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Segurança e tolerabilidade da oxicodona de liberação controlada em dores pós-operatórias em pacientes submetidos à operações oncológicas de cabeça e pescoço

Resumos

Objetivo:

avaliar a segurança e a tolerabilidade da oxicodona de liberação controlada no tratamento da dor pós-operatória de ressecções oncológicas de cabeça e pescoço.

Métodos:

estudo prospectivo, observacional e aberto. Foram estudados 83 pacientes com dor de moderada a intensa após operações oncológicas de cabeça e pescoço. Todos receberam anestesia geral com propofol, fentanil e sevoflurano. No pós-operatório, quando apresentaram dor moderada ou intensa, foi iniciada oxicodona de liberação controlada, 20mg de 12/12 horas no primeiro dia e 10mg de 12/12 horas no segundo dia. A frequência e a intensidade de efeitos adversos, a intensidade da dor pós-operatória pela escala verbal numérica e o uso de medicação analgésica de resgate foram avaliadas de 12/12 horas após a administração do medicamento e entre 7 e 13 dias após a última dose de oxicodona.

Resultados:

os efeitos adversos mais frequentes foram: náusea, vômito, tontura, prurido,insônia, constipação e retenção urinária, sendo a maioria, de leve intensidade. Não ocorreram eventos adversos graves. Em menos de 12 horas após o emprego da oxicodona, ocorreu diminuição significativa da intensidade da dor pós-operatória, que permaneceu até o final do estudo. A medicação de resgate foi solicitada em uma frequência maior quando a dose do opioide foi reduzida,ou após sua suspensão.

Conclusão:

aoxicodona de liberação controlada demonstrou ser segura e bem tolerada e promoveu diminuição significativa da dor pós-operatória.

Procedimentos cirúrgicos operatórios; Dor pós-operatória; Analgesia; Oxicodona; Ensaio clínico


Objective:

To evaluate the safety and tolerability of controlled-release oxycodone in the treatment of postoperative pain of head and neck oncologic resections.

Methods:

We conducted a prospective, observational and open study, with 83 patients with moderate to severe pain after head and neck oncological operations. All patients received general anesthesia with propofol, fentanyl and sevoflurane. Postoperatively, should they have moderate or severe pain, we began controlled-release oxycodone 20 mg 12/12 b.i.d on the first day and 10 mg b.i.d. on the second. We assessed the frequency and intensity of adverse effects, the intensity of postoperative pain by a verbal numeric scale and the use of rescue analgesia from 12 hours after administration of the drug and between 7 and 13 days after the last oxycodone dose.

Results:

The most common adverse events were nausea, vomiting, dizziness, pruritus, insomnia, constipation and urinary retention, most mild. No serious adverse events occurred. In less than 12 hours after the use of oxycodone, there was a significant decrease in the intensity of postoperative pain, which remained until the end of the study. The rescue medication was requested at a higher frequency when the opioid dose was reduced, or after its suspension.

Conclusion:

Controlled release oxycodone showed to be safe and well tolerated and caused a significant decrease in post-operative pain.

Surgical procedures, operative; Pain, postoperative; Analgesia; Oxycodone; Clinical trial


INTRODUÇÃO

O câncer é um evidente problema de saúde pública mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no ano de 2030 podese esperar 27 milhões de casos incidentes de câncer e 17 milhões de mortes por câncer. No Brasil, estimou-se que ocorreriam 518.510 novos casos de câncer em 201211. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011.. Nesse contexto, cresce a demanda por tratamento operatório oncológico e, em decorrência, a busca por um melhor manejo da dor pós-operatória, visando não apenas um melhor desfecho cirúrgico, mas também, a redução e a prevenção da dor crônica.

A oxicodona é um analgésico opioide semissintético agonista dos receptores m (mu) e agonista parcial dos receptores k (kappa), o que pode torná-lo um fármaco com especial indicação nos casos de tratamento operatório, onde há envolvimento tanto do componente somático como do visceral na gênese da dor22. Staahl C, Christrup LL, Andersen SD, Arendt-Nielsen L, Drewes AM. A comparative study of oxycodone and morphine in a multi-modal, tissue-diferentiateed experimental pain model. Pain. 2006;123(1-2):28-36.. A apresentação sob a forma de liberação controlada pode ser benéfica porque reduz o número de administrações, tornando o controle da dor mais previsível e eficaz. Por via parenteral, a oxicodona apresenta a mesma eficácia analgésica para dor somática que aquela apresentada pela morfina, porém com início de ação mais rápido e menor potencial para liberar histamina.

