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Gestão em saúde: o aprendizado e a formação acadêmica de estudantes de graduação

Resumos

OBJETIVO: comparar o conhecimento, prévio e posterior ao ensino-aprendizagem sobre o tema Gestão em Saúde, dos estudantes do 3º ano do curso de Fonoaudiologia. MÉTODO: os indivíduos foram solicitados a responder um protocolo antes e um ano depois de ministrado o módulo de Gestão em Saúde para serem obtidas informações sobre a forma como ocorreu o aprendizado com relação ao processo saúde-doença, administração deste conteúdo em seu cotidiano e o que consideraram como princípio norteador de gestão na profissão do fonoaudiólogo. Os dados foram analisados com a aplicação da metodologia qualitativa Árvore de Associação de Ideias. RESULTADOS: os resultados foram organizados em três categorias (1) Processo saúde-doença, (2) Recuperação da saúde, (3) Fonoaudiologia: terapia como meio de cura. Na primeira categoria se observou que os alunos passaram da conceituação da saúde como contraposição à doença para fator inerente à qualidade de vida. Na segunda constatou-se a prevalência da automedicação e busca por atendimentos privativos. Na terceira categoria indicaram a necessidade do fonoaudiólogo atuar de forma integral para melhoria da qualidade de vida do individuo. CONCLUSÃO: a formação dos alunos de graduação em Fonoaudiologia suscitou compreensão parcial do processo saúde-doença como diretriz primordial e o desafio será instaurar a produção de novas instabilidades e proporcionar as condições integrais para a capilaridade desse conhecimento junto às disciplinas específicas das ciências fonoaudiológicas.

Fonoaudiologia; Gestão em Saúde; Saúde Coletiva


PURPOSE: to compare the previous and posterior education-learning knowledge of the 3rd year students of speech-language and hearing pathology's students about the topic Health Management. METHOD: the subjects were asked to answer a protocol before and after one year Health Management taught to be obtained the information about the learning and the relation with health-disease process, own daily lives management and what they consider a management guiding principle in the Seepch-language and hearing profession. Data were analyzed with the application of qualitative methodology Árvore de Associação de Ideias. RESULTS: the results were organized in three categories (1) Health-disease process, (2) Recovery health, (3) Speech-language and hearing pathology: therapy as a cure. In the first category it was observed that students changed the ideia of the conceptualization of health as opposed to the disease to a factor inherent in the quality of life. In the second category self-medication and the search for private care were found. And the third category they indicated the need of speech-language and hearing therapists work holistically to improve the individual's quality of life. CONCLUSION: the undergraduate training in speech-language and hearing pathology elicited partial understanding of health-disease process as a primary guideline and the challenge will be to initiate new instabilities production and provide full conditions for this knowledge capillarity in the disciplines of speech-language and hearing sciences.

Speech, Language and Hearing Sciences; Health Management; Public Health


ARTIGOS ORIGINAIS

Gestão em saúde: o aprendizado e a formação acadêmica de estudantes de graduação

Aline Megumi ArakawaI; Érica Ibelli SittaII; Magali de Lourdes CaldanaIII; Maria Aparecida Miranda de Paula MachadoIV

IFonoaudióloga; Doutoranda do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, Bauru, São Paulo, Brasil

IIFonoaudióloga; Mestre pelo Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, Bauru, São Paulo, Brasil

IIIFonoaudióloga; Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, Bauru, São Paulo, Brasil

IVFonoaudióloga; Professora do Departamento de Fonoau­diologia da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, Bauru, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Aline Megumi Arakawa Alameda Octávio Pinheiro Brisolla 9-75 Bauru – SP – Brasil CEP: 17012-901 E-mail: arakawaaline@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: comparar o conhecimento, prévio e posterior ao ensino-aprendizagem sobre o tema Gestão em Saúde, dos estudantes do 3º ano do curso de Fonoaudiologia.

