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Ressecção de metastáses hepáticas em dois estágios e reconstrução da veia cava suprarrenal

Two-stage hepatectomy for hepatic metastasis and supra renal vena cava reconstruction

Resumos

A hepatectomia em duas etapas utiliza a capacidade de regeneração do fígado, após uma primeira hepatectomia não curativa, para permitir uma segunda ressecção. Neste artigo relatamos os aspectos técnicos do manejo de uma doente de 37 anos de idade, com metástases colorretais sincrônicas, onde uma única hepatectomia não era suficiente para remover todas as lesões, mesmo em combinação com quimioterapia, embolização portal ou radiofrequência. Porém as metástases poderiam ser removidas por duas ressecções sequenciais.

Fígado; Neoplasia hepática; Metástase neoplásica; Hepatectomia; Veias cavas


Two-stage hepatectomy uses compensatory liver regeneration after a first noncurative hepatectomy to enable a second curative resection. Herein we report the tecnical aspects of the management of a thirty-seven years-old woman with colorectal metastasis to the liver eligible because single resection could not achieve complete treatment, even in combination with chemotherapy, portal embolization, or radiofrequency, but tumors could be totally removed by two sequential resections.

Liver; Liver neoplasm; Neoplasm metastasis; Hepatectomy; Venae cavae


NOTA TÉCNICA

Ressecção de metastáses hepáticas em dois estágios e reconstrução da veia cava suprarrenal

Two-stage hepatectomy for hepatic metastasis and supra renal vena cava reconstruction

João Eduardo Nicoluzzi,TCBC-PR

Professor Adjunto de Cirurgia PUC-PR

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: João Eduardo Nicoluzzi E-mail: jenicoluzz@yahoo.com

RESUMO

A hepatectomia em duas etapas utiliza a capacidade de regeneração do fígado, após uma primeira hepatectomia não curativa, para permitir uma segunda ressecção. Neste artigo relatamos os aspectos técnicos do manejo de uma doente de 37 anos de idade, com metástases colorretais sincrônicas, onde uma única hepatectomia não era suficiente para remover todas as lesões, mesmo em combinação com quimioterapia, embolização portal ou radiofrequência. Porém as metástases poderiam ser removidas por duas ressecções sequenciais.

Descritores: Fígado. Neoplasia hepática. Metástase neoplásica. Hepatectomia. Veias cavas.

ABSTRACT

Two-stage hepatectomy uses compensatory liver regeneration after a first noncurative hepatectomy to enable a second curative resection. Herein we report the tecnical aspects of the management of a thirty-seven years-old woman with colorectal metastasis to the liver eligible because single resection could not achieve complete treatment, even in combination with chemotherapy, portal embolization, or radiofrequency, but tumors could be totally removed by two sequential resections.

Key words: Liver. Liver neoplasm. Neoplasm metastasis. Hepatectomy. Venae cavae.

INTRODUÇÃO

A ressecção hepática é o único tratamento potencialmente curativo para metástases hepáticas. Tumores hepáticos não tratados são fatais, com sobrevida normalmente de poucos meses1. Mesmo com os melhores esquemas, a resposta tumoral à quimioterapia é limitada, raramente completa, sendo relatada sobrevida curta para os tumores hepáticos mais comuns. Diferentes esforços têm sido feitos, portanto, para atingir a ressecabilidade dos tumores de fígado. Entre estes esforços incluem-se a quimioterapia neoadjuvante para redução de massa tumoral2, hepatectomia em duas etapas3, re-hepatectomia4, embolização portal para hipertrofia do fígado remanescente5 e terapias ablativas locais.

A ressecção hepática em duas etapas para metástases hepáticas bilaterais, ainda é um método pouco difundido no ambiente cirúrgico. Da mesma forma tumores invadindo a veia cava, ou em íntimo contato com a mesma, até pouco tempo eram contraindicações à hepatectomia. Graças a adventos como a exclusão vascular do fígado, assim como, materiais protéticos para substituição do vaso, ampliaram-se as possibilidades operatórias.

