Acessibilidade / Reportar erro

Recidiva da disfagia pós-miotomia: etiologias e manejo

Aos Editores

Com grande estima lemos o artigo original escrito por Costa et al.11 Costa LC, Braga JG, Junior VT, Neto JS, Ferrer JA, Lopes LR, Andreollo NA. Surgical treatment of relapsed megaesophagus. Rev Col Bras Cir. 2020;47:e20202444.. Em seu estudo, os autores descrevem sua experiência com pacientes portadores de megaesôfago que, após cardiomiotomia prévia, apresentaram recidiva dos sintomas/sinais de acalasia, especialmente disfagia. Foi relatado que o tempo médio entre as duas intervenções cirúrgicas, correspondente à duração da disfagia, foi de nove anos, sendo que tais pacientes passaram por média de 7,36 dilatações endoscópicas durante esse período, em tentativas mal sucedidas de melhorar os sintomas/sinais.

Sabe-se que a miotomia a Heller é o tratamento de megaesôfago mais utilizado para a maior parte dos pacientes. Após a miotomia, a persistência ou recidiva de sintomas/sinais é de 10-20%, sendo os sintomas/sinais mais comuns disfagia, regurgitação, aspiração e pirose22 Smith KE, Saad AR, Hanna JP, Tran T, Jacobs J, Richter JE, et al. Revisional surgery in patients with recurrent dysphagia after heller myotomy. J Gastrointest Surg. 2019;24(5):991-9.. No entanto, para o manejo mais adequado dos casos de recidiva dos sintomas/sinais após miotomia, é imprescindível a investigação das hipóteses. Para racionalizarmos o manejo diagnóstico e terapêutico, podemos classificar os sintomas/sinais em três categorias: “persistência”, “recidiva precoce” e “recidiva tardia”.

Na persistência dos sintomas/sinais, usualmente houve falha técnica da intervenção cirúrgica. Nessas condições, a pesquisa por falhas técnicas pode ser feita inicialmente pela avaliação do vídeo da cirurgia, se disponível. Uma falha técnica comum é a miotomia incompleta, quando feita de forma limitada, sem envolver toda a musculatura do esfíncter esofágico inferior. Ademais, a crurorrafia ou a fundoplicatura excessivamente apertada, levando à constrição da transição esofagogástrica, pode inclusive piorar a disfagia33 Weche M, Saad AR, Richter JE, Jacobs JJ, Velanovich V. Revisional Procedures for recurrent symptoms after heller myotomy and per-oral endoscopic myotomy. J Laparaendosc Adv Surg Tech A. 2020;30(2):110-6.. Tais complicações podem ser investigadas pela realização de videoesofagograma, que demonstrará a falha de progressão do contraste na região da fundoplicatura ou da hiatoplastia. Uma vez diagnosticada miotomia incompleta, o paciente pode ser submetido a remiotomia laparoscópica. Quando o paciente foi submetido à miotomia com fundoplicatura associada, a miotomia endoscópica perioral (POEM) é alternativa interessante, uma vez que permite evitar a lise de aderências necessária para nova miotomia a Heller, e o paciente não terá o risco de refluxo gastroesofágico, complicação mais comum do POEM, tão exacerbado33 Weche M, Saad AR, Richter JE, Jacobs JJ, Velanovich V. Revisional Procedures for recurrent symptoms after heller myotomy and per-oral endoscopic myotomy. J Laparaendosc Adv Surg Tech A. 2020;30(2):110-6.,44 Felix VN, Murayama KM, Bonavina L, Park MI. Achalasia: what to do in the face of failures of Heller myotomy. Ann NY Acad Sci. 2020;1481(1):236-46.. A dilatação endoscópica é alternativa interessante e pode, inclusive, servir de teste terapêutico. Caso o paciente não apresente qualquer melhora com dilatação nessas situações, é possível que a fundoplicatura ou a hiatoplastia estejam causando constrição na transição esofagogástrica, falha essa que não se resolve com terapia endoscópica, e a reoperação estará indicada. Se a disfagia for leve, deve-se considerar a possiblidade da disfagia transitória, comum quando há mobilização do esôfago distal55 DeMeester TR, Bonavina L, Albertucci MA. Nissen fundoplication for gastroesophageal reflux disease. Evaluation of primary repair in 100 consecutive patients. Ann Surg. 1986;204(1):9-20..

Em recidiva precoce, uma possível causa da recorrência de sintomas/sinais é a migração da válvula, ou seja, a herniação transdiafragmática da fundoplicatura, seja essa completa ou parcial. Nesse caso, os sintomas/sinais mais comuns no pós-operatório recente são dor torácica, disfagia e episódios de vômito. Frequentemente tais sintomas/sinais são agudos e, há associação grande com aumento da pressão intrabdominal, o que aumenta o risco de migração da válvula66 Nassif PA, Pedri LE, Martins PR, Foauni MM, Varaschim M, Bopp DS, Malafaia O. Incidence and predisponent factors for the migration of the fundoplication by Nissen-Rossetti technique in the surgical treatment of GERD. Arq Bras Cir Dig. 2012;25(2):75-80.. A investigação do quadro deve ser feita por meio do esofagograma, visualizando-se o fundo do estômago acima da crura diafragmática com estreitamento à passagem do contraste77 Banki F, Weaver M. Failed fundoplication and complications of antireflux surgery: radiographic, endoscopic and laparoscopic views. JSM Gen Surg Cases Images. 2017;2(1):1021.. Uma vez diagnosticada migração da válvula, deve ser realizado procedimento cirúrgico de correção, o mais precocemente possível para evitar necrose tecidual.

