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Rastreando células-tronco no saco herniário incisional: um olhar para além dos reparos puramente teciduais

RESUMO

Objetivo:

o saco herniário é tipicamente uma estrutura de duas camadas, constituída de tecido conjuntivo revestido por peritônio. Alguns achados incidentais, como células musculares lisas e ossificação heterotópica, podem ser explicados como o estágio final de metaplasia das células indiferenciadas que habitam o saco herniário. Este estudo teve como objetivo procurar células-tronco adultas no saco herniário incisional por um teste de triagem imuno-histoquímica.

Métodos:

quinze espécimes foram submetidos à análise histoquímica utilizando anticorpos monoclonais CD133, um marcador específico de células-tronco mesenquimais. As biópsias foram obtidas de pacientes submetidos ao reparo cirúrgico de hérnias incisionais, segundo a técnica da transposição com o saco herniário, proposta por Lázaro da Silva em 1971.

Resultados:

dois terços das amostras expressaram em média 20 (vinte) células CD133+ cada uma.

Conclusão:

apesar da natureza apenas de triagem deste estudo, o saco herniário pode ser considerado uma fonte de células-tronco em potencial. Isso poderia explicar aqueles achados anormais e talvez a indução de novos fibroblastos em procedimentos que o utilizam para otimizar a cicatrização dessas feridas.

Palavras chave:
Células-Tronco; Peritônio; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios; Parede Abdominal

ABSTRACT

Objective:

the hernial sac is typically a bilayer structure consisting of connective tissue lined underneath by peritoneum. Some incidental findings on it, like smooth muscle cells and heterotopic ossification, can be explained as the end-stage metaplasia from undifferentiated cells. This study aimed to search for mesenchymal stem cells in the incisional hernial sac by an immuno-histochemistry screening test.

Methods:

fifteen specimens of them were submitted to histochemistry analysis using CD133 monoclonal antibodies, a specific marker of mesenchymal stem cells. The biopsies were obtained from patients submitted to pure tissue repair for incisional hernias - the transposition with the hernial sac technique (Lázaro da Silva, 1971).

Results:

two-thirds of the specimens expressed on average 20 (twenty) CD133+ cells in each one.

Conclusion:

despite the screening nature of this study, the hernial sac may be considered a source of stem cells. This could explain those abnormal findings, and perhaps the induction of new fibroblasts in procedures that use it to optimize wound healing.

Keywords:
Stem Cells; Peritoneum; Reconstructive Surgical Procedures; Abdominal Wall

INTRODUÇÃO

O saco herniário (SH) - produto final da afecção herniária - é estrutura bilaminar que consiste em tecido conjuntivo revestido por células mesoteliais do peritônio. Essa membrana histologicamente heterogênea e complexa pode ser considerada um dos repositórios de células-tronco adultas do nosso organismo11 Gotloib L, Gotloib LC, Khrizman V. The use of peritoneal mesothelium as a potential source of adult stem cells. Int J Artif Organs. 2007;30(6):501-12.. Em revisão recente, a “peritonialização” das malhas de polipropileno foi induzida por células mesoteliais do peritônio visceral, aumentando a formação de aderências e, ao mesmo tempo, diminuindo a integração desse material no lado parietal. Os autores concluíram que a abordagem autóloga seria preferível ao implante alógeno22 Petter-Puchner AH, Fortelny RH, Gruber-Blum S, Redl H, Dietz U. The future of stem cell therapy in hernia and abdominal wall repair. Hernia. 2015;19(1):25-31..

Alguns achados incidentais no SH, como células musculares lisas33 Barbosa CA, Amaral VF, Lázaro da Silva A. Histologia dos sacos herniários das hérnias inguinais indiretas, diretas, recidivadas e encarceradas em adultos e crianças: identificação de fibras musculares lisas. Rev Col Bras Cir. 2002;29(1):1-6. e ossificação heterotópica44 Melo RM, Mendonça ET, Mendonça EQ, Mendonça MQ. Ossificação heterotópica em saco herniário incisional. Rev Col Bras Cir. 2012;39(2):151-4., podem ser justificados como estágio final de metaplasia a partir de células primitivas. Por processo biológico semelhante, a transição “epitelial para mesenquimal” dessas mesmas células e, finalmente, para fibroblastos, é o mecanismo responsável pela fibrose peritonial que se instala em alguns pacientes submetidos à diálise peritonial, inviabilizando essa via alternativa de depuração renal55 Aroeira LS, Aguilera A, Sanchez-Tomero JA, Bajo MA, del Peso G, Jimenez-Heffernan JA, et al. Epithelial-to-mesenchymal transition and peritoneal membrane failure in peritoneal dialysis patients: pathologic significance and potential therapeutic interventions. J Am Soc Nephrol. 2007;18(7):2004-13..

