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Comportamento dos músculos cervicais em indivíduos com fala esofágica e laringe artificial

Behavior of cervical muscles in individuals with esophageal speech and artificial larynx

Resumos

OBJETIVO: avaliar através da eletromiografia de superfície o comportamento dos músculos esternocleidomastóideo e paraespinhais cervicais bilateralmente em pacientes que se comunicam por meio da fala esofágica e laringe artificial, para determinar se o tipo de voz utilizada altera o comportamento dos músculos cervicais. MÉTODOS: foram avaliados dez voluntários (duas mulheres e oito homens), idade média de 49,7 anos, com laringectomia total, tempo de pós-operatório médio de 2,6 anos, com limitação dos movimentos do pescoço, divididos em dois grupos: grupo 1: cinco voluntários (laringe artificial); grupo 2: cinco voluntários (voz esofágica); grupo 3 controle (sete voluntários). RESULTADOS: na fonação não houve alteração no padrão de ativação muscular dos indivíduos que utilizam a voz esofágica e a laringe artificial, com relação ao grupo controle. No entanto, na condição de repouso houve diferença significativa, comparando-se os valores médios de Root Mean Square dos grupos 1 e 2 com o grupo 3, para o músculo esternocleidomastóideo direito e para os músculos paraespinhais cervicais direito. CONCLUSÃO: o tipo de opção vocal não interferiu no padrão de ativação muscular durante a fonação, bem como não existiu diferença no padrão de ativação muscular na fonação dos voluntários quando comparados a indivíduos sem intercorrências no aparelho fonador.

Eletromiografia; Laringectomia; Voz Esofágica; Laringe Artificial


PURPOSE: to evaluate by the surface electromyography the behavior of the sternocleidomastoid and cervical paraspinalis muscles, bilaterally in patients who use esofagic and artificial larynx as alternative to talk and to determine if these conditions modify the cervical muscles behavior. METHODS: ten volunteers were evaluated (two women, eight men), with average age: 49. 7 years, with total laryngectomy, average time of postoperative: 2.6 years, with neck movements limitation, divided in two groups: group 1 with five volunteers (artificial larynx); group 2 with five volunteers (esofagic voice); and group 3 control (seven volunteers). RESULTS: there was no significant difference in the muscular activation pattern during phonation in individuals with esofagic voice and the artificial larynx compared to the control group, however, in the rest condition, there was a significant difference comparing the average values of Root Mean Square (RMS) of groups 1 and 2 with group 3, for the right sternocleidomastoid muscle and the right cervical paraspinalis muscles. CONCLUSION: the vocal option did not interfere on the muscular activation pattern during the phonation, as well as there was no difference in the muscular activation pattern comparing the experimental groups with the control group.

Electromyography; Laringectomy; Speech, Esophageal; Larynx, Artificial


ARTIGOS ORIGINAIS

Comportamento dos músculos cervicais em indivíduos com fala esofágica e laringe artificial

Behavior of cervical muscles in individuals with esophageal speech and artificial larynx

Cristina Bellini dos SantosI; Paulo Henrique Ferreira CariaII; Darcy de Oliveira ToselloIII; Fausto BérzinIV

IFisioterapeuta; Mestranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Buco-Dental na área de Anatomia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

IICirurgião-Dentista; Professor do Departamento de Morfologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil; Doutor em Biologia Patologia Buco-Dental pela Universidade Estadual de Campinas

IIICirurgia-Dentista; Professora Livre-docente do Departamento de Morfologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil; Doutora em Biologia Patologia Buco-Dental pela Universidade Estadual de Campinas

IVCirurgião-Dentista; Professor Titular do Departamento de Morfologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil; Doutor em Ciências pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cristina Bellini dos Santos Av. Nove de Julho, 3730 ap. 41 Jundiaí – SP CEP: 13208-056 E-mail: bellinicris@fop.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar através da eletromiografia de superfície o comportamento dos músculos esternocleidomastóideo e paraespinhais cervicais bilateralmente em pacientes que se comunicam por meio da fala esofágica e laringe artificial, para determinar se o tipo de voz utilizada altera o comportamento dos músculos cervicais.

