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Referente a: Escala de Sintomas Vocais - ESV: forma de aplicação e cálculos do instrumento

Prezada Sra. Editora Científica da Revista CEFAC

Profa Dra Simone Aparecida Capellini,

Vimos, por meio desta, esclarecer alguns aspectos importantes referentes ao artigo publicado na Revista CEFAC, intitulado "Sintomas vocais de futuros profissionais da voz"11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43. e também solicitar esclarecimentos aos autores do referido manuscrito.

Em primeiro lugar, parabenizamos os autores pelo desejo de avaliar o risco vocal em futuros profissionais da voz. Ações como esta previnem o estabelecimento de disfonias e minimizam frustrações potenciais. Isso, por si só, justifica a realização do estudo. Contudo, ficamos profundamente preocupados com a gravidade dos resultados de um levantamento que se caracteriza como ação de triagem para o Dia Mundial da Voz que, como conclusão, permite caracterizar os sujeitos como sendo portadores de distúrbios da voz.

Há vários aspectos a serem considerados no processo de seleção dos sujeitos e no uso do instrumento de autoavaliação do impacto de um possível problema de voz. Destacamos, a seguir, questões relativas aos critérios de inclusão e exclusão, uso do instrumento de autoavaliação e referências bibliográficas:

1. Os critérios de inclusão apresentados são vagos: "adesão ao TCLE; sexo feminino ou masculino; estar realizando curso superior ou técnico que exigirá o uso profissional da voz falada para atuação"11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43.. Duas coisas nos chamam atenção, uma de importância menor, que é o critério "qualquer sexo" (não elimina ninguém, portanto não é inclusão) e outra, preocupante, que é a definição superficial dos futuros profissionais da voz. Praticamente todas as profissões utilizam a comunicação oral, em maior ou menor grau, de acordo com a área de conhecimento e local de atuação. Por se tratar de uma pesquisa científica em futuros profissionais da voz, essa categoria deveria ter sido cuidadosamente delimitada. Há várias classificações existentes e publicadas sobre profissionais da voz, como a de Koufman e Isacson (1991)22. Koufman JA, Isacson G. Voice Disorders. Philadelphia: Saunders, 1991., que sugerem uma classificação de acordo com a demanda e o impacto de uma eventual alteração de voz, categorizando-os em elite vocal, usuário profissional da voz falada, usuário não-profissional da voz e usuário não-profissional não-vocal22. Koufman JA, Isacson G. Voice Disorders. Philadelphia: Saunders, 1991. ou ainda a categorização dos profissionais da voz de acordo com o uso vocal de Shewell (2009)33. Shewell C. Voice Work: Art and science in changing voices. Wiley-Blackwell; 2009. p.447., classificando-os de acordo com sua demanda vocal em supporters, callers, transmitters, informers, leaders and sellers e performers33. Shewell C. Voice Work: Art and science in changing voices. Wiley-Blackwell; 2009. p.447.. Da forma como está, não há configuração definida com critérios consistentes para a inclusão dos sujeitos no estudo11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43. e, portanto, não se sabe quem eram os indivíduos coletados.

2. Os critérios de exclusão descritos também são vagos e parecem ser de certo modo incompatíveis com os de inclusão. Foram apresentados como critérios de exclusão: "relatos de doenças neurológicas ou psiquiátricas que pudessem limitar a compreensão da leitura do TCLE e do instrumento de coleta (ESV), indivíduos que no presente ou passado atuassem em profissões que exigissem o uso profissional da voz, relato de problemas ou queixas auditivas, futuros profissionais da voz cantada, dados incompletos nos instrumentos de coleta11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43.)". Novamente, não há critérios claros para a definição de profissionais da voz e não se compreende quais indivíduos foram excluídos e por que razão os futuros profissionais da voz cantada não foram considerados na coleta.

