RESUMO
Objetivo:
relacionar os aspectos cognitivos com os dados sociodemográficos e a fluência verbal de idosos ativos de um município do sul do Brasil.
Métodos:
trata-se de um estudo epidemiológico realizado com 386 idosos cadastrados em grupos de convivência do referido município. Os dados foram coletados por meio da utilização de um questionário sociodemográfico, do Teste de Fluência Verbal e do Mini Exame do Estado Mental.
Resultados:
a maioria dos participantes eram mulheres. A amostra foi caracterizada, predominantemente, por baixa escolaridade e renda mensal de até três salários mínimos. Foi possível observar que quanto menor o número de anos de escolaridade, menor renda mensal e maior faixa etária, pior foi o desempenho no Mini Exame do Estado Mental. Os dados do presente estudo apresentam relações significantes entre o Mini Exame do Estado Mental e o Teste de Fluência Verbal.
Conclusão:
os aspectos cognitivos analisados por meio do Mini Exame do Estado Mental sofreram influência das variáveis sóciodemográficas e do Teste de Fluência Verbal. Tais variáveis podem contribuir para o conhecimento e acompanhamento dos aspectos cognitivos daqueles que participam de grupos de convivência.
Descritores:
Idoso; Memória; Cognição; Epidemiologia; Saúde Pública
ABSTRACT
Purpose:
to relate the cognitive aspects with sociodemographic data and the verbal fluency of the active elderly in a municipality in the south of Brazil.
Methods:
an epidemiological study conducted with 386 elderly people participating in community groups of the municipality. Data were collected using a sociodemographic questionnaire, the Verbal Fluency Test (VFT) and the Mini-Mental State Examination (MMSE).
Results:
most participants were women. The sample was characterized by people, predominantly with low schooling and income up to three minimum wages. It was possible to observe that the lower the years of schooling, the lower the monthly income, while the higher the age group, the worse the MMSE. Data of the present study showed significant relationships between the MMSE and the VFT.
Conclusion:
the cognitive aspects analyzed through the MMSE were influenced by sociodemographic variables and the VFT. These aspects may contribute to the knowledge and monitoring of the cognitive aspects of those who participate in community groups.
Keywords:
Elderly; Memory; Cognition; Epidemiology; Public Health
Introdução
Os aspectos referentes à transição demográfica e epidemiológica têm delineado o perfil da população brasileira incidindo no estreitamento da base e alargamento do topo da pirâmide etária, característica de Países Desenvolvidos11. Vasconcelos AMN, Gomes MMF. Transição demográfica: a experiência brasileira. Epidemiol Serv Saúde. 2012;21(4):539-8.. O último censo demográfico indicou que, no ano de 2010, o país alcançava a marca de 190,8 milhões de habitantes e o número de idosos, aproximadamente, no ano de 2000 era de 14 milhões; em 2010, foi de 19 milhões. Para 2020, alcançará 28 milhões, e estima-se que, em 2050, totalize 64 milhões de idosos22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050: revisão 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2008. [acesso em 2014 jun. 23]. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/projecao.pdf>..
A proporção de idosos com 80 anos, ou mais, vem aumentando e trazendo implicações importantes devido à maior frequência de comorbidades e maior incidência de declínio funcional. Essa população pode ser denominada de acordo com a sua década etária ou como idosos muito idosos, idosos mais idosos, idosos mais velhos e idosos longevos33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília (DF): MS; 2006..
O processo de envelhecimento tem como característica diversas alterações no corpo humano, sendo que, na velhice, a adaptação nas dimensões emocional, cognitiva e comportamental, é fundamental para se obter ou manter o padrão de qualidade de vida. Segundo a perspectiva da Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é definida como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença e enfermidade”44. Organização Mundial de Saúde. Programme on mental health - WHOQOL User Manual. Division of Mental Health and Prevention of Substance Abuse. 1998.. É no envelhecimento ativo com a continuidade das práticas sociais de bem-estar individual e coletivo que há o favorecimento da adaptação ao processo de modificação, reconstruindo o papel cultural e social, solidificando a autonomia do idoso55. Pereira KCR, Alvarez AM, Traebert JL. Contribuição das condições sociodemográficas para a percepção da qualidade de vida em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(1):85-95. ao favorecer paralelamente a qualidade de vida.