MÉTODOS: foram avaliados dez voluntários (duas mulheres e oito homens), idade média de 49,7 anos, com laringectomia total, tempo de pós-operatório médio de 2,6 anos, com limitação dos movimentos do pescoço, divididos em dois grupos: grupo 1: cinco voluntários (laringe artificial); grupo 2: cinco voluntários (voz esofágica); grupo 3 controle (sete voluntários).

RESULTADOS: na fonação não houve alteração no padrão de ativação muscular dos indivíduos que utilizam a voz esofágica e a laringe artificial, com relação ao grupo controle. No entanto, na condição de repouso houve diferença significativa, comparando-se os valores médios de Root Mean Square dos grupos 1 e 2 com o grupo 3, para o músculo esternocleidomastóideo direito e para os músculos paraespinhais cervicais direito.

CONCLUSÃO: o tipo de opção vocal não interferiu no padrão de ativação muscular durante a fonação, bem como não existiu diferença no padrão de ativação muscular na fonação dos voluntários quando comparados a indivíduos sem intercorrências no aparelho fonador.

Descritores: Eletromiografia; Laringectomia; Voz Esofágica; Laringe Artificial.

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate by the surface electromyography the behavior of the sternocleidomastoid and cervical paraspinalis muscles, bilaterally in patients who use esofagic and artificial larynx as alternative to talk and to determine if these conditions modify the cervical muscles behavior.

METHODS: ten volunteers were evaluated (two women, eight men), with average age: 49. 7 years, with total laryngectomy, average time of postoperative: 2.6 years, with neck movements limitation, divided in two groups: group 1 with five volunteers (artificial larynx); group 2 with five volunteers (esofagic voice); and group 3 control (seven volunteers).

RESULTS: there was no significant difference in the muscular activation pattern during phonation in individuals with esofagic voice and the artificial larynx compared to the control group, however, in the rest condition, there was a significant difference comparing the average values of Root Mean Square (RMS) of groups 1 and 2 with group 3, for the right sternocleidomastoid muscle and the right cervical paraspinalis muscles.

CONCLUSION: the vocal option did not interfere on the muscular activation pattern during the phonation, as well as there was no difference in the muscular activation pattern comparing the experimental groups with the control group.

Keywords: Electromyography; Laringectomy; Speech, Esophageal; Larynx, Artificial.

INTRODUÇÃO

O câncer é uma das doenças mais graves que acometem a laringe, atingindo principalmente o gênero masculino, entre 50 a 70 anos, tendo o tabagismo e o alcoolismo como o principal fator de risco 1.

Dependendo do estágio clínico, da localização e da extensão do tumor, o tratamento pode resultar sequelas que comprometem a qualidade de vida do paciente de maneira temporária ou permanente 2,3. Em estágios iniciais o tratamento pode ser realizado através da radioterapia e da quimioterapia, com a finalidade de preservar a laringe 4. Nos casos mais avançados pode existir a necessidade do tratamento cirúrgico (laringectomia parcial, onde apenas parte da laringe é removida ou total, que consiste na retirada total da laringe) combinados ou não com radioterapia e quimioterapia 5,6. Na grande maioria das cirurgias ocorre a remoção dos linfonodos cervicais a fim de evitar metástases e garantir melhor prognóstico ao pacientes 7,8.

A laringectomia total provoca significativas modificações no paciente, em especial na respiração e na fonação. As alterações podem envolver alterações físicas, comprometendo em maior ou menor grau a imagem corporal e funções vitais como a respiração, deglutição e a mobilidade do pescoço podendo resultar em dor, alterações posturais e dificuldades em desempenhar tarefas do coti- diano 9-11. Dentre essas sequelas a perda na capacidade de comunicação pode comprometer a qualidade de vida dos pacientes e requer um trabalho de reabilitação vocal bastante intenso 12,13.

Existem várias formas de comunicação que podem ser utilizadas pelos pacientes laringectomizados totais, entre elas a comunicação escrita, a fala bucal, a voz traqueosofágica, a voz esofágica e a voz utilizando a laringe artificial 9,14-16.

A voz esofágica é produzida pelo ar que ao penetrar na boca atinge a porção alta do esôfago e ao ser expulso faz vibrar as paredes do mesmo, emitindo som. Já a laringe eletrônica produz o som pela vibração da membrana de um cilindro de metal movido a pilhas, que ao ser colocado externamente na porção lateral do pescoço ou da bochecha, e ali mantido durante o tempo em que o indivíduo estiver falando, ampliará de forma audível os movimentos articulatórios sem som feitos pelo paciente 12,13.