MÉTODO: os indivíduos foram solicitados a responder um protocolo antes e um ano depois de ministrado o módulo de Gestão em Saúde para serem obtidas informações sobre a forma como ocorreu o aprendizado com relação ao processo saúde-doença, administração deste conteúdo em seu cotidiano e o que consideraram como princípio norteador de gestão na profissão do fonoaudiólogo. Os dados foram analisados com a aplicação da metodologia qualitativa Árvore de Associação de Ideias.

RESULTADOS: os resultados foram organizados em três categorias (1) Processo saúde-doença, (2) Recuperação da saúde, (3) Fonoaudiologia: terapia como meio de cura. Na primeira categoria se observou que os alunos passaram da conceituação da saúde como contraposição à doença para fator inerente à qualidade de vida. Na segunda constatou-se a prevalência da automedicação e busca por atendimentos privativos. Na terceira categoria indicaram a necessidade do fonoaudiólogo atuar de forma integral para melhoria da qualidade de vida do individuo.

CONCLUSÃO: a formação dos alunos de graduação em Fonoaudiologia suscitou compreensão parcial do processo saúde-doença como diretriz primordial e o desafio será instaurar a produção de novas instabilidades e proporcionar as condições integrais para a capilaridade desse conhecimento junto às disciplinas específicas das ciências fonoaudiológicas.

Decritores: Fonoaudiologia; Gestão em Saúde; Saúde Coletiva

INTRODUÇÃO

Desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) foram empreendidos esforços pelas três esferas governamentais, população e profissionais de saúde para que seus princípios fossem devidamente respeitados e implementados1. O processo de mudança no ensino de graduação das profissões de saúde no Brasil tem ocorrido diante da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que busca qualificar a formação discente e contribuir para a melhoria da assistência prestada aos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS. Por sua vez, as Diretrizes Curriculares Nacionais buscam uma formação mais generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitando o profissional da saúde para atuar pautado em princípios éticos e científicos na clínica-terapêutica e prática preventiva.

No ensino dos cursos de graduação em saúde pode-se observar a importância de implantar e implementar conteúdos relacionados ao modelo teórico-conceitual da saúde coletiva, que por sua vez, caracteriza-se como um campo de saberes e de práticas de saúde tanto como um fenômeno social quanto de relevância pública, dando sustentação à prática das diretrizes e princípios do SUS 2,3. As competências e habilidades gerais para atuação com atenção à saúde, comunicação, liderança, administração e gerenciamento, educação permanente, presentes nas Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação da área de saúde, estão estritamente vinculadas, e até dependentes, da compreensão das condições e dos elementos gerais de gestão em saúde e gestão em serviços. Dessa forma, o tema ministrado em sala de aula na graduação, dará oportunidade, aos egressos, de fortalecerem os processos de reorientação do modelo de atenção4, bem como as práticas cotidianas em serviços na "organização do processo de trabalho em saúde tomando como pano de fundo as diretrizes do SUS"5.

Neste sentido, esses mesmos autores ressaltam o papel do processo saúde-doença, que foi se modificando ao longo do desenvolvimento dos sistemas de crenças e valores construídos socialmente. Admitido como recortes da realidade promovem abordagens diferenciadas desde a instância orgânica até os desafios de uma "perspectiva não reducionista que recupere o significado do indivíduo em sua singularidade e subjetividade na relação com os outros e com o mundo". Os modos sociais de produção da vida delimitam os desafios da saúde mais comumente relacionados à formação e transformação dos grupos sociais, e assim, precisam ser compreendidos integralmente para avançar o conhecimento dos problemas mais complexos6.

Tal processo sofre influências diretas dos serviços de saúde oferecidos à população, e muitos países socialistas e capitalistas realizaram grandes modificações, quanto à sua organização, ao explorar mais intensamente aspectos científicos e tecnológicos oferecidos para a gestão de sistemas de serviços de saúde7. Provocar o estudante para operar na definição de prioridades, assim como dos objetivos e estratégias, atuar na configuração dos serviços e na transformação das práticas dos profissionais, avaliar, sobretudo, sua eficiência, eficácia e investimento-efetividade, além de investigações substanciais e articuladas às necessidades da população e dos serviços de saúde, são algumas das funções do ensino das práticas de gestão.