No Brasil, alguns opioides são utilizados com frequência para o tratamento da dor pós-operatória, entretanto, a oxicodona, tanto na apresentação de liberação imediata quanto na controlada, praticamente não é utilizada e, também, não há estudos clínicos nesse tipo de situação, especialmente no câncer de cabeça e pescoço.

A hipótese do presente estudo é de que a oxicodona de liberação controlada pode ser segura e bem tolerada para o controle da dor pós-operatória nas operações de cabeça e pescoço para o tratamento de câncer. Assim sendo, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a segurança e a tolerabilidade da oxicodona de liberação controlada no tratamento da dor pós-operatória de ressecções oncológicas de cabeça e pescoço.

MÉTODOS

O estudo clínico de fase IV, observacional, prospectivo e aberto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva/INCA (10/2010) e foi registrado no ClinicalTrials NCT01834898. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os pacientes.

Foram incluídos 83 pacientes, de ambos os sexos, com idades entre 18 e 70 anos, ASA 2 e 3, que apresentavam dor pós-operatória variando de moderada a intensa, após operações eletivas oncológicas de cabeça e pescoço, de médio e grande porte, capazes de deglutir comprimidos inteiros no pós-operatório imediato.

Foram excluídos do estudo as gestantes,os lactentes e os pacientes alérgicos à oxicodona ou a outros opioides, gastrectomizados, colostomizados, asmáticos, com disfunção orgânica grave, com antecedentes ou suspeita de íleo paralítico, com relato de doença psiquiátrica, respiratória grave,aqueles que estavam recebendo algum analgésico opioide no início do estudo, com história de uso abusivo de álcool e drogas ilícitas ou que apresentavam, no plasma, transaminase glutâmico oxalacética (TGO) acima de 48U/I (homens) e 40U/I (mulheres) e/ou transaminase glutâmico pirúvica (TGP) acima de 53U/I (homens) e 40U/I (mulheres) e, creatinina acima de 1,7mg/dl e/ou ureia acima de 65mg/dl.

Todos os pacientes foram avaliados no pré-operatório na semana anterior à operação (visita 1), momento em que era assinado o TCLE, procedida a avaliação pré-anestésica e da intensidade da dor por meio da Escala Verbal Numérica (EVN)33. Melzack R, Katz J. Pain measurement in persons. In: Wall PD, Melzack R. Editors. Textbook of pain. 3th ed. Edinburgh: Churchill Livingstone; 1994. p. 337-56., que classifica os eventos em 0 como ausência, entre 1 e 3 como leve, entre 4 e 6 como moderados, e aqueles entre 7 e 10, como graves, e colhido sangue para os exames laboratoriais: hemograma completo, â-hCG (mulheres), TGO, TGP, ureia e creatinina.

Os pacientes foram medicados com midazolan 7,5mg na noite anterior e 15mg na manhã antecedente à operação. Todos receberam anestesia geral. A indução constou de propofol 2mg.kg- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011., lidocaína 2mg.kg- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011., fentanil 3-5 ìg.kg- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011., esmolol 2 mg.kg- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011. e cisatracúrio 0,15mg.kg- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011. por via venosa. Após cinco minutos em ventilação sob máscara facial com O2 e sevoflurano era procedida a intubação traqueal. A manutenção da anestesia foi realizada com sevoflurano mais infusão venosa contínua de dexmedetomidina na dose de 0,2 a 0,7 ìg.kg.min- 11. Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011. (descontinuada uma hora antes do término da operação).

No pós-operatório (visita 2), quando apresentavam dor moderada ou intensa, (EVNe"3), era iniciada oxicodona de liberação controlada, 20mg de 12/12 horas no primeiro dia e 10mg de 12/12 horas no segundo dia. A frequência, a intensidade dos efeitos adversos, a intensidade da dor pós-operatória e o uso da medicação analgésica de resgate foram avaliadas de 12/12 horas após a administração do medicamento (visitas 3 a 6) e entre 7 e 13 dias após a última dose (visita 7). Durante a visita 7, também era coletado sangue para realização dos mesmos exames listados na visita 1, exceto â-hCG (mulheres), era anotada a opinião do investigador sobre a qualidade do tratamento e o estudo era encerrado.

Para medicação de resgate foram utilizados analgésicos não opioides como parecetamol, dipirona, tenoxicam ou cetoprofeno, somente após a primeira administração de oxicodona de liberação controlada no pós-operatório. Nas visitas 3 a 7 era anotada a medicação analgésica de resgate e a frequência de administração.