A literatura especializada relacionando a avaliação eletromiográfica dos músculos cervicais em pacientes laringectomizados totais, considerando os diferentes tipos de fala é extremanente escassa. No entanto, estudos semelhantes foram encontrados avaliando a atividade elétrica dos músculos cervicais em pacientes disfônicos, constatando a presença de alterações posturais e sintomatologia de dor, juntamente com alterações no padrão de ativação muscular desses indivíduos 17,18.

Considerando as alterações sofridas no aparelho fonador e na musculatura cervical de pacientes laringectomizados totais que se comunicam por meio da fala esofágica e de laringe artificial, o presente estudo teve como objetivo, analisar a atividade eletromiografia dos músculos esternocleidomastóideos (ECM) e paraespinhais cervicais (PC), a fim de avaliar se o tipo de voz utilizada altera o comportamento dos músculos cervicais, além de determinar uma possível influência da presença de limitação cervical e alteração postural no padrão de ativação muscular.

MÉTODOS

Participaram desse estudo 17 voluntários (4 mulheres e 13 homens), com idade mínima de 54 anos e máxima de 74 anos (média de 59,82 anos), divididos em 03 grupos de acordo com a opção de fala utilizada:

Grupo 1: cinco voluntários, sendo dois do sexo feminino e três do sexo masculino, com média de 62 anos e tempo de pós-operatório médio de 1,87 anos, que se comunicavam através da laringe eletrônica.

Grupo 2: cinco voluntários do sexo masculino, com média de 61,4 anos e tempo de pós-operatório médio de 2,34 anos, que se comunicavam através da voz esofágica.

Grupo 3: sete voluntários, sendo dois do sexo feminino e cinco do sexo masculino, com média de 59 anos de idade, que não sofreram intercorrências no aparelho fonador, constituindo o grupo controle.

Os critérios de inclusão para os grupos 1 e 2 foram: voluntários com diagnóstico de câncer envolvendo a cabeça e o pescoço submetidos à laringectomia total ou ressecção tumoral, radioterapia pós-cirúrgica e esvaziamento cervical, com a presença de limitação dos movimentos do segmento cervical da coluna vertebral.

Todos os voluntários realizaram terapia fonoaudiológica individual, em que foram apresentadas as diferentes formas de reabilitação vocal, como a eletrolaringe, a fala esofágica e a prótese traqueosofágica, sendo escolhido o método que melhor se adaptava às necessidades individuais.

Os voluntários foram submetidos a avaliações fonoaudiológica e fisioterápica. A primeira buscou investigar queixas de alteração vocal, hábitos dos indivíduos, uso de medicamentos, presença de distúrbios orgânicos e tipo de comunicação realizada, sendo realizada pelo fonoaudiólogo. Na avaliação fisioterápica, realizada por um fisioterapeuta, foi feita anamnese, exame físico e história clínica do paciente. Foram obtidas informações sobre a cirurgia, radioterapia, esvaziamento cervical e complicações gerais do tratamento. No exame físico foram avaliadas alterações articulares, musculares, sensitivas, posturais e presença de dor.

As medidas dos movimentos do segmento cervical da coluna vertebral (flexão, extensão, lateralidade direita, lateralidade esquerda, inclinação direita e inclinação esquerda), foram realizadas através do teste goniométrico, para constatar a presença de limitações nos movimentos cervicais 19.

Uma análise clínica subjetiva da postura de cabeça e pescoço também foi realizada através da inspeção visual na avaliação física com o auxílio de um Simetrógrafo. As alterações posturais foram observadas com os voluntários na posição ortostática, nas vistas: anterior, posterior, lateral direita e lateral esquerda. Os critérios analisados foram a presença ou não de anteriorização da cabeça e pescoço na vista lateral 20.

A presença de dor também foi avaliada, mediante a utilização da escala verbal de quatro pontos, composta de quatro adjetivos, sendo que o voluntário deveria escolher uma das alternativas disponíveis que melhor representasse a dor sentida no momento da palpação muscular (0 = ausência de dor, 1 = dor leve, 2 = dor moderada, 3 = dor severa) 21.

