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Cirurgia torácica robótica para doença pulmonar inflamatória e infecciosa: experiência inicial no Brasil

RESUMO

Objetivo:

na América Latina, especialmente no Brasil, a adoção da plataforma robótica para cirurgia torácica está aumentando gradativamente nos últimos anos. No entanto, apesar da tuberculose e doenças pulmonares inflamatórias serem endêmicas em nosso país, faltam estudos que descrevam os resultados do tratamento cirúrgico robótico das bronquiectasias. Este estudo tem como objetivo avaliar os resultados cirúrgicos da cirurgia robótica para doenças inflamatórias e infecciosas, determinando a extensão da ressecção, complicações pós-operatórias, tempo operatório e tempo de internação hospitalar.

Métodos:

estudo retrospectivo a partir de um banco de dados envolvendo pacientes com diagnóstico de bronquiectasia e submetidos à cirurgia torácica robótica em três hospitais brasileiros entre janeiro de 2017 e janeiro de 2020.

Resultados:

foram incluídos 7 pacientes. A média de idade foi 47 + 18,3 anos (variação, 18-70 anos). A maioria dos pacientes apresentou bronquiectasia não fibrose cística (n=5), seguida de bronquiectasia tuberculosa (n=1) e abscesso pulmonar (n=1). As cirurgias realizadas foram lobectomia (n=3), segmentectomia anatômica (n=3) e bilobectomia (n=1). O tempo médio do console foi de 147 minutos (variação de 61-288 min.) e não houve necessidade de conversão para toracotomia. Complicação pós-operatória ocorreu em um paciente, tratando-se de obstipação com necessidade de lavagem intestinal. A mediana do tempo de drenagem torácica e internação hospitalar, em dias, foi de 1 (variação, 1-6 dias) e 5 (variação, 2-14 dias), respectivamente.

Conclusões:

a cirurgia torácica robótica para doenças inflamatórias e infecciosas é um procedimento viável e seguro, com baixo risco de complicações e morbidade.

Palavras chave:
Doença Pulmonar Infecciosa; Bronquiectasia; Cirurgia Robótica; Cirurgia Torácica

ABSTRACT

Objective:

in Latin America, especially Brazil, the use of a robotic platform for thoracic surgery is gradually increasing in recent years. However, despite tuberculosis and inflammatory pulmonary diseases are endemic in our country, there is a lack of studies describing the results of robotic surgical treatment of bronchiectasis. This study aims to evaluate the surgical outcomes of robotic surgery for inflammatory and infective diseases by determining the extent of resection, postoperative complications, operative time, and length of hospital stay.

Methods:

retrospective study from a database involving patients diagnosed with bronchiectasis and undergoing robotic thoracic surgery at three hospitals in Brazil between January of 2017 and January of 2020.

Results:

a total of 7 patients were included. The mean age was 47 + 18.3 years (range, 18-70 years). Most patients had non-cystic fibrosis bronchiectasis (n=5), followed by tuberculosis bronchiectasis (n=1) and lung abscess (n=1). The performed surgeries were lobectomy (n=3), anatomic segmentectomy (n=3), and bilobectomy (n=1). The median console time was 147 minutes (range 61-288 min.) and there was no need for conversion to open thoracotomy. There were no major complications. Postoperative complications occurred in one patient and it was a case of constipation with the need for an intestinal lavage. The median for chest tube time and hospital stay, in days, was 1 (range, 1-6 days) and 5 (range, 2-14 days) respectively.

Conclusions:

robotic thoracic surgery for inflammatory and infective diseases is a feasible and safe procedure, with a low risk of complications and morbidity.

Keywords:
Infectious Lung Disease; Bronchiectasis; Robotic Surgery; Thoracic surgery