3. O instrumento de triagem foi apresentado de forma inadequada. A ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68., da mesma forma que o instrumento original VoiSS55. Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9., é um instrumento de autoavaliação de sintomas vocais e do impacto de um problema de voz, composto por 30 itens, com escores parciais e total obtidos por somatório simples e não média. No referido artigo11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43., os autores utilizam incorretamente a ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. como uma lista de sintomas, em que o indivíduo pode ter de zero a 30 sintomas vocais, conferindo uma interpretação errada sobre o instrumento e sua forma de cálculo. A ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. não uma lista de problemas vocais, a partir da qual obtém-se um valor médio de quantidade de problemas vocais, frequência esperada, aspectos positivos ou negativos, como calculado e apresentado nas tabelas de 1 a 5 do estudo11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43.. Além disso, a ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. é um instrumento classificador perfeito, com valor de corte de 16 pontos, dado publicado anteriormente em revistas de fácil acesso44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68.),(66. Behlau M, Madazio G, Moreti F, Oliveira G, Alves dos Santos LM, Paulinelli BR et al. Eficiência e valores de corte de protocolos de autoavaliação do impacto de problemas de voz. [Apresentado no 21º Congresso Brasileiro e 2º Ibero-Americano de Fonoaudiologia; 2013 Set 22-25; Porto de Galinhas].. Esse valor poderia ter sido usado como critério de passa ou falha na triagem.

4. O valor obtido como escore total médio da ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. dos indivíduos é surpreendentemente alterado (variando de 43,28 pontos a 55,0011. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43.)), o que não permite caracterizá-los como futuros profissionais da voz, mas sim como um grupo disfônico que procurou uma triagem em uma ação de campanha da voz para tratamento de um problema pré-existente. No estudo da validação da ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68., indivíduos da população geral apresentarem média do escore total de 7,11 pontos e os disfônicos média de 49,43 pontos. Os autores afirmam que seria isso risco vocal, o que é inadequado de acordo com o valor encontrado. Os valores são intensamente alterados e deveriam ser estudados sob esse ângulo. Não fica claro quantos indivíduos falharam na avaliação; contudo, a ocorrência de disfonia na população em geral varia de 3 a 8% e pode atingir 20% nas categorias de uso profissional da voz. O artigo dá a entender que essa porcentagem é muito mais elevada. Deveriam ainda ser considerados possíveis vieses na coleta e análise dos dados. Ficamos ainda sem saber o que foi feito com esses sujeitos, se eles foram encaminhados para avaliação médica e/ou fonoaudiológica. É preocupante a publicação desse resultado.

5. Imprecisão nas referências do artigo. A referência correta da ESV44. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68. é o artigo da validação publicado em 2014 e não o resumo da tese publicado em 2012, como utilizado pelos autores. Além disso, a referência da adaptação cultural77. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale - VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400. da ESV foi grafada erradamente como "Adaptação transcultural da versão brasileira da escala de sintomas de voz: VoiSS", quando na verdade o título correto da publicação é "Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale - VoiSS"77. Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale - VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400..

Finalmente, destacamos que o objetivo do estudo11. Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43. é interessante e atual, porém, preocupa-nos profundamente as consequências dos erros e imprecisões apontados no artigo em questão. Tão importante quanto controlar o desenho do experimento e suas diversas etapas é avaliar o impacto no consumidor da ciência, o fonoaudiólogo leitor.

Cordialmente,

Mara Behlau, Felipe Moreti, Fabiana Zambon e Gisele Oliveira

Referências

  • 1
    Cielo CA, Ribeiro VV, Hoffmann CF. Sintomas vocais de futuros profissionais da voz. Rev CEFAC. 2015;17(1):34-43.
  • 2
    Koufman JA, Isacson G. Voice Disorders. Philadelphia: Saunders, 1991.
  • 3
    Shewell C. Voice Work: Art and science in changing voices. Wiley-Blackwell; 2009. p.447.
  • 4
    Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Cross-cultural adaptation, validation, and cutoff values of the Brazilian version of the Voice Symptom Scale-VoiSS. J Voice. 2014;28(4):458-68.
  • 5
    Deary IJ, Wilson JA, Carding PN, MacKenzie K. VoiSS: a patient-derived Voice Symptom Scale. J Psychosom Res. 2003;54(5):483-9.
  • 6
    Behlau M, Madazio G, Moreti F, Oliveira G, Alves dos Santos LM, Paulinelli BR et al. Eficiência e valores de corte de protocolos de autoavaliação do impacto de problemas de voz. [Apresentado no 21º Congresso Brasileiro e 2º Ibero-Americano de Fonoaudiologia; 2013 Set 22-25; Porto de Galinhas].
  • 7
    Moreti F, Zambon F, Oliveira G, Behlau M. Equivalência cultural da versão brasileira da Voice Symptom Scale - VoiSS. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):398-400.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2015
  • Aceito
    30 Ago 2015
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