Foram excluídos desse estudo os voluntários que já haviam realizado qualquer tipo de tratamento fisioterápico, presença de doenças neurológicas ou qualquer patologia relacionada com a musculatura cervical e ombros.

Outro critério de exclusão analisado foi a presença de tecido cicatricial extenso envolvendo a superfície dos músculos esternocleidomastóideos, para que não houvesse interferência na captação do sinal eletromiográfico.

Em função da não possibilidade do conhecimento da dose total de radioterapia de alguns voluntários, foram excluídos os voluntários que não realizaram radioterapia.

Também foram excluídos desse estudo os voluntários que apresentavam comprometimento do nervo espinhal acessório. Em função da ausência de informações que confirmassem a presença de lesão do nervo espinhal acessório em alguns voluntários da pesquisa, foi considerado de acordo com Lech et al. 22, comprometimento do nervo acessório espinhal, a presença dos seguintes sinais clínicos: queda ou depressão do ombro, escápula alada, atrofia do músculo trapézio, inabilidade em abduzir o braço acima de 90º e dor generalizada na cintura escapular, porém, vale ressaltar que o comprometimento do nervo acessório espinhal pode estar presente, em menor grau, sem manifestações clínicas.

Parâmetros de EMG avaliando a atividade dos músculos

Os sinais eletromiográficos foram coletados no interior de uma gaiola eletrostática de Faraday devidamente aterrada, para isolar o campo eletromagnético do ambiente.

Foram utilizados: um Módulo condicionador de Sinais, MCS-V2 (Lynx Tecnologia Eletrônica Ltda.) com 12 bytes de resolução de faixa dinâmica, filtro do tipo "Butterworth" de passa-baixa de 1000 Hz e passa-alta de 1 Hz, ganho de 100 vezes; Placa conversora A/D (modelo CAD 12/36 da Myosystem - BR1 versão 2.52.) com frequência de amostragem de 1 KHz e; Programa Aqdados versão 4.18 (Lynx Tecnologia Eletrônica Ltda) para apresentação simultânea dos sinais de vários canais e tratamento do sinal. Para a captação dos potenciais de ação dos músculos esternocleidomastóideo e paraespinhais cervicais bilateralmente, foram utilizados eletrodos de superfície ativos simples diferenciais, da Lynx Tecnologia Eletrônica Ltda, com impedância de entrada de 10 GW, CMRR de 130 dB e 2 picofaraday, ganho de 100 vezes, com passa alta de 20Hz e passa baixa de 500Hz, bem como um eletrodo de referência retangular (terra), de aço inoxidável para reduzir o ruído durante a aquisição do sinal eletromiográfico, posicionado na superfície da pele na porção distal da ulna dos voluntários.

Todos os registros eletromiográficos foram realizados com os voluntários sentados confortavelmente em uma cadeira, com as mãos sobre as coxas, os pés apoiados no chão, cabeça ereta e olhar direcionado para frente. Posteriormente os eletrodos foram posicionados sobre a pele, previamente limpa com algodão embebido em uma solução de álcool etílico a 96GL e fixados com fita Micropore – 3M®. Após prova de função muscular os eletrodos foram posicionados no terço médio dos músculos esternocleidomastóideo, bilateralmente de acordo com as recomendações do Surface Electromyography for the Non-Invasive Assessment of Muscles – SENIAM 23 (Figura 1).


Nos músculos paraespinhais cervicais, os eletrodos foram fixados paralelos ao processo espinhoso da quarta vértebra cervical (C4), aproximadamente a 2 cm da linha média bilateralmente (Figura 1) 24. Neste nível, os eletrodos captam sinais dos seguintes músculos: porção superior do músculo trapézio, esplênio da cabeça e do pescoço, semi-espinhais da cabeça e semi-espinais cervicais, por isso ao conjunto desses músculos foi denominado paraespinhais cervicais 24.

Os sinais eletromiográficos foram analisados durante a fala realizada através da laringe eletrônica (grupo 1), voz esofágica (grupo 2) e fala espontânea (grupo controle). Os voluntários foram orientados a realizar a leitura de um texto padronizado durante dez segundos. Previamente à aquisição do sinal eletromiográfico os sujeitos foram instruídos a realizarem a leitura do texto a fim de se familiarizarem com o material. Todas as análises foram obtidas em triplicata, onde foram obtidos os valores de RMS (Root Mean Square) para cada condição realizada. Os valores de RMS foram normalizados pelo pico máximo do sinal eletromiográfico, por apresentar o menor desvio padrão 25.