Valores como democracia, empowerment e comunidade são considerados fundamentais na qualidade dos serviços públicos visto que o empoderamento individual é um pré-requisito para o empoderamento comunitário e mudanças sociais8 e deste modo permite que o individuo tenho autonomia frente às suas escolhas e fornecimento de informações sobre o campo da saúde9. Essas concepções dependem de vivência constante para serem assumidas e aprimoradas, na formação do acadêmico, transpassando, em contrapartida, os especialismos das várias disciplinas em saúde.

Estudo afirmou que qualidade na saúde tem o significado de satisfação das suas necessidades, o uso eficiente dos recursos, comparando-se com os competidores e a satisfação das exigências éticas, legais e contratuais. Mesmo porque, a capacidade dos cidadãos perceberem as mudanças que estão se processando, salienta que é no cotidiano, no real concreto, que estão as oportunidades de aprendizagem coletiva10. Neste contexto, que envolve a compreensão do processo saúde-doença, valores humanísticos e éticos, transformação dos grupos sociais, definição de prioridades, satisfação dos cidadãos e aprendizagem coletiva, este trabalho objetivou comparar o conhecimento prévio e posterior ao ensino-aprendizagem sobre o tema Gestão em Saúde dos estudantes do 3º ano de um curso de Fonoaudiologia.

MÉTODO

O presente estudo que apresenta caráter longitudinal, descritivo e qualitativo foi desenvolvido após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da FOB/USP sob processo número 146/2010.

Participaram da primeira e segunda amostras um total de 36 e 31 alunos, respectivamente, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, admitindo fazer parte desse estudo. Seu desenvolvimento ocorreu mediante a aplicação de um protocolo semi-estruturado previamente elaborado pelos pesquisadores com questões indiretas. Os estudantes foram solicitados a responder o instrumento antes e um ano depois de ser ministrado o módulo de Gestão em Saúde (30 horas) para que pudessem ser obtidas as relações categoriais de como ocorreu o aprendizado referente ao processo saúde-doença, administração deste conteúdo em seu cotidiano e o que consideram como princípio norteador de gestão na profissão do fonoaudiólogo.

Os dados obtidos foram analisados de forma qualitativa, com a aplicação da metodologia Árvore de Associação de Ideias11, que consiste na leitura e extração de categorias relacionais, construídas de forma a permitir a visualização da associação de ideias no fluxo do discurso (oral e escrito, individual ou coletivo), sendo os resultados fundamentados à luz da literatura.

RESULTADOS

Os dados coletados foram organizados em três categorias e os resultados obtidos receberam análise exaustiva de leitura e condensação de estilos de expressão do mesmo conteúdo, sendo, em seguida, relacionado à literatura.

Categoria 1. Processo saúde-doença (questões 1 e 2)

Na primeira coleta, o resultado obtido é referente à conceituação do processo saúde-doença, apresentada em uma contraposição entre um e outro, centrados em modelos hegemônicos tradicionais. Já na segunda coleta entendem o processo saúde-doença como um fator inerente à qualidade de vida do indivíduo 12, considerando fatores psicoemocionais, trazendo à discussão crítica a definição atribuída à Organização Mundial da Saúde (OMS), preconizada em 1948, em que saúde é "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças". Não referem questões de ordem sociais adotadas no advento da implantação do SUS em nenhuma das coletas. A compilação dos dados analisados está presente na Figura 1.


Categoria 2. Recuperação da saúde (questões 3 e 4)

Quando questionados sobre a busca de atendimento, caso adoeçam, 66,6% na primeira coleta e 51,6% segunda coleta dos alunos optaram pela procura do consultório privado, em primeiro lugar, e em pronto atendimento, em seguida. Quanto a essa questão é possível observar quatro dados relevantes:

1º) quando foi realizada essa pesquisa a Universidade de São Paulo concedia plano privado de saúde aos estudantes.