INTRODUÇÃO

Apesar do avanço e propagação da videotoracoscopia (VATS) a partir da década de 90, do século passado11 Terra RM, Waisberg DR, Almeida LJ, Devido MS, Jatene FB. Does videothoracoscopy improve clinical outcomes when implemented as part of a pleural empyema treatment algorithm ? Clinics. 2012;67(6):557-63., o tratamento cirúrgico das doenças inflamatórias e infecciosas do pulmão ainda está fortemente associado à toracotomia clássica. Doenças como tuberculose, aspergiloma e bronquiectasia destroem o parênquima pulmonar promovendo formação de intensas aderências pleuropulmonares, congelamento do hilo pulmonar e calcificação dos linfonodos mediastinais22 Khan AZ, Khanna S, Agarwal N, Ali K. Robotic thoracic surgery in inflammatory and infective diseases. Ann Cardiothorac Surg 2019;8(2):241-9. doi: 10.21037/acs.2019.02.05
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, tornando a adoção de métodos minimamente invasivos um grande desafio ao cirurgião e limitando o uso nesses casos22 Khan AZ, Khanna S, Agarwal N, Ali K. Robotic thoracic surgery in inflammatory and infective diseases. Ann Cardiothorac Surg 2019;8(2):241-9. doi: 10.21037/acs.2019.02.05
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,33 Yen YT, Wu MH, Lai WW, Chang JM, Hsu IL, Chen YY, et al. The role of video-assisted thoracoscopic surgery in therapeutic lung resection for pulmonary tuberculosis. Ann Thorac Surg. 2013;95(1):257-63..

Apesar das dificuldades técnicas, como a visão 2D, instrumentos não articulados44 Solaini L, Prusciano F, Bagioni P, Di Francesco F, Solaini L, Poddie DB. Video-assisted thoracic surgery (VATS) of the lung: Analysis of intraoperative and postoperative complications over 15 years and review of the literature. Surg Endosc Other Interv Tech [Internet]. 2008 [cited 2019 Aug 6];22(2):298-310., a videotoracoscopia é empregada em alguns centros no tratamento cirúrgico das doenças infecciosas do pulmão, com baixa morbidade perioperatória agregada às vantagens da técnica minimamente invasiva55 Zhang P, Zhang F, Jiang S, Jiang G, Zhou X, Ding J, et al. Videoassisted thoracic surgery for bronchiectasis. Ann Thorac Surg. 2011;91(1):239-43.,66 Mitchell JD, Yu JA, Bishop A, Weyant MJ, Pomerantz M. Thoracoscopic lobectomy and segmentectomy for infectious lung disease. Ann Thorac Surg. 2012;93(4):1033-9, discussion 1039-40..

Mais recentemente, a cirurgia robótica surgiu como alternativa à VATS, proporcionando ao cirurgião visão 3D, movimentos mais amplos e precisos dentro da cavidade torácica77 Ashton RC, Connery CP, Swistel DG, DeRose JJ. Robot-assisted lobectomy. J Thorac Cardiovasc Surg [Internet]. 2003 Jul 1 [cited 2019 Aug 6];126(1):292-3.. Diante de tais vantagens técnicas, acreditamos que a plataforma robótica seria de suma importância para o auxílio e a expansão da adoção aos métodos minimamente invasivos no tratamento cirúrgico das doenças inflamatórias e/ou infecciosas do pulmão. A primeira lobectomia robo-assistida para essa indicação foi realizada em 2013 em São Petesbrugo, Rússia por Yablonskii et al.88 Yablonskii P, Kudriashov G, Nuraliev S, Vasilev I, Avetisyan A, Kozak A, et al. Perioperative outcomes of RATS pulmonary lobectomy for lung cancer and tuberculosis in a learning curve setting. Eur Respirat J. 2015;46:PA2506. doi: 10.1183/13993003.
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. Desde então, poucos estudos foram publicados sobre os aspectos técnicos e resultados perioperatórios da ressecção pulmonar em bronquiectasia22 Khan AZ, Khanna S, Agarwal N, Ali K. Robotic thoracic surgery in inflammatory and infective diseases. Ann Cardiothorac Surg 2019;8(2):241-9. doi: 10.21037/acs.2019.02.05
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,99 Terra RM, Araujo PH, Lauricella LL, Campos JR, Costa HF, Pego-Fernandes PM. Robotic pulmonary lobectomy for lung cancer treatment: program implementation and initial experience. J Bras Pneumol. 2016;42(3):185-90. https://doi.org/10.1590/S1806-37562015000000212
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.

No Brasil, o uso da plataforma robótica para cirurgia torácica já é realidade, estando sedimentada em vários centros. No entanto, apesar da tuberculose e outras doenças infecciosas e inflamatórias pulmonares serem endêmicas no país, não há estudos nacionais descrevendo os resultados do tratamento cirúrgico robô-assistido para essas enfermidades. O objetivo deste estudo é abordar aspectos técnicos do procedimento e avaliar o resultado pós-operatório da cirurgia robótica no tratamento das doenças infecciosas e inflamatórias do pulmão analisando extensão da ressecção, complicações pós-operatórias, tempo cirúrgico e de internação hospitalar.