Tamanho de amostra e análise estatística

Ao se considerar a ocorrência de 25% de náusea como parâmetro de segurança, avaliada por dados de literatura, o número de pacientes necessários seria de 72 (para obter uma precisão de 10%, em torno dessa percentagem de IC com 95% de confiança). Levando-se em consideração possíveis perdas, foram incluídos 83 pacientes. O estudo da normalidade da variável idade foi realizado com o teste de Kolgomorov-Smirnov. O teste McNemar foi utilizado para comparações de proporções emparelhadas dos eventos adversos (visitas 4, 5, 6 e 7 em relação à visita 3) (p<0,05 = significante) e o teste Q de Cochran para determinar o valor global de p na análise dos efeitos adversos. O teste de Wilcoxon foi empregado para comparações múltiplas das distribuições da intensidade da dor da visita 2 até a visita 7, segundo o período de analgesia (com ou sem oxicodona de liberação controlada). Os demais dados foram apresentados pela frequência.

RESULTADOS

População do estudo

Dos 83 pacientes incluídos, 14 foram excluídos para a análise da tolerância e 16 para a análise da intensidade da dor devido a desvios no protocolo. As características dos pacientes, avaliadas na visita 1, estão expostas na tabela 1.

Tabela 1 -
Características dos pacientes.

Os tipos e a frequência das operações realizadas nos pacientes incluídos no estudo foram: tireoidectomia total (45,83%), tireoidectomia parcial (8,33%), esvaziamento cervical total (19,44%), operaçõesno globo ocular (5,56%), parotidectomia (9,72%), cervicotomia exploradora (4,17%), ressecção de tumor cervical (2,78%), ressecção de tumores cutâneos (2,78%) e maxilo-etmoidal (2,78%).

Avaliação de segurança e tolerabilidade

Sessenta e nove pacientes foram avaliados quanto à segurança e tolerabilidade. Os efeitos adversos mais frequentes, e possivelmente relacionados à medicação, foram: náusea, vômito, tontura, prurido, insônia, constipação e retenção urinária (Tabela 2).

Tabela 2 -
Frequência de efeitos adversos da visita 3 até a visita 7.

A maioria dos efeitos adversos foi de intensidade leve e, no decorrer do estudo, não ocorreram eventos adversos de intensidade grave (Tabela 3).

Tabela 3 -
Frequência da intensidade dos efeitos adversos da visita 3 até a visita 7.

Nas visitas 3 e 4, a maior parte dos efeitos adversos foram possivelmente relacionados à oxicodona e, nas visitas 5, 6 e 7, não relacionados à medicação (Tabela 4).

Tabela 4 -
Frequência da relação dos efeitos adversos com a oxicodona da visita 3 até a visita 7.

Houve diferença significativa na evolução das proporções dos eventos adversos desde a visita 3 até a visita 7(Tabela 5).

Tabela 5 -
Comparações da frequência dos eventos adversos entre as visitas 4, 5, 6 e 7 e a visita 3.

Os eventos adversos vão diminuindo a partir da visita 4, encontrando diferenças significativas a partir da visita 6. Nas visita 6 e 7 existem vários pacientes que apresentaram eventos adversos não relacionados com a medicação em estudo, como por exemplo, dor no ombro, mal estar na bochecha, dor cervical, dentre outros, o que favorece ainda a medicação em estudo, lembrando que nenhum evento adverso está diretamente relacionado à oxicodona de liberação controlada.

Avaliação da analgesia

Para análise da analgesia foram utilizados os dados referentes à intensidade da dor, por meio da escala numérica, de 67 pacientesdesde visita 2 (após a operação) até a visita 7 (Tabela 6).

Tabela 6 -
Comparações múltiplas das distribuições da intensidade da dor da visita 2 até a visita 7 (n=67), segundo o período de analgesia (com ou sem oxicodona de liberação controlada).

Ocorreu diminuição altamente significativa da intensidade da dor entre as visitas 2 e 3 (p<0,001). Essa diminuição foi mantida até o final do estudo, demonstrando a estabilidade da analgesia com as doses empregadas. Além disso, há um aumento na proporção de pacientes sem dor no decorrer das visitas. No decorrer do período de analgesia, as proporções de pacientes com dor moderada e grave diminuem enquanto que as porcentagens de pacientes com dor leve ou sem dor aumentam (Figura 1).