A definição de envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos, quanto a grupos populacionais. Trata-se da inserção do idoso na comunidade, frente a oportunidade de vivenciar uma melhor qualidade de vida e estilos de vida saudáveis, possibilitando, assim, a percepção e participação nos aspectos civis, sociais, culturais que vão além do estar fisicamente ativo ou inserido no mercado de trabalho66. World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.. A boa funcionalidade cognitiva de idosos é considerada um indício importante de envelhecimento ativo e de longevidade, reafirmando a autonomia e a capacidade de autocuidado do idoso, influenciando em suas decisões a respeito da possibilidade de continuar a viver de maneira independente e com segurança. Sendo o declínio das habilidades cognitivas, um fator de aumento no risco de dificuldades no desempenho de atividades de vida diária77. Irigaray TQ, Schneider RH, Gomes I. Efeitos de um treino cognitivo na qualidade de vida e no bem-estar psicológico de idosos. Psicol Reflex Crít. 2011;24(4):810-8.. O declínio cognitivo se torna uma das consequências do envelhecimento mais temida pelos idosos, exigindo estudos que investiguem os fatores de risco associados a esse aspecto88. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiq Clín. 2010;37(2):52-6..
As queixas de problemas relacionados a memória estão presentes na população em geral, mas sua prevalência tende a aumentar com o avançar da idade. Os idosos, ao relatar a falha de memória, apresentam forte preocupação com o risco de que tal condição evolua para a demência99. Guerreiro TC, Veras R, Motta LB, Veronesi AS, Schmidt S. Queixa de memória e disfunção objetiva de memória em idosos que ingressam na Oficina da Memória(r) na UNATI/UERJ. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2006;9(1):7-20..
A demência pode ser resultado de variadas condições degenerativas, vasculares, neoplásicas, infecciosas, tóxicas, metabólicas e psiquiátricas, que se localizam em diferentes partes do cérebro, afetando diferentes funções cognitivas1010. Converso MER, Iartelli I. Caracterização e análise do estado mental e funcional de idosos institucionalizados em instituições públicas de longa permanência. J Bras Psiquiatr. 2007;56(4):267-72.. Dentre essas, a demência mais frequente é a Doença de Alzheimer (DA), que atinge 60% a 70% destes indivíduos1111. WHO. World Health Organization. Dementia: a public health priority. Geneva: World Health Organization; 2012..
A demência é um tema em evidência, que vem despertando o interesse em estudos por profissionais da área da saúde, fato que ocorre devido ao aumento de sua incidência na população nas últimas décadas. As intercorrências não afetam somente o doente, mas também, a sua família e os seus cuidadores. As atenções relativas ao paciente envolvem fatores como a perda de memória, a maior dificuldade de concentração e atenção, a perda de habilidades intelectivas, a desorientação espaço-temporal, o eventual decréscimo da qualidade de vida, as dificuldades crescentes em relações comunicativas, a perda da possibilidade de independência nas atividades de vida diária e, também, a necessidade de atendimento especial1212. Mac-Kay APMG. Distúrbios de linguagem: demência. In: Russo IP (Org). Intervenção fonoaudiológica na terceira idade. Rio de Janeiro: Revinter, 2004. p.121-31.. Um dos aspectos que sofre impacto nesse quadro é a linguagem, pois o decorrer da doença pode levar o indivíduo à apresentar alteração da capacidade de fala, de expressão, de compreensão, de nomeação de objetos, dentre outras1313. Araujo CLO, Nicoli JS. Uma revisão bibliográfica das principais demências que acometem a população brasileira. Rev Kairós. 2010;13(1):231-44..