2º) há uma Unidade Básica de Atendimento em Saúde (UBAS) dentro do campus da Faculdade vinculada à reitoria da USP.

3º) em Bauru há pouca divulgação e pouco investimento municipal nas Unidades Básicas e de Saúde da Família, sendo que esta última atende apenas 7% da população.

4º) a "cultura" da população em Bauru é de procurar as Unidades de Pronto Atendimento (Estaduais). O que está sendo denominada como "cultura" é a estratégia da sociedade que continuou e ainda reforçou a busca aos locais que realizassem os atendimentos de saúde pública, visto que são poucas as unidades básicas (18) e de saúde da família (sete equipes, divididas em dois locais estratégicos, mais um Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS) para uma população de quase 360.000 habitantes, além de reduzida quantidade, e/ou mal distribuída, de profissionais.

Quanto ao procedimento de automedicação na primeira coleta houve quase 50% de respostas positivas, considerando remédios homeopáticos, caseiros e farmacológicos alopáticos. Na segunda coleta, a mesma porcentagem, na utilização das mesmas drogas, destacando algumas ações terapêuticas para o uso (antitérmica, analgésica, entre outras).

O arranjo composto pela árvore de associação de ideias das questões analisadas está presente na Figura 2.


Categoria 3. Fonoaudiologia: terapia como meio de cura (questão 5)

Frente aos dados obtidos durante a conformação da árvore de associação de ideias na primeira coleta o grupo participante se contrapôs: (1) a Fonoaudiologia diagnostica e cura doenças orgânicas (da sua área); (2) não cura, auxilia na manutenção de melhor qualidade de vida; (3) não cura (pois não medica). Na segunda coleta, embora também houvesse contraposição, as respostas estiveram em um mesmo nível de consideração do princípio da integralidade e da promoção da saúde (além da prevenção), ressaltando questões da ordem psicoemocional e citando a dimensão social. A Figura 3 apresenta as ideias analisadas a seguir.


DISCUSSÃO

De acordo com as questões apresentadas na Categoria 1, a ênfase sobre o processo saúde-doença biológica, fortalecida durante anos nesse curso de Fonoaudiologia, deu espaço a um enfoque biopsicoemocional. Explicam a doença como a quebra da homeostase interna do indivíduo, atribuída ao estresse vivenciado, como fator que determina a alteração da saúde, corroborando com autores que afirmaram13 ser a exigência de adaptação, positiva ou negativa, denominada de estressor. Tais estressores podem ser externos ou internos, sendo que os primeiros podem ocorrer de modo independente do mundo interno da pessoa, como por exemplo: alteração de chefia, transformações políticas no país, acidentes e qualquer outra situação que aconteça fora do corpo e da mente da pessoa. O segundo é determinado pelo próprio indivíduo como: ansiedade, timidez, depressão incluindo-se também as crenças, falta de assertividade e dificuldade de expressão de sentimentos.

O máximo social atingido foi a corroboração com estudo14 em que a saúde e a doença estão em dois extremos de uma dinâmica constante realizada pelo indivíduo e o meio em que vive, o normal-anormal, inspiração-expiração, sono-alerta, vida-morte. A comunidade condiciona e determina a saúde e o adoecimento diante da relação entre os indivíduos e os sistemas ambientais em que vivem ao interagir com seres vivos e não vivos. É por meio desta interação que efeitos de ação e reação são desencadeados interferindo na construção do ambiente físico-social e produzindo meios (in)sustentáveis à sobrevivência e à preservação15,16. Essa dinâmica é diferente para cada indivíduo e a diferença torna-se fundamental de acordo com a capacidade de cada um em lidar com as agressões a que é exposto, denominada resiliência17, fato que, de modo subjetivo, reflete na qualidade de vida apontada pelos alunos.