A realização deste estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP, nº 100/2005, e os voluntários assinaram um termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os testes estatísticos de Wilcoxon e Kruskal– Wallis foram utilizados para a comparação das médias dos valores de RMS, com nível de significância de p ≤ 0,05.

RESULTADOS

De acordo com os resultados obtidos através da goniometria, somente os voluntários dos grupos 1 e 2 apresentavam limitação na amplitude dos movimentos do segmento cervical da coluna vertebral (Tabela 1) .

Na avaliação postural, a anteriorização de cabeça estava presente em seis voluntários também pertencentes aos grupos 1 e 2. Desses seis voluntários, cinco possuíam sintomatologia de dor em região cervical, sendo que três apresentavam dor de intensidade leve e dois moderada, avaliadas mediante o uso da escala verbal (Tabela 1).

No exame eletromiográfico, os resultados foram obtidos primeiramente através da comparação das médias dos valores de RMS dos músculos do grupo 1, durante a fala com a laringe eletrônica e do grupo 2, durante a fala com a voz esofágica. Posteriormente foram comparadas as médias dos valores de RMS dos grupos 1 e 2 com as médias dos valores de RMS dos músculos do grupo controle, na condição de repouso e durante a fonação.

Na comparação dos resultados obtidos pelo grupo 1 e pelo grupo 2, não houve diferença significativa para os músculos avaliados durante a leitura do texto, ou seja, o padrão de ativação muscular não foi diferente durante a fala dos voluntários que utilizam a voz esofágica dos que utilizam a laringe eletrônica como forma de comunicação (Tabela 2 e Figura 2).


Também não houve diferença significativa para os músculos avaliados, durante a fala realizada pelos grupos 1 e 2, comparada com a fala espontânea realizada pelo grupo controle. Sendo assim, o padrão de ativação muscular dos grupos que utilizam tanto a voz esofágica ou a laringe-eletrônica com forma de comunicação não foi alterado com relação ao grupo controle (Tabela 3).

Na condição de repouso, comparando-se os valores médios de RMS dos grupos 1 e 2 com o grupo controle, o músculo esternocleidomastóideo direito apresentou aumento nos valores médios de RMS, porém esses valores não foram significativos (p=0,07). Já para os músculos paraespinhais cervicais direito, houve diminuição nos valores médios de RMS, dos grupos 1 e 2 em relação ao grupo controle, com diferença significativa de p=0,01 (Tabela 4).

DISCUSSÃO

A laringectomia total é uma cirurgia mutilatória que traz várias complicações para a região do pescoço alterando as vias aérea e digestiva pela retirada total da laringe e pela realização da traqueostomia. Tais procedimentos muitas vezes comprometem as funções básicas como a deglutição, respiração, fonação e principalmente a mobilidade do pescoço e ombros 10,12.

Indivíduos submetidos à laringectomia total dispõem de alguns meios de produção de voz para a reabilitação da comunicação oral 9,16. Vários estudos atualmente estão sendo desenvolvidos com o propósito de determinar qual a melhor opção de reabilitação vocal para os pacientes, baseados na inteligibilidade da fala, qualidade vocal, aspectos acústicos, capacidade de adaptação da prótese e uso da opção vocal escolhida 14,26,27.

Apesar de ter sido encontrada apenas uma única referência sobre a utilização da eletromiografia com o propósito de avaliar os músculos cervicais nos pacientes laringectomizados totais relacionando com tipos de fala 28, estudos semelhantes foram encontrados avaliando a atividade elétrica dos músculos cervicais em pacientes disfônicos, considerando a presença de alterações posturais ou sintomatologia de dor juntamente com alterações no padrão de ativação muscular desses indivíduos 17,18.

Na amostra desse estudo, seis voluntários apresentavam como principal alteração postural a anteriorização da cabeça. Desses, três apresentavam dor de intensidade leve, dois moderada e um não apresentava dor. A presença da dor é um fator que compromete a reabilitação do paciente pelo mecanismo de proteção, resultando em encurtamentos musculares e consequentemente alterações posturais, em especial na cabeça e ombros 29.