O Teste de Fluência Verbal (TFV)1414. Brucki SMD, Maleiros SMF, Okamoto IH, Bertolucci PHF. Dados normativos para o teste de fluência verbal categoria animais em nosso meio. Arq Neuropsquiatr. 1997;55(1):56-61., amplamente utilizado em estudos brasileiros para a identificação precoce de declínio cognitivo1515. Costa SAA, Miotto EC, Lucia MCS, Scaff M. Atividade física, envelhecimento e o desempenho no teste de fluência verbal categoria animais. Psicol Hosp. 2013;11(1):88-102., busca verificar a linguagem, a memória semântica e as funções executivas, avaliando a capacidade de busca e recuperação de dados estabelecidos na memória de longa duração. O TFV, baseado em categorias, apresenta grande sensibilidade1616. Eastman JA, Hwang KS, Lazaris A, Chow N, Ramirez L, Babakchanian S et al. Cortical thickness and semantic fluency in Alzheimer's disease and mild cognitive impairment. American Journal of Alzheimer's Disease. 2013;1(2):81-92. ao distinguir os indivíduos sem alterações cognitivas daqueles em estágios iniciais da DA1717. Brucki SMD, Rocha MSG. Category fluency test: effects of age, gender and education on total scores, clustering and switching in brazilian portuguese-speaking subjects. Braz J Med Biol Res. 2004;37(12):1771-7..
O Mini Exame do Estado Mental (MEEM) é um dos testes mais empregados e mais estudados em todo o mundo, utilizado isoladamente ou incorporado a instrumentos mais amplos, permite a avaliação da função cognitiva e o rastreamento de quadros demenciais. Sua aplicação pode ser realizada em ambientes clínicos para a detecção de declínio cognitivo, o seguimento de quadros demenciais e no monitoramento de resposta ao tratamento que o indivíduo esteja submetido1818. Lourenço RA, Veras RP. Mini-Mental State Examination: psychometric characteristics in elderly outpatients. Rev Saúde Publica. 2006;40(4):712-9., como instrumento de rastreio para demência não substituindo uma avaliação mais detalhada, pois apesar de avaliar vários domínios (orientação temporal, espacial, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem e cópia de desenho), o faz de maneira superficial. Não tem fins diagnósticos, mas sim, para indicar quais funções devem ser melhor investigadas1919. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81..
Estudar o envelhecimento cognitivo tem se tornado cada vez mais importante, considerando que o aumento da população idosa já é característico de países desenvolvidos, e tem se tornado a realidade de países em desenvolvimento, culminando em uma demanda crescente na área da saúde pública. Pesquisadores passaram a se preocupar com as dificuldades que podem acometer as outras funções cognitivas além da memória2020. Argimon IIL. Aspectos cognitivos em idosos. Aval Psic. 2006;5(2):243-5.. Segundo Converso e Lartelli (2007)1010. Converso MER, Iartelli I. Caracterização e análise do estado mental e funcional de idosos institucionalizados em instituições públicas de longa permanência. J Bras Psiquiatr. 2007;56(4):267-72., estudos apontaram que um preditor da DA é o Comprometimento Cognitivo Leve (CCL). Assim sendo, é fundamental o levantamento de dados populacionais para posterior direcionamento de Políticas Públicas e orientações à população.
Considerando os aspectos acima apresentados, o presente estudo teve como objetivo relacionar os aspectos cognitivos com os dados sociodemográficos e a fluência verbal de idosos ativos de um município do Sul do Brasil.
Métodos
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC mediante CAAE: 34981514.2.0000.0118, de acordo com as recomendações da Resolução nº. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os idosos que aceitaram participar do presente estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Trata-se de um estudo epidemiológico realizado em grupos de convivência de idosos de um município do Sul do Brasil. Neste estudo compreende-se como grupo de convivência um local para que idosos possam ter um espaço de fortalecimento, desenvolvimento e aprimoramento de suas potencialidades, bem como o fortalecimento de vínculos entre participantes e a comunidade. A coleta de dados foi realizada no período de março a agosto de 2015.
O total de integrantes cadastrados nos grupos de convivência, de acordo com os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), foi de 3.694 idosos e para o cálculo amostral, realizado de acordo com Miot (2011)2121. Miot HA. Tamanho da amostra em estudos clínicos e experimentais. J Vasc Bras. 2011;10(4):275-8., considerou-se a prevalência de idosos com a condição de interesse de 50%, com confiança de 95%, margem de erro de 5% e possíveis perdas de 10%, totalizando a amostra mínima 386 indivíduos. A análise estatística foi realizada por meio do programa MedCalc, versão 16.2.0 (MedCalc Software bvba, Ostend, Belgium; https://www.medcalc.org; 2016).