MÉTODO

Trata-se de estudo retrospectivo que envolveu pacientes com diagnóstico de doença pulmonar inflamatória e/ou infecciosa associada a bronquiectasia, submetidos a ressecção pulmonar utilizando-se a plataforma robótica.

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional com o seguinte número de referência: NP 1445/18.

Todos os procedimentos foram realizados pelo mesmo grupo de cirurgiões em três hospitais do Brasil: Hospital São Luiz Itaim (SP), Hospital Sírio-Libanês (SP) e Hospital Copa Star (RJ). A plataforma robótica utilizada foi a da Vinci® Intuitive Surgical System (Intuitive Surgical Inc., Sunnyvale, CA, EUA).

As operações foram realizadas no período entre fevereiro de 2017 e setembro de 2019. Os dados foram levantados a partir de banco de dados exclusivo da cirurgia robótica e atualizados regularmente por nossa equipe. Foram incluídos todos os pacientes submetidos a ressecção pulmonar por doença inflamatória e/ou infecciosa associada a bronquiectasia, desde o início da experiência do grupo em 2015.

Os critérios de elegibilidade para ressecção pulmonar foram: pacientes com doença localizada que a despeito do tratamento clínico mantinham sinais como infecção pulmonar de repetição e/ou hemoptise.

A avaliação pré-operatória consistiu em tomografia computadorizada (TC) do tórax, broncoscopia com coleta de lavado broncoalveolar, avaliação cardiológica, prova de função pulmonar completa e exames laboratoriais. A Figura 1 mostra tomografia de paciente com bronquiectasia.

Figura 1
Paciente feminina, 70 anos, com diagnóstico de bronquiectasia associada a Mycobacterium abscessus. Em A e B observa-se corte axial da TC de Tórax com espessamento das paredes brônquicas especialmente no lobo superior direito e médio associado a focos de consolidação e opacidades focais irregulares.

O procedimento cirúrgico foi padronizado em todos os casos. Todas as operações foram realizadas com intubação seletiva confirmada por broncoscopia. Não utilizamos cateter epidural de rotina, a analgesia foi realizada de forma preemptiva, ou seja, anestesia local antes da primeira incisão e após a introdução da câmera, realizou-se bloqueio do 4º ao 11º espaço intercostal sob visão direta.

A operação é realizada de forma sistematizada no intuito de minimizar a manipulação pulmonar, como já descrito por Terra et al.99 Terra RM, Araujo PH, Lauricella LL, Campos JR, Costa HF, Pego-Fernandes PM. Robotic pulmonary lobectomy for lung cancer treatment: program implementation and initial experience. J Bras Pneumol. 2016;42(3):185-90. https://doi.org/10.1590/S1806-37562015000000212
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. Um detalhe técnico é que em casos que foi encontrada aderência pleuropulmonar difusa durante a inspeção da cavidade pleural após introdução óptica, foi optado por realizar-se a liberação pulmonar por videotoracoscopia, antes do docking da plataforma robótica, o suficiente até que os locais de punção dos trocarteres para os braços robóticos estivessem livres de aderências. A Figura 2 mostra imagem intraoperatória de ressecção pulmonar por bronquiectasia.

Figura 2
Imagem do intraoperatório de bilobectomia superior direita por bronquiectasia secundária a Mycobacterium abscessus. Em A observamos a presença de aderências pleuropulmonares com a parede torácica e mediastino. Em B, nota-se a presença de linfonodo inflamatório aderido a artéria pulmonar basilar.

Neste estudo foram avaliadas as variáveis relacionadas à técnica cirúrgica (tempo de procedimento cirúrgico e extensão da ressecção), desfechos perioperatórios (tempo de permanência na UTI, internação hospitalar e drenagem pleural, além da presença de complicações pós-operatórias).

O tempo cirúrgico total foi medido pelo intervalo de tempo entre a incisão na pele até o fechamento, incluindo-se os tempos cirúrgicos; incisão e confecção de portais cirúrgicos; docking do robô; tempo de console; e tempo de fechamento da parede torácica. Os tempos de dreno, de internação em UTI e de permanência hospitalar foram mensurados em dias a partir do dia (D) da operação, sendo o dia da operação denominado D0 e os subsequentes como D1, D2 e assim por diante. O dia da alta hospitalar foi considerado aquele em que o paciente deixou o hospital, independentemente do horário da alta.

Análise estatística

As variáveis contínuas são representadas em média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartil (IIQ). As variáveis categóricas estão expressas em números absolutos e proporções. O erro tipo I foi definido como 5%.