Figura 1 -
Distribuição das proporções de intensidades da dor nas visitas 1 a 7 (n=67). Intensidade da dor por meio da Escala Verbal Numérica: Ausente=0; Leve: 1-3; Moderada: 4-6; e Grave: 7-10.

Uso de medicação de resgate

A medicação de resgate mais utilizada foi a dipirona, seguida do paracetamol. Apenas dois pacientes fizeram uso de tenoxican e um doente fez uso de cetoprofeno (Tabela 7).

Tabela 7 -
Tipo de analgésico e frequência de uso de medicação de resgate (visita 3 até a visita 7).

Percepção do investigador quanto à qualidade do tratamento com a oxicodona

A percepção acerca do tratamento analgésico, com a oxicodona de liberação controlada, foi excelente para 68,1% e boa para 31,9% dos investigadores.

DISCUSSÃO

A oxicodona é um analgésico opioide semissintético. Os opioides, incluindo a oxicodona, agem primariamente nos receptores ì centrais. Receptores k nos nervos periféricos podem ter um papel importante na antinocicepção no sistema de dor visceral44. Burton MB, Gebhart GF. Effects of kappa-opioid receptor agonists on responses to colorectal distension in rats with or without acute colonic inflammation. J Pharmacol Exp Ther. 1998;285(2):707-15. , 55. De Schepper HU, Cremonini F, Park MI, Camilleri M. Opioids and the gut:pharmacology and current clinical experience. Neurogastroenterol Motil. 2004;16(4):383-94.. Embora não seja consenso na literatura66. Kalso E. How different is oxycodone from morphine? Pain. 2007;132(3):227-8., tem sido sugerido que a oxicodona, além da ação sobre os receptores m, também age sobre os receptores k, parcialmente responsável pelos efeitos antinociceptivos77. Eisenach JC, Carpenter R, Curry R. Analgesia from a peripherally active kappa-opioid receptor agonist in patients with chronic pancreatitis. Pain. 2003;101(1-2):89-95. , 88. Ross FB, Smith MT. The intrinsic antinociceptive effects of oxycodone appear to be kappa-opioid receptor mediated. Pain. 1997;73(2):151-7.. Estudo em voluntários saudáveis, utilizando testes dolorosos mecânicos, térmicos e elétricos na pele, músculos e vísceras, demonstrou que tanto a morfina quanto a oxicodona diminuiram a dor provocada na pele e nos músculos, enquanto que, o efeito analgésico da oxicodona foi superior ao da morfina na dor de origem visceral22. Staahl C, Christrup LL, Andersen SD, Arendt-Nielsen L, Drewes AM. A comparative study of oxycodone and morphine in a multi-modal, tissue-diferentiateed experimental pain model. Pain. 2006;123(1-2):28-36.. Há também evidência de que a oxicodona é mais eficaz em dores causadas pela pancreatite99. Staahl C, Dimcevski G, Andersen SD, Thorsgaard N, Christrup LL, Arendt-Nielsen L, et al. Differential effect of opioids in patients with chronic pancreatitis: an experimental pain study. Scand J Gastroenterol. 2007;42(3):383-90..

O componente visceral da dor pós-operatória é de mais difícil tratamento do que o componente somático. Isso pode sugerir que a oxicodona esteja bem indicada para tratar a dor pós-operatória em cirurgia oncológica, onde, invariavelmente, se encontra um componente visceral na gênese da dor. As ressecções oncológicas de cabeça e pescoço são de especial interesse uma vez que a dor pós-operatória sofre interferência dos movimentos do pescoço e da deglutição, o que pode exacerbar a dor e resultar em falha do tratamento analgésico. A oxicodona de liberação controlada pode ser um importante fármaco opcional para o tratamento de episódios agudos refratários e frequentes de dor crônica no pescoço, nos pacientes com falha de resposta ao tratamento não opioide conservador1010. Ma K, Jiang W, Zhou Q, Du DP. The efficacy of oxycodone for management of acute pain episodes in chronic neck pain patients. Int J Clin Pract. 2008;62(2):241-7..

O recente interesse pela oxicodona está baseado em suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas, especialmente sobre o sistema nervoso central. Além disso, a relativa alta biodisponibilidade permite uma fácil mudança de formulação do fármaco, durante o curso do tratamento. A oxicodona é altamente eficaz e bem tolerada em diferentes tipos de procedimentos operatórios e grupos de pacientes1111. Kokki H, Kokki M, Sjövall S. Oxycodone for the treatment of postoperative pain. Expert Opin Pharmacother. 2012;13(7):1045-58..