Parece lógico supor então que o SH, assim como outros tecidos nativos, deve ter grande quantidade dessas células menos diferenciadas, originárias da camada peritonial e/ou do estroma de suporte. Portanto, é provável que esse recrutamento também melhore a cicatrização de feridas, desencadeada pelas múltiplas metaplasias fibroblásticas66 Matapurkar BG, Bhargave A, Dawson L, Sonal B. Regeneration of abdominal wall aponeurosis: new dimension in Marlex-peritoneal sandwich repair of incisional hernia. World J Surg. 1999;23(5):446-50; discussion 451. que ocorreram nessas células. Isso talvez se dê também e com maior intensidade em reparos de hérnia incisional que aproveitem ao máximo o SH, como a técnica de transposição com o saco herniário (TSH), desenvolvida no Brasil no início dos anos 1970, por Lázaro da Silva77 Lázaro da Silva A. Surgical correction of longitudinal median or paramedian incisional hernia. Surg Gynecol Obstet.1979;148(4):579-83.,88 Melo RM. Reconstruindo a parede abdominal: o advento de uma técnica. Rev Col Bras Cir. 2010;37(6):450-6.. Desde então, bons resultados têm sido relatados com este procedimento, não apenas por seu proponente99 Hope PG, Carter SS, Kilby JO. The da Silva method of incisional hernia repair. Br J Surg. 1985;72(7):569-70.

10 Lázaro da Silva A, Petroianu A. Incisional hernias: factors influencing development. South Med J. 1991;84(12):1500,1504.

11 Benoit L, Arnal E, Goudet P, Cougard P. [Repair of midline incisional hernias using the Lázaro da Silva aponeuroplasty technique]. Ann Chir. 2000;125(9):850-5. French.

12 Losanoff JE, Jones JW, Richman BW. "Separation of parts" technique: is it the only alternative for autologous repair of challenging abdominal wall defects? Am J Surg. 2002;183(5):601-2.

13 Lázaro da Silva A. Recidiva da hérnia incisional após o tratamento pela trasposição peritônio-aponeurótica longitudinal bilateral. Arq Gastroenterol. 2004;41(2):134-6.
-1414 de Vries Reilingh TS, Bodegom ME, van Goor H, Hartman EHM, van der Wilt GJ, Bleichrodt RP. Br J Surg 2007;94:791-803..

Mas como ou por que essa técnica funcionaria tão bem, sem o reforço inalienável de uma tela? Existem possíveis razões anatômicas, biomecânicas e biomoleculares a serem levantadas. É provável que aquelas células indiferenciadas dos tecidos próximos (incluindo o próprio SH), com potencial para se tornarem fibroblastos ativos sejam um dos principais argumentos para esses resultados tão favoráveis. Poder-se-ia dizer que o sonho de Billroth enfim se materializou, não como uma prótese mágica, mas por cicatrização mais intensa e, portanto, mais robusta.

Este estudo teve como objetivo verificar a possível presença de células-tronco mesenquimais adultas no SH incisional por teste de triagem imuno-histoquímica. É parte de ensaio clínico randomizado (triplo mascarado), ainda em andamento, que investiga a eficácia da técnica de TSH (com e sem reforço de malha pré-aponeurótica), cujo principal desfecho é verificar a taxa de recurrência em cinco anos.

MÉTODO

O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG/056/2011) e do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Goiânia (HSCMG/015/2011). Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado antes de serem operados e obtidas as biópsias do SH. Todos os procedimentos foram realizados de acordo com as diretrizes e regulamentos envolvendo seres humanos.

