatized patients. Saudi Med J. 2010;31(1):43-8. 2222. Wudel JH, Morris JA Jr, Yates K, Wilson A, Bass SM. Massive transfusion: outcome in blunt trauma patients. J Trauma. 1991;31(1):1-7.. As injúrias extra-abdominais e suas complicações são a principal causa de mortalidade tardia em pacientes politraumatizados submetidos à laparotomia exploradora, conforme relatado por Hildebrand et al. 1616. Hildebrand F, Winkler M, van Griensven M, Probst C, Musahl V, Krettek C, et al. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy: an analysis of 342 polytraumatized patients. Eur J Trauma. 2006;32(5):430-8.e Mohamed et al. 2121. Mohamed AA, Mahran KM, Zaazou MM. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy in poly-traumatized patients. Saudi Med J. 2010;31(1):43-8.. Nosso estudo mostrou resultado semelhante, uma vez que quase a totalidade de óbitos possuía lesões potencialmente graves associadas, com 7,3 vezes mais riscos de óbito. Os resultados do nosso estudo confirmam achados da literatura, indicando que a combinação de injúrias abdominais, torácicas, pélvicas ou cranioencefálicas estão associadas com maior risco de desfecho adverso.

O escore de trauma Injury Severity Score (ISS) maior que 35 é um fator relacionado com a mortalidade em traumas fechados com indicação cirúrgica 2323. Domínguez Fernández E, Aufmkolk M, Schmidt U, Nimtz K, Stöblen F, Obertacke U, et al. Outcome and management of blunt liver injuries in multiple trauma patients. Langenbecks Arch Surg. 1999;384(5):453-60.. Em nosso estudo, utilizamos o Trauma and Injury Severity Score (TRISS), baseado no ISS e Revisited Trauma Score (RTS). O TRISS baixo também mostrou ser um fator de risco para óbito em pacientes operados após trauma abdominal fechado no nosso estudo. Apesar de ser uma análise retrospectiva da probabilidade de sobrevivência, o índice TRISS permite avaliar a qualidade do serviço prestado pelos centros de atendimento e este estudo pode servir de base para esta avaliação nesta amostra de pacientes atendidos.

Diante da necessidade de estratégia de favorecer o rápido controle da hemorragia e da contaminação causados pelo trauma, para que o paciente possa ser adequadamente ressuscitado, realiza-se cirurgia de controle de danos (CD). O objetivo do CD, no primeiro momento, é preservar a vida do indivíduo, dando tempo para que os recursos terapêuticos intensivos possam restaurar sua fisiologia, permitindo, assim, a correção cirúrgica definitiva das lesões em um segundo momento. Stalhschmidt et al. constataram que a cirurgia de controle de danos é de fato uma medida que aumenta a taxa de sobrevida dos pacientes gravemente traumatizados, desde que esses mesmos pacientes tenham uma estabilização de seu quadro fisiológico dentro das primeiras 24 horas, caso isso não ocorra, a taxa de mortalidade permanecerá elevada 2424. Stalhschmidt CMM, Formighieri B, Lubachevski FL. Controle de danos no trauma abdominal e lesões associadas: experiência de cinco anos em um serviço de emergência. Rev Col Bras Cir. 2006;33(4):215-9.. Fatores independentes que afetam a sobrevivência desses pacientes incluem: escala de coma de Glasgow menor que oito e base excess menor que 13,9mEq/L 55. Wang SY, Liao CH, Fu CY, Kang SC, Ouyang CH, Kuo IM, et al. An outcome prediction model for exsanguinating patients with blunt abdominal trauma after damage control laparotomy: a retrospective study. BMC Surg. 2014;14:24.. Em nosso estudo, a necessidade de cirurgia de controle de danos é um fator de risco relevante para óbito após trauma abdominal fechado. São pacientes mais graves em que foi optado por uma abordagem imediata de lesões de maior risco e uma reabordagem programada quando melhora dos parâmetros fisiológicos. A mortalidade encontrada em nosso estudo foi 36%, menor do que em estudos com amostras semelhantes, entre 38,3 e 41,9% 1616. Hildebrand F, Winkler M, van Griensven M, Probst C, Musahl V, Krettek C, et al. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy: an analysis of 342 polytraumatized patients. Eur J Trauma. 2006;32(5):430-8. 2121. Mohamed AA, Mahran KM, Zaazou MM. Blunt abdominal trauma requiring laparotomy in poly-traumatized patients. Saudi Med J. 2010;31(1):43-8., porém estes estudos consideraram apenas pacientes com ISS maior que 18 e excluíram pacientes com laparotomias negativas. Nosso estudo buscou os fatores de risco e de bom prognóstico para paciente vítima de trauma abdominal fechado submetido à laparotomia exploradora. Apesar de termos uma quantidade considerável de pacientes, ainda foi pequena para determinarmos com precisão todos os fatores.

Como conclusão, os grupos curados e óbitos não apresentaram diferença estatística quanto à epidemiologia e mecanismo de trauma. A partir deste estudo, podemos afirmar que fatores de risco para óbito para vítimas de trauma abdominal fechado que necessitam de laparotomia exploradora são: instabilidade hemodinâmica como indicação para laparotomia, presença de lesão de víscera maciça, múltiplas lesões intra-abdominais, necessidade de cirurgia de controle de danos, lesões graves associadas, como trauma cranioencefálico, trauma grave de tórax, fraturas pélvicas ou de fêmur, e índice de trauma baixo. Dentre os fatores de bom prognóstico notamos uma tendência a fatores, como trauma abdominal direto, dor ou peritonite como indicação cirúrgica e o achado de lesão de víscera oca isolada no intraoperatório (bexiga ou intestino delgado).

REFERÊNCES

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2015
  • Aceito
    20 Mar 2015
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