RESULTADOS

No período do estudo foram incluídos 7 pacientes, sendo 5 mulheres, com idade média de 47,0 + 18,3 anos (variação, 18-70 anos). Apenas 2 pacientes tinham comorbidades, um caso de cardiopatia isquêmica e outro com passado de neoplasia de mama. A maioria dos pacientes apresentava bronquiectasia não fibrose cística (n=5), seguido de um caso de sequela de tuberculose e um caso de bronquiectasia associada a Mycobacterium abscessus.

Todos os procedimentos foram ressecções pulmonares anatômicas: lobectomia pulmonar (n=3), segmentectomia (n=3) e bilobectomia (n=1). O tempo cirúrgico total médio foi de 212 minutos variando de 100 a 375 minutos e o tempo médio de console foi de 147 minutos; no entanto variou de 61 minutos até 288 minutos. Não houve nenhuma conversão para toracotomia ou complicação intraoperatória. O sangramento trans operatório foi estimado em menor que 100mL para todos os casos. Este valor foi obtido a partir do computado no aspirador e na contagem de gazes, todavia como as gazes não foram pesadas, somente contadas, torna essa afirmação mais subjetiva.

Apenas 2 pacientes foram encaminhados à unidade de terapia intensiva após a operação, um deles devido a idade avançada e presença de comorbidades e o outro pelo protocolo do hospital. A mediana de tempo de estadia na UTI foi de 0 dias, variando de 0 a 5 dias. A mediana do tempo de drenagem torácica, foi de 1 dia, variando de 1 a 6 dias, já a mediana do tempo de internação hospitalar foi de 5 dias com variação entre 2 e 14 dias. Não houve complicações maiores. A única complicação pós-operatória foi um caso de obstipação que necessitou de lavagem intestinal. A Tabela 1 contempla o resumo do perfil clínico e resultado pós-operatório dos pacientes.

Tabela 1
Perfil clínico e desfecho pós-operatório.

DISCUSSÃO

Historicamente a abordagem clássica para o tratamento cirúrgico da doença pulmonar inflamatória é a toracotomia, sendo consenso entre os cirurgiões torácicos que esta operação é tecnicamente difícil e desafiadora, principalmente pela presença de aderências pleuropulmonares.

O descolamento pulmonar e lise das aderências são fontes de sangramento na parede torácica, por isso, a hemostasia nesses casos torna-se ainda mais importante. O sangramento da parede torácica pode dificultar a visualização do campo cirúrgico, além de ocasionar perda sanguínea considerável no intraoperatório ou até mesmo determinar reabordagem cirúrgica para o tratamento de hemotórax retido.

A dissecção do hilo pulmonar também pode ser um passo crítico da operação. Devido ao intenso processo inflamatório, os linfonodos tornam-se mais friáveis, e em casos crônicos calcificados e aderidos a estruturas do hilo pulmonar. Além disso, a fibrose dos tecidos vizinhos e que recobrem o hilo pulmonar dificulta a dissecção dos vasos pulmonares e brônquio, aumentando o risco de complicação intraoperatória mais grave.

Diante disso, acreditamos que a plataforma robótica possa fornecer vantagens técnicas nesses casos. A imagem 3D do sistema robótico proporciona melhor visualização das estruturas intratorácicas e fornece a noção de profundidade, possibilitando a lise de aderências sob visão direta, com maior precisão, resultando em menor perda sanguínea. A maior amplitude de movimentos da pinça robótica é bastante útil na lise das aderências no estreito torácico superior, região nobre do tórax, já que contém os vasos subclávios e o plexo braquial. Além disso, permite a dissecção do hilo pulmonar com maior qualidade e segurança em relação à VATS.

Na nossa série utilizamos a plataforma Si devido à maior disponibilidade da mesma nos hospitais. Nesse caso, realizamos a confecção de 04 portais (2 para os braços robóticos, 01 para câmera e 01 para o auxiliar) como descrito por Terra et al.99 Terra RM, Araujo PH, Lauricella LL, Campos JR, Costa HF, Pego-Fernandes PM. Robotic pulmonary lobectomy for lung cancer treatment: program implementation and initial experience. J Bras Pneumol. 2016;42(3):185-90. https://doi.org/10.1590/S1806-37562015000000212
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. Nosso posicionamento dos portais e docking são semelhantes ao proposto por Yablonskii et al.1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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. A diferença é o local da confecção do portal do auxiliar, em que a nossa equipe posiciona este portal no 10º espaço intercostal anteriormente, triangulando com o braço da câmera e o braço robótico da porção anterior. No entanto, Yablonskii et al. advogam que para a lobectomia superior, o portal do auxiliar deve ser posicionado mais posteriormente, pois facilitaria a passagem do grampeador para a ligadura da veia pulmonar1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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. Na nossa experiência esse detalhe não foi fator relevante ou que tenha causado dificuldade técnica para a equipe durante os procedimentos operatórios.