Foram coletados fragmentos de excedente do saco herniário incisional de 15 pacientes operados na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, no período de janeiro de 2012 a junho de 2014. Os espécimes, com cerca de 2cm2, foram estirados em placas de plástico pela face conjuntiva e submersos em solução de formol tamponado a 10%. Depois de 24 horas, foram recortados e mantidos em álcool a 70% até à inclusão em parafina. Seccionadas na espessura de 5µm e novamente estiradas em lâminas silanizadas, as amostras foram incubadas em câmara úmida overnight a 4°C com anticorpo primário monoclonal, específico para células-tronco, obtido de coelhos e com reatividade humana, o CD133 (MyBioSource®, San Diego, CA, USA). Após 18 horas, foram banhados em água destilada e submetidos a nova incubação com anticorpo secundário e peroxidase, à temperatura ambiente, com o sistema de polímero MACH1 (Biocare Medical®, England). A revelação dessa reação foi feita com DAB (3,3’-diaminobenzidina), por 10 minutos, e a contracoloração com hematoxilina por 30 segundos. A análise das marcações imuno-histoquímicas das células se deu por sistema interativo analisador de imagens, AxionVision 3.1 (Carl Zeiss®, Jena, Germany). As imagens foram previamente fotomicrografadas, utilizando-se a objetiva de x40, sob luz comum, e analisados 10 campos distintos, em cada lâmina, para contagem das células CD133+ e obtenção da densidade celular (média simples do número de células por campo). Todos os testes foram realizados em duplicata, tanto nas etapas de processamento histológico (imuno-histoquímica) quanto na de leitura das lâminas por dois autores (RAN e LBM).

RESULTADOS

Após o processamento imuno-histoquímico das amostras, dois terços expressaram células CD133+. A aparência típica dessas células (coradas na cor marrom clara) pode ser vista na Figura 1. O número por campo microscópico, bem como o total e a média em cada amostra, são mostrados na Tabela 1. Para compensar qualquer viés no cálculo da quantidade média de células CD133+ em cada SH biopsiado, valores nulos (0 células nos casos 1, 5, 8, 11 e 15) e os maiores encontrados (58 células no caso 6) foram excluídos. O valor médio em cada amostra foi de 20 (vinte) células CD133+.

Tabela 1
Número de células CD133+ por campo microscópico em amostras de SH incisionais humanos. Os casos número 1, 5, 8, 11 e 15 expressaram valores nulos e o caso 6 apresentou a maior contagem (58 células).

Figura 1
Fotomicrografia do SH incisional humano marcado com anticorpo monoclonal CD133 e contrastado com hematoxilina. As células CD133+ são coradas na cor marrom clara, x400.

DISCUSSÃO

O advento das malhas veio ajudar cirurgiões e pacientes a lidar com casos mais graves de hérnias incisionais, que progridem com o tempo e cujas recidivas ainda persistem após várias tentativas de reparo cirúrgico. No entanto, o uso de prótese não diminuiu o número de tais reoperações, de acordo com estudo epidemiológico de base populacional envolvendo mais de 10.000 pacientes em 15 anos de seguimento. Nem mesmo duas grandes inovações cirúrgicas, no período, diminuíram a incidência de hérnia incisional: o advento da abordagem laparoscópica na cirurgia visceral, que preserva a parede abdominal, e o uso rotineiro de malhas no reparo das hérnias1515 Flum DR, Horvath K, Koepsell T. Have outcomes of incisional hernia repair improved with time? A population-based analysis. Ann Surg. 2003;237(1):129-35,1616 Klinge U, Krones CJ. Can we be sure that the meshes do improve the recurrence reates? Hernia. 2005;9(1):1-2..

Talvez o maior, o mais longo e o mais completo estudo já realizado sobre o tratamento da hérnia incisional tenha sido publicado em 2016: 3.242 pacientes, 100% deles acompanhados durante os cinco anos da pesquisa1717 Kokotovic D, Bisgaard T, Helgstrand F. Long-term recurrence and complications associated with elective incisional hernia repair. JAMA. 2016;316(15):1575-82.. Segundo os autores, as malhas na parede abdominal reduziram as recidivas (de aproximadamente 17% para 12% dos casos), mas aumentaram as complicações graves (de 0,8% para 5%) e também o custo com materiais e instrumentos (malhas, clipes, grampeadores etc.). Embora as recurrências tenham se estabilizado em taxas mais baixas, alguns problemas com as próteses foram cumulativos e a gravidade exigiu nova intervenção cirúrgica. Assim, os alegados benefícios de “cura radical ou definitiva” dessas hérnias foram contrabalançados por tais dissabores, implicando também o desperdício de recursos materiais, energia e tempo.