De acordo com os resultados dessa pesquisa, houve alteração no padrão de ativação muscular dos voluntários dos grupos 1 e 2 durante repouso, onde valores médios de RMS apresentaram-se aumentados para o músculo esternocleidomastóideo direito, e diminuídos para os músculos paraespinhais cervicais direito, comparados ao grupo controle. Os resultados desta pesquisa concordam com os resultados obtidos em estudo semelhante, em que foram avaliados os músculos esternocleidomastóideos, trapézio fibras superiores e infra-hióideos de indivíduos disfônicos, constatando redução significativa dos valores médios de RMS obtidos na situação de repouso para todos os músculos avaliados após a aplicação da TENS (Estimulação elétrica nervosa transcutânea) 18.

A anteriorização de cabeça pode ter resultado no aumento dos valores de RMS comparados ao grupo controle, uma vez que 60% dos voluntários apresentavam anteriorização de cabeça como principal alteração postural. A hiperatividade e o encurtamento do músculo esternocleidomastóideo é um dos principais efeitos da posição cefálica anteriorizada 30, uma vez que os músculos esternocleidomastóideos permanecem encurtados quando a cabeça está posicionada à frente 20.

Ao contrário do que foi observado para o músculo esternocleidomastóideo direito, os músculos paraespinhais cervicais direito apresentaram os valores médios de RMS diminuídos na condição de repouso, quando comparados ao grupo controle. A manutenção da postura de cabeça é determinada pelo equilíbrio de forças entre os músculos cervicais anteriores e posteriores (agonistas e antagonistas), onde a excessiva atividade de um músculo encurtado pode resultar em inibição de seu antago- nista 31. Esse princípio pode justificar que o aumento nos valores médios de RMS do músculo esternocleidomastóideo direito resultou na diminuição dos valores de RMS dos músculos paraespinhais cervicais esquerdo pelo princípio da inibição muscular.

Durante a fonação não houve alteração no padrão de ativação entre os grupos experimentais e controle. Estudo semelhante também não encontrou alteração no traçado eletromiográfico na fala espontânea dos músculos esternocleidomastóideos e trapézio (fibras superiores), porém encontrou alteração para os músculos infra-hióideos, na avaliação eletromiográfica de indivíduos disfônicos 18.

Resultados semelhantes foram encontrados por Heaton et al, 2004 28 que, ao avaliarem pacientes laringectomizados totais, que se comunicavam por meio da eletrolaringe e prótese traqueosofágica, encontraram alterações nos traçados eletromiográficos dos pacientes durantes a fonação nos músculos infrahiodeos, enquanto que para os músculos esternocleidomastóideos as alterações eletromiográficas foram mais evidentes na avaliação da movimentação cervical.

Na comparação da fala de indivíduos que fazem uso da voz esofágica com os indivíduos que usam a laringe eletrônica como forma de comunicação, também não houve diferença significativa no padrão de ativação muscular, supondo que fatores individuais, como a presença de fibrose, encurtamentos musculares, dor, inabilidade com o aparelho (laringe artificial) e dificuldade cognitiva, tem interferência maior na fala, podendo resultar na alteração do padrão muscular, do que o tipo de fonação escolhida 26.

CONCLUSÃO

O tipo de opção vocal (laringe artificial e voz esofágica) não interferiu no padrão de ativação muscular durante a fonação, bem como não foi encontrado diferença no padrão de ativação muscular na fonação desses voluntários quando comparados a indivíduos que não sofreram intercorrências no aparelho fonatório. No entando, é importante considerar que os pacientes submetidos a laringectomia total geralmente apresentam sequelas como alterações postuais, encurtamentos musculares e dor, que podem interferir na atividade elétrica dos músculos cervicais. A eletromiografia de superfície mostrou ser um método favorável na avaliação terapêutica dos pacientes, porém são necessários novos estudos para se ter o perfil mais completo destes aspectos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à CNPQ pelo apoio financeiro concedido para a realização dessa pesquisa.

Recebido em: 05/05/2008

Aceito em: 01/06/2009

Conflito de interesses: inexistente

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    Cristina Bellini dos Santos
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Recebido
      05 Maio 2008
    • Aceito
      01 Jun 2009
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