Foram selecionados os grupos de convivência com o maior número de participantes cadastrados na relação ofertada pela SEMAS, de acordo com cada região do município estudado (região norte, sul, centro, leste e continental). Os pesquisadores entraram em contato com os responsáveis de cada grupo para que, posteriormente, pudessem participar de um dos encontros in loco. Os grupos de idosos se reuniam, geralmente, em encontros semanais para realizarem atividades como bingo, dominó, baralho, dança, trabalhos artesanais de pintura e bordado e organização de eventos.
Nesses encontros, os idosos foram convidados pelos pesquisadores a participar da pesquisa e, em caso de aceite, foram agendadas as visitas subsequentes para a aplicação dos instrumentos de pesquisa em um ambiente privativo cedido pelos locais onde os grupos eram realizados.
Participaram do estudo, homens e mulheres, com idade igual ou superior a 60 anos, sendo estes divididos em octogenários e não octogenários. Como critérios de exclusão, foram levados em consideração aspectos autodeclarados, sendo eles, as queixas cognitivas que incapacitassem responder aos questionários propostos, declarar possuir déficit visual e/ou auditivo sem correção, bem como apresentar outras condições que comprometam a cognição como depressão (não tratada) e doenças psiquiátricas. Tais aspectos foram sinalizados em questões dicotômicas inseridas no questionário sociodemográfico elaborado pelos autores, contendo questões sobre a idade dos participantes, escolaridade (agrupada em 0 a 4 anos de estudo, 5 a 8 anos de estudo, 9 a 11 anos de estudo e maior que 11 anos de estudo) e renda (sedimentada em quatro grupos, entre 1 a 3 salários mínimos, 4 a 6 salários mínimos, 7 a 9 salários mínimos e maior ou igual a 10 salários mínimos). Este instrumento foi o primeiro a ser aplicado para conhecimento da amostra e direcionamento de exclusão ou não do participante, não havendo critérios de pontuação. Também foram aplicados o TFV1414. Brucki SMD, Maleiros SMF, Okamoto IH, Bertolucci PHF. Dados normativos para o teste de fluência verbal categoria animais em nosso meio. Arq Neuropsquiatr. 1997;55(1):56-61. e o MEEM1919. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81.. O MEEM foi selecionado por se tratar de um rastreio cognitivo, sem caráter diagnóstico e a pontuação, seguiu os valores limites propostos de acordo com os anos de escolaridade dos participantes, sendo 20 pontos para os analfabetos, 25 pontos para aqueles com 1 a 4 anos de escolaridade; 26 pontos para os de 5 a 8 anos, 28 pontos para os de 9 a 11 anos e 29 pontos para indivíduos com escolaridade superior a 11 anos1919. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Mini-Exame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81..
O outro instrumento aplicado foi o Teste de Fluência Verbal (por categoria semântica animais/minuto) cujos pontos de corte utilizados foram escores inferiores a nove animais para indivíduos com até oito anos incompletos de estudo e inferior a 13 para indivíduos com oito ou mais anos de estudo, sendo indicativo de disfunção cognitiva. O teste consiste em pedir ao indivíduo que diga o maior número possível de animais em um minuto1414. Brucki SMD, Maleiros SMF, Okamoto IH, Bertolucci PHF. Dados normativos para o teste de fluência verbal categoria animais em nosso meio. Arq Neuropsquiatr. 1997;55(1):56-61.. Em ambos os testes foi utilizado o critério “passa/falha” de acordo com as pontuações obtidas e os pontos de corte explicitados.
Análise Estatística
Os dados foram analisados de modo descritivo por meio da obtenção da média e desvio padrão da variável numérica. As variáveis categóricas foram analisadas por meio da obtenção da frequência absoluta e relativa.
Dado que as variáveis encontradas não apresentaram distribuição normal, foram utilizados para a análise descritiva inferencial os testes Qui-quadrado, Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, seguido pelo teste de Dunn e Jonckheere-Terpstra e a Correlação de Spearman. Como variável dependente, utilizou-se os resultados do MEEM (escore e passa/falha), e as variáveis independentes foram a escolaridade (agrupada em quatro categorias), idade (octogenários e não-octogenários), TFV (escore e passa/falha) e renda mensal (agrupada em quatro categorias). A análise foi realizada por meio do programa MedCalc, versão 16.2.0, considerados significantes dados com p<0,05.