A indicação da oxicodona, por via oral, para tratamento da dor pós-operatória, como proposto na presente pesquisa, pode ser justificada pela sua maior biodisponibilidade quando comparada à morfina. A biodisponibilidade oral da oxicodona (>60%) é aproximadamente o dobro daquela da morfina (20-25%); isto explica o fato de que a potência relativa da oxicodona oral é aproximadamente o dobro da morfina oral1212. Pöyhiä R, Seppälä T, Olkkola KT, Kalso E. The pharmacokinetics and metabolism of oxycodone after intramuscular and oral administration in healthy subjects. Br J Clin Pharmacol. 1992;33(6):617-21.. A oxicodona é primariamente metabolizada por N-demetilação (40%) em noroxicodona e somente em alguma extensão por O-demetilação (11%) em oximorfona e a e b-oximorfol e 6-cetoredução (8%) em a e b-oxicodol1313. Lalovic B, Kharasch E, Hoffer C, Risler L, Liu-Chen LY, Shen DD. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of oral oxycodone in healthy human subjets: role of circulating active metabolites. Clin Pharmacol Ther. 2006;79(5):461-79.. As enzimas hepáticas P450 2D6 (CYP 2D6) atuam como catalizadores quando a oxicodona é metabolizada em oximorfona e noroxicodona em noroximorfona. Uma fraca atividade da enzima CYP 2D6 foi observada em 5-10% da população caucasiana. O tempo para atingir a concentração plasmática máxima é de 1,3 horas após ingesta oral de oxicodona de liberação imediata e de 2,6 horas após o emprego de oxicodona de liberação controlada1414. Mandena JW, Kaiko RF, Oshlack B, Reder RF, Stanski DR. Charactherization and validation of a pharmacokinetic model for controlled-release oxycodone. Br J Clin Pharmacol. 1996;42(6):747-56..

Um dos benefícios mais importantes proporcionado pelas preparações opioides de liberação controlada é a manutenção dos níveis séricos do fármaco relativamente constantes, resultando em analgesia mantida. Ainda têm a vantagem de manter os pacientes livres do ônus de solicitar a medicação quando sentirem dor, devido às reduções dos níveis séricos do opioide, quando as preparações de liberação imediata são empregadas1515. Cheville A, Chen A, Oster G, McGarry L, Narcessian E. A randomized trial of controlle-release oxycodone during inpatient rehabilitation following unilateral total knee arthroplasty. JBone Joint Surg Am. 2001;83-A(4):572-6. Erratum in: JBone Joint Surg Am. 2001;83-A(6):915 ..

Ao comparar os resultados da frequência de efeitos adversos, observamos aseguinte incidência: náuseas (19,44 %), vômitos (12,50 %), tontura (4,35 %), constipação (4,35%), prurido (2,78%) e insônia (2,78%). Franceschi etal.ao pesquisarem a oxicodona para tratamento da dor em politraumatizados encontraram 20% de náuseas e 26,6% de constipação1616. Franceschi F, Marini M, Ursella S, Carbone L, Candelli M, Pignataro G, et al. Use of oxycodone in polytrauma patients: the "Gemelli" experience. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2008;12(2):123-6.. A maior frequência de constipação no estudo pode ser explicada pelo tempo de uso do opioide, que foi maior do que no nosso estudo, limitado a dois dias. Jokela et al. estudaram a pré-medicação com 15mg de oxicodona de liberação controlada em operação laparoscópica ginecológica e encontraram 25% de náuseas e vômitos1717. Jokela R, Ahonen J, Valjus M, Seppälä T, Korttila K. Premedication with controlled-release oxycodone does not improve management of postoperative pain after day-case gynaecological laparoscopic surgery. Br J Anaesth. 2007;98(2):255-60.. A maior frequência poderia ser explicada pelo tipo diferente de operação, uma vez que as operações laparoscópicas ginecológicas podem causar maior incidência de náuseas e vômitos em comparação com as operaçõesna cabeça e no pescoço. No estudo de Koch et al., que utilizaram a oxicodona, via venosa, para dor após colecistectomia videolaparoscópica, a frequência de náusea foi de 27,7% e de vômito 13,88%1818. Koch S, Ahlbrug P, Spangsberg N, Brock B, Tønnesen E, Nikolajsen L. Oxycodone vs. fentanyl in the treatment of early post-operative pain after laparoscopic cholecystectomy: a randomised double-blind study. Acta Anaesthesiol Scand. 2008;52(6):845-50.. A pequena diferença entre esses resultados e os do presente estudo poderia ser explicada pela diferente via de administração da oxicodona e, também, pelo diferente tipo de procedimento operatório. A maior incidência de náusea (42,3%) e vômito (23,1%) encontrada por Singla et al.1919. Singla N, Pong A, Newman K, MD-10 Study Group. Combination oxycodone 5 mg/ibuprofen 400 mg for the treatment of pain after abdominal or pelvic surgery in women: a randomized, double-blind, placebo- and active-controlled parallel-group study. Clin Ther. 2005;27(1):45-57., em comparação ao presente estudo, pode ser possivelmente explicada pela associação de oxicodona (5mg) ao ibuprofeno (400mg) pelo fato de que apenas mulheres foram incluídas no estudo e pelo tipo de operações(abdominais e pélvicas), apesar da frequência de tontura (1,9%) e constipação (3,8%) terem sido praticamente semelhantes.