A disfagia tardia pode representar algum fator mecânico obstrutivo ou a progressão do megaesôfago. Nessas condições, a endoscopia é feita para identificar a presença de obstruções mecânicas, como por exemplo alimento mal digerido impactado. Ademais, a endoscopia com biópsia é útil para investigar a neoplasia de esôfago, uma vez que acalasia é fator de risco conhecido para o desenvolvimento, principalmente, de carcinoma escamoso88 Tustumi F, Bernardo WM, da Rocha JR, Szachnowicz S, Seguro FC, Bianchi ET, Sallum RA, Cecconello I. Esophageal achalasia: a risk factor for carcinoma. A systematic review and meta-analysis. Dis Esophagus. 2017;30(10):1-8.. A neoplasia pode desencadear a recidiva da disfagia mesmo anos ou décadas após a miotomia88 Tustumi F, Bernardo WM, da Rocha JR, Szachnowicz S, Seguro FC, Bianchi ET, Sallum RA, Cecconello I. Esophageal achalasia: a risk factor for carcinoma. A systematic review and meta-analysis. Dis Esophagus. 2017;30(10):1-8.. Refluxo gastroesofágico induzindo à estenose péptica é complicação infrequente, mas que pode ocorrer, principalmente em operações de miotomia sem fundoplicatura associada22 Smith KE, Saad AR, Hanna JP, Tran T, Jacobs J, Richter JE, et al. Revisional surgery in patients with recurrent dysphagia after heller myotomy. J Gastrointest Surg. 2019;24(5):991-9.. Caso a endoscopia não visualize obstruções mecânicas, deve-se realizar o esofagograma para investigar se há a progressão da dilatação do megaesôfago. O esôfago, após anos, pode aumentar o calibre e perder o eixo, assumindo o aspecto “sigmoide” ou dolicomegaesôfago. Nessas circunstâncias, deve-se considerar a esofagectomia99 Pochini CD, Gagliardi D, Saad Júnior R, Almeida RF, Corsi PR. Esophagectomy with gastroplasty in advanced megaesophagus: late results of omeprazole use. Rev Col Bras Cir. 2015;42(5):299-304.. Uma nova miotomia associada à retificação do esôfago distal pode ser considerada em pacientes pouco sintomáticos e com número expressivo de comorbidades. Essas tornam a esofagectomia arriscada, e desta forma, evitam-se assim os riscos associados à esofagectomia, como fístula anastomótica, lesão do nervo laríngeo, sangramento e quilotórax1010 Loviscek MF, Wright AS, Hinojosa MW, Petersen R, Pajitnov D, Oelschlager BK, et al. Recurrent dysphagia after heller myotomy: is esophagectomy always the answer? J Am Coll Surg. 2013;216(4):736-43..

A recidiva dos sintomas/sinais de acalasia após miotomia a Heller não é rara. O momento de instauração dos sintomas/sinais, os sintomas associados e os dados fornecidos pelos exames disponíveis auxiliam na investigação e determinação da etiologia, e orientam o manejo adequado dos pacientes com recidiva dos sintomas após miotomia a Heller.

REFERENCES

  • 1
    Costa LC, Braga JG, Junior VT, Neto JS, Ferrer JA, Lopes LR, Andreollo NA. Surgical treatment of relapsed megaesophagus. Rev Col Bras Cir. 2020;47:e20202444.
  • 2
    Smith KE, Saad AR, Hanna JP, Tran T, Jacobs J, Richter JE, et al. Revisional surgery in patients with recurrent dysphagia after heller myotomy. J Gastrointest Surg. 2019;24(5):991-9.
  • 3
    Weche M, Saad AR, Richter JE, Jacobs JJ, Velanovich V. Revisional Procedures for recurrent symptoms after heller myotomy and per-oral endoscopic myotomy. J Laparaendosc Adv Surg Tech A. 2020;30(2):110-6.
  • 4
    Felix VN, Murayama KM, Bonavina L, Park MI. Achalasia: what to do in the face of failures of Heller myotomy. Ann NY Acad Sci. 2020;1481(1):236-46.
  • 5
    DeMeester TR, Bonavina L, Albertucci MA. Nissen fundoplication for gastroesophageal reflux disease. Evaluation of primary repair in 100 consecutive patients. Ann Surg. 1986;204(1):9-20.
  • 6
    Nassif PA, Pedri LE, Martins PR, Foauni MM, Varaschim M, Bopp DS, Malafaia O. Incidence and predisponent factors for the migration of the fundoplication by Nissen-Rossetti technique in the surgical treatment of GERD. Arq Bras Cir Dig. 2012;25(2):75-80.
  • 7
    Banki F, Weaver M. Failed fundoplication and complications of antireflux surgery: radiographic, endoscopic and laparoscopic views. JSM Gen Surg Cases Images. 2017;2(1):1021.
  • 8
    Tustumi F, Bernardo WM, da Rocha JR, Szachnowicz S, Seguro FC, Bianchi ET, Sallum RA, Cecconello I. Esophageal achalasia: a risk factor for carcinoma. A systematic review and meta-analysis. Dis Esophagus. 2017;30(10):1-8.
  • 9
    Pochini CD, Gagliardi D, Saad Júnior R, Almeida RF, Corsi PR. Esophagectomy with gastroplasty in advanced megaesophagus: late results of omeprazole use. Rev Col Bras Cir. 2015;42(5):299-304.
  • 10
    Loviscek MF, Wright AS, Hinojosa MW, Petersen R, Pajitnov D, Oelschlager BK, et al. Recurrent dysphagia after heller myotomy: is esophagectomy always the answer? J Am Coll Surg. 2013;216(4):736-43.
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2021
  • Aceito
    14 Fev 2021
Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@cbc.org.br