A escassez de relatos, na literatura nacional, sobre a hepatectomia em dois tempos nos estimulou a elaboração destes comentários técnicos sobre o tratamento cirúrgico desta doença.

QUADRO CLÍNICO

Paciente IMQ, 37 anos de idade, feminina, descobrira há seis meses, 23 metástases bilaterais (Figura 1) sincrônicas a tumor da transição colorretal. Manejada em outro Serviço com quimioterapia sistêmica exclusiva, esquema mFOLFOX6, considerada inoperável e paliativa. Reavaliada, então, em nosso Serviço, observou-se diminuição dos tumores hepáticos à quimioterapia nos exames de acompanhamento. Quanto à intenção de associação de droga biológica ao esquema quimioterápico, paciente K-ras mutado, decidiu-se, então, mantê-la em esquema de FOLFOX isolado, sem outras associações. Em exame de estadiamento por PET-CT ausência de outras lesões fora do fígado. Na volumetria hepática por tomografia abdominal, segmentos II e III de pequeno volume correspondendo junto com o IV a somente 11% do total do fígado, e, ainda assim, contendo doença tumoral.


TRATAMENTO: ASPECTOS TÉCNICOS

Decidiu-se primeiro por remover as lesões dos segmentos II-III e IV que fossem possíveis por enucleação, associado à ressecção curativa do tumor colorretal, para, em segundo tempo, aumentar artificialmente o tamanho destes segmentos com embolização contralateral do ramo portal direito. Feita, então, no primeiro tempo, a ressecção do cancer colorretal com 18 linfonodos dissecados, classificado como Astler-Coller C2 e todas as lesões hepáticas do figado esquerdo removidas por enucleação. Após alta no sétimo dia de pós-operatorio (PO), foi feita a embolização portal direita percutânea (Figura 2) e mantida em quimioterapia esquema FOLFOX até atingir hipertrofia necessária.


Quatro meses para fígado esquerdo atingir o tamanho necessário, 40% do total, foi feito novo exame de PET-CT sem evolução fora do figado. Feita hepatectomia direita com exclusão total do fígado e ressecção de parte da cava retro-hepática por mais ou menos 6cm, pela mesma estar intimamente aderida à face posterior do segmento V-VI. Pós-operatório de oito dias com drenagem percutânea de abscesso intra-abdominal no 28º PO.

A paciente ficou livre de quimioterapia por dois anos, em esquema atual quimioterápico com FOLFIRI e Bevacizumab por apresentar nova recidiva óssea limitada, assim como, em gânglio interaórtico-caval.

No nosso país ainda são pouco difundidas opções terapêuticas, como a hepatectomia em duas etapas, sendo que a maior parte destes pacientes ainda são tratados como irressecáveis e paliativos. Seguramente com os novos recursos terapêuticos, tais como as novas drogas quimioterápicas em esquemas de quimioterapia perioperatória, embolização portal e mesmo técnicas de transplante aplicadas à cirurgia oncológica hepatobiliar, fica claro que um paciente só deve ser considerado como irressecável, após avaliação repetida por um grupo multidisciplinar composto, pelo menos, por oncologista clínico e cirurgião hepatobiliar.

Seguramente estes recursos modificaram as indicações de hepatectomia, não se restringindo mais ao número de mestástases, nem ao tamanho destas. O benefício ficou claro após a publicação do grupo do Hospital Paul Brousse(Paris)3, demonstrando série de doentes, inicialmente irressecáveis, submetidos à hepatectomia em dois tempos, tiveram sobrevida em cinco anos comparável a pacientes que, já de início, foram considerados ressecáveis.

Recebido em 08/10/2011

Aceito para publicação em 08/12/2011

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: nenhuma

Trabalho realizado no Serviço de Transplante Hepático e Cirurgia Oncológica Abdominal da Santa Casa de Curitiba - Paraná. PUC-PR-BR.

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  • Endereço para correspondência:
    João Eduardo Nicoluzzi
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2011
    • Aceito
      08 Dez 2011
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