Resultados
Participaram do presente estudo um total de 386 idosos, com predomínio de 370 (95,9%) mulheres. A população do estudo apresentou a média etária de 72,27 anos (desvio padrão de 7,90 anos), mediana de 71 anos, idade mínima e máxima de 60 e 95 anos, respectivamente. Observou-se a prevalência de indivíduos com escolaridade até quatro anos de estudo e renda salarial entre um e três salários mínimos (Tabela 1).
Na análise realizada referente ao MEEM, obteve-se média de 23,99 pontos e no TFV, média de 12,63 animais (Tabela 2). No que se refere à faixa etária, ao realizar a divisão de indivíduos idosos e a proporção “mais idosa”, octogenária, acima dos 80 anos, foi encontrada diferença significante (p<0,012) (teste Mann-Whitney) na análise entre os escores obtidos no MEEM.
Frequência relativa de indivíduos octogenários que passaram e falharam no teste de fluência verbal (TFV) e Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Florianópolis, SC, Brasil, 2015
Além disso, pode-se encontrar diferença significante entre os anos de estudo e renda mensal, como aponta a Tabela 3.
Foi encontrada diferença estatisticamente significante (p<0,001) no que tange a associação entre o aspecto de passa/falha no MEEM e a escolaridade (teste Qui-Quadrado), sendo prevalente a porcentagem de falha de indivíduos com menores anos de estudo, cujo aspecto descritivo consta na Figura 1. Os anos de estudo influenciaram, também, os resultados do TFV, como observa-se na Figura 2. Confirmando esta diferença, aplicou-se o teste de tendência (teste de Jonckheere-Terpstra) encontrando-se p<0,001.
Frequência relativa de indivíduos que passaram e falharam no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) de acordo com os anos de estudo. Florianópolis, SC, Brasil, 2015
Frequência relativa de indivíduos que passaram e falharam no Teste de Fluência Verbal (TFV) de acordo com os anos de estudo. Florianópolis, SC, Brasil, 2015
Na análise dos escores entre o MEEM e a renda mensal, foi possível observar uma diferença significante (p<0,001, teste Kruskal-Wallis) entre o grupo com renda de 1 a 3 salários mínimos com os grupos com renda de 4 a 6 e maior ou igual a 10 salários mínimos (teste de Dunn), encontrando-se p<0,001 ao verificar a tendência no aumento da renda mensal e os escores no MEEM (teste de Jonckheere-Terpstra).
Complementando os dados apresentados nas Figuras 4 e 5 referentes a frequência relativa dos indivíduos que passaram e falharam no MEEM e TFV, ressalta-se que, apesar de ambos os testes complementarem o diagnóstico de demência, os mesmos avaliam habilidades cognitivas distintas. Dessa forma, no presente estudo, o desempenho desfavorável em um dos testes não implicou necessariamente na pontuação geral apresentada pelo outro instrumento.
Frequência relativa de indivíduos que passaram e falharam no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) de acordo com a renda mensal em salários mínimos (SM). Florianópolis, SC, Brasil, 2015
Frequência relativa de indivíduos que passaram e falharam no Teste de Fluência Verbal (TFV) de acordo com a renda mensal em salários mínimos (SM). Florianópolis, SC, Brasil, 2015
Pôde-se encontrar associação e correlação entre o MEEM e TFV (teste Qui-quadrado e correlação de Spearman) com p=0,002 e p<0,001 (r=0,478), respectivamente. Os grupos de convivência foram organizados de acordo com as regiões do município estudado não sendo encontrada diferença significante ao verificar a associação entre elas e o MEEM (p=0,648), bem como entre o TFV (p=0,360).
Discussão
Na amostra do presente estudo, a maioria dos participantes foi do sexo feminino, aspecto que vai ao encontro da tendência relatada na literatura1818. Lourenço RA, Veras RP. Mini-Mental State Examination: psychometric characteristics in elderly outpatients. Rev Saúde Publica. 2006;40(4):712-9.,2222. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Cognitive and health conditions in elderly participants in recreation and leisure activities centers. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71.,2323. Vitiello APP, Ciríaco JGM, Takahashi DY, Nitrini R, Caramelli P. Avaliação cognitiva breve de pacientes atendidos em ambulatório de neurologia geral. Arq Neuropsiquiatr. 2007;65(2-A):299-303., bem como ao processo de feminização do envelhecimento relacionado à queda das taxas de fecundidade e de mortalidade da população2424. Soares C. Envelhecimento populacional e as condições de rendimento das idosas no Brasil. Rev. Gênero. 2013;12(2):167-85.. Uma das causas desse panorama pode estar relacionada ao fato de que a mulher tende a se casar com homens mais velhos que, associada a uma mortalidade masculina maior do que a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em relação ao seu cônjuge. Soma-se a tal aspecto a tendência das mulheres em frequentar espaços sociais, sendo o oposto relacionado aos homens, que além de pouco participarem, são considerados provedores financeiros do lar2222. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Cognitive and health conditions in elderly participants in recreation and leisure activities centers. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71..