Contudo, nenhum aluno citou a definição da 8ª Conferência Nacional de Saúde, de 1986, nem discutiu a noção de saúde como direito e conquista social e, nesse sentido, as desigualdades sociais e regionais que atuam como fatores limitantes do pleno desenvolvimento de um nível satisfatório da saúde e da sua organização. Embora a formação dos alunos de graduação tenha sido direcionada, sobretudo, para o conhecimento voltado à saúde de forma abrangente, holística, em prol da qualidade de vida e, de forma igual, a alguns valores que, simultaneamente, instituem e são instituídos pela ambivalência da definição de cidadania, não permitiu uma relação indivíduo-sociedade, e nela o cidadão solidário e responsável.

Atualmente um dos desafios para as políticas públicas tem sido exatamente conciliar a direção universalizante que o termo cidadania adquiriu na concepção contemporânea, com as reivindicações pelos direitos de preservar as diferenças, na ênfase de assegurar a equidade.

Em relação à Categoria 2, a universalização excludente parece continuar crescendo, tornando os mecanismos de financiamento do setor privado cada dia mais semelhante ao sistema americano, "no qual a ação do Estado é residual"18. Atualmente as classes C e D têm estado em um cenário de disputa entre as operadoras de planos de saúde, em razão do crescimento do seu poder aquisitivo. Dados19 destacaram 1.100 empresas ativas de saúde suplementar no país, entre seguradoras, cooperativas médicas ou empresas de medicina de grupo e "quase toda a classe A e B já está dentro dos planos de saúde".

Consideradas essas explicitações pode-se aferir que a gestão sobre o princípio da saúde é norteada pelas noções de eficácia (melhor x pior) e eficiência (investimento x benefícios), pautada pelo pouco tempo disponível que os estudantes têm dentro do horário comercial, mais especialmente aqueles com jornada integral, e por informações da mídia que na maioria das vezes aponta a saúde pública como local de fila de espera, independente da procrastinação que ocorre dentro de consultórios particulares e do tempo hábil para realizar exames por meio dos convênios da saúde suplementar. Embora os comentários também ocorram em municípios em que a saúde pública é bem avaliada pela população, em Bauru há notícias negativas quase todos os dias, na mídia falada ou escrita, por motivos políticos partidários, ou por críticas devidas. Felizmente a maioria dos estudantes assinala para a busca de ajuda profissional.

Em relação ao procedimento de automedicação, houve, sobretudo, desconsideração do diagnóstico nosológico e dos sinais e sintomatologia de enfermidades mais graves que os medicamentos adotados pudessem dissimular, estes são vendidos sem prescrição médica, além de ter forte apelo comercial na mídia, ser de uso por tempo determinado (antitérmico, por exemplo) ou ser julgado "sem efeitos colaterais". Resultados semelhantes são encontrados em pesquisa20 que buscou verificar o uso da automedicação por futuros profissionais de saúde, de diferentes cursos. Os autores observaram que 42% dos estudantes fizeram uso de medicamentos mediante prescrição médica e 58% por meio da automedicação. Outra investigação21 constatou a presença da automedicação em 40% dos estudantes universitários do curso de enfermagem. Estes autores afirmaram que a incorporação de práticas educativas para a não banalização do uso de medicamentos deva ser realizada, inclusive aos estudantes de saúde, para que possam orientar adequadamente seus futuros pacientes.

Em alguns estudos22 o medicamento foi referido como mercadoria simbólica e discutido sob o ponto de vista social, do prescritor médico e do indivíduo, nos quais configura relações complexas de "hegemonia, alianças, transgressão, submissão, poder, contrapoder e outras". As discussões concluem que a saúde reificada está inserida em uma relação de consumo de mercadoria, havendo necessidade de romper com essa concepção para um deslocamento da saúde como direito. Por outro lado, autores23 salientam que, ao ser consumido, induz o indivíduo a atender a necessidade de mudança de um estado "ruim" para um estado "bom", de um estado de não saúde, de insatisfação, para um estado de saúde/satisfação, tão apregoado por profissionais de saúde atualmente,

Além disso, observam-se barreiras para o uso racional dos medicamentos: a carência de orientação dos usuários por parte dos profissionais prescritores, as publicidades diretas ao consumidor final e o uso incorreto por parte do consumidor24. Neste sentido, a automedicação e/ou a prescrição inadequada podem levar o sujeito a sofrer efeitos indesejáveis, desenvolver enfermidades iatrogênicas e mascarar doenças evolutivas, portanto, representa um problema a ser prevenido25.