Vale ressaltar que quando disponível, o sistema Xi foi utilizado. Consideramos vantagem da plataforma Xi, a possibilidade de usar quatro braços robóticos com menor incidência de colisões, proporcionando maior independência ao cirurgião do console e menor variabilidade da técnica cirúrgica.

Um dos principais fatores técnicos limitantes para a adoção da plataforma robótica em operações para doença pulmonar infecciosa é a presença de ampla e firme aderência pleuropulmonar, o que pode dificultar ou até mesmo impedir a colocação dos portais dos braços robóticos e, consequentemente, o docking do robô. No entanto, existem estratégias alternativas para solucionar este problema.

Inicialmente após a identificação de ampla aderência pleuropulmonar, o primeiro passo é realizar o descolamento pulmonar, apenas o necessário para facilitar o docking do robô. Para isso, o cirurgião assistente pode realizar a lise das aderências por um portal auxiliar utilizando manobras de videotoracoscopia. Essa técnica é utilizada principalmente para a liberação das aderências na porção diafragmática, devido à limitação da movimentação dos braços robóticos próximo a essa região.

Yablonskii et al.1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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descreveram estratégia interessante para a liberação pulmonar nos casos em que haja firmes aderências no diafragma, nomeada de “procedimento re-docking”. Esse consiste em mudar o alvo do sistema da plataforma robótica, que ao invés de ser o ápice da cavidade pleural, passaria a ser a porção diafragmática. Para isso, a plataforma seria reposicionada perfazendo ângulo de 175-185º com a cabeça do paciente. O portal da câmera e do assistente permanecem nas posições originais, e as pinças robóticas da esquerda e direita são trocadas de lado. O grupo russo advoga que a liberação das aderências acima do diafragma é facilitada dessa forma. Ao final desse passo, a plataforma é recolocada na posição original1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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.

Em relação às aderências no ápice da cavidade pleural, essas são mais facilmente abordadas com o uso da plataforma robótica, principalmente devido à magnificação e imagem em 3D, além da grande amplitude de movimentos das pinças. No entanto, interessante sugestão técnica é que não devem ser liberadas inicialmente porque estas aderências localizadas no estreito torácico superior permitem boa retração do pulmão, facilitando a dissecção do hilo pulmonar. Além disso, as aderências nesses casos, costumam ser ricas em neovascularização e a dissecção na fase inicial da operação pode levar a sangramento e dificultar a visualização das estruturas a serem dissecadas1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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.

Nosso grupo padronizou os passos cirúrgicos seguintes para completar a ressecção. Iniciamos o procedimento com a liberação do ligamento pulmonar, seguida da abordagem posterior do hilo com a abertura de toda pleura mediastinal e dissecção linfonodal. Consideramos este, um passo crítico, pois promovendo dissecção posterior de boa qualidade, facilitam-se os passos seguintes, como o grampeamento da fissura pulmonar99 Terra RM, Araujo PH, Lauricella LL, Campos JR, Costa HF, Pego-Fernandes PM. Robotic pulmonary lobectomy for lung cancer treatment: program implementation and initial experience. J Bras Pneumol. 2016;42(3):185-90. https://doi.org/10.1590/S1806-37562015000000212
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. Outro ponto importante é que a doença inflamatória e/ou infecciosa está associada a distorção anatômica. Nesses casos, os linfonodos funcionam como bom parâmetro anatômico e orientam a dissecção para que seja realizada de forma segura e eficiente.

Yablonskii et al.1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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advogam que é preferível iniciar a operação pela a abordagem anterior do hilo pulmonar, pois dessa forma é mais conveniente para diferenciar anormalidades anatômicas vasculares.