Já se sabe que a recidiva herniária pode ser identificada com alto grau de confiabilidade pelo próprio paciente1818 Baucom RB, Ousley J, Feurer ID, Beveridge GB, Pierce RA, Holzman MD, et al. Patient reported outcomes after incisional hernia repair - establishing the ventral hernia recurrence inventory. Am J Surg. 2016;212(1):81-8., ou detectada por exame clínico, principalmente com ultrassonografia dinâmica, considerada padrão ouro para o diagnóstico1919 Beck WC, Holzman MD, Sharp KW, Nealon WH, Dupont WD, Poulose BK. Comparative effectiveness of Dynamic Abdominal Sonography for Hernia vs Computed Tomography in the diagnosis of incisional hernia. J Am Coll Surg. 2013;216(3):447-53.. No entanto, o número de reoperações por recidiva não reflete necessariamente a incidência real dessa complicação. Somente os pacientes para quem a qualidade de vida é afetada pela reincidência da doença procurarão atendimento médico (registros de ocorrência). Desses, alguns serão operados novamente (registros de tratamento), representando de 20% a 25% dentre todos os recidivados, pois a maioria é assintomática ou não deseja se submeter a outro procedimento2020 Helgstrand F, Rosenberg J, Kehlet H, Strandfelt P, Bisgaard T. Reoperation versus clinical recurrence rate after ventral hernia repair. Ann Surg. 2012;256(6):955-8..

Esses fatos sugerem que os reparos teciduais puros (herniorrafias) que restauram a anatomia da parede abdominal serão sempre bem-vindos. O proposto por Lázaro da Silva é um deles. Este procedimento cinquentenário baseia-se em amplas incisões relaxadoras, bilaterais e alternadas na bainha dos músculos retos, e no uso do excedente de tecido representado pelo SH dividido longitudinalmente. Na síntese são realizadas três camadas de sutura, paralelas e multiplanares, envolvendo as bordas do SH e das aponeuroses recém-seccionadas. Assim, a parede abdominal ventral pode ser completamente reconstruída, sem tensão excessiva, seja na própria parede ou na cavidade abdominal1212 Losanoff JE, Jones JW, Richman BW. "Separation of parts" technique: is it the only alternative for autologous repair of challenging abdominal wall defects? Am J Surg. 2002;183(5):601-2.,2121 Melo RM. El cincuentenario de la "transposición con el saco herniario" de Lázaro da Silva para reconstrucción de la pared abdominal ventral. Rev Hispanoam Hernia. 2018;6(3):156-62..

Recentemente, a TSH foi recuperada por grupo de cirurgiões escoceses, que desenvolveram a “hernioplastia com retalho peritoneal” baseada na “técnica de Da Silva”. Em vez de medializarem novamente os músculos retos, eles colocaram uma malha retromuscular, que também é coberta pelas metades do SH2222 Malik A, Macdonald ADH, de Beaux AC, Tulloh BR. The peritoneal flap hernioplasty for repair of large ventral and incisional hernias. Hernia. 2014;18(1):39-45.. Da mesma forma, outro estudo recente, da Romênia, mostrou resultados muito bons com essa mesma técnica2323 Bara Jr. T, Gurzu S, Borz C, Muresan M, Jung I, Fulop Z, et al. Retromuscular mesh and hernial sac technique in the reconstruction of 139 cases of large median incisional hernias: one institution's experience. Hernia. 2020;24(1):99-105.. No entanto, três décadas atrás, dois autores chamaram a atenção para a “técnica sanduíche”, na qual a malha fica envolvida pelo SH para cobrir defeitos parietais que não poderiam ser fechados2424 Matapurkar BG, Gupta AK, Agarwal AK. A new technique of "Marlex(r)-peritoneal sandwich in the repair of incisional hernias. World J Surg. 1991;15(6):768-70.,2525 Guarnieri A. A new technique of "Marlex peritoneal sandwich" in the repair of large incisional hernias [letter]. World J Surg. 1993;17(5):683.. Surpreendentemente, ninguém enfatiza que a TSH, por si só, fornece resultados favoráveis sem usar necessariamente uma tela como reforço. A própria pele é empregada entre os cirurgiões plásticos no reparo musculoaponeurótico, uma vez que a resistência à tração é maior do que a das próteses alógenas disponíveis atualmente2626 Barreiro G, Lima VS, Cavazzola LT. Abdominal skin tensile strength in aesthetic and massive weight loss patients and its role in ventral hernia repair. BMC Surg. 2019;19(1):68..

Mesmo que o defeito seja adequadamente fechado e nova linha alba aponeurótica ou fibrótica seja criada, independentemente do procedimento, é essencial garantir resultados estáveis no longo prazo. Embora ocorram variações genéticas individuais, fornecer o maior número possível de fibroblastos a cada paciente não é apenas biologicamente imperativo, mas também de suma importância. O reparo puramente tecidual é ferramenta sem precedentes para o cirurgião.

O SH pode certamente ser também um conjunto dessas células menos diferenciadas, por meio da camada peritonial e do abundante tecido conjuntivo que a sustenta. Se tais células realmente seriam células-tronco multipotentes, isso deve ser elucidado em outros estudos, especificamente conduzidos para confirmar essa hipótese, incluindo a cultura de células em meios seletivos para diferenciação de linhagens.