No presente estudo, após o tratamento com a oxicodona de liberação controlada foi observada uma diminuição importante na intensidade da dor pós-operatória. A dor pernaneceu ausente ou com intensidade leve, durante todo o tratamento com a oxicodona de liberação controlada. Este perfil analgésico é coincidente com o encontrado por Ho et al. que utilizaram a mesma dose de oxicodona de liberação controlada em operação colorretal laparoscópica2020. Ho HS. Patient-controlled analgesia versus oral controlled-release oxycodone - are they interchangeable for acute postoperative pain after laparoscopic colorectal surgeries? Oncology. 2008;74 Suppl 1:61-5., por Wirz et al. em operação ortopédica2121. Wirz S, Wartenberg HC, Wittmann M, Nadstawek J. Post-operative pain therapy with controlled release oxycodone or controlled release tramadol following orthopedic surgery: a prospective, randomized, double-blind investigation. Pain Clinic. 2005;17(4):367-76. e por Kampe et al. em operação oncológica de mama2222. Kampe S, Wolter K, Warm M, Dagtekin O, Shaheen S, Landwehr S. Clinical equivalence of controlled-release oxycodone 20mg and controlled-release tramadol 200mg after surgery for breast cancer. Pharmacology. 2009;84(5):276-81.. A presente pesquisa está em consonância com os resultados de Gaskell et al. que concluiram que a dose única de oxicodona superior a 5mg é eficaz para o tratamento da dor pós-operatória2323. Gaskell H, Derry S, Moore RA, McQuay HJ. Single dose oral oxycodone and oxycodone plus paracetamol (acetaminophen) for acute postoperative pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2009; (3):CD002763.. A eficácia da oxicodona associada ao paracetamol também foi confirmada por Moore et al.2424. Moore RA, Derry S, McQuay HJ, Wiffen PJ. Single dose oral analgesics for acute postoperative pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2011; (9):CD008659..

O aumento progressivo da frequência da utilização de medicação de resgate observado nas visitas 5 e 6, poderia ser explicado pela redução em 50% da dose de oxicodona de liberação controlada no segundo dia de pós-operatório. Na visita 7, a maior utilização de medicação de resgate possivelmente pode ser atribuída a não utilização do opioide por pelo menos cinco dias antes dessa avaliação.

Os índices de satisfação dos pacientes sobre a percepção geral do tratamento da dor pós-operatória encontrada no estudo de Kampe et al.2222. Kampe S, Wolter K, Warm M, Dagtekin O, Shaheen S, Landwehr S. Clinical equivalence of controlled-release oxycodone 20mg and controlled-release tramadol 200mg after surgery for breast cancer. Pharmacology. 2009;84(5):276-81. é semelhante à opinião do investigador sobre o tratamento empregado no presente estudo.

A presente pesquisa concluiu que a oxicodona de liberação controlada apresentou bom perfil de segurança e tolerabilidade, com ausência de efeitos adversos graves. Foi observada uma diminuição significativa da intensidade da dor e a medicação de resgate foi solicitada numa frequência maior quando se reduziu a dose do opioide e após sua suspensão. A percepção do investigador sobre o tratamento administrado ao paciente foi excelente e boa, em todos os casos.

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  • Fonte de financiamento: Laboratório Zodiac Produtos Farmacêuticos, por meio de contrato com a Fundação Ary Frauzino para Pesquisa e Controle do Câncer (Fundação do Câncer).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2014
  • Aceito
    06 Mar 2014
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