Quanto ao uso de medicamentos caseiros cabe observar que o Ministério da Saúde, diante a Portaria Interministerial 2.960/2008 cunhou o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, com o foco na Atenção Básica. O programa, dentre seus objetivos, propõe inserir ou ampliar a oferta de plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à Fitoterapia, em consonância às diretrizes da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, além de promover e reconhecer as práticas populares e tradicionais de uso de plantas medicinais e remédios caseiros26.

É nesse contexto que os futuros profissionais da área da saúde devem analisar-se quanto ao processo de automedicação a fim de que a repercussão e orientações nessa atividade sejam esclarecidas e realizadas de modo seguro.

Na Categoria 3, ao pensar na cura das doenças/alterações/distúrbios relacionados à Fonoaudiologia, de acordo com as questões apresentadas, foi possível observar que os estudantes exercitaram suas competências, habilidades e atitudes de forma crítica e reflexiva como sugerido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, especialmente àquelas voltadas para os conhecimentos de Atenção Básica, tomada de decisão, liderança e administração, e gerenciamento. Neste viés as alterações fonoaudiológicas incidem sobre a saúde do indivíduo, observada por dois ângulos: o primeiro como a ausência do sentido restrito de doença, ou seja, como qualidade da vida, cuja característica é adotada na promoção de saúde, em que ocorra o auxílio ao sujeito para buscar um equilíbrio interior, o seu empoderamento por meio do conhecimento, a estabilização dos aspectos (psicoemocionais) que circundam as morbidades e, portanto, dispensa o tratamento médico/medicamentoso ou a utiliza como coadjuvante. O segundo, em que se assume a doença como ponto de partida e cujo tratamento, medicamentoso ou cirúrgico, é realizado por profissionais da medicina, mas que exige atuação do fonoaudiólogo antes, durante e/ou depois, para haver recuperação ou reabilitação. Em ambos os modelos o que se considera é o sofrimento na dificuldade de comunicação, que pode vir a ser ou que está presente no cotidiano do sujeito, e a impossibilidade do profissional lidar diretamente com a doença em si, mas que atua nas implicações daquela morbidade ou agravo.

Sendo assim, tais fatores podem sinalizar à Fonoaudiologia formas de intervir junto às causas e consequências das doenças considerando a geração dos problemas psicoafetivos e sociais, os quais são de difícil mensuração por meio de exames e/ou da melhora por ingestão de medicamentos. Tais alterações comprometem os aspectos profissionais, a autoconfiança, a felicidade e a segurança do indivíduo27.

Em um primeiro momento, os alunos apontaram o uso da medicação como meio de proporcionar a cura, no entanto tal afirmativa não se mostra presente no instante posterior, o qual tem seu foco no aspecto referente à manutenção da saúde e da participação profissional no processo de cura mental, física e social. Autores28 defendem que os aspectos da fala, linguagem e audição devam ser atributos à saúde, pois incidem na competência e no desempenho comunicativo verbal e não- verbal, intra e interpessoal, e mesmo que não causem dor física, não tenham sinais e sintomas expressos laboratorialmente, não sejam levados à cura por meio de ingestão de drogas e nem levem à morte, ocasionam sofrimento. Embora outras áreas não tenham sido citadas pelas autoras, não se pode prescindir de salientar a atuação do fonoaudiólogo, em todos os níveis de prevenção, quando há referência de determinadas doenças que podem levar ao óbito, como é o caso da disfagia neurológica, ou nas consequências dos quadros de câncer avançado de laringe, como características de morbidades que merecem atenção especial, quando se menciona o fator comunicação. Mais um estudo salientou29 que profissionais da Fonoaudiologia atuam na pesquisa, prevenção, avaliação e terapia nas diferentes áreas que tangem à profissão, mas que há necessidade de investir na melhoria da qualidade de vida por meio da formação de profissionais com a visão de promoção da saúde 30.