Na nossa série de sete casos, não tivemos nenhuma complicação intraoperatória ou conversão para toracotomia, isso se deve ao pequeno número de pacientes, mas também pela padronização da técnica e a experiência acumulada do grupo, iniciada em 2015. Atualmente, a equipe já realizou mais de 500 procedimentos robóticos. Na maior série publicada, com 53 casos, o grupo russo apresentou 2 (4%) casos de conversões para toracotomia, tendo como causas a intensa presença de aderências no hilo pulmonar e uma lesão da artéria pulmonar durante a dissecção da fissura1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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A indicação da conversão para toracotomia é de extrema importância e não deve ser postergada ao estar diante de grande dificuldade técnica. Defendemos que nos casos em que o cirurgião já não se sinta à vontade e consciente de que não está realizando dissecção segura, o procedimento deva ser convertido. A conversão não é nenhum demérito, e a segurança do paciente deve sempre estar em primeiro lugar.

Nosso tempo cirúrgico total médio foi de 212 minutos variando de 100 a 375 minutos. Essa variação pode ser explicada pela heterogeneidade dos casos, em que alguns foram mais complexos pela grande quantidade de aderências e inflamação. Ao analisarmos apenas o tempo médio de console há diminuição para 147 minutos variando de 61 a 288 minutos. Isso se deve a dois fatores, um é que em alguns casos foi necessário realizar a lise de aderências e liberação pulmonar por videotoracoscopia antes do docking do robô propriamente dito, o que retardou o início do uso do console. O outro, é o tempo gasto para a hemostasia ao término da operação, passo ainda mais importante nesses casos de grande descolamento pleural.

Yablonskii, cirurgião com maior experiência em ressecções pulmonares robóticas por tuberculose (53 casos), tem tempo médio cirúrgico total e de console de 175 e 109 minutos respectivamente1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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. Interessante é que no início de sua experiência, nos primeiros 31 casos, o tempo médio cirúrgico total e de console foi de 204 e 137 minutos respectivamente88 Yablonskii P, Kudriashov G, Nuraliev S, Vasilev I, Avetisyan A, Kozak A, et al. Perioperative outcomes of RATS pulmonary lobectomy for lung cancer and tuberculosis in a learning curve setting. Eur Respirat J. 2015;46:PA2506. doi: 10.1183/13993003.
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. Essa duração cirúrgica foi próxima à nossa, o que denota a importância da curva de aprendizado da ressecção pulmonar robótica relacionada à doença inflamatória e infecciosa.

Em nossa série, tivemos bons resultados operatórios e sem complicações maiores. A nossa única complicação foi um caso de obstipação no pós-operatório, resolvido com lavagem intestinal. Nosso tempo mediano de drenagem torácica e internação hospitalar foi de um e cinco dias respectivamente, números bem aceitáveis em se tratando desse perfil de pacientes. Nenhum paciente necessitou de reabordagem cirúrgica ou houve reinternação hospitalar nos primeiros 90 dias após a alta.

Na literatura encontramos tempo médio de drenagem de 3 ± 1 dias e incidência de 11% de complicações maiores como escape aéreo prolongado, derrame pleural com necessidade de punção e exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica1010 Yablonskii P, Kudriashov G, Vasilev I, Avetisyan A, Sokolova O. Robot-assisted surgery in complex treatment of the pulmonary tuberculosis. J Vis Surg. 2017;3:18. doi: 10.21037/jovs.2016.12.09.
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A cirurgia torácica robótica já é realidade no Brasil, em curto espaço de tempo despertou o interesse de muitos cirurgiões e apresentou rápida propagação, principalmente na rede privada. No entanto, custos relacionados com a compra e manutenção do robô, além da aquisição de insumos como pinças e materiais descartáveis, limitam a implantação de programa de cirurgia robótica na rede pública, onde há o maior volume de pacientes com doenças infeciosas e inflamatórias do pulmão. Apenas um hospital público, de nosso conhecimento, possui a plataforma robótica. No entanto, esse é centro de referência em oncologia, o que, pode justificar a nossa casuística com sete pacientes no período estudado.

A cirurgia robótica é alternativa interessante no tratamento cirúrgico das doenças infecciosas do pulmão. A plataforma oferece ao cirurgião arsenal de vantagens para a realização de procedimentos mais seguros e de melhor qualidade. Apesar da pequena amostra, demonstramos que a cirurgia torácica robótica em doenças infeciosas e/ou inflamatórias é factível, segura e com baixo risco de complicações e morbidade.

As limitações desse trabalho são o caráter retrospectivo e a ausência de cálculo amostral, configurando-se como estudo de viabilidade técnica e descrição da experiência de grupo nacional com método ainda pouco explorado na literatura para esses casos de doenças pulmonares infecciosas/inflamatórias.

REFERENCES

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  • 3
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  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2020
  • Aceito
    08 Mar 2021
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