Considerando-se essa prerrogativa, a espessura intrínseca e resistência à tração correspondente parecem menos cruciais, caso o mesotélio seja efetivamente convertido em pool de células produtoras de matriz, com colágeno, fibras elásticas e substância fundamental para a cura completa dessas afecções. Além disso, o SH é estrutura bem vascularizada, que mantém o suprimento de oxigênio, o aporte de diversos tipos celulares e de matérias-primas, bem como é a via de eliminação de dióxido de carbono e de outros resíduos metabólicos. Da mesma forma, esses vasos sanguíneos mantêm a hidratação e a temperatura adequadas.

Neste estudo, cinco das 15 amostras examinadas não apresentaram células CD133+, provavelmente devido a limitações na coleta, uma vez que não foi possível remover grande quantidade de SH, nem dos tecidos circundantes. Por ser elemento essencial no reparo, esse deve ser preservado ao máximo.

A questão se essa estrutura é mais rica em células CD133+ do que outros tecidos não pode ser confirmada sem estudos comparativos. Também é necessário mostrar se a densidade mais alta ou a simples presença dessas células poderia afetar a qualidade da cicatriz, a resistência final e a longevidade do reparo. Até o momento, não encontramos qualquer referência que mostre essa associação envolvendo o SH incisional. Também não verificamos se os pacientes positivos para CD133 apresentaram menos recidivas do que os negativos. Provavelmente, esse achado não influenciou tais resultados, uma vez que todos os pacientes em nosso ensaio clínico foram tratados pela mesma técnica, ou seja, a TSH.

Além disso, existe a possibilidade de que essas células não se distribuam ampla ou igualmente no SH, e que os fragmentos obtidos não tenham atingido locais onde essas estariam mais concentradas. Os ensaios imuno-histoquímicos refletem a capacidade das células de expressarem essa reação após ligarem-se ao complexo antígeno-anticorpo, cuja intensidade pode variar de acordo com o estado metabólico e o estágio da reação, no transcorrer do processamento. Essa variabilidade é algo esperada em qualquer ensaio biológico, o que não invalida o fato de que a maioria das amostras estudadas expressou resultados positivos.

O desfecho primário desta investigação seria explicar a origem possível de células musculares lisas e de matriz osteoide encontradas em alguns SH, a partir do mecanismo de transição epiteliomesenquimal. Além disso, os resultados promissores obtidos com reparos puramente teciduais das hérnias incisionais, tais como na TSH, também poderiam ser explicados pela presença de células que expressam CD133+. Esses elementos indiferenciados podem se tornar um pool de novos fibroblastos induzidos por metaplasia reversa. O SH é muito provavelmente uma prótese autóloga, viva e biologicamente ativa. Por trás dessa técnica, existe a crença ou a convicção de que deve haver alguma maneira de melhorar a cicatrização das feridas, não apenas induzindo um estado inflamatório crônico por meio de malha sintética.

Em segundo lugar, uma vez que a arquitetura da parede abdominal tenha sido restaurada e consolidada pelo recrutamento mais extenso e com o melhor desempenho possível de fibroblastos ativados, essa estará pronta para recuperar proporcionalmente suas funções. Consequentemente, esses pacientes poderão resgatar a qualidade de vida que fora subtraída pela hérnia.

Aproveitar as estruturas próprias do paciente, incluindo o SH, no esforço conjunto para reconstruir a parede abdominal danificada, reaquece o debate sobre os reparos puramente teciduais, talvez agora um pouco mais embasados biologicamente. Além disso, devemos estar sempre preparados para lidar com novas recurrências da doença e oferecer estratégias alternativas, como os reparos protéticos aloplásticos. De uma perspectiva realista, nenhum cirurgião executará “o último” reparo, mas talvez o faça “por último”...

Apesar do escopo deste estudo ter sido apenas de triagem, o SH é fonte presumível de células-tronco. Portanto, poderá ser útil no reparo da hérnia incisional, e não apenas pela resistência intrínseca à tração. Sendo inerente ao processo herniário, o SH estará sempre disponível, exuberante, pronto para ser utilizado e, o melhor de tudo, a custo zero!

Agradecimento

agradecemos a colaboração da Profa. Dra. Eneida Franco Vêncio, do Laboratório de Biologia e Patologia Molecular da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás, na etapa de processamento imuno-histoquímico.

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  • Fonte de financiamento:

    projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás/FAPEG, processo no. 201210267001141, chamada pública 005/2012.
  • Fonte de financiamento:

    sim.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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