Em contrapartida, o profissional de saúde que tem sua formação voltada para a atuação no SUS realiza atividades coletivas e individuais de promoção, proteção e recuperação da comunicação humana, proporcionando um atendimento integral aos indivíduos e coletividades acompanhando o empoderamento a respeito da sua(s) saúde. Ressalta-se, portanto, que os profissionais de saúde atuam como facilitadores no processo da educação em saúde, e que a ideia de cuidado integrado em saúde compreende um saber desenvolvido de forma coletiva por profissionais, docentes, gestores e usuários/pacientes, corresponsáveis pela produção da saúde31.

Assim, a construção dos valores humanísticos e éticos atuais como equidade e igualdade, democracia, empowerment e comunidade, diversidade e escolha, e intervenção ou não-intervenção do Estado, que conduzem às políticas de transformação dos grupos sociais, à conformação definida de prioridades, à busca da satisfação dos cidadãos e à aprendizagem coletiva de ambas as partes – profissional de saúde e sujeito (ou coletividade), foram princípios norteadores do módulo sobre gestão em saúde desse curso de Fonoaudiologia.

Diante do discutido, foi possível notar que o ser humano, complexo e múltiplo, é produto e produtor das práticas de saúde, sendo os indivíduos nas ações de cuidado, transformados nos sujeitos da ação de saúde, conforme suas peculiaridades individuais, sociais, econômicas e culturais. Deste modo, os indivíduos e grupos devem ser empoderados de conhecimentos a fim de identificar suas aspirações, satisfazer suas necessidades, modificando favoravelmente o meio ambiente no qual vivem e convivem32. Nesse sentido, a gestão lida com polaridades, que dão oportunidade de enfrentar o desafio de questionar instâncias que privilegiam o desequilíbrio entre autonomia e controle, benefícios e danos, produção e reprodução, doença e saúde, cuidador e aquele que é cuidado, dentre outras33.

Assim, os estudantes destacaram que a Fonoaudiologia participa de um ciclo que busca proporcionar a melhora da qualidade de vida do indivíduo, diante do trabalho interdisciplinar considerando um dos princípios do SUS: a integralidade como fato imprescindível no desenvolvimento do processo terapêutico de um paciente ou coletividade. Estudo34 confirma a necessidade de implementação da integralidade na atenção à saúde desde a organização dos serviços à formação profissional no âmbito da graduação. E, ao se tratar da formação profissional, devem estar presentes atores como: docentes, dirigentes de ensino, estudantes, gestores de educação e gestores do SUS.

CONCLUSÃO

Diante dos dados encontrados pode-se concluir que a formação dos alunos de graduação em Fonoaudiologia desse curso específico suscitou a compreensão parcial do processo saúde-doença como diretriz primordial para explorar os territórios de potências singulares no campo das práticas sociais (a saúde). Contudo, aprimorou a aprendizagem em relação ao processo de integralidade, quando adotou na sua práxis, posições teóricas voltados à qualidade de vida e à promoção da saúde, simultaneamente ao investimento sobre a prevenção das doenças, em um sentido ampliado e interdisciplinar. Sendo assim, o desafio será instaurar a produção de novas instabilidades e proporcionar as condições integrais para a capilaridade desse conhecimento junto às disciplinas específicas das ciências fonoaudiológicas. Procedimentos podem ser adotados com enfoque à reestruturação da metodologia de ensino-aprendizagem observando as contribuições e limitações das atividades executadas e dos temas abordados em consonância com frequentes diálogos com os alunos a fim de verificar suas sugestões, críticas e pensamento direcionando a uma melhor assimilação do conteúdo ofertado.

Recebido em: 13/08/2012

Aceito em: 26/03/2013

Conflito de interesses: inexistente

Realização do trabalho: Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP.

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    Aline Megumi Arakawa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Ago 2012
    • Aceito
      26 Mar 2013
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