A pontuação média obtida no MEEM, no presente estudo, se assemelha a outros como de Leite et al. (2012)2222. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Cognitive and health conditions in elderly participants in recreation and leisure activities centers. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71., porém com maior amplitude. Foi possível observar que a pontuação do MEEM se relaciona com a variável idade quando analisados os indivíduos octogenários, os quais obtiveram menor pontuação no teste do que os não octogenários, corroborando o de outros estudos2222. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Cognitive and health conditions in elderly participants in recreation and leisure activities centers. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71.,2525. Domiciano BR, Braga DKAP, Silva PN, Vasconcelos TB, Macena RHM. Escolaridade, idade e perdas cognitivas de idosas residentes em instituições de longa permanência. Rev Neurocienc. 2014;22(3):330-6., os quais também obtiveram resultados da idade influenciando no teste. Segundo Valle et al. (2009)2626. Valle EA, Costa EC, Firmo JOA, Uchoa E, Costa MFL. Estudo de base populacional dos fatores associados ao desempenho no Mini Exame do Estado Mental entre idosos: projeto Bambuí. Cad Saúde Publica. 2009;25(4):918-26. a idade é um dos determinantes mais importantes do declínio cognitivo.
A escolaridade foi outro fator que apresentou forte influência nos resultados obtidos no MEEM, dados que os participantes que possuíram baixo nível de escolaridade, apresentaram menor pontuação no teste. Tal aspecto também é encontrado em estudos1818. Lourenço RA, Veras RP. Mini-Mental State Examination: psychometric characteristics in elderly outpatients. Rev Saúde Publica. 2006;40(4):712-9.,2424. Soares C. Envelhecimento populacional e as condições de rendimento das idosas no Brasil. Rev. Gênero. 2013;12(2):167-85. em que a população com baixo nível educacional obteve resultados significantes por falharem no teste do MEEM. A análise realizada quanto aos anos de estudo e o TFV também apontou relação quando analisados os escores obtidos.
Evidencia-se que, quanto maior o tempo de estudo, melhor o desempenho cognitivo, tornando o cérebro mais resistente e flexível diante dos efeitos de doenças ou das alterações comuns causadas pelo envelhecimento. A escolaridade mostra-se fundamental ao fato que os idosos com menos tempo de estudo apresentam pior desempenho em quase todos os testes cognitivos. De acordo ainda com a literatura, a experiência educacional e o uso de habilidades cognitivas mais complexas podem fortalecer a reserva cognitiva e preservar tanto a cognição, quanto a funcionalidade do indivíduo. Sendo assim, a educação formal e, posteriormente, a ocupação profissional, podem ser essenciais na formação de recursos cognitivos a longo prazo, fatores esses protetivos contra o aparecimento precoce e a manifestação de doenças neurodegenerativas como a DA2727. Coelho FGM, Vital TM, Novais IP, Costa GA, Stella F, Galduroz RFS. Desempenho cognitivo em diferentes níveis de escolaridade de adultos e idosos ativos. Rev Bras de Geriatr Gerontol. 2012;15(1):7-15..
Ao analisar a relação entre a renda mensal e os escores obtidos no MEEM, foi possível observar diferença significante do grupo com a menor faixa de renda, em relação a outros dois com maior renda, sinalizando que idosos com baixa renda mensal possuem maior probabilidade de apresentar um declínio cognitivo. Os fatores que podem estar associados aos resultados dos dados apresentados são a baixa escolaridade, a falta de atenção à saúde, além do baixo incentivo às relações afetivas e sociais2222. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Cognitive and health conditions in elderly participants in recreation and leisure activities centers. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71..
Os dados do presente estudo apresentaram relações significantes entre o MEEM e o TFV. O TFV e o MEEM são testes contemplados no caderno de atenção básica do Ministério da Saúde do Brasil2828. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 192 p. il. - (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Cadernos de Atenção Básica, n. 19)., sendo de ampla aplicação, rápida execução, grande praticidade, fácil aplicabilidade e com simples pontuação, podendo auxiliar na mensuração do declínio cognitivo mesmo em fases iniciais da síndrome demencial. Dada a importância da linguagem para o diagnóstico de demência, um estudo2929. Montiel JM, Cecato JF, Bartholomeu D, Martinelli JE. Testes do desenho do relógio e de fluência verbal: contribuição diagnóstica para o Alzheimer. Revista Psicologia: teoria e prática. 2014;16(1):169-80. longitudinal verificou que pacientes que evoluíram para DA começaram a apresentar declínio no teste de fluência verbal 12 anos antes de receberem o diagnóstico de demência.
Trazendo à tona a temática relacionada a prevenção de agravos, acredita-se que as atividades mentais passam ser um dos fatores de proteção das funções cognitivas. O estímulo mental associado aos fatores físico e social, tem como princípio a promoção de saúde de idosos e consequentemente a prevenção de quadros demenciais independentemente da gravidade3030. Soares E. Memória e envelhecimento: aspectos neuropsicológicos e estratégias preventivas. Psicologia. 2006;1-8 [acesso em 2017 ago 20]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0302.pdf
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Assim, em virtude do envelhecimento populacio nal crescente, a vigilância para com os aspectos de saúde do idoso tem sido intensificada nas últimas décadas, sendo reconhecida como um tema relevante de saúde pública2424. Soares C. Envelhecimento populacional e as condições de rendimento das idosas no Brasil. Rev. Gênero. 2013;12(2):167-85.. Dessa forma pode-se fornecer subsídios para auxiliar no direcionamento das ações de saúde pública do município estudado.
O processo demencial na população idosa é um dos principais problemas de saúde pública no Brasil. Sendo assim, observa-se a importância do diagnóstico e da abordagem precoce, objetivando melhor resposta terapêutica, para melhor qualidade de vida deste grupo e, consequentemente, de seus familiares1111. WHO. World Health Organization. Dementia: a public health priority. Geneva: World Health Organization; 2012..
Para uma melhor abordagem de pacientes com demência são necessários investimentos em demanda crescente, acompanhando o crescimento desta população. Qualquer política destinada aos idosos deve levar em consideração a necessidade de autonomia, de participação, de cuidado, de autossatisfação e de capacidade funcional. Torna-se cada vez mais necessária a presença de centros de saúde especializados e de fácil acesso aos idosos, somada às campanhas publicitárias direcionadas à conscientização de familiares e cuidadores dos idosos, com o objetivo de evitar a negligência quanto ao aparecimento do quadro demencial. Tais investimentos poderão auxiliar as políticas públicas de saúde, diminuindo os gastos com a instalação de quadros crônicos de pior prognóstico3131. Pereira KKG, Oliveira LP, Lucena ALR, Freitas FFQ, Vieira KFL. Rastreio de demência através do Mini Exame do Estado Mental e Teste do Relógio em idosos. Rev Ciênc Saúde Nova Esperança. 2014;12(2):26-35..
Compreende-se o enfoque dado aos idosos ativos como uma das limitações do estudo, assim sendo, não se pode generalizar os achados para todos os indivíduos que envelhecem. Faz-se necessário, então, o desenvolvimento de estudos que abranjam a população de idosos de diferentes regiões do país para o aumento do conhecimento acerca da temática estudada. Além disso, podem ser realizados estudos voltados às intervenções que os idosos recebem bem como o impacto dessas no seu desempenho cognitivo.
Conclusão
Pôde-se observar que os aspectos cognitivos analisados por meio do Mini Exame do Estado Mental sofreram influências da idade, da escolaridade e da renda mensal, além de apresentar relação significante com o Teste de Fluência Verbal. Tais aspectos podem contribuir para o conhecimento e acompanhamento dos aspectos cognitivos daqueles que participam de grupos de convivência.
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Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2018
Histórico
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Recebido
19 Nov 2017 -
Aceito